Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FELIZARDO PAIVA | ||
Descritores: | ARTICULADO SUPERVENIENTE TRABALHADOR ESTRANGEIRO FALTA AUTORIZAÇÃO REGIME APLICÁVEL | ||
Data do Acordão: | 03/17/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO – 2ª SECÇÃO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 506º CPC; 87º E 282º DO CÓDIGO DE TRABALHO | ||
Sumário: | I – Nos termos do artº 506º do CPC, se a parte tiver conhecimento de factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito ocorridos anteriormente ao termo dos prazos dos articulados mas de que apenas tenha tido conhecimento posteriormente a tais prazos, pode alegar tais factos em articulado superveniente, devendo, neste caso, produzir–se prova da superveniência. II – Ao cidadão estrangeiro que se encontra a trabalhar em Portugal sem a respectiva autorização, não se tratando de um caso de destacamento (artº 7º Código do Trabalho), não se aplica o regime laboral estabelecido no Código do Trabalho, excepto no que respeita a acidentes de trabalho – artº 282º do C. Trabalho. III – Isso mesmo resulta do disposto no artº 87º do C. T., quando determina que “o trabalhador estrangeiro que esteja autorizado a exercer uma actividade profissional subordinada em território português goza dos mesmos direitos e está sujeito aos mesmos deveres do trabalhador com nacionalidade portuguesa”, ou seja, para que o trabalhador estrangeiro beneficie do regime específico do C.T., maxime o que resulta da caracterização jurídica da relação como de trabalho subordinado é necessário que esteja autorizado a exercer a sua actividade em território nacional. IV – Em relação a cidadão estrangeiro que não esteja autorizado a exercer uma actividade profissional em Portugal não há que falar em contrato de trabalho e muito menos em despedimento ilícito e nas suas consequências: direito à indemnização por antiguidade (em substituição da reintegração do trabalhador) e aos salários intercalares. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:
I – A... , solteira, de nacionalidade brasileira, residente na Rua ...., intentou a presente acção declarativa emergente de contrato de trabalho contra o B..., com sede em ....., pedindo: 1) A declaração de ilicitude do seu despedimento. 2) A condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 7.400,00, acrescida dos salários de tramitação e dos juros que, à taxa legal, se vencerem até integral pagamento legais a título de diferenças salariais; c) A pagar-lhe as retribuições que normalmente auferiria até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida b) A pagar-lhe os juros calculados à taxa legal sobre as importâncias em dívida desde a data da citação e até integral pagamento. Alegou em síntese ter outorgado com a Ré um contrato de trabalho tendo esta procedido ao seu despedimento sem que o mesmo tivesse sido precedido de processo disciplinar encontrando-se ainda em divida créditos laborais. + Realizada sem êxito a audiência de partes foi a ré notificada para contestar, o que fez alegando em resumo não ter outorgado qualquer contrato de trabalho com a autora, a qual prestou a sua actividade ao abrigo de um contrato de prestação de serviços devendo a acção ser julgada improcedente e a autora condenada como litigante de má fé. Respondeu a autora concluído da forma como o havia feito na petição inicial. ** II. Foi proferido despacho saneador não se fixando base instrutória. A ré veio apresentar articulado superveniente o qual, por despacho de fls.158, foi indeferido liminarmente. Inconformada com esta decisão dela agravou[1] a ré alegando e concluindo:
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+ Respondeu a autora alegando em conclusão
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+ O Exmo Juiz “a quo” manteve tabelarmente o despacho impugnado. ** III – Prosseguiram os autos a sua normal tramitação com prolação da sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu julgar ilícito o despedimento da autora com condenação da ré a pagar-lhe: a) o montante de € 3.600 (três mil e seiscentos euros), a titulo de indemnização em substituição da reintegração, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde 3/11/2006 e até efectivo e integral pagamento. b) os salários intercalares desde a data do despedimento até à data em que a autora abandonou o território nacional - relegando-se para liquidação posterior a fixação de tal data -, deduzido o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção. c) o montante de € 733,33 (setecentos e trinta e três euros e trinta c três cêntimos) a título ele subsídio de Natal referente ao trabalho prestado em 2005, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde 15/12/2005 e até efectivo e integral pagamento. d) o montante ele € 600 (seiscentos euros) a título de subsídio de Natal referente ao trabalho prestado em 2006, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data do despedimento (30 de Junho) e até efectivo e integral pagamento. e) o montante de € 1.200 (mil e duzentos euros) a título de subsídio das férias vencidas em 1/1/2006 e referentes ao trabalho prestado em 2006 acrescido de juros de mora a taxa legal desde a data do despedimento (30 de Junho) e até efectivo e integral pagamento. - o montante de € 1.200 (mil e duzentos euros) a título de proporcionais de férias e subsídio de ferias referentes ao trabalho prestado em 2006, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data do despedimento (30 de Junho) e até efectivo e integral pagamento. ** IV – Inconformada veio a ré apelar, alegando e concluindo:
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+ Em resposta alegou a autora em síntese conclusiva:
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+ O Exmo PGA emitiu parecer no sentido de que quer o agravo quer a apelação devem ser julgados improcedentes. ** V – Dos factos: Da 1ª instância vem assente a seguinte matéria de facto, que se fixa: 1. A Ré dedica-se à actividade de consultoria em programação informática a qual corresponde o CAE 72220. 2. No exercício da sua actividade profissional a Ré assumiu a representação e a função de único distribuidor em Portugal e nos PALOPS da RM Sistemas, a empresa Unidata - Sistemas e Tecnologia, Lda., com sede em Cuibá, Brasil. 3. A autora era engenheira informática na indicada empresa brasileira. 4. Atendendo à experiência da autora nos produtos de software vendidos pela RM Sistemas, e que a Ré ficou como representante da RM Sistemas em Portugal, a Ré acordou com a autora que esta viesse trabalhar para a Ré em Portugal, devendo a Ré tratar de toda a documentação necessária para a legalização da autora como residente e trabalhadora em Portugal. 5. Nesse sentido a Ré manifestou Junto do Instituto de Emprego e Formação Profissional interesse na contratação da autora e pediu à mesma que viesse imediatamente para Portugal assumir as suas funções. 6. A autora veio para Portugal com um visto de férias. 7. Desde 1º de Maio de 2005 a Autora integrou-se na equipa de trabalhadores da Ré a exercer funções de analista e consultora de implementação de sistemas informáticos. 8. Tais funções consistiam em autora prestar assistência aos clientes da Ré, instalando os programas informáticos por eles adquiridos, dando-lhes formação sobre os mesmos, inserindo dados naqueles e prestando todo o apoio após venda, funções que exercia de Segunda a Sexta, das 9 às 18 horas, com interregno para almoço compreendido entre as 12,30 e as 14 horas. 9. A autora trabalhava com os meios fornecidos pela Ré e pelo salário mensal de € 1.200,00, a que acresciam despesas de deslocação e alimentação, tudo pago por transferência bancária. 10. A Ré raramente lhe pagou o salário por inteiro de uma só vez e atempadamente. 11. A autora sempre desempenhou a sua actividade com zelo e assiduidade, ao ponto de a gerência da Ré ter tecido elogios quanto ao seu trabalho. 12. Com vista à obtenção da documentação necessária para a legalização da autora, a Ré, decorridos dois meses do início da prestação de trabalho daquela, mais concretamente em 28 de Julho de 2005, celebrou com a mesma um contrato promessa de trabalho, destinando-se o mesmo, única e exclusivamente, a obter junto do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho a documentação necessária para apresentar no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. 13. No mesmo sentido a Ré escreveu ao Cônsul de Portugal em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, pedindo a apreciação positiva do Visto de Trabalho a conceder à Autora. 14. A Ré perdeu a representação da RM Sistemas. 15 Em 30 de Junho a Ré informou autora que deixaria de trabalhar a partir daquela data porque a empresa iria deixar de laborar, pelo que desde tal data a Autora não mais trabalhou para a Ré. 16. A Ré não pagou à autora qualquer quantia a título de subsídio de férias e de Natal de 2005 e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2006. 17. A Ré não efectuou qualquer desconto para a Segurança Social. 18. C... nunca exerceu funções de gerente da Ré. 19. Em reunião havida nos escritórios da Ré, C... foi apresentado a todos os colaboradores da Ré, incluindo autora, como Director Geral. 20. A autora deslocava-se aos clientes em transporte públicos que a Ré pagava ou transportada por C..., para prestar assistência técnica, apresentando depois à Ré, um relatório da assistência prestada. 21. Sempre que não tinha que se deslocar aos clientes a autora trabalhava nas instalações da Ré cumprindo o horário de trabalho referido no artigo 13 da petição inicial. 22. A Ré nunca concedeu férias à autora nem lhe pagou quaisquer quantias a título de subsídio de férias ou de Natal. 23. A Ré nunca procedeu à retenção na fonte para o IRS de qualquer quantia que tenha sido disponibilizada à Autora . 24. Não foi efectuado qualquer desconto e pagamento de contribuições para a Segurança Social. 25. A Ré deixou de ser distribuidora em Portugal do software produzido pela RM Sistemas em Junho de 2006. 26. Sempre foi C..., intitulando-se como legal representante da Ré, quem contactou a Autora, assinou todos os documentos relativos a mesma, nomeadamente, a manifestação junto do Instituto do Emprego e Formação Profissional do interesse da Entidade Empregadora na contratação de cidadão estrangeiro, a carta enviada ao Cônsul de Portugal em Belo Horizonte, o contrato promessa de trabalho e as mensagens de correio electrónico que enviava à autora. 27. Como sempre foi ele quem deu ordens e instruções à autora e fiscalizou o seu trabalho. 28. Era C... que indicava à autora quais os clientes da Ré a quem a autora deveria dirigir-se para instalar os programas definidos pela Ré e prestar a assistência contratada entre a Ré e os seus clientes, limitando-se a Autora a preencher os relatórios de atendimento técnico para que a Ré pudesse controlar o seu desempenho e a facturação do cliente. 29. A maior parte das vezes era C... quem transportava A Autora aos clientes, sem que, outras vezes, a mandava ir de táxi ou comboio, dizendo-lhe para apresentar depois as despesas para reembolso. 30. C... era Director Geral da Ré. ** VI - Do Direito: Conforme decorre das conclusões da alegação dos recorrentes que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso (artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), as questões que importa dilucidar e resolver são as seguintes: ü Recurso de agravo. Saber se o articulado superveniente apresentado pela ré deve ou não ser admitido. ü Recurso de apelação. Saber se a autora tem direito à indemnização por antiguidade e a receber os salários intercalares + Do agravo: Em 23/02/2007 a ré apresentou um articulado superveniente pedindo que “devem ser considerados assentes, por provados por documentos, os factos alegados nos artºs 1º a 5º, de que a ré apenas tomou conhecimento depois de ter apresentado a sua contestação e, a final, ser a presente acção julgada improcedente”. Nos citados artigos dava conta a ré de que, por requerimento da A notificado à ré em 13/02/07, tomou conhecimento de que o SEF indeferiu o pedido de prorrogação da permanência da autora, notificando-a para abandonar voluntariamente o país, em 25 de Julho de 2006, no prazo de vinte dias. Mais dava a ré conta que a autora, após ter reentrado em Portugal, em 14/12/05 requereu em 10/03/06 a prorrogação da sua permanência em território nacional alegando estar a preparar o seu casamento em Portugal, não tendo invocado perante o SEF a qualidade de trabalhadora da ré, pelo que o indeferimento da prorrogação de permanência da autora não resultou da falta de visto de trabalho, mas por motivo imputável à autora, dado que “fundamentou mal o pedido” como reconheceu nas alegações entradas no SEF em 20/04/2006. Na sequência da apresentação do aludido articulado o Juiz “a quo” proferiu o seguinte despacho: “A autora deduziu oposição ao articulado superveniente invocando, desde logo, a sua extemporaneidade. Alega, para tanto, que a ré sempre soube do processo que corria no SEF. Os factos que estão em causa ocorreram em 2005. A ré alega que tomou conhecimento daqueles apenas em 13/02/07. Porém, os documentos juntos não demonstram a data em que a ré teve conhecimento de tais factos mas somente a data em que lhe foram remetidos os documentos juntos. Com o articulado a ré deveria ter arrolado prova da tempestividade. Não o tendo feito e invocando a autora a sua extemporaneidade, indefere-se liminarmente o articulado”. Apreciando: Em processo de trabalho os articulados supervenientes seguem o regime processual previsto no artº 506º do CPC (artº 60º nº 2 do CPT). Segundo este normativo se a parte tiver conhecimento de factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito ocorridos anteriormente ao termo dos prazos dos articulados mas de que apenas tenha tido conhecimento posteriormente a tais prazos, pode alegar tais factos em articulado superveniente, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência. Ora, conforme se decidiu no despacho recorrido a ré não apresentou qualquer prova da superveniência, sendo que dos documentos juntos não resulta a data ou momento em que a ré teve conhecimento de tais factos Por outro lado, alegando a autora que a ré tinha conhecimento quer do teor do processo que corria no SEF, quer do resultado do mesmo (indeferimento do pedido de prorrogação), comunicado pela A. à Ré, via correio electrónico e pessoalmente, no mês de Outubro de 2006 (quando foi receber o salário referente ao mês de Junho) e sabendo a ré que a autora se encontrava no Brasil (conforme decorre da acta da audiência de partes de fls. 48), era exigível á autora que apresentasse prova da superveniência. Como não o fez, bem andou o tribunal “a quo” em indeferir liminarmente o articulado apresentado. Acresce, por último que, conforme se irá dizer aquando da apreciação da apelação, os factos constantes do articulado superveniente não tem interesse para a decisão da questão de direito. Consequentemente decide-se em manter integralmente o despacho recorrido. + Da apelação: A questão de direito tem de ser analisada na perspectiva de que a autora é uma cidadã estrangeira; e este facto altera a forma como a questão foi abordada pelas partes e pela decisão impugnada. Com efeito, a autora, cidadã de nacionalidade brasileira, apenas estava autorizada a permanecer em Portugal com base num visto turístico, visto este que a autorizava apenas a permanecer em território nacional e não já a trabalhar neste mesmo território[2]. Não se tratando de um caso de destacamento (artº 7º do CT), ao trabalhador estrangeiro que se encontra a trabalhar em Portugal sem a respectiva autorização não se aplica o regime laboral estabelecido no Código do Trabalho, excepto no que respeita a acidentes de trabalho (artº 282º do CT) – cfr Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 3ª edição, págº 378[3].. Isso mesmo resulta do disposto no artº 87º do CT quando determina que “o trabalhador estrangeiro que esteja autorizado a exercer uma actividade profissional subordinada em território português goza dos mesmos direitos e está sujeito aos mesmos deveres do trabalhador com nacionalidade portuguesa”, ou seja, para que o trabalhador estrangeiro beneficie do regime específico do CT “maxime” o que resulta da caracterização jurídica da relação como de trabalho subordinado é necessário que esteja autorizado a exercer a sua actividade em território nacional, o que não se passava com a autora. E isto em nada colide com o princípio constitucional consagrado no artº15º da CRP porquanto estepressupõe que os cidadãos estrangeiros tenham legalizado a sua situação em território nacional. Do exposto resulta que no caso em apreciação não há que falar em contrato de trabalho[4] e muito menos em despedimento ilícito e nas suas consequências: direito à indemnização por antiguidade e aos salários intercalares. Assim, embora por fundamentos diferentes, não são devidas à autora as quantias arbitradas a título de indemnização e de salários intercalares. A apelação procede. * VII – Termos em que se decide: 1) Julgar totalmente improcedente o recurso de agravo com integral manutenção do despacho impugnado. 2) Julgar totalmente procedente o recurso de apelação em função do que se revoga a sentença recorrida na parte impugnada indo a ré absolvida dos pedidos de condenação na quantia de € 3.600 (três mil e seiscentos euros), a titulo de indemnização em substituição da reintegração e do pagamento dos salários intercalares ou de tramitação. * Custas do agravo a cargo da ré. Não é devida tributação pela apelação.
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