Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
87/06.2SBGVA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREDERICO CEBOLA
Descritores: PRISÃO SUBSIDIÁRIA
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
Data do Acordão: 06/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE GOUVEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 49º, DO C. PENAL
Sumário: A notificação da decisão que opera a conversão da multa não paga em prisão subsidiária, nos termos do disposto no art.º 49º, do C. Penal, deve ser feita pessoalmente ao arguido.
Decisão Texto Integral: I – Relatório
Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal singular, com o n.º 87/06.2SBGVA, que corre termos no Tribunal Judicial de Gouveia, o Ministério Público veio interpor recurso do despacho do M.mo Juiz, proferido em 29/07/2010, onde se decidiu considerar não transitado em julgado o despacho de fls. 217-218, que declarou o incumprimento da pena de multa substitutiva e ordenou o cumprimento da pena de prisão a que o arguido foi condenado, por dele não ter sido pessoalmente notificado o arguido, mas, tão só, o seu defensor oficioso, e, em consequência, determinar a imediata libertação do arguido.
Na motivação apresentada formulou as seguintes transcritas conclusões:
«1.ª
Vem o presente recurso interposto do despacho proferido a 29/07/2010, no qual o Tribunal a quo decidiu considerar não transitado em julgado o despacho de fls. 217 e 218, porquanto o mesmo não foi notificado pessoalmente ao arguido, e, em consequência, ordenou a sua libertação imediata, bem como lhe conferiu nova possibilidade de proceder ao pagamento da multa substitutiva da pena de prisão.
2.a
No que toca à notificação em apreço - do despacho que declarou o incumprimento da pena de multa substitutiva e ordenou o cumprimento da pena de prisão a que o arguido foi condenado - rege a regra geral.
3.a
Regra esta ínsita no artigo 113.° do Código de Processo Penal, cujo n.° 9 prevê a notificação do arguido na pessoa do seu ilustre defensor.
4.a
A lei em lado algum exige a notificação na própria pessoa do arguido, muito menos a sua notificação pessoal.
5.a
Pelo que, tendo o arguido sido notificado na pessoa do seu defensor, o despacho transita em julgado uma vez decorrido o prazo de recurso contado da data daquela notificação sem que o mesmo tenha sido interposto.
6.a
Ao decidir de modo diverso, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 113.°, n.° 9, do Código de Processo Penal.





Nestes termos, e nos demais de Direito que V.as Ex.as doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, a decisão recorrida ser revogada, com as demais consequências legais, fazendo-se assim

JUSTIÇA!»

O arguido não apresentou resposta.

O recurso foi admitido por despacho certificado de fls. 276.

Nesta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, a fls. 283 a 286, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no n.º 2 do art.º 417.º, do Código de Processo Penal, o arguido nada disse.

Efectuado o exame preliminar determinou-se que, ao abrigo do disposto no art.º 419.º, n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal, o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação
Conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19 de Outubro de 1995, publicado in D.R. Série I-A de 28 de Dezembro de 1995, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as de nulidade da sentença e as previstas no art.º 410.º, nº. 2, do Código de Processo Penal – v. ainda, entre outros, o acórdão do STJ de 3.2.99, em BMJ n.º 484, pág. 271; o acórdão do STJ de 25.6.98, em BMJ n.º 478, pág. 242; o acórdão do STJ de 13.5.98, em BMJ n.º477, pág. 263; Simas Santos/Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, pág. 48; Germano Marques da Silva, em “Curso de Processo Penal”, III, pág. 320 e 321.
Tendo presente as conclusões do recorrente, a questão suscitada consiste em saber se a notificação ao arguido da decisão judicial que determina a exequibilidade da pena de prisão, determinada pela falta de pagamento da pena de multa fixada em substituição da pena de prisão (ainda que tenha sido requerido o pagamento em prestações também incumprido e mostrando-se inviável a sua execução patrimonial) tem de ser uma notificação pessoal ao arguido ou se, pelo contrário, se basta com a notificação ao arguido na pessoa do seu defensor oficioso.

O despacho recorrido é do seguinte teor:
«Compulsados os autos a propósito do ora requerido pelo arguido a fls. 240 e do promovido pelo Ministério Público na promoção que antecede, verifica-se que (pelas razões constantes a fls. 210) aquele não foi pessoalmente notificado (mas tão só a sua Ilustre Defensora - fls. 212 e 213) do despacho a fls. 206, ou seja, para efectuar o pagamento da multa (em substituição da pena de prisão aplicada no âmbito da sentença a fls. 144 e ss., transitada em julgado, e na decorrência da falta de liquidação das correspondentes prestações) sob pena de, não o fazendo, cumprir a pena de prisão sem possibilidade de beneficiar da prerrogativa a que alude o art. 49° n° 2 do Código Penal (CP).

Por seu turno, o despacho a fls. 217-218, que julgou verificado o incumprimento da sobredita pena substitutiva e, concomitantemente, determinou o cumprimento da pena de prisão, também não foi pessoalmente notificado ao arguido, conforme decorre de fls. 220v. (mas tão só, uma vez mais, à sua Ilustre Defensora - fls. 219).

Ora, salvo o devido respeito pela opinião contrária, entende-se que tais despachos, atenta a respectiva natureza e fase processual, deviam ter sido pessoalmente notificados ao arguido a montante da sua detenção, tanto mais havendo informação nos autos de que o mesmo já não residia na morada conhecida nos autos (fls. 210).

Na verdade, e como bem se refere no Ac. TRP de 07-06-2006 (Processo n° 0547071, relatado por ARLINDO OLIVEIRA, integralmente disponível em www.dgsi.pt), a propósito da notificação do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão (cujos fundamentos subjacentes permitem carrear a mesma conclusão para o caso dos autos), após a cessação da medida de coacção de TIR decorrente da prolação da decisão condenatória, "não se pode assacar ao arguido qualquer responsabilidade decorrente de não ter sido encontrado na morada que consta do TIR prestado, do que igualmente decorre a impossibilidade de o mesmo ali ser notificado por via postal da decisão que lhe revogou a suspensão da execução da pena, sob pena de violação do princípio do contraditório e da preterição das garantias de defesa, as quais têm consagração constitucional - artigo 32, n.os 1 e 5, da CRP - neste sentido o Acórdão do Tribunal Constitucional, de 17 de Agosto de 2005, in DR, II.ª Série, n.° 183, de 22 de Setembro de 2005, pág. 13.750, o qual vai mais longe e sanciona com a inconstitucionalidade a notificação por via postal para a morada constante do TIR, quando tal medida de coacção já se mostra extinta e no qual se referem outras decisões do mesmo Tribunal com idêntica conclusão, as quais, não obstante com objecto diferente, apresentam as mesmas razões de fundo para que assim se tenha decidido. (...) Para mais, como consta dos autos, tal medida foi-lhe fixada sem a sua audição prévia, o que mais inviabiliza que tal despacho não lhe fosse notificado pessoalmente, dando como adquirido que é necessária a notificação ao arguido de tal decisão — neste sentido, Acórdão ora citado, a fls. 13.747 e 13.748. (...) o despacho em causa, para que se possa ter um mínimo de certeza de que chega ao conhecimento do arguido tem de lhe ser notificado pessoalmente, não bastando sequer a sua notificação postal, quanto mais em casos como o dos autos em que nem tal notificação postal lhe foi efectuada, sob pena de violação de tal preceito constitucional. É certo que em alguns casos isto pode dar lugar a abusos e constituir uma forma de se eximir ou retardar uma decisão judicial. No entanto, quis o nosso legislador constitucional que isso cedesse perante valores de certeza de que a decisão chegou ao seu destinatário, pelo que optou por exigir, nestes casos, atenta a salvaguarda da liberdade das pessoas, pela segurança da notificação pessoal. Se no artigo 113, n.° 7, se exige a notificação pessoal do arguido em casos de aplicação de medidas de coacção, bem se compreende que as mesmas razões, até com maior acuidade, dado que se trata de uma pena de prisão a cumprir, levem a que o despacho de revogação da suspensão de execução de uma pena de prisão tenha de ser notificada ao arguido de igual forma, não se bastando a lei com a simples notificação de tal despacho ao seu defensor. Dado que no caso em apreço apenas se procedeu à notificação de tal despacho ao defensor do arguido, nos termos expostos, tudo se passa como se verifique a falta do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência, o que constitui a nulidade prevista no artigo 119, al. c), do CPP, a qual pode ser, em qualquer fase do procedimento oficiosamente declarada, de acordo com o disposto no corpo do artigo 119, ora citado".

Igualmente no sentido da exigência de notificação pessoal (ou pelo menos por carta registada com aviso de recepção, entenda-se, efectivamente recebida pelo visado) do arguido (do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão e determinou o cumprimento desta), vide o Ac. TRP de 28-03-2007 (Processo n° 0616223, relatado por AUGUSTO DE CARVALHO, integralmente disponível na mesma base de dados).

Também no mesmo sentido da notificação pessoal do condenado (a respeito do despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão por falta de pagamento da multa pela qual fora substituída), vide o Ac. TRP de 23-04-2008 (Processo n° 0810622, relatado por JOÃO ATAÍDE, integralmente disponível na mesma base de dados).

Nesta conformidade, - e sem necessidade, julga-se, de se trazer à colação o regime da nulidade insanável conforme o pugnado pelo primeiro mencionado aresto - entende-se, pois, que o despacho a fls. 217-218 (porque ainda não pessoalmente notificado ao arguido, sem prejuízo da ulterior explicação dada ao mesmo acerca do conteúdo do mandando de detenção - fls. fls. 233) não transitou em julgado (ao contrário do referido pelo Ministério Público na promoção que antecede) e, nesta medida, é insusceptível de produzir efeitos jurídicos, mormente quanto à detenção e subsequente e efectivo cumprimento da pena de prisão, pelo que se impõe a imediata libertação do arguido, sem aguardar o trânsito em julgado da presente decisão (por aplicação extensiva do disposto no art. 261° do Código de Processo Penal).

Por seu turno, e tendo presente que o cit. despacho a fls. 217-218 se baseia, parcialmente, na circunstância de o arguido não ter liquidado a multa dentro do prazo a que alude o despacho a fls. 206, despacho este que também não foi pessoalmente notificado ao arguido, entende-se que tal possibilidade deve ser novamente concedida ao mesmo, pois só assim é possível ressuscitar e salvaguardar, em termos materiais, os direitos de defesa e de garantia do arguido que foram colocados à revelia mercê do processado anterior.

Em face do exposto, determino a imediata libertação do arguido.

Mais determino a notificação pessoal do arguido do cit. despacho a fls. 206, juntando cópia da respectiva guia de pagamento, devendo a multa ser paga no prazo máximo de 5 dias.

Mais determino a notificação pessoal do arguido para vir informar, no mesmo prazo, as moradas da sua residência e do seu local de trabalho na Alemanha.

Notifique.

Comunique ao Estabelecimento Prisional, via fax e com nota de muita urgência, solicitando a imediata colocação em liberdade do arguido, bem como as aludidas notificações.


*

O supra decidido prejudica o conhecimento da liquidação de pena e o demais requerido pelo Ministério Público na promoção que antecede.

Notifique.»

Apreciando.
Cabe, desde já, salientar que não assiste razão ao recorrente, desde logo por se nos afigurar que no caso em apreço a notificação tem de ser feita na pessoa do arguido.
Neste sentido tem sido decidido pela maioria da jurisprudência como bem é referido no despacho recorrido e que aqui reproduzimos por se concordar com a doutrina nele vertida.
Aliás, se é certo que o n.º 9 do art.º 113.º do Código de Processo Penal estabelece que as notificações ao arguido podem ser feitas ao respectivo defensor desde que a decisão em causa não se configure em nenhuma das situações que se encontram expressamente salvaguardadas no mesmo preceito, em que é exigida a notificação ao próprio arguido; se é certo também que o n.º 3 do art.º 49.º do Código Penal não impõe de uma forma expressa a notificação do arguido, temos para nós que não se vislumbra significativa diferença entre o não cumprimento do pagamento da multa de substituição e o não cumprimento dos deveres ou regras de conduta impostas como condição da suspensão da execução da pena.
Ora, se neste caso, por força do art.º 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, é necessário ouvir o condenado, também o será no caso em que o mesmo não efectua o pagamento da multa de forma atempada e voluntária, pois a razão de uma e de outra situação são em tudo semelhantes.
Assim, temos para nós como já referido que a notificação no caso que nos apraz teria de ser feita pessoalmente ao arguido e não tendo sido bem andou o subscritor do despacho ora recorrido.
Por tudo o que se deixa dito o recurso improcede.


III – Decisão
Nos termos expostos, julga-se improcedente o recurso mantendo-se a decisão recorrida.
Sem custas por não serem devidas.



Frederico Cebola (Relator)
Jorge Jacob