Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3822/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JAIME FERREIRA
Descritores: CONFERÊNCIA DE FRUTOS DOS BENS DOADOS
Data do Acordão: 05/11/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ARTºS 2069º, AL. D) ; 2104º, Nº 1 ; 2105º; 2106º; 2108º, Nº 1 ; 2109º, Nº 1; 2111º E 2113º, TODOS DO C. CIV.
Sumário:

I - Apesar se ocorrer a transmissão da propriedade dos bens doados como efeito da doação regularmente efectuada., os donatários-descendentes do doador devem restituir à massa da herança, para igualação da partilha entre todos os herdeiros-descendentes, os bens ou valores recebidos em doação para, assim, poderem entrar na sucessão do ascendente – é a chamada colação .
II – Tal conferência ( ou dever de restituição ) faz-se pela imputação do valor da doação ... na quota hereditária, o que é a regra, ou pela restituição dos próprios bens doados, se para tanto houver acordo de todos os herdeiros .
III – Com a abertura da sucessão e apenas desde então, nasce também a obrigação de conferir os frutos da coisa doada sujeita a colação, e até à data da partilha, mas não a sua distribuição por todos os herdeiros – artºs 2069º, al. d); e 2111º, do C. Civ. .
IV – No que respeita à conferência dos frutos da coisa doada não haverá qualquer “ vantagem” do donatário-conferidor, na medida em que se não houver na herança bens suficientes para igualar todos os herdeiros, terá o donatário-beneficiário desses frutos de repor parte do valor dos ditos para a igualação entre todos os descendentes – artº 2108º, nº 2, do C. Civ., à contrário .
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra :
I

No 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, no Processo de Inventário de maiores com o nº 96/1997, a que se procede por óbito de AA, requereu o interessado BB que pelo cabeça de casal fossem distribuídos por todos os herdeiros no inventário até metade dos rendimentos que lhes caibam, incluindo os provenientes dos bens doados pela inventariada – todos os bens imóveis relacionados foram doados, em vida, pela inventariada aos seus herdeiros, com a obrigação de colação, bens esses que geram rendimentos - percebidos desde a abertura da sucessão (em 1/02/1995 ); que pelo cabeça de casal fossem entregues ao requerente os frutos dos bens que lhe foram legados pela inventariada, produzidos a partir da data da morte desta; que todos os interessados fossem notificados para juntarem aos autos uma relação de todos os frutos produzidos pelos bens que a cada um foram doados pela inventariada e desde 1/02/1995, devendo constar dessa relação o quantitativo mensal dos frutos percebidos ; que todos os interessados fossem notificados para apresentarem nova relação com o montante mensal dos frutos auferidos dos bens doados pela inventariada sempre que ocorresse alteração desse montante ; que todos os interessados fossem notificados para entregarem ao cabeça de casal a totalidade dos frutos percebidos relativamente aos bens doados pela inventariada e desde 1/02/1995 .
II

A fls. 1187 foi proferido despacho a ordenar a notificação do cabeça de casal para efectuar a distribuição de rendimentos em conformidade com o requerido ou para dizer o que lhe oferecesse sobre essa questão, e ordenou-se a notificação dos demais interessados para que juntassem aos autos a relação dos frutos recebidos relativamente aos bens doados e desde 1/02/1995 .

A fls. 1206 veio o citado requerente solicitar a aclaração do referido despacho.
O cabeça de casal (a desempenhar essas funções na altura) foi ouvido sobre tal questão, tendo defendido, parece, que a partir do momento da abertura da sucessão deve o donatário trazer os frutos percebidos à massa hereditária, por serem bens pertencentes à herança, devendo ser distribuídos por todos os herdeiros, embora sustente que ele, cabeça de casal, não tem a administração dos referidos bens doados, a qual compete aos respectivos donatários.

Também a herdeira e interessada CC se manifestou no sentido de não dever ser acolhida a pretensão formulada sobre a distribuição dos frutos dos bens doados por todos os herdeiros.

Voltou a pronunciar-se sobre esta questão o Requerente BB, defendendo, em resumo, que o “ de cuius “ ao fazer uma doação a um dos seus descendentes não está a querer avantajá-lo em face dos outros, mas apenas está a antecipar a quota hereditária do donatário, fazendo-lhe uma espécie de adiantamento por conta da quota hereditária, pelo que a partir do momento da abertura da sucessão a igualdade entre todos os herdeiros deve ser assegurada, em função do que devem ser restituídos à massa da herança os frutos da coisa doada posteriores à dita abertura, para serem distribuídos por todos os herdeiros (o benefício da doação apenas deve ser entendido como vigente durante a vida do doador).
Assim, defende esse interessado, forçoso é que esses frutos fiquem sujeitos à administração do cabeça de casal até à liquidação e partilha
III

Por despacho de fls. 1855 e 1856 foi aclarado aquele anterior despacho, aí se escrevendo que “ ... não havendo lugar à restituição em espécie dos bens doados, também não há lugar à restituição dos respectivos frutos e à sua distribuição pelos herdeiros, ... embora estes frutos tenham de ser conferidos, para o que é necessário saber-se qual o respectivo valor, pelo que os donatários deverão apresentar a relação dos frutos recebidos relativamente aos bens doados, conforme ordenado pelo despacho de fls. 1187 .
Nestes termos, decide-se indeferir o requerido no que toca à distribuição de rendimentos dos bens doados, devendo ser notificados os donatários para, em 15 dias, apresentarem a relação dos respectivos frutos – para efeitos de conferência - , conforme havia sido ordenado pelo despacho de fls. 1187 “.
IV

A fls. 1877 veio o requerente BB interpor recurso desse despacho ( no que concerne ao destino dos rendimentos dos bens doados pela inventariada ), recurso esse que foi admitido como agravo, com subida no momento de ser convocada a conferência de interessados, em separado e com efeito devolutivo .


Nas alegações que oportunamente apresentou o Agravante formulou as seguintes conclusões:

1ª - No presente inventário todos os bens imóveis relacionados foram doados, em vida, pela inventariada aos descendentes, com a obrigação de colação, ou foram legados através de testamento junto aos autos.

2ª - A colação é a restituição feita pelos descendentes dos bens ou valores que o ascendente lhes doou, quando pretendam entrar na sucessão deste.

3ª - Essa restituição pode não ser feita em espécie, mas apenas por imputação do valor dos bens doados na quota do herdeiro donatário, com o consequente aumento de valor da massa hereditária, a repartir entre os herdeiros.

4ª - Para se verificar a colação, torna-se necessária a ocorrência dos seguintes pressupostos:
a) que haja doações ou certas despesas gratuitamente feitas pelo autor da sucessão a favor de descendentes, que na data da liberalidade fossem seus presuntivos herdeiros legitimários ;


30ª - Decidindo de modo diferente, o despacho recorrido violou o disposto nos artºs 9º, nº 3; 2069º; 2079º; 2092º; 2093º, nº 3; 2104º, nº 1; 2108º, nº 1; 2109º, nº 1; 2111º e 2162º, nº 1, todos do C. Civ..
31ª - Deve, portanto, esse despacho ser revogado, na parte ora impugnada, decidindo-se deferir integralmente o citado requerimento apresentado pelo Agravante.
V
Contra-alegou a interessada CC, onde sustenta, em resumo, que os frutos dos bens doados auferidos após a abertura da sucessão encontram-se, tal como a coisa-mãe frutífera, de onde brotam e se autonomizam, sujeitos à colação, nos termos do artº 2111º do C. Civ., pelo que devem ser conferidos em valor, mediante a precípua imputação do valor dos mencionados rendimentos na quota hereditária do donatário, o qual conserva na sua titularidade os bens doados em vida e os rendimentos desses bens, ainda que auferidos após a abertura da sucessão.
Que o valor a atender para efeitos da conferência por imputação dos mencionados rendimentos deverá ser aquele que se verifique na data da sua percepção, devidamente actualizável à data da partilha, com referência aos índices de preços, nos termos do artº 551º do C. Civ..
Que, assim, deve ser julgado improcedente o agravo interposto, mantendo-se o despacho recorrido, no qual se determina apenas a obrigação de os donatários apresentarem a relação dos frutos dos bens doados, auferidos desde a data da abertura da sucessão.

Esta Recorrida juntou aos autos, com as suas alegações, um parecer jurídico sobre a questão debatida entre as partes, da autoria do Ex.mº Sr. Prof. Dr. Remédio Marques .
VI
Foi proferido despacho de sustentação, onde apenas se deu como reproduzido o despacho recorrido e no momento de ser convocada a conferência de interessados foi ordenada a subida do presente agravo, em separado, o que se verifica.

VII
Neste Tribunal da Relação foi aceite o recurso tal como fora admitido e procedeu-se à recolha dos necessários “ vistos “, nada obstando ao conhecimento do objecto do agravo interposto, objecto esse que, dadas as conclusões apresentadas pelo Agravante, se pode resumir às quatro seguintes questões:
A – Considerando que no presente inventário todos os bens imóveis relacionados foram doados, em vida, pela inventariada aos descendentes, com a obrigação de colação, deve ou não entender-se que estes descendentes-donatários estão obrigados a restituir à massa hereditária a totalidade dos frutos resultantes ou produzidos por esses imóveis doados desde a data do óbito da inventariada?
B – Tais frutos são ou não passíveis de ser distribuídos por todos os herdeiros, como pretende o Agravante?
C – Devem, para tanto, ser os ditos frutos entregues ao cabeça de casal pelo donatário que os receba?
D – Ou, ao invés, deve entender-se que os frutos da coisa doada estão sujeitos ao regime geral da colação, com a imputação do respectivo valor na quota hereditária do descendente-donatário?


Apreciando, afigura-se ser de salientar que com as doações regularmente efectuadas pela “ de cujus “ a favor dos seus herdeiros, foi transmitida a propriedade dos bens doados como mero efeito desse contrato de disposição gratuita e desde que o mesmo teve lugar – é o que resulta dos artºs 940º, nº 1; 947º, nº 1; e 954º, al. a), todos do C. Civ.
Tal transmissão, porém, não evita que os donatários-descendentes da doadora (autores há que entendem estar também o cônjuge sobrevivo, que seja também donatário, obrigado a este dever, como salienta Rodrigues Bastos in Notas ao Código Civil, vol. VII, Lisboa 2002, pg. 323; veja-se, também, o Prof. Oliveira Ascensão, in “Direito Civil- Sucessões“, 5ª ed. revista, pg. 531) devam restituir à massa da herança desta, para igualação da partilha, os bens ou valores recebidos em doação, para, assim, poderem entrar na sucessão da ascendente, tanto mais que todos os bens imóveis relacionados foram doados com obrigação de colação para os herdeiros assim beneficiados - é o que resulta dos artºs 2104º, nº 1; 2105º; 2106º e 2113º, todos do C. Civ..
A fundamentação deste instituto do direito sucessório acha-se no significado social que é atribuído às doações em vida feitas a presuntivos herdeiros legitimários do doador, considerando-as como meras antecipações da herança (a ocorrer necessariamente no futuro).
Tal conferência (ou dever de restituição) faz-se pela imputação do valor da doação... na quota hereditária (sendo esse valor aquele que os bens doados tiverem à data da abertura da sucessão), o que é a regra, ou pela restituição dos próprios bens doados, se para tanto houver acordo de todos os herdeiros – artºs 2108º, nº 1; e 2109º, nº 1, do C. Civ..
Assim, na primeira dessas situações (e apenas essa situação se nos coloca), o beneficiário-donatário conserva no seu património os bens doados, sendo apenas o seu valor imputado na sua quota hereditária, com o valor reportado à data da abertura da herança ( data da morte do de cujus ) .
O étimo de raiz latina donde deriva a palavra “ colação “ é exactamente “conferir “, significando “ a restituição feita pelos descendentes, dos bens ou valores que o ascendente lhes doou, quando pretendam entrar na sucessão deste (as mais das vezes apenas em valor, não em espécie ou substância) , com o fim da igualação, na partilha, do descendente donatário com os demais descendentes do autor da herança “ – vejam-se os Prof. Pires de Lima e A. Varela in C. Civ. anotado, vol. VI, pg. 173.
Com este instituto do direito sucessório a lei faz presumir que qualquer doação feita em vida pelos pais apenas a um ou a alguns dos seus filhos não visa afectar ou lesar os demais filhos, prejudicando-os em relação aos beneficiados com essa doação, mas que apenas se procurou socorrer esses “ beneficiados “ em momento difícil das suas vidas, como que fazendo-lhes uma espécie de adiantamento por conta do que deveriam vir a herdar no futuro, sem prejuízo do dever de igualdade a observar nessa partilha vindoura.
Sucede, no entanto, que os bens doados podem gerar rendimentos ou frutos desde a data da doação, como sucede, por exemplo, com imóveis arrendados, com pomares de frutos, com acções, com dinheiro, com rebanhos de gado, etc. (artº 212º do C.Civ.).
Quando tal aconteça, uma vez que com a doação foi transmitido o direito de propriedade sobre a coisa doada também se afigura elementar que consideremos como sendo do novo proprietário (o donatário ou a quem este venha a transmitir essa “coisa“) os frutos da coisa doada.
Com efeito, nos termos do artº 1305º do C. Civ., o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem..., referindo-se este direito de fruição precisamente ao seu poder de colher os frutos, naturais ou civis, propiciados pela coisa.
E assim é, apenas sucedendo que dado o espírito do instituto da colação, pelo qual se visa a igualação dos descendentes na partilha dos bens do ascendente, com a abertura da sucessão e apenas desde então (desde a data do óbito do doador – ascendente) nasce também a obrigação de conferir (no sentido de juntar ou restituir) os frutos da coisa doada sujeita a colação e até à data da partilha – é o que resulta dos artºs 2069º, al. d); e 2111º do C.Civ..
E dada a terminologia usada para esta “ junção “ dos frutos da coisa doada, dispondo expressamente o citado artº 2111º do C.Civ. que “ devem ser conferidos “, afigura-se que esta conferência deve ser efectuada em termos idênticos àquela que é feita para a conferência dos bens ou dos valores doados, isto é, “faz-se pela imputação do valor dos frutos recebidos desde a data da abertura da sucessão na quota hereditária do donatário“, exactamente com vista à referida igualação da partilha entre os descendentes do “ de cujus “ – é a chamada colação em valor, também aplicável às coisas doadas, conforme artº 2108º, nº 1, do C. Civ. .
E nem se entenderia que assim não fosse, pois que esses frutos, tal como a coisa doada que os gera, são efectiva propriedade do “ beneficiário” com a doação e desde que esta ocorreu, em nada esse direito sendo afectado com o óbito do doador da coisa, pelo que apenas podem ser levados à conferência o valor desses “ frutos “, como também sucede com a colação do bem doado.
Tenha-se em conta, além do exposto, o teor do artº 2087º, nº 2, do C. Civ., segundo o qual “ os bens doados em vida pelo autor da sucessão não se consideram hereditários e continuam a ser administrados pelo donatário “, mesmo que tais bens estejam sujeitos a colação ou a redução por inoficiosidade.
Pense-se, até, o que sucederia com frutos de natureza semoventes ou perecíveis com o tempo (como será o caso dos géneros frutícolas e hortícolas) produzidos no citado período de “ conferência “, caso o dono desses bens produtivos não diligenciasse no seu correcto tratamento e aproveitamento. Como poderiam ser eles conferidos, senão em valor, considerando o dono dos bens como possuidor de boa fé desses ditos bens, nos termos do artº 1270º do C. Civ.?
Pense-se, ainda, nas situações em que o donatário sujeito a colação haja transmitido o direito de propriedade sobre o bem doado para terceiro, o que não está impedido de fazer (ver artº 2109º, nº 2, do C. Civ.): como poderia ser feita a conferência dos frutos dessa coisa senão através da imputação do valor desses frutos, tendo presente o disposto nos artºs 551º e 2109º, nºs 2 e 3, ambos do C. Civ., já que o seu novo adquirente não está obrigado à dita colação e goza da chamada “ plena in re potestas “?
E tanto deve ser assim que nem sequer os frutos produzidos entre o momento da doação e o momento do óbito do “ de cujus “ são levados à colação, sendo pura e simplesmente considerados como rendimentos ou frutos próprios do donatário.
É a interpretação que se afigura consentânea com o disposto no artº 9º do C. Civ, designadamente tendo em conta a unidade do instituto jurídico em que nos movemos (o instituto da chamada “ colação “, que vai do artº 2104º ao artº 2118º do C. Civ .) .
Diga-se, ainda, que esta interpretação em nada colide com o disposto no artº 2069º, al. d), do C. Civ., pois que com este preceito apenas se fazem incluir no âmbito da herança todos os frutos percebidos desde a data da abertura da herança até à realização da partilha provenientes dos bens da própria herança e que por isso fazem parte da massa hereditária, sendo administrados pelo cabeça de casal – artºs 2087º, nºs 1 e 2, do C. Civ.; e 1345º e segs. do CPC .
A única diferença que se nos afigura existir entre a referida obrigação de conferir (relativa aos frutos da coisa doada) e a colação propriamente dita (relativa à doação da coisa) e que se deve salientar, é que enquanto nesta se não houver na herança bens suficientes para igualar todos os herdeiros, nem por isso são reduzidas as doações, salvo se houver inoficiosidade ( nº 2 do artº 2108º do C. Civ. ) - o valor dos bens doados é imputado na quota hereditária do beneficiado com a doação e se houver inoficiosidade, isto é, se a doação ofender a legítima dos outros herdeiros, haverá direito a redução nos termos dos artºs 2168º a 2178º, não por efeito da colação, mas como defesa da legítima - , já no que respeita à conferência dos frutos da coisa doada não haverá essa “ vantagem “ do donatário-conferidor, na medida em que se não houver na herança bens suficientes para igualar todos os herdeiros, terá o donatário beneficiário desses frutos de repor parte do valor dos ditos para igualação entre todos os herdeiros ( artº 2108º, nº 2, do C. Civ., à contrário ).
Donde se entender o comentário de Jacinto Rodrigues Bastos, feito in “ Notas ao C. Civ. “, vol. VII, ano 2002 , pg. 329, quando refere : “ Desde a doação que a coisa doada pertence ao donatário, que, naturalmente, faz seus os frutos por ela produzidos . Com a abertura da sucessão nasce a obrigação de conferir a coisa, passando os frutos dela a pertencerem à herança, pelo que devem ser conferidos os que se produzam posteriormente a esse momento “ .
No mesmo sentido podem ver-se os Prof. Pires de Lima e A. Varela, in “ C. Civ. anotado “, vol. VI, pg. 186, ao escreverem : “ ... pertencem definitivamente ao donatário os frutos da coisa doada anteriores à abertura da sucessão ; ... devem ser conferidos os frutos da coisa doada posteriores à abertura da sucessão . Já no artigo 2106º do Código de 1867 se prescrevia, a propósito da questão, que «os frutos e lucros da coisa doada serão contados, para virem à colação, desde o dia da abertura da herança » “ .
Atente-se, também, ao que escreve o Prof. Oliveira Ascensão, loc. cit., pg. 536 : “ A partir do momento da abertura da sucessão a igualdade deve ser assegurada quanto possível . Aceita-se a vantagem tida até então pelo donatário e, consequentemente, os frutos havidos não são atingidos pela colação . Mas aberta a sucessão, ele deve conferir, para que cesse a desigualdade. É esse o momento decisivo para toda a operação da colação, e é também o momento a partir do qual os frutos devem ser conferidos “ .
Eduardo dos Santos in “ O Direito das Sucessões “, pg. 264, aponta também no sentido de que “ a colação é sempre uma imputação ou uma restituição à massa hereditária . Por isso, produz ou pode produzir um acréscimo efectivo da massa ... Segundo BARASSI, a colação não supõe a transferência automática da propriedade dos bens doados, mas apenas origina a obrigação de conferir por parte do donatário “
O Pr. Rabindranath Capelo de Sousa em parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência do STJ, ano IX, tomo III, pg. 15, também opina neste sentido, ao escrever acerca da relacionação dos frutos dos bens doados: “ Com efeito, de acordo com o artº 2111º do CC, os frutos da coisa doada sujeita a colação, percebidos desde a abertura da sucessão, devem ser conferidos ... Pelo que os frutos percebidos desde a data do óbito do de cujus e até à partilha global devem ser conferidos para efeitos de colação “.
Também neste sentido se pode ver Lopes Cardoso in “ Partilhas Judiciais “, vol. II, 3ª ed., pg. 65, nota 1657 ( e na 4ª ed., pg. 73, nota 1818 ) , onde refere que “ No que respeita aos donatários, os rendimentos são por eles recebidos, visto que lhes pertence a administração dos bens doados, posto que hajam de trazê-los à colação com referência aos produzidos desde a abertura da sucessão “ .
Veja-se, ainda, o Prof. Capelo de Sousa, in “ Lições de Direito das Sucessões “, vol. II, pg. 290, onde aponta no mesmo sentido .

Daí que se afigure correcto o despacho recorrido ( de fls. 1855 e 1856 ), no sentido de que “ não havendo lugar à restituição em espécie dos bens doados, também não há lugar à restituição dos respectivos frutos e à sua distribuição pelos herdeiros, ..., embora estes frutos tenham de ser conferidos, ... , pelo que os donatários deverão apresentar a relação dos frutos recebidos relativamente aos bens doados – desde 1/02/1995 -, para efeitos de conferência “ .

Acrescente-se, ainda, que o disposto no artº 2162º, nº 1, do C. Civ., citado pelo Agravante nas suas conclusões, em nada colide com o exposto.
Com efeito, este preceito insere-se no título relativo à sucessão legitimária, o que é distinto do instituto da colação, que antes se procurou apreciar e ter em conta para o efeito da análise do objecto do recurso .
A dita “ sucessão legitimária “ ( ou necessária e forçosa ) caracteriza-se pela existência de certas pessoas com o especial direito a determinada quota parte ou determinado quinhão da herança a que concorrem, quinhão esse que o “ de cujus “ não pode lesar ou fazer diminuir ( a sucessão legitimária não pode ser afastada pela vontade do de cuius e respeita à porção de bens de que o autor da sucessão não pode dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários , como escreve Capelo de Sousa, in “ Lições de Direito das Sucessões “, vol. I, pg. 38 ) .
Esta quota parte de bens de que o inventariado não pode dispor a seu belo prazer chama-se “ quota legitimária ou legítima global “ , conforme resulta dos artºs 2156º a 2161º do C. Civ.
Nessa medida, também cada um dos chamados herdeiros legitimários tem um especial direito a uma determinada quota parte da herança ( uma quota do valor do património hereditário e dos bens doados em vida do de cujus ), que não pode ser afectada pelo “ de cujus “, quota parte esta que se designa por “ legítima “, e que difere do seu quinhão hereditário, pois este tem a ver apenas com a partilha dos bens efectivamente existentes à data do óbito do inventariante – é a sucessão legítima .
Do que resulta que o “ de cujus” pode dispor validamente, ainda em vida ou por testamento, de bens próprios, desde que não afecte a dita quota legitimária, sob pena de se considerar inoficiosa essa disposição .
Daqui a necessidade de, para efeitos de cálculo da legítima e só para tal efeito, haja necessidade de atender não apenas aos bens que o de cuius conserva à hora da morte ( os chamados derelicta ou relictum ) mas também aos bens doados em vida ( os donata ) , quer a favor de presuntivos herdeiros legitimários quer a favor de quaisquer outras pessoas, além das dívidas e despesas da herança, como bem resulta do artº 2162º, nº 1, do C.Civ. – vejam-se Jacinto Rodrigues Bastos, loc. cit., pag. 375 ; Prof. Pires de Lima e A. Varela, in “C. Civ. anotado “ vol VI, pg. 263 ; Capelo de Sousa, in “ Lições de Direito das Sucessões “, vol II, pg. 162.
Também o Prof. Oliveira Ascensão, in “ Direito Civil – Sucessões “, 5ª ed. revista, pg. 391, aponta no sentido exposto, ao escrever : “ ... é diversa a massa de bens a que se referem uma e outra vocação ( legítima e legitimária ) . A vocação legitimária vai mesmo implicar bens que não são objecto de vocação legítima, como os resultantes da redução de liberalidades inoficiosas, para não falar daqueles que os próprios legitimários têm de trazer à colação ... o que se exprime por uma contraposição simples: - o objecto da vocação legítima é a herança ; o objecto da vocação legitimária é a legítima “ .
Logo, também por aqui se retira que o valor dos frutos dos bens doados não releva para o apontado cálculo, apenas se podendo entender esse valor no âmbito da colação ( ou igualação na partilha ), como antes se deixou exposto .

Do exposto resulta a evidência de que os ditos frutos ( da coisa doada sujeita a colação ) não são passíveis de ser distribuídos por todos os herdeiros, como pretende o Agravante BB, o que até resulta muito claramente do disposto nos artºs 2087º, nºs 1 e 2 ; 2088º ; e 2092º, todos do C. Civ., ao preceituar-se que os bens doados em vida pelo autor da sucessão ... continuam a ser administrados pelo donatário, cabendo ao cabeça de casal a administração dos bens próprios do falecido, podendo até pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, ... , podendo distribuir pelos herdeiros até metade dos rendimentos ( necessariamente obtidos apenas através dos bens que administra ), desde que não necessários para a satisfação de encargos da administração - veja-se neste sentido Lopes Cardoso, loc. cit., pg. 65, onde escreve : « o artº 2092º limita-se a estabelecer a permissão da exigência ( da entrega dos rendimentos) por parte dos herdeiros e cônjuge meeiro, ( dado ) que estes, e só estes, têm, de facto, comparticipação nos rendimentos dos bens que o cabeça de casal administra».

De todo o exposto importa concluir que é de manter integralmente o despacho recorrido, nos termos aclarados a fls. 1855 e 1856, não havendo lugar a qualquer distribuição pelos herdeiros dos frutos gerados pelos bens doados sujeitos a colação, dado que são os descendentes-donatários quem continua com o poder de administrar os bens doados, frutos esses que apenas estão sujeitos ao regime da colação nos termos que se deixaram expostos.

Deste modo há que negar provimento ao agravo interposto, mantendo-se plenamente vigente o despacho recorrido, nos termos constantes de fls. 1855 e 1856 .
VIII
Decisão :
Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo interposto, mantendo-se plenamente vigente o despacho recorrido, nos termos constantes de fls. 1855 e 1856 .

Custas pelo Agravante .
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Tribunal da Relação de Coimbra, em / /