Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1205/11.4T2AVR
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: EXCLUSÃO DE SÓCIO
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
Data do Acordão: 07/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Processo no Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGO 342.º, N.º 3 DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
Sumário: A exclusão judicial de sócio fica sem efeito se a sociedade não der início ao processo de amortização ou aquisição da quota dentro dos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado da sentença de exclusão.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

A...., requereu, ao abrigo do disposto nos artigos 1498º e 1499º, ambos do Código de Processo Civil [CPC], a liquidação da participação social de B...., na sociedade requerente.
Para tanto alegou, em síntese, que o requerido tinha duas quotas na sociedade, ora requerente; que as outras duas quotas pertenciam a João Reinaldo Vidal Russo; que o requerido foi excluído de sócio da sociedade por sentença proferida em 5/11/2010 em acção intentada pelo sócio João Vidal Russo; que o requerido interpôs recurso da decisão para o tribunal da Relação de Coimbra; que o recurso não foi admitido; que a decisão singular que não admitiu o recurso foi notificada às partes em 7 de Abril de 2011; que a decisão transitou em julgado em 23 de Maio de 2011; que o sócio João Vidal Russo deu conhecimento à sociedade do trânsito em julgado em 24 de Maio de 2011; que a gerência da sociedade pretende propor à assembleia-geral da sociedade a amortização das quotas do sócio excluído; que não pode amortizar as quotas sem a liquidação da respectiva participação social; que ainda não decorreram 30 dias após o trânsito em julgado da decisão que excluiu o requerido da sociedade como sócio; que a não se entender assim, invoca o justo impedimento para só agora apresentar o pedido de liquidação, pois o advogado signatário foi acometido por doença que obrigou ao seu recolhimento em casa desde o dia 17 de Junho de 2011 até 23 de Junho de 2011.
Citado, o requerido deduziu oposição. Nela alegou, em síntese, que a acção devia ter sido proposta contra ele e contra a sua mulher; que é parte ilegítima por a sua mulher não ter sido demandada; que a exclusão tornou-se ineficaz, pois a acção foi instaurada após o decurso do prazo de 30 dias previsto no n.º 3 do artigo 242º, do Código das Sociedades Comerciais [CSC]; que não é aplicável ao caso o justo impedimento ou o pagamento de multa, nos termos do n.º 5 do artigo 145º, do CPC.
A autora respondeu.
Após a resposta, o tribunal a quo julgou improcedente a excepção de ilegitimidade do requerido. Por entender que o processo fornecia todos os elementos para a decisão, julgou improcedente o pedido. Para assim decidir, a Meritíssima juíza a quo entendeu, em síntese, que, nos termos do n.º 3 do artigo 242º do Código das Sociedades Comerciais, a sociedade deve amortizar a quota do sócio dentro dos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado da sentença de exclusão, sob pena de a exclusão ficar sem efeito; que a decisão que excluiu o requerido de sócio da sociedade transitou em julgado em 21 de Maio de 2011; que a requerente, ao propor a apresente acção em 24 de Junho, não observou o prazo atrás assinalado; que a requerente não podia invocar nem o justo impedimento nem o disposto no n.º 5 do artigo 145º, do CPC, para propor a apresente acção para além do prazo de 30 dias previsto no n.º 3 do artigo 242º, do CSC.
A requerente não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se revogasse a decisão e se julgasse a acção tempestivamente proposta.
Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:
1. Salvo melhor opinião e o devido respeito, falece razão à ilustre Magistrada do Tribunal a quo quando diz que a acção foi intempestivamente interposta e que é ininvocável, no caso, o justo impedimento do mandatário da requerente. Com efeito,
2. Determina o artigo 242º, nº 3, do CSC, que a sociedade deve amortizar a quota do sócio excluído, ou adquiri-la ou fazê-la adquirir, dentro dos 30 dias posteriores do trânsito em julgado da sentença de exclusão. Ora
3. A sentença de exclusão foi objecto de recurso, vindo a ser confirmada, por declaração de irrecorribilidade, que foi notificada às partes por expediente de 07.04.2011.
4. Por força do disposto no nº 2 do artigo 254º, do CPC, o 3º dia posterior foi o dia 11.04.2011, tendo decorridos 5 dias até ao início das férias do Carnaval (18.04.2011) e os seguintes 25 dias completaram-se no dia 20.05.2011.
5. Contudo, por força do disposto no nº 5 do artigo 145º CPC, tal decisão só pode considerar-se transitada em julgado no dia 26.05.2011.
6. Donde, os 30 dias referidos no artigo 242º, nº 3, do CSC só se concluíram no dia 27.06.2011 (2ª feira).
7. Sendo que, para além desta data, sempre o acto podia ser praticado em qualquer dos 3 dias úteis imediatos como, de resto, o reconhece a ilustre Magistrada do tribunal a quo, ou seja, até 30.06.2011, por virtude do estatuído no artigo 145º, nº 5, CPC.
8. A acção foi proposta em 24.06.2011, portanto tempestivamente, sendo até supérfluas as alegações de justo impedimento do mandatário e apresentação tardia com multa.
9. Sem prescindir, não colhe, salvo melhor opinião, a decisão de ininvocabilidade do justo impedimento do mandatário – aliás provado documentalmente e exaustivamente justificado nos autos.
10. Por um lado, porque os invocados doutos acórdãos da Relação de Lisboa explicitam casos de impedimento prolongado, o que não é o caso dos autos.
11. E, por outro lado, porque a relação entre a autora, aqui recorrente, e aquele especifico advogado, o signatário, que há mais de 12 anos e em mais de uma dúzia de processos representou a autora e/ou o seu único sócio-gerente, implicam uma especial e exclusiva relação cliente/advogado e um conhecimento do assunto por parte deste que o tornam insubstituível, salvo no caso (que não o dos autos) de um impedimento prolongado ou irreversível.
O requerido respondeu. Na resposta alegou que o trânsito em julgado da decisão que o excluiu de sócio da sociedade ocorreu em 20 de Maio de 2011, pelo que o prazo de 30 dias, previsto no n.º 3 do artigo 242º, do Código das Sociedades Comerciais, completou-se em 19 de Junho de 2011, que, por ser domingo, se transferiu para o dia 20 de Junho; que a acção foi proposta fora de tempo (24 de Junho de 2011); que o justo impedimento não é aplicável ao prazo previsto no n.º 3 do artigo 242º do CSC; que a recorrente constituiu dois advogados, pelo que qualquer deles podia patrocinar os interesses da requerente na nova acção, quanto mais não fosse para respeitar o prazo imposto pelo n.º 3 do artigo 242º do Código das Sociedades Comerciais.
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A exposição acabada de fazer mostra que as principais questões suscitadas pelos fundamentos do recurso são as seguintes. A primeira é a de saber se a presente acção foi proposta dentro ou fora do prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em julgado da sentença que excluiu o requerido de sócio da ora recorrente. A segunda é a de saber se a presente acção podia ser proposta fora do citado prazo de 30 dias em caso de justo impedimento do advogado subscritor da petição.
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Factos relevantes para a decisão:
1. O capital social da requerente é de Esc.: 400.000$00, distribuído por quatro quotas nos valores nominais de Esc.: 100.000$00 cada uma, duas tituladas pelo requerido e duas tituladas por João Reinaldo Vidal Russo, assumindo este a gerência singular da requerente.
2. João Reinaldo Vidal Russo instaurou acção que correu termos sob o nº 596/08.9TBILH deste juízo, peticionando a exclusão do requerido de sócio da sociedade aqui requerente, o que foi decretado por decisão ali proferida em primeira instância em 05.11.2010.
3. Pelo requerido foi apresentado recurso daquela decisão, o qual foi rejeitado por decisão singular do Tribunal da Relação de Coimbra que foi notificada às partes por expediente de 07.04.2011.
4. A presente acção foi instaurada no dia 24.06.2012.
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A resposta à primeira questão remete-nos para o regime da exclusão judicial de sócio [artigo 242º do CSC] e para a noção de trânsito em julgado [artigo 677º, do CPC].
O n.º 1 do artigo 242º do CSC dispõe que “pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes”.
Proferida decisão a excluir o sócio da sociedade, importa dar destino à sua participação social. A lei prevê dois destinos: a amortização ou a aquisição da quota. Neste último caso, a sociedade tanto pode adquirir a quota ela própria como fazê-la adquiri por um terceiro. Qualquer que seja o destino é, no entanto, sobre a sociedade que recai o dever de o traçar. E deve traçá-lo dentro dos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado da sentença de exclusão, sob pena de esta ficar sem efeito. O que se acaba de dizer resulta do disposto no n.º 3 do artigo 242º do CSC, segundo o qual “dentro dos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado da sentença de exclusão deve a sociedade amortizar a quota do sócio, adquiri-la ou fazê-la adquirir, sob pena de a exclusão ficar sem efeito.”
A propósito do sentido e do alcance desta norma, importa trazer aqui a lição de Raul Ventura, Sociedade por Quotas, Volume II, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, página 63 e 64. Segundo este autor: “o prazo de 30 dias conta-se do trânsito em julgado da sentença de exclusão e dentro dele devem ser executados os actos de amortização ou aquisição da quota…. O dever da sociedade de, dentro do prazo de 30 dias, proceder à amortização ou aquisição da quota, é sancionado com a exclusão ficar sem efeito… Donde se segue que a sentença, por si só, não basta para o sócio ser excluído; ela é contudo indispensável elemento habilitante para que a sociedade efective a exclusão, o que tem, por exemplo, a consequência de o sócio manter esta qualidade no tempo que medeie entre o trânsito em julgado da sentença e alguma das providências previstas naquele n.º 3”.
No que diz respeito ao trânsito em julgado, nos termos do artigo 677º, do CPC, “a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, nos termos dos artigos 668º e 669º”.
Segue-se do exposto que, na resolução deste caso, é essencial a definição do momento do trânsito em julgado da decisão proferida em 5 de Novembro de 2010, que excluiu o requerido de sócio da sociedade.
Como se procurará demonstrar, a decisão transitou em julgado em momento diferente quer daquele indicado pela sentença quer do indicado pela recorrente. Vejamos.
Está assente que, contra a decisão proferida em 5 de Novembro de 2010, foi interposto recurso de apelação. Este recurso não foi admitido pelo tribunal da Relação por, no entender do relator, o valor da causa [€ 5000,00] não exceder a alçada do tribunal recorrido. A notificação, às partes, contendo a decisão do relator foi expedida em 7 de Abril de 2011.
Considerando a regra enunciada no n.º 3 do artigo 254º, do CPC, segundo a qual a notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, e o facto de o terceiro dia posterior à expedição (10 de Abril de 2011) corresponder a um domingo, a notificação da decisão que não conheceu do objecto do recurso presumiu-se feita em 11 de Abril de 2011.
Contrariamente ao pressuposto em que laboram quer a decisão recorrida, quer a recorrente, contra a decisão do relator não era admissível recurso. A impugnação dos despachos do relator que não sejam de mero expediente está prevista no n.º 3 do artigo 700º, do CPC, nos termos do qual, “salvo o disposto no artigo 688º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso á conferência, depois de ouvida a parte contrária”.
Segue-se do exposto que a parte processualmente prejudicada pelo despacho do relator, no caso o requerido, dispunha do prazo de 10 dias para reclamar para conferência contra o não conhecimento do objecto do recurso. Este prazo de dez dias, que se iniciou em 12 de Abril de 2011 completou-se em 2 de Maio de 2011 [o período de 17 a 25 correspondeu a férias da Páscoa, ou seja, desde o domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa; os dias 30 de Abril e 1 de Maio corresponderam, respectivamente, a um sábado e a um domingo].
Considerando-se que não foi apresentada reclamação para a conferência contra o despacho que não conheceu do objecto do recurso, a decisão que excluiu o requerido de sócio da sociedade tornou-se definitiva em 2 de Maio de 2011.
Era dentro dos 30 dias posteriores à referida data que a sociedade devia amortizar a quota do sócio, adquiri-la ou fazê-la adquirir, o que feitas as contas dava até 1 de Junho de 2011.
Ao dizer que, “dentro dos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado da sentença, deve a sociedade amortizar a quota do sócio, adquiri-la ou fazê-la adquirir, sob pena de a exclusão ficar sem efeito”, o sentido do n.º 3 do artigo 242º do CSC, não é o de que todos os actos relativos à amortização ou aquisição da quota devem ser realizados dentro dos citados 30 dias. O sentido deste preceito é o de que o processo de amortização ou o de aquisição tenham início dentro do referido prazo.
Na verdade, nem a amortização nem a aquisição se esgotam num único acto. Assim, em primeiro lugar, cabe à sociedade deliberar se a exclusão se efectiva mediante a amortização da quota ou mediante a aquisição. Uma vez tomada a deliberação, cabe à sociedade comunicá-la ao sócio excluído. Dado que, salvo cláusula do contrato de sociedade em sentido diverso, o sócio excluído tem direito ao valor da sua quota, é bom de ver, que não havendo acordo quanto ao valor, há que o apurar. Ora é, na fase do apuramento do valor da quota que poderá ser lançado mão do processo especial previsto no artigo 1498º, n.º 1, do CPC.
Como escreve Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Volume II, Sociedades, 2ª edição, Almedina, página 438: “dentro dos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado da sentença, devem os sócios deliberar a amortização ou a aquisição da quota do excluído; a exclusão só fica efectivada com a deliberação de amortização, ou a aquisição da quota pela sociedade, sócio (s) ou terceiro (s)”.
No caso, o facto que a autora invocou, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 242º do CSC, foi a instauração do procedimento previsto no artigo 1498º do CPC, visando o apuramento da contrapartida devida pela amortização da participação social do requerido.
Assim sendo, é por referência ao citado facto que cabe decidir se a recorrente observou o disposto no n.º 3, do artigo 242º, do CSC.
Tendo o processo previsto no artigo 1498º, do CPC, sido instaurado em 24 de Junho de 2011, é seguro afirmar-se, à luz do que acima se expôs, que a autora, ora recorrente, não deu início ao processo de amortização da participação social do requerido, no prazo assinalado no n.º 3 do artigo 242º do CSC, e que, por força da parte final deste preceito, exclusão ficou sem efeito.
Assim, embora com fundamentos não coincidentes com os da decisão recorrida, mantém-se a decisão que julgou improcedente o pedido.
Decidindo-se que a sentença que excluiu o requerido de sócio transitou em julgado em 2 de Maio de 2011 e que os 30 dias que a lei concedia à sociedade para amortizar a quota terminavam em 1 de Junho de 2011, fica prejudicado o conhecimento da questão de saber se a presente acção podia ser proposta fora do citado prazo de 30 dias em caso de justo impedimento do advogado subscritor da petição. É que, mesmo dando resposta afirmativa a esta questão, a ora recorrente não estaria em condições de beneficiar do justo impedimento previsto no artigo 146º, do CPC. É que a alegada situação de justo impedimento ocorreu entre 17 e 23 de Junho de 2011, isto é, cerca de 15 dias depois de estarem esgotados os 30 previstos no n.º 3, do artigo 242º do CSC. Por outras palavras, relativamente ao período que vai de 1 a 17 de Junho de 2011 não foi alegada qualquer situação de justo impedimento que impedisse o início do processo de amortização da quota.
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Decisão:
Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
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As custas serão suportadas pelo recorrente.