Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
391/04.4TTGRD. C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: PROCESSO DISCIPLINAR
PROVAS
TRABALHADOR
PRESCRIÇÃO DA INFRACÇÃO
CONTAGEM DOS PRAZOS
Data do Acordão: 10/23/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 10º, Nº 5, DO D.L. 64-A/89, DE 27/02, E 27º, Nº 3, DO D. L. 49.408, DE 24/11/1969 (LCT).
Sumário: I – O artº 10º, nº5, do D.L. nº 64-A/89, de 27/02, dispunha que “a entidade empregadora, directamente ou através de instrutor que tenha nomeado, procederá obrigatoriamente às diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo, nesse caso, alegá-lo fundamentadamente por escrito”.

II – Como é jurisprudência seguida, a entidade empregadora não é obrigada a realizar todas as diligências requeridas pelo trabalhador, mas suportará as consequências da não realização daquelas que a um empregador razoável se mostrem importantes para o apuramento dos factos e que comprometam gravemente a defesa daquele.

III – Competindo a direcção e organização do processo disciplinar ao empregador, sendo ele o “proprietário” de elementos escritos – de que tem necessariamente conhecimento – cuja junção foi requerida ao processo disciplinar, a falta de junção destes não parece, por si só, passível de violar o princípio do contraditório (nos actos de produção de prova), nem estritamente as garantias de defesa consignadas na lei aos trabalhadores.

IV – O processo disciplinar não é uma acção judicial. Como refere Pinto Furtado (in Disposições Gerais do Código Comercial, Almedina, 1984, pg. 120) para a situação do processo administrativo disciplinar, também não encontramos quanto ao processo laboral disciplinar norma explícita que “obrigue” à apresentação da escrituração comercial, com derrogação das regras do Código Comercial.

V – Nos termos do nº 3 do artº 27º do D. L. 49.408, de 24/11/1969 (LCT), em vigor à data dos factos em apreço, a “infracção disciplinar prescreve ao fim de um ano a contar do momento em que teve lugar, ou logo que cesse o contrato de trabalho”, o que significa que, mantendo-se o contrato de trabalho, a infracção deixa de ser punível se tiver decorrido mais de um ano, entre a data em que foi cometida e a data da instauração do procedimento disciplinar, sendo irrelevante que a entidade empregadora tenha conhecimento, ou não, da prática da mesma.

VI – O prazo da prescrição inicia-se logo a partir do momento em que a infracção foi cometida, sendo irrelevante a data em que a entidade empregadora tomou conhecimento da sua prática e o próprio desconhecimento da infracção.

VII – Todavia, quando a infracção disciplinar não se traduz na prática de um simples acto, mas numa série de actos susceptíveis de configurar uma infracção de natureza continuada ou permanente, embora a LCT e o D. L. nº 64-A/89 (LCCT) fossem omissas a tal respeito, a jurisprudência e a doutrina entendiam que, naqueles casos, o prazo da prescrição só começava a decorrer a partir do último acto que integrar a infracção e entendiam, também, que a prescrição era interrompida com o recebimento da nota de culpa ou com a instauração do processo prévio de inquérito, nos casos em que este se mostrasse necessário.

Decisão Texto Integral: Autor: A...

Ré: B...


            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. O autor intentou contra a ré acção declarativa de condenação, na forma comum, pedindo a declaração da nulidade e ilicitude do despedimento de que foi alvo, com a condenação da ré a proceder à sua reintegração no seu posto de trabalho, com a categoria, antiguidade e retribuição que teria se não tivesse sido despedido, e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento e até à data da sentença, bem como no pagamento de juros de mora, à taxa legal, sobre as referidas importâncias, desde o seu vencimento e até integral pagamento.

Alegou, para tanto, que trabalhou por conta da ré, como gerente de agência, desde 29 de Janeiro de 2001 até 7 de Agosto de 2003, data em que foi por ele despedido, por decisão proferida em sede de processo disciplinar. E que tal despedimento é ilícito, desde logo por ser nulo o processo disciplinar, uma vez que não foram realizadas diligências probatórias por si requeridas na resposta à nota de culpa. Além disso, várias das infracções imputadas já estavam prescritas aquando da remessa da nota de culpa. Por outro lado, a ilicitude do despedimento provém ainda, segundo o autor, de alguns dos factos praticados serem justificados pela actual realidade das funções de gerente, caracterizada por pressão constante e ritmo intensivo, com sobrecarga de trabalho. Além disso, agiu sempre de boa fé, procurando zelar pelos interesses do réu.

Alega ainda que parte dos factos que lhe são imputados não revestem qualquer anormalidade, constituindo procedimentos comuns e sancionados ou aceites pela direcção da ré. Por fim, o autor nega ter praticado alguns dos factos que lhe são imputados pela ré.

Contestou a ré alegando, no essencial, que despediu o autor com justa causa, apurada em processo disciplinar válido e eficaz, não se verificando qualquer nulidade ou prescrição. Justa causa de despedimento essa que se consubstanciaria no facto do autor ter violado, de forma continuada e sucessiva, os regulamentos e regras existentes no B..., no que respeita à autorização de descobertos em conta, à concessão de crédito, e à aprovação de operações de desconto de títulos de crédito. Além disso, alega que o autor encobriu à hierarquia situações de incumprimento de clientes, mentiu à Direcção de Auditoria Interna, e falsificou a assinatura do gerente administrativo. E que com essa conduta consciente, intencional e culposa, violadora dos deveres de respeito, lealdade, obediência, e zelo e diligência, o autor lesou o réu e colocou em definitiva crise a confiança inerente à relação laboral. Por fim, o réu sustenta que as quantias pedidas pelo autor não são devidas, sendo certo que recebeu montantes de rendimento após o despedimento, designadamente subsídio de desemprego.
Concluiu pela improcedência da acção.

O autor não apresentou resposta à contestação.

No início da audiência de julgamento, a ré deduziu incidente de oposição à reintegração do autor, cuja improcedência foi por este solicitada. Por despacho, relegou-se a apreciação de tal incidente para a sentença final.


*

Efectuada a audiência de julgamento, veio a final a ser proferida sentença que julgou a parcialmente procedente a acção e, em consequência: a) declarou a ilicitude do despedimento do autor promovido pela ré; b) condenou a ré na imediata reintegração do autor no seu local e posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; c) condenou a ré no pagamento ao autor da quantia global de € 115.046,72, acrescida dos respectivos juros de mora, contados desde a data de vencimento de cada prestação retributiva e até integral e efectivo pagamento, computados à taxa legal de 4 % ao ano.

Inconformada, a ré interpôs apelação e, nas correspondentes alegações, apresentou as seguintes conclusões:

(………………………………………………………………………………………)

O autor fez apresentação de contra-alegações, nas quais pugna pela improcedência da apelação.

Por sua vez, veio também apresentar recurso subordinado, no qual apresenta as seguintes conclusões:

(…………………………………………………………………………………….)

A ré, a este recurso subordinado, fez apresentação de contra-alegações, nas quais pugna pela sua improcedência.

Recebidos os recursos e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto no sentido de que não assiste razão à ré recorrente.


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II- OS FACTOS:

Do despacho que decidiu a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:

(……………………………………………………………………………………..)


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III. Direito

As conclusões das alegações dos recursos delimitam o seu objecto (arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Temos, então, dois distintos recursos, decorrendo do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver, no âmbito das conclusões, se podem equacionar basicamente da seguinte forma:

A. Recurso de apelação da ré:

- a de saber se, tal como concluiu a sentença da 1ª instância, ocorreu nulidade insuprível no processo disciplinar, geradora da ilicitude do despedimento;

- na resposta negativa a esta questão, saber através da análise do mérito dos fundamentos invocados para o despedimento este foi lícito ou ilícito;

- no caso de se considerar o despedimento ilícito, se pode proceder a oposição à reintegração do autor;

- nesse caso ainda, se a liquidação das quantias em que a ré foi condenada está correcta.

B. Recurso subordinado do autor:

- se se justifica a alteração de sentença da 1ª instância no que toca ao momento a atender como limite temporal final para a definição dos direitos conferidos ao autor pelo despedimento ilícito, atendendo-se não ao momento daquela sentença mas à da decisão final que ponha fim ao processo.

Apreciando, seguiremos a ordem dos recursos

1. Quanto ao recurso de apelação da ré:

1.2. Quanto à nulidade do procedimento disciplinar:

A questão suscitada pelo autor – e acolhida favoravelmente pela 1ª instância – quanto à nulidade do processo disciplinar que culminou com a decisão de despedimento, relaciona-se com a omissão pela ré de produção de uma diligência probatória requerida pelo autor.

Embora tais factos não estejam contidos explicitamente na decisão de facto acima reproduzida, eles retiram-se do processo disciplinar escrito para o qual aquela decisão remete.

Assim, podemos verificar que, na resposta à nota de culpa, o autor requereu o seguinte: “para prova do artº 16º da Resposta requer a junção de mapas de resultados e rentabilidade da agência da Guarda relativos ao ano de 2001 e à actividade da mesma até ao mês de Agosto de 2002”.

A ré não juntou tais elementos, tendo justificado a recusa, conforme se lê do relatório final de instrução (fls. 84), do seguinte modo:

Antes de mais, e salvo devido respeito, não se vislumbra em que medida a recusa por parte do G... de junção aos autos dos mapas de rendibilidade põe em causa a defesa do Arguido.

Com efeito, conforme se pode constatar da nota de culpa, não está em causa nos presentes autos a maior menor rendibilidade do estabelecimento da Guarda, a qual aliás não dependia em exclusivo da actuação do Arguido, mas sim um conjunto de práticas que, no entender do G..., constituem infracções disciplinares.

Assim e desde logo, a junção de tais documentos é dispicienda pelas razões acima referidas.

Por outro lado bastará analisar o disposto nos arts. 41 a 43º do Código Comercial para se verificar que são extremamente restritas as condições de exibição da escrituração mercantil.

Assim, salvo o devido respeito por melhor opinião, não impende sobre o G... o dever de devassa da sua escrituração mercantil ainda mais quando os elementos requeridos são dispiciendos para a defesa do Arguido o qual, repete-se, não é acusado de ser responsável pela diminuição ou aumento da rendibilidade do balcão da Guarda”.

O artigo 16º da resposta à nota de culpa, a que o autor pretendia agregar como meio de prova aqueles elementos de escrita comercial, tinha a seguinte redacção: “se a esta situação acrescentarmos a complexidade e importância da agência que o arguido chefiava, com bastante crédito mal parado, com cerca de 7 000 contas, com cerca de € 23 443 500,00 em recursos em Janeiro de 2000 e cerca de € 27 932 680,00 em Agosto de 2002, compreendemos que gerir o risco comercial e cumprir rigorosamente todas as regras definidas pelo B..., é muitas vezes uma tarefa (praticamente) impossível”.

Está portanto em causa a avaliação da licitude desta mencionada recusa face ao disposto no artº 10º, nº 5 do DL 64-A/89, de 27-2 (aplicável ao caso dos autos) e que dispunha: “a entidade empregadora, directamente ou através de instrutor que tenha nomeado, procederá obrigatoriamente às diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo, nesse caso, alegá-lo fundamentadamente por escrito”.

A 1ª instância julgou improcedentes as duas justificações de recusa apresentadas pela ré.

Vejamos, então, se essa é a melhor posição.

Como é jurisprudência seguida, a entidade empregadora não é obrigada a realizar todas as diligências requeridas pelo trabalhador, mas suportará as consequências da não realização daquelas que a um empregador razoável se mostrem importantes para o apuramento dos factos e que comprometam gravemente a defesa daquele (v., p. ex., Acs. RC de 2-5-1990, in CJ, 3º-84 e do STJ de 3.7.91, in BMJ, 399º-360).

Os elementos de escrita comercial, em causa, visavam segundo o autor confirmar os factos alegados e não apurar outros.

Ora sucede que tais elementos, uma vez que a ré não alegou não os possuir, estariam ao alcance do conhecimento da própria ré.

Seria fundamental que a ré juntasse tais elementos ao processo, quando os conhecia e deles era proprietária?

Como diz Pedro de Sousa Macedo (Poder Disciplinar Patronal, Coimbra - 1990, pág. 150), “a natureza inquisitória do processo disciplinar afasta o exercício do contraditório nos actos de produção de provas. Assim, não tem o trabalhador arguido que ser notificado da realização das diligências nem lhe é facultada a sua presença ou de advogado que o represente”. Neste sentido se pronunciou o Ac. da Relação do Porto de 12-12-2005 (CJ, t.V-247), bem como os Ac. do STJ de 4-02-2004 e da Relação do Porto de 27-03-2005, in www.dgsi.pt, proc. 03S3946 e 9411105).

Ou seja, competindo a direcção e organização do processo disciplinar ao empregador, sendo ele o “proprietário” de elementos escritos – de que tem necessariamente conhecimento – cuja junção foi requerida ao processo disciplinar, a falta de junção destes não parece, por si só, passível de violar o princípio do contraditório (nos actos de produção de prova), nem estritamente as garantias de defesa consignadas na lei aos trabalhadores. Assim o afirmamos, porque neste caso, após a sua eventual junção, não haveria lugar a contraditório, sendo que é ao próprio empregador – e não a terceiro imparcial – que cabe a decisão final no processo disciplinar (para além da sua direcção e organização, como se disse).

Esta falta de essencialidade de junção, merece maior relevo e atenção, para um caso como o dos autos, quando se invocam, para a não junção, motivos de sigilo comercial.

A ré, como vimos, invocou os arts. 41º a 43º do Código Comercial para não se sentir obrigada a devassa da sua escrita.

Como se sabe, do artigo 41º desse Código retira-se o princípio geral do segredo da escrituração mercantil (v. Pereira de Almeida, Direito Comercial, AAFFL e Pinto Furtado, Disposições Gerais do Código Comercial, Almedina, 1984, pag. 112)). O princípio comporta diversas excepções, algumas elencadas nos artigos seguintes, referentes a situações de produção judicial de prova por exibição e por apresentação (referindo-se o artigo 534º do C. P. Civil à possibilidade da realização de inspecções ou exames às escriturações mercantis, dispondo que ela se rege pelo disposto na legislação comercial). A protecção da escrituração comercial pelo sigilo não constitui, assim, princípio absoluto, comportando, os desvios contemplados pela possibilidade de “exibição judicial” e de “exame por apresentação”, em conformidade com o estipulado pelos artigos 42º e 43º, todos do Código Comercial, respectivamente.

O artigo 42º estipula que “a exibição judicial da escrituração mercantil e dos documentos a ela relativos, só pode ser ordenada a favor dos interessados, em questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade e no caso de insolvência”, acrescentando, porém, o artigo 43º (corpo principal), que “fora dos casos previstos no artigo precedente, só pode proceder-se a exame da escrituração e dos documentos dos comerciantes, a instâncias da parte ou oficiosamente, quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida”, devendo o mesmo ter lugar, continua o respectivo & único, “…no domicílio profissional ou sede deste [comerciante], em sua presença, e é limitado à averiguação e extracção dos elementos que tenham relação com a questão”.

Enquanto a exibição judicial envolve o exame completo dos livros, permitindo uma devassa total da actividade profissional do comerciante, e só pode, por isso, ter lugar, nos casos, taxativamente, enumerados no artigo 42º, já o exame por apresentação constitui, segundo o preceituado pelo artigo 43º, um exame restrito aos lançamentos que interessam à prova de determinado facto concreto, não assumindo, consequentemente, a mesma gravidade.

Mesmo em processo judicial, o dever de cooperação para a descoberta da verdade e na administração da justiça, imposto às partes e a terceiros, a que aludem os artigos 519º, nº 1, 266º, 266º-A, 528º, 531º e 535º, todos do C.P.C., tem limites, ditados pela ideia geral de não exigibilidade, não prejudicando as regras próprias da legislação comercial, que prevalecem sobre aquelas.

Naturalmente que o comerciante a quem pertença a escrituração a exibir ou a examinar e que não seja terceiro, apenas está sujeito às diligências requeridas pela parte contrária desde que seja responsável por qualquer acto que imponha a sua realização, na hipótese do artigo 43º (seria o caso da ré, no caso em apreciação). Procura-se conciliar, de forma proporcional, o direito ao segredo comercial e o princípio da cooperação com vista à descoberta da verdade material e na administração da justiça.

O exame judicial limitado ou o exame por apresentação pode, assim, ser requerido, por qualquer das partes em litígio, mas supõe sempre uma acção judicial em que existam interesses controvertidos (v. Pinto Furtado, ob. cit., pag. 119).

Ora, o processo disciplinar não é uma acção judicial. Tal como refere Pinto Furtado (ob. cit. pag. 120) para a situação do processo administrativo disciplinar, também não encontramos quanto ao processo laboral disciplinar norma explícita que “obrigue” à apresentação da escrituração comercial com derrogação das regras do Código Comercial.

Acresce que o autor requereu a junção ao processo de elementos da escrita e não o exame por apresentação no domicílio profissional ou sede da ré, em sua presença (43º, & único). Nem isto faria muito sentido – e aqui retomamos o que, no início, dissemos – porque esse exame se destinava a convencer a própria ré, proprietária desses elementos e titular do poder de decisão no processo disciplinar…

Assim, entendemos que a concordância prática dos princípios que regem o processo disciplinar, no que toca à sua estrutura inquisitória, aos princípios do contraditório, das garantias de defesa, por um lado, bem como aos que regem o segredo da escrita mercantil e suas excepções, por outro, nos levam a considerar justificada a recusa pela ré da requerida junção de elementos da sua escrita, podendo ter considerado (à luz dessa operação de concordância) tal tarefa patentemente impertinente.

Por outro lado, não vemos que tendo em conta a matéria de facto a que se destinavam, em sede probatória, - embora de algum relevo em sede de apreciação global disciplinar -, se revista de essencialidade tal que a recusa da junção tenha afectado gravemente a defesa do autor. É que, como dissemos, a ré (como decisor disciplinar) tinha conhecimento desses elementos e podia ponderá-los, mesmo sem os juntar, na decisão a tomar no processo. Também por aqui não se afigura totalmente irrazoável a sua não junção.

Por isso, diversamente do entendimento da 1ª instância, entendemos que o processo disciplinar não padece de nulidade insuprível, sendo válido, procedendo, assim, a apelação nesta parte.

1.2. Quanto à apreciação da justa causa do despedimento:

Não tendo sido apreciada a justa causa pela 1ª instância, terá este tribunal da Relação de o fazer, em substituição.

Na verdade, o nosso sistema de recursos consagra a regra da substituição (e não o da cassação) nos termos da qual “se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhecerá no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários” (artigo 715 nº 2 do C. P. Civil).

Esta Relação poderá conhecer do mérito dos fundamentos invocados para o despedimento, uma vez que o processo reúne já todos os elementos de facto necessários, na medida em que os mesmos foram alegados circunstanciadamente e a respectiva factualidade sujeita a produção de prova com a subsequente decisão de facto.

Vejamos então:

1.2.1. A questão da prescrição de infracções disciplinares:

Porque suscitada pelo autor, teremos que começar por esta questão prévia.

Nos termos do n.º 3 do art.º 27.º do DL 49.408, de 24-11-1969 (LCT), em vigor à data dos factos em apreço, a “infracção disciplinar prescreve ao fim de um ano a contar do momento em que teve lugar, ou logo que cesse o contrato de trabalho”, o que significa que, mantendo-se o contrato de trabalho, a infracção deixa de ser punível se tiver decorrido mais de um ano, entre a data em que foi cometida e a data da instauração do procedimento disciplinar, sendo irrelevante que a entidade empregadora tenha tido conhecimento, ou não, da prática da mesma.

O prazo da prescrição inicia-se logo a partir do momento em que a infracção foi cometida, sendo irrelevante a data em que a entidade empregadora tomou conhecimento da sua prática e o próprio desconhecimento da infracção, ao contrário do que acontece com a caducidade do procedimento disciplinar, cujo prazo de 60 dias só começa a decorrer a partir da data em que a entidade empregadora, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção e, consequentemente, da sua autoria - art.º 31.º, n.º 1, da LCT).

Todavia, quando a infracção disciplinar não se traduz na prática de um simples acto, mas numa série de actos susceptíveis de configurar uma infracção de natureza continuada ou permanente, embora a LCT e o DL nº 64-A/89 (LCCT) fossem omissas a tal respeito, a jurisprudência e a doutrina entendiam que, naqueles casos, o prazo da prescrição só começava a decorrer a partir do último acto que integrar a infracção e entendiam, também, que a prescrição era interrompida com o recebimento da nota de culpa ou com a instauração do processo prévio de inquérito, nos casos em que este se mostrasse necessário (v., por todos, o Ac. do STJ de 24-01-2007, in www.dgsi.pt, proc. 06S3854).

Ora, o autor invoca a prescrição de infracções resultantes de factos ocorridos antes de 30-12-2001 e a ré nega-o, invocando, designadamente a natureza continuada de uma mesma infracção.

Importa averiguar se havia infracções imputadas ao autor já prescritas quando ele recebeu a nota de culpa enviada pela ré, em 30-12-2002.

Concretamente, o autor defende que os factos referentes ao cliente C..., os quais têm início em 17-01-2001, se encontram prescritas uma vez que, tratando-se de distintas situações de descobertos na conta desse cliente, actuou em relação a cada uma delas em “obediência a uma resolução de vontade, autónoma e relativa a cada situação de per si”.

Sem razão, nesta posição, a nosso ver.

A situação desse cliente atravessa toda a matéria de facto considerada provada, numa sucessão de “descobertos em conta” irregulares (dos pontos de facto 12. ao 127.), tendo sido considerado provado mesmo, para coroar toda a sucessão de operações com o mesmo cliente que (facto 133.)a conduta do autor, num universo de milhares de clientes, apenas privilegiou alguns, incluindo o C... ” e que (facto 134.) “a actuação do autor causou prejuízos ao réu, relativamente à situação do cliente C..., que mantém um débito perante o réu de cerca de € 326.000, cuja cobrança se tem revelado inviável”.

Prolonga-se, como se pode observar, significativamente pelo ano de 2002, num crescendo de responsabilidades que iam cobrindo anteriores.

Trata-se, sem dúvida, de uma situação continuada ou permanente, não sendo os factos que a integram isolados uns dos outros, autonomizados por distintas e estanques resoluções de vontade, mas antes com uma nítida ligação entre si, no quadro da solicitação de uma realidade de incumprimento, continuada, do mesmo cliente.

Por isso, consideramos não verificada a prescrição arguida pelo autor.

1.2.2. A questão da justa causa e da licitude do despedimento:
A conduta do Autor, tal como resultou provada nos autos e fundamentou as nota de culpa e decisão final do processo disciplinar, integra a violação dos deveres consignados nas alíneas b) (zelo), c) (obediência), e d) (zelo), do nº 1, do artigo 20º, do D.L. 49408, de 24/11/69, tal como defende a ré na sua decisão disciplinar?
Analisada a matéria de facto, podemos concluir, sem dúvida, que sim.
Como salienta a ré no seu recurso, o elenco dos factos disciplinares imputados ao autor e que se provaram consubstanciam-se, em síntese, nos seguintes procedimentos: a) concessão irregular de descobertos; b) rotação de cheques; c) concessão irregular de crédito; d) falsa informação prestada à Direcção de Auditoria Interna sobre a situação de descoberto; e) falsificação de assinatura do gerente administrativo.

Quanto à primeira das situações, ficou efectivamente demonstrado (como a ré sustenta) que o autor, no exercício das suas funções de gerente da agência da ré, autorizou operações (longas) de “descoberto” descritos nos pontos 6. a 38. da matéria de facto relativos ao cliente C... ultrapassando “…os poderes que tinham sido atribuídos ao balcão, quer no que toca à autorização de descobertos, quer o que respeita à autorização de disponibilização dos fundos incorporados nos cheques depositados” (vd. ponto 39.).  E que o mesmo autor, mesmo com um descoberto que atingia já o montante de 360.763,90 €, chegou a autorizar o débito de um cheque de € 2 992,78, apesar de anteriormente devolvido por falta de provisão, conforme resulta da matéria provada nos pontos 31., 32., 34. e 35..

Para além de ter ficado demonstrado que permitiu algumas operações apesar do parecer negativo do gerente administrativo, avolumando o valor de descobertos noutros clientes (pontos 44. e 48.).

Quanto à segunda das situações (concessão irregular de crédito), demonstrou-se o que resulta do ponto 77., não tendo o autor respeitado regras da ré, e que conhecia, que impunham “que clientes particulares ou empresas com conexões com outras sociedades ou outras pessoas singulares, clientes do B... fossem considerados, em termos de concessão de crédito e para efeitos de definição dos limites máximos e concentração de responsabilidades, constituídos e considerados como um só grupo”. E o que resulta do ponto 59. (o autor não acatou as regras estabelecidas no que toca à concentração de responsabilidade, nem respeitou as regras de fixação dos poderes do balcão (que eram de € 149.640 em 14-03-02), uma vez que à data do desconto da letra de € 62 350, a ligação  “Botelha” detinha responsabilidades de montante superior a € 70 000”). E o que resulta dos pontos 62., 64. e 66.. Para além de ter aprovado operações sozinho, sem a necessária concordância do gerente administrativo (pontos 6., 102., 8., 38., 42. a 59. e 129. - “…de forma consciente e intencional persistiu na sua conduta, apesar de saber que estava a infringir as regras estabelecidas pela sua entidade patronal no que toca à realização das operações de crédito”).

Quanto à terceira das situações (falsa informação prestada à Direcção de Auditoria Interna sobre a situação de descoberto e ocultação de elementos à sua hierarquia), podemos observar que se provou que “o autor remeteu à Direcção de Auditoria Interna em 12.04.02 a comunicação interna nº 14/2002, na qual informava que a situação de descoberto do Cliente C... denunciada no relatório datado de 23.10.01 estava regularizada, quando na realidade ascendia naquela data a € 390 160,08” (ponto 79.).

Para além de uma nítida situação de encobrimento, traduzida na situação descrita nos pontos 126. e 127. (“no dia 27.05.2002, foram efectuados em simultâneo três depósitos distintos na conta do cliente C..., identificado no ponto 12, todos em numerário, no valor global de € 75 000, referidos no ponto 37, quantias essas provenientes do pagamento de um cheque, aludido no ponto 38, passado por D... da conta da E... “, titulando o valor de € 75000, conta essa que não dispunha na altura de fundos para cobrir o valor em questão”; “o autor, autorizando e participando na operação descrita no ponto anterior, teve a intenção de encobrir a sua hierarquia o incumprimento do cliente C..., e assim evitar que o mesmo fosse remetido a contencioso”). Ou daquela descrita nos pontos 81. e 130..

Quanto à quarta das situações (falsificação de assinatura), podemos constatar o que vem provado, confirmando-o, no ponto 86. (“do fax aludido no ponto anterior constam duas assinaturas – a do autor e uma outra assinatura, imitando a assinatura do gerente administrativo, Dr. F... , também realizada pelo punho do autor”).

Quanto à quinta e última das situações (rotação de cheques), podemos efectivamente constatar que o autor possibilitou uma rotação de cheques entre o B... réu e outras instituições bancárias. Dos pontos 14. a 28. resulta que o Recorrido permitia a mobilização antecipada de cheques sacados sobre contas dos próprios clientes noutros instituições bancárias, possibilitando-lhes essa rotação e regularização fictícia (pontos 23. e 24.). Para além do que consta do ponto 29. - “com o procedimento descrito nos pontos anteriores, os montantes dos cheques depositados e sacados sobre outros bancos, alguns do próprio cliente, continuaram a ser imediata e irregularmente mobilizados pelo débito dos cheques sacados sobre o G... que eram apresentados na Compensação, com ultrapassagem de poderes que estavam delegados à gerência para efeitos de disponibilização”. Sendo certo que cabia ao autor “…a análise dos mapas dos descobertos em conta e dos mapas da compensação (ponto 115.) e que este “…sempre teve conhecimento e consentiu a descrita situação de descoberto em conta do cliente C...” (ponto 125.).
Dito isto, podemos observar que a ré logrou provar extensamente um conjunto de factos que identificam condutas do autor, ilícitas e culposas, sem dúvida muito graves no plano disciplinar.
A ilicitude é elevada, na medida em que se traduz no desrespeito a regras, na falta de verdade (falsificação de assinatura), com a elevada importância descrita. E a sua prática, em grande parte dolosa, torna evidente ter sido cometida no mais elevado grau de culpa.
Seguramente quebras no dever de zelo e diligência. Mas, mais do que isso, quebras do dever de verdade, contido nos deveres gerais de obediência e lealdade.
Suficientes para se poder afirmar que tal conduta que foi fundamento da decisão de despedimento é susceptível em sim mesma de destruir a confiança da ré sobre a idoneidade futura da conduta do autor, ainda mais quanto se trata de um estabelecimento bancário em que os valores organizacionais e económicos, nos planos internos e externo, convocam a confiança e as aparências de confiança de modo elevado.
Daí que seja normal a quebra da confiança da ré na lealdade e comportamento futuro do autor. O “empregador médio”, colocado na posição da ré, reagiria, sem dúvida, da mesma forma no plano da acção disciplinar.
Verificada e qualificada a natureza de infracções disciplinares da conduta do autor, podemos apreciar a justa causa do despedimento em ordem a julgar da sua procedência e, portanto, da licitude do mesmo despedimento.
Como se viu acima o autor praticou, com os factos descritos e que fundaram a decisão de despedimento, infracções graves que se disse justificar a quebra de confiança na conduta futura do autor. Com consequências, como acima se disse, em termos de prejuízos elevados para a empresa ré.
Daí que se justifique considerar o comportamento do Autor como grave, susceptível de abalar fortemente a necessária confiança por parte do empregador, tornando imediata e praticamente impossível a subsistência na relação de trabalho.
Por isso, consideramos o despedimento uma sanção adequada e efectuado correctamente, com justa causa, no quadro do disposto no artigo 9º nº1 e nº 2, als. a), d) e e) do DL nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro. No quadro de apreciação da justa causa referido no artigo 12º nº 5, não encontramos elementos de facto que possam afectar a adequação ao caso concreto (quer do ponto de vista relacional, quer num quadro de gestão eventualmente permissivo, como a autor alegou, mas não demonstrou) dessa sanção.

Por isso, a acção terá de ser julgada improcedente com a absolvição da ré, na procedência do recurso de apelação da ré.

Desta conclusão resulta que o conhecimento das restantes questões levantadas pela apelante carecem de qualquer utilidade, pois tinham como pressuposto que a ilicitude do despedimento, estando assim numa relação de prejudicialidade relativamente às restantes. Em consequência, não deve este Tribunal de recurso pronunciar-se sobre tais questões, que ficam prejudicadas, sob pena de prática de acto inútil, o que é vedado por lei - cfr. artºs 660 nº 2, 713º nº 2 e 137º, todos do CPC.  

2. Quanto ao recurso subordinado do autor:

Também a conclusão da procedência do recurso da ré, determina a improcedência do recurso subordinado, cuja questão fica prejudicada, na medida em que cai a condenação daquela na obrigação que o autor entendia ter sido ter sido incorrectamente definida.


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III- DECISÃO

Termos em que se delibera dar provimento ao recurso de apelação da ré e negar provimento ao recurso subordinado do autor, julgando improcedente a acção na totalidade e absolvendo a ré dos pedidos.

 Custas na acção e nos recursos pelo autor.