Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1552/05.4TBCTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: DESPEJO IMEDIATO
RENDA
NÃO PAGAMENTO NA PENDÊNCIA DA ACÇÃO
DEFESA
ARRENDATÁRIO
Data do Acordão: 10/17/2006
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 58º DO RAU, 428º E 1040º DO CC
Sumário: 1. O despejo imediato por falta de pagamento das rendas na pendência da acção de despejo só poderá ter lugar quando não seja colocada qualquer questão susceptível de por em causa o arrendamento nos seus elementos essenciais e, nomeadamente, quanto ao problema da renda. Discutida esta, ou alegados factos susceptíveis de a por em causa, é lícito ao arrendatário não se dever limitar ao pagamento das rendas para evitar o despejo imediato, antes podendo defender-se com quaisquer factos que justifiquem o não pagamento da renda ou a redução da renda. Colocado em crise o montante da renda a pagar não há lugar ao respectivo depósito ou pagamento imediato.

2. No caso concreto, o arrendatário contrapõe ao pedido de despejo imediato o facto de o locado apresentar deficiências que o afectam para o fim a que se destina. O contrato de arrendamento é sinalagmático; o uso do local arrendado pelo arrendatário tem como correspectivo o pagamento da respectiva renda ao senhorio, o qual tem que fornecer-lhe o locado em condições de habitabilidade condigna. Quando falha um dos termos do sinalagma bilateral, entra em crise a relação jurídica contratual, justificando-se a invocação, por parte do contraente não faltoso, da exceptio non rite adimpleti contractus consagrada no art.428º do CC.

3. No caso vertente, o possível incumprimento por parte do locador em proporcionar ao locatário o prédio em boas condições, pode, ainda, reflectir-se na redução da renda a pagar pelo Réu arrendatário, de harmonia com o disposto no art. 1040º do CC.

Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO.

Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra.
A... intentou contra B... e C..., a presente acção especial de despejo, sob a forma de processo sumário, alegando, em síntese, ter celebrado com a Ré um contrato de arrendamento relativo a um prédio seu, sito em Castelo-Branco, com duração de 5 anos, sucessivamente renovado, pela renda anual de 5. 400,00 Euros, dividida em duodécimos de 450,00 Euros cada.
Mais alega que a Ré não pagou as rendas relativas aos meses de Abril a Julho de 2005, o que deveria ter sucedido no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diria respeito, sendo o total da dívida à data da propositura da acção no valor de 1 800,00 Euros.
E por assim ser, com fundamento no artigo 64º, nº 1, al. a) do R.A.U, termina requerendo que o Tribunal decrete a resolução do dito contrato de arrendamento, sendo a primeira Ré condenada a despejar imediatamente o local arrendado, e ambos os Réus condenados a pagar as rendas vencidas e vincendas, acrescidas de juros de mora contados até efectivo e integral pagamento.
Citados os Réus, apenas a Ré B... veio contestar acção e reconvir.
Em sede de defesa, alega que a necessidade de aumentar o stock de materiais de construção implicou que o espaço arrendado se tivesse tornado insuficiente, o que levou a que tivesse manifestado a intenção de cessar o contrato de forma a que pudesse arrendar outro espaço proporcional e adequado às novas exigências.
Todavia, no dizer da Ré, apesar das várias tentativas, nomeadamente de abordagem telefónica e deslocações à residência do Autor, tal comunicado não foi possível, por indisponibilidade do Autor, pois que este referia que não era assunto para tratar pelo telefone mas sim pessoalmente, mantendo-se, todavia, sempre indisponível para receber a Ré.
Em face da relativa inércia por parte do Autor, a Ré iniciou a desocupação do espaço arrendado, estando este já desocupado desde Março de 2005, sendo que esta procurou entregar àquele as chaves do prédio, mas sempre de forma infrutífera.
Para além disso, já em sede de reconvenção, alega a Ré/reconvinte que, com o decurso do tempo, o espaço arrendado apresentou deficientes estruturas e piores acabamentos, nomeadamente ao nível do isolamento, ocasionando infiltrações e humidades.
No dizer da Ré, em final de 2005, através da sua gerência, deu conhecimento do facto ao Autor, que nada fez; pelo que, sendo obrigação do senhorio assegurar à ré o gozo efectivo do locado, nos termos do artigo 1031º al. b) do Cód. Civil, e tendo essa obrigação como contrapartida correlativa o pagamento da renda, com base no incumprimento pelo Autor da primeira das aludidas obrigações, entende a Ré que, nos termos do artigo 798º do dito Código lhe assiste o direito de ser indemnizada pelos prejuízos causados.
O Autor veio responder à reconvenção, dizendo ser falso que a fracção arrendada apresentasse deficientes estruturas e piores acabamentos, pois que quando iniciou o contrato de arrendamento, o local estava em plenas condições de habitabilidade de exercício de qualquer actividade comercial.
Para além disso, é falso que o autor/reconvindo tenha recusado o atendimento de quaisquer chamadas telefónicas da reconvinte ou recebê-la na sua residência.
Mais refere que se a reconvinte pretendia denunciar o contrato de arrendamento, deveria ter procedido pela forma estipulada no artigo 100º nº 4 do RAU.
Concluída a fase dos articulados veio o Autor deduzir contra os RR. incidente de despejo imediato com base na falta de pagamento de rendas que se venceram na pendência da acção nos termos do artigo 58º do RAU.
O Sr. Juiz julgou improcedente o incidente de despejo imediato.
Daí o presente recurso de agravo interposto pelo A., o qual no termo da sua alegação pediu que se revogue o despacho recorrido, substituindo-se por outro que decrete o despejo imediato da fracção autónoma designada pela letra “B” correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio urbano sito na Tapada João de Almeida ou Urb. Quinta Pires Marques, freguesia a concelho de Castelo Branco e inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 10846.
Foram para tanto apresentadas as seguintes,

Conclusões.

1) O presente recurso vem interposto do despacho de fls. 58 e segs que julgou improcedente o incidente de despejo imediato, com base no não pagamento de rendas vencidas na pendência da acção, suscitado pelo Autor e, o condenou nas custas do incidente, fixando-se a taxa de justiça respectiva em 1 UC;
2) Tal despacho foi proferido e fundamentado com base no seguinte entendimento, que não sendo maioritária, é a posição assumida pelo Tribunal “a quo”, segundo o qual, quando o incidente de despejo imediato é suscitado num qualquer processo, tem de se mostrar assente na acção em que o incidente se enxerta na existência de um contrato de arrendamento válido, em que A. e RR. são efectivamente as partes no contrato e que nenhum litígio persiste entre ambos, sendo que não se poderá decretar tal incidente quando na acção se discutem questões que podem ter repercussão directa na determinação da obrigação dos RR. em pagar a referida renda, nomeadamente porque não está devidamente esclarecido nos autos se o A. se arroga o direito a receber ou não as rendas, porque se discute se o mesmo se encontra em situação jurídica de poder exigir tal pagamento dos RR.; (sic).
3) Ora, os presentes autos de despejo sob a forma sumária, foram instaurados com base no não pagamento das rendas relativas aos meses de Abril a Julho de 2005;
4) A R. defendeu-se de tal incumprimento alegando que não procedeu ao pagamento das rendas em atraso em virtude do locado se ter tornado insuficiente para o exercício da actividade comercial, por um lado, e por outro, face às deficientes estruturas e piores acabamentos, ao nível do isolamento, ocasionando infiltrações e humidades do local objecto do arrendamento, não se assegurando desta forma ao R. o gozo efectivo do local;
5) Em 21 de Novembro de 2005 o A. deduziu contra os RR. incidente de despejo imediato com base na falta de pagamento das rendas que se venceram na pendência da acção, nomeadamente as rendas do mês de Agosto de 2005 ao mês de Dezembro de 2005;
6) Citados os RR nenhum contestou, nem procedeu ao pagamento das rendas;
7) O A. apenas fez uso de um direito que lhe assiste, consagrado no artigo 58º do R.A.U., e tal preceito legal, não dispõe, nem sequer limita, o deferimento do incidente de despejo imediato com base num qualquer litígio pendente entre as partes; possibilita sim, a faculdade de se requerer tal incidente, quando na pendência da acção de despejo devessem ser pagas ou depositadas as rendas e não o são, como foi o caso;
8) Acontece que o incidente de despejo imediato visa proteger o senhorio da ocupação do locado durante a pendência da acção, sem a correspondente remuneração, evitando desta forma que o inquilino se aproveite do decurso do processo para continuar a gozar o locado sem pagar as rendas, que entretanto, se vão vencendo;
9) Logo sempre que se trate de incumprimento de rendas vencidas depois de o arrendatário ter sido citado para contestar, justifica-se o imediato despejo do prédio, a fim de evitar que o arrastamento do processo provoque maiores danos ao senhorio;
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2. FUNDAMENTOS.

2.1. Factos.

Os factos que interessam à decisão da causa cons-tam a fls. 191 ss do despacho agravado.
Assim, não tendo sido impugnada a matéria de facto nem havendo tão pouco qualquer alteração a fazer-lhe, nos termos do preceituado no artº 713º nº 6 do Código de Processo Civil, dá-se aqui a mesma por reproduzida.
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2.2. O Direito.
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Nos termos do precei-tuado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Pro-cesso Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso deli-mitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformi-dade e conside-rando também a natureza jurídica da maté-ria versada, cumpre focar os seguintes pontos: - O despejo imediato do locado no caso de falta de pagamento de rendas e o caso vertente.
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2.2.1. O despejo imediato do locado no caso de falta de pagamento de rendas e o caso vertente.

O Autor pede na acção o despejo imediato da Ré, invocando a falta de pagamento de rendas na pendência da acção de despejo.
Nos termos do preceituado no artigo 58º do RAU, constitui fundamento de despejo imediato o facto de o inquilino não comprovar o pagamento das rendas vencidas após o termo do prazo da contestação. Até há pouco tempo a Jurisprudência vinha entendendo que não era permitido invocar quaisquer circunstâncias modificativas ou impeditivas do pagamento. A prova do pagamento, ou depósito das rendas em mora resulta do recibo ou do duplicado da guia do depósito bancário que deverão ser apresentados pelo arrendatário como factos extintivos do direito do senhorio até ao termo do prazo para a sua resposta de harmonia com o disposto no nº 3 do citado normativo legal. Todavia, mais recentemente, têm surgido decisões no sentido de que a interpretação da norma do artigo 58º do RAU segundo a qual o arrendatário apenas poderá em caso de despejo imediato fazer a prova do pagamento de rendas viola a Constituição, desde logo o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º “1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”. Na verdade o arrendatário perante o pedido de despejo imediato e mesmo que tenha razões para se lhe opor, vê os seus direitos de defesa serem postergados perante os do senhorio, já que se encontra restringida a sua defesa. Tal circunstancialismo cai também sob a alçada do artigo 20º nº 3 da Lei Fundamental na medida em que se viola o direito ali consagrado a um processo equitativo. É nesta medida que se vem entendendo mais recentemente que o despejo imediato por falta de pagamento de rendas só poderá ter lugar quando não seja colocada qualquer questão susceptível de por em causa o arrendamento nos seus elementos essenciais e nomeadamente quanto ao problema da renda. Discutida esta, ou alegados factos susceptíveis de a por em causa, é lícito ao arrendatário não se dever limitar ao pagamento da renda para evitar o despejo imediato, antes podendo defender-se com quaisquer factos que justifiquem o não pagamento ou redução da renda. Colocado em crise o montante da renda a pagar não há lugar ao respectivo depósito ou pagamento imediato[ Cfr. Acs. do Trib. Const. nº 673/2005 de 6-12-2005 (P. 100/2003) in Diário da República nº 25, Série II, Págs. 1626 a 1632; da Rel. de Évora de 27-2-2003 (R. 1073) in Col. de Jur., 2003, I, 253; Col. de Jur., 2003, I, 253 in Col. de Jur., 2002, 3, 108. ]. Como refere Aragão Seia “só se pode falar em rendas vencidas na pendência da acção se esta tiver subjacente um arrendamento válido, que não é posto de qualquer modo em questão pelo Réu (…)”[ Cfr. A citado “Arrendamento Urbano”, 7ª Edição Coimbra 2003, pags, 382.]
Revertendo ao caso concreto, vê-se que o arrendatário contrapõe ao pedido de despejo imediato o facto de o locado apresentar deficiências que o afectam para o fim a que se destina, tendo sido neste circunstancialismo que o Sr. Juiz não deferiu ao pedido de despejo imediato por falta de pagamento das rendas. Como é sabido o contrato de arrendamento é sinalagmático; o uso do local arrendado pelo arrendatário tem como correspectivo o pagamento da respectiva renda ao senhorio, o qual tem que fornecer-lhe o locado em condições de habitabilidade condigna. Quando falha um dos termos do sinalagma bilateral entra em crise a relação jurídica contratual, justificando-se a invocação por parte do contraente não faltoso da exceptio non rite adimpleti contractus entre nós consagrada no artigo 428º do Código Civil “1. Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
2. A excepção não pode ser afastada mediante a prestação de garantias”. “São pressupostos da excepção de não cumprimento do contrato: existência de um contrato bilateral, não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação; não contrariedade à boa-fé”[ Cfr. “A Excepção de Não Cumprimento do Contrato”, de José João Abrantes, Almedina, 1986, 39 e segs.]. No caso vertente o possível incumprimento por parte do locador em proporcionar ao locatário o prédio em boas condições, pode ainda reflectir-se na redução da renda a pagar pelo Réu arrendatário, de harmonia com o disposto no artigo 1 040º do Código Civil.
É certo que as exigências constitucionais comportam um efeito perverso; imagine-se que numa acção de resolução do contrato intentada por falta de pagamento de rendas o arrendatário não paga as rendas vencidas na pendência da acção de despejo argumentando sem consistência com a falta de condições do locado…. Todavia não há soluções perfeitas e o princípio da igualdade das partes e garantias de defesa têm assento constitucional havendo assim que lhes dar prevalência.
Nestas condições, o agravo não irá provido.
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3. DECISÃO.

Nestes termos acorda-se em julgar não provido o agravo, mantendo-se assim o despacho em crise.
Custas pelo agravante.