Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
15/08.0TBAGN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
GERENTE
DESTITUIÇÃO
Data do Acordão: 10/13/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ARGANIL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 254º, NºS 1, 5 E 6 DO CÓDIGO DAS SOCIEDADE COMERCIAIS
Sumário: I – O artº 254º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais dispõe que “os gerentes não podem, sem consentimento dos sócios, exercer, por conta própria ou alheia, actividade concorrente com a da sociedade”.

II – O nº 5 da dita norma estabelece que “a infracção do disposto no nº 1, além de constituir justa causa de destituição, obriga o gerente a indemnizar a sociedade pelos prejuízos que esta sofra”.

III – Por outro lado, o nº 6 do mesmo preceito refere que “os direitos da sociedade mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa actividade”.

IV – A interrupção da prescrição constitui excepção peremptória que, carecendo de ser invocada por aquele a quem aproveita, não é do conhecimento oficioso do tribunal.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1 - A “A....”, sociedade por quotas, com sede em ...., em Assembleia Geral Extraordinária, de 21 de Dezembro de 2002, deliberou excluir de sócio B... .

Tal deliberação foi alvo de acção judicial no âmbito da qual foi proferida sentença, em 12/9/2007 - confirmada por esta Relação, por Acórdão de 22/4/2008 -, que decidiu declarar a anulabilidade das deliberações sociais respeitantes à exclusão de sócio do referido B .....

Constando da respectiva convocatória, como um dos pontos da ordem dos trabalhos, “…aclarar, ratificar e novar a deliberação da exclusão de sócio Sr. B ...., tomada na Assembleia Geral Extraordinária realizada no dia 21 de Dezembro de 2002,” a assembleia geral extraordinária da “ A ....”, realizada em 8 de Dezembro de 2007, deliberou, além do mais, aclarar aquela deliberação de 21 de Dezembro de 2002, quanto aos fundamentos da exclusão de sócio de B ...., tendo-se especificado esses fundamentos na acta.

Respeitando a essa Deliberação tomada em 8/12/2007, veio o aludido B .... intentar contra a A ....”, em 07/01/2008, no Tribunal Judicial de ...., acção que apelidou de “anulação de deliberações sociais”, sob a forma de processo sumário, requerendo:

- Que seja considerado “prescrito o eventual direito da sociedade, passados 5 anos, de excluir o A. como sócio da sociedade”;

- Que seja anulada a deliberação que repete a anterior deliberação de excluir de sócio;

- Que seja ser declarada ilegal, contrária à lei e, portanto, nula, a convocatória para a Assembleia Geral Extraordinária de 8 de Dezembro de 2007;

- Que seja cancelado qualquer registo da Conservatória do Registo Comercial de ...., referente às eventuais deliberações de 8 de Dezembro de 2007.

Fundou o peticionado, no que à prescrição se refere, alegando, em síntese, que os factos que poderiam ser invocados pela sociedade R. para excluir o A. de sócio ocorreram há mais de 5 anos.

2 - Em contestação entrada em juízo em 04/02/2008 (expedida por correio em 01/02/2008), veio a Ré pugnar pela procedência das excepções que aí arguiu - ilegitimidade passiva, litispendência e caducidade da acção - sustentando, no que à prescrição concerne, não ter decorrido o respectivo prazo de cinco anos.

Concluiu, defendendo a improcedência da acção e a condenação do Autor em multa e indemnização, como litigante de má fé.

O A. veio responder às excepções aduzidas pela Ré, pugnando pela respectiva improcedência.

Na sequência do convite que lhe foi formulado em despacho proferido ao abrigo do art.º 508, n.º 1, b) e n.º 2, do CPC, veio a Ré, a fls. 59 e ss., juntar aos autos vários documentos atinentes a matéria que alegara na contestação (cópias da acta de 08/12/2007, da notificação judicial avulsa e das decisões finais proferidas no processo n.º 59/03.9BAGN).

B) - No despacho saneador, a Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, julgando improcedentes as excepções da ilegitimidade activa, do caso julgado e da caducidade, julgou a acção procedente, considerando «… prescrito o direito da sociedade, decorridos 5 (cinco) anos, de excluir o Autor como sócio da sociedade aqui Ré e, consequentemente, consideram-se também prescritas as deliberações sociais de exclusão desse sócio tomadas na assembleia geral de 8.12.2007.».

II - Inconformada com o decidido, apelou a Ré para este Tribunal da Relação, terminando a sua douta alegação recursiva com as seguintes conclusões:

«1 - A contagem dos prazos de prescrição estavam interrompidos à data da proposição desta acção, desde, pelo menos, da not. jud. Avulsa ao A. da deliberação da R., de o excluir, tomada em 22.12.2002.

2 - E continuou interrompida com a notificação da contest. à acção c/ o procº nº 59/03.9TBAGN e da judicial avulsa da R. ao A. da deliberação que o excluiu de seu sócio em 08 de Dezº 2007; bem como com a notificação da contestação da R. à presente acção.

3-Acresce que essa interrupção da contagem de prazos constitui uma excepção peremptória, de conhecimento oficioso, que obstava a que a Sra. Magistrada tomasse conhecimento da questão fundamento da petição. (Questão de mérito)

4-Tanto mais que tinha conhecimento directo das notificações e acções subjacentes, (art.º 660 C.P.C.), que haviam interrompido a contagem do eventual prazo de prescrição invocado pelo A. e contestado pela R. nessa acção.

5-E a questão fundamento da decisão foi apenas de direito, sem outro tipo de apreciação.

6-Direito esse que a R. tem por violado tendo em conta o disposto nos art.ºs 323, 326 e 327 C.C. sobre essa questão.

7-Ou seja, in casu, a Mª Juíz “à quo” terá errado quando invoca o nº 6 do art.º 254 do C.S. Com. sem ter levado em devida conta a interrupção dessa invocada prescrição conforme dispõe o art.º 323 C.C.

8-Além disso não teve igualmente em devida conta a citação à acção, nem os efeitos dessa notificação na esfera jurídica do A. da acção. (art.º 490 C.P.C.)

9- Nem, tão pouco, os efeitos dos art.ºs 268 e 481 C.P.C., a considerar no âmbito da aplicação do disposto nos art.ºs 264 e seg. do mesmo diploma legal tendo em conta a normativa do já referido art.º 323 C.C.

E assim sendo, Senhores Desembargadores, requer-se a revogação da decisão que declarou prescrito o direito da R. de poder excluir o A. de seu sócio, bem como da deliberação que o excluiu, substituindo-a pela manutenção da deliberação da R. tomada em 08 de Dez.º 2007, consagrada em acta notificada ao A., por se afigurar ser essa a única decisão sensata e justa face à interrupção da contagem do prazo da invocada prescrição, e porque essa é a sanção legal prevista para a concorrência proibida exercida pelo A. à R., fundamento daquela deliberação.

Na verdade, diz o nº 1 do art.º 323 C.C. que a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o Tribunal seja incompetente… e tantas foram essas citações e notificações que não podem ter ficado dúvidas, designadamente à Sra. Magistrada, de que a R. iria exercer o seu direito de excluir o A. de seu sócio e que a contagem dos prazos da prescrição para o exercício do mesmo estava interrompida; e daí, prejudicada, essa invocada prescrição,

Devendo, em suma, manter-se a deliberação da R. nos termos constantes da sua acta de 08.12.2007.».


III - A) - As questões:
Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do CPC [1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660º, n.º 2, “ex vi” do art.º 713º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos, que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [2]).
A questão que é mister resolver no presente recurso consiste em saber se o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” deveria ter considerado como interrompido prazo de prescrição do direito de a ré excluir o Autor como seu sócio.

B) - Os factos:

No saneador-sentença da 1.ª Instância foi considerada como assente a seguinte factualidade:

«1) O A foi convocado, com data de 15 de Novembro de 2007, para uma Assembleia Geral Extraordinária a realizar no dia 8 de Dezembro de 2007, às 10:00 horas, com a seguinte ordem de trabalhos:

1º. - aclarar, ratificar e novar a deliberação da exclusão de sócio Sr. B ...., tomada na Assembleia Geral Extraordinária realizada no dia 21 de Dezembro de 2002, na sede social da A ...., sita em ...., tendo por base os Artºs. 990, alínea a), do 1003 C.C.

2º. - Discutir assuntos de interesse para a sociedade (doc. nº. 1, junto com a p.i.).

2) De acordo com a acta da assembleia geral extraordinária, realizada a 8 de Dezembro de 2007, cuja cópia se mostra junta a fls. 60-61, dos autos, a propósito do ponto um da ordem de trabalhos consignou-se que:

Atendendo a que o excluído sócio B .... suscitou, à posteriori, algumas dúvidas sobre a deliberação da sua exclusão ocorrida em 21 de Dezembro de dois mil e dois, a que se refere a acta nº. dezassete, importa, para que tais dúvidas não lhe subsistam, aclarar aquela deliberação, quanto aos fundamentos da sua exclusão, tendo para o efeito sido aprovado o seguinte:

a) os motivos subjacentes, e que então foram exaustivamente explicados ao Sr. B ...., prenderam-se, no essencial com o seu abandono das suas funções na “ A ....”, de que era sócio gerente, cujo desempenho consistia em exercer a gerência comercial da mesma e fazer o acompanhamento das respectivas obras, sem ter, como era sua obrigação legal, preparado, de acordo com os restantes sócios, outra pessoa para, em sua substituição, exercer essas funções, omissão essa que originou elevadíssimos prejuízos para a sociedade a que pertencia e a que estava obrigado a defender.

b) Por outro lado, constituiu a “D... ”, de que se tornou sócio gerente e fundador, a qual tem por objecto o exercício da mesma actividade industrial da A ...., o que fez sem consentimento e contra a vontade dos então seus sócios nesta última referida sociedade, facto que constitui concorrência proibida nos termos dos artº.s 990 e alínea a) do 1003 do Código Civil, de onde igualmente resultaram para a A ...., elevadíssimos prejuízos”.

3) A sociedade R., já em 21 de Dezembro de 2002, em Assembleia Geral Extraordinária, tinha deliberado excluir o A. de sócio.

4) Nessa sequência, o A. propôs acção de anulação das deliberações sociais, autuada e registada sob o nº. 59/03.9TBAGN, tendo o Tribunal de ...., por sentença, declarado a anulabilidade das deliberações sociais respeitantes à exclusão de sócio.

5) A R. não se conformou com a decisão e recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra e, por douto Acórdão, já transitado, acordou-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida (v. certidão junta a fls. 68 e seguintes).

6) Efectivamente, em 29 de Novembro de 2002, a sociedade R. endereçou ao A. uma convocatória para uma Assembleia Geral Extraordinária a realizar em 21 de Dezembro de 2002 (doc. nº. 4, junto com a p.i.).

7) Em 6 de Maio de 2002, o Autor renunciou à gerência da Ré A .... (doc nº.. 5, junto com a p.i.).

8) Ainda no âmbito da A.S. nº. 59/03.9TBAGN, ficaram consignados como factos assentes, entre outros, os seguintes:

 - Na Conservatória do Registo Comercial de ...., sob a matrícula nº 00356/910930, encontra-se registado o contrato de sociedade respeitante a “A....”, com sede inicial na..., com o objecto de comércio de sistemas de alumínio, fabricação de caixilharia em alumínio e pvc acessórios, vidro duplo e tratamento de superfície, anodização e lacagem, importação e exportação, com o capital inicial de 6000.000$00, sócios e quotas, C... , 300.000$00, B ...., 300.000$00 e gerência a cargo de ambos os sócios.

 - Em 6 de Maio de 2002, o Autor renunciou à gerência da sociedade Ré, mediante carta escrita que enviou para esta, à qual a Ré respondeu, através de carta escrita com data de 15 de Maio de 2002. E demitiu-se das suas funções de responsável pelas vendas e montagens exteriores com efeitos a partir de 4 de Abril de 2002. O Autor esteve de baixa médica de 16 de Janeiro a 11 de Abril de 2002 e não retomou funções de gerente.

 - Na acta lavrada consta, entre outras coisas, o seguinte: “seguidamente foi colocado à apreciação para deliberação da Assembleia, o ponto dois da ordem de trabalhos, abandono da sociedade e de funções na mesma do sócio B ...., tendo sido deliberado apresentar-se um voto de repúdio e desconfiança relativamente ao modo e às circunstâncias de que ele se fez rodear e com que se justificou, ter abandonado a sociedade e as funções, porque o fez com violação do seu dever de diligência na função de gerente comercial e acompanhante das obras, não salvaguardando devidamente os interesses da sociedade, do mesmo modo que não cumpriu com as suas obrigações de não concorrência para com a sociedade, o que ocorreu de modo grave e reiterado, designadamente com a constituição da sociedade “D...”, com o mesmo objecto, contactando clientes da A ...., aliciando e contratando empregados desta, injuriando e difamando os sócios gerentes da mesma, além de ter feito uso abusivo de informação obtida da sociedade para proveito próprio e da D...., o que fez contra a vontade dos restantes sócios, de quem, por escrito e publicamente disse não serem competentes para conduzirem os negócios sociais e que a sociedade não era uma empresa mas sim uma chafarica, factos estes que geraram grande desconfiança da praça em relação à A ...., causando-lhe, desse modo, elevados prejuízo em termos de quebra de negócios e de lhe ter denegrido a imagem. Tendo sido submetido à votação foi esta proposta votada com os votos favoráveis dos sócios C .... e E...(v. doc. de fls. 24 a 27 dos autos).

- Na mesma acta consta ainda consignado o seguinte: “ Sobre o mesmo ponto dois e atendendo ao que precede, foi ainda apresentada a esta Assembleia pelo respectivo presidente, a proposta de exclusão da sociedade A ...., do sócio B ...., a qual, depois de devidamente apreciada foi igualmente votada e aprovada pelos votos dos sócios C .... e E ....(v. documento de fls. 24 a 27, dos autos).

- Na mesma acta consta ainda consignado o seguinte: “ Seguidamente foi colocada à apreciação e votação desta Assembleia, o ponto número três, sobre a renúncia à gerência/demissão do referido sócio B ..... Sobre este ponto o referido sócio B .... informou a Assembleia que pediu o registo da sua renúncia à gerência na Conservatória do Registo Comercial de ...., no passado dia 22 de Maio do ano em curso, facto que contraria a informação obtida nessa Conservatória, já por mais de uma vez e recentemente pelo sócio C .... de que tal registo não se encontrava pedido nem efectuado, tendo sido deliberado, por unanimidade, ratificar-se a aceitação da renúncia à gerência a fim de a sociedade A ....vir a efectuar o registo se aquele não tiver sido requerido e efectuado, tanto mais que perante terceiros e enquanto não for efectuado o registo, mantém-se a responsabilidade do referido sócio renunciante (v. documento de fls. 24 a 27, dos autos).

- O A. constituiu a firma “ D.....”, que possui o mesmo objecto da Ré, durante o mês de Junho de 2002.

- Em Setembro de 2002, um dos empregados da Ré saiu desta firma e ingressou na sociedade “ D....”.».

C) - O direito:

A Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, para alicerçar a conclusão a que chegou na sentença impugnada, considerou, essencialmente: « …o cerne do litígio prende-se com a circunstância do sócio B .... ter deixado de exercer a gerência, sem que, para o efeito, tenha assegurado que outra pessoa o substituísse.

Por outro lado, alegam ainda os sócios presentes na assembleia da Ré que o sócio B ...., com a constituição da sociedade “ D.....”, passou a exercer concorrência proibida.

A norma do artº. 254, nº. 1, do Código das Sociedades Comerciais, dispõe que “Os gerentes não podem, sem consentimento dos sócios, exercer, por conta própria ou alheia, actividade concorrente com a da sociedade”.

O nº. 5, da mesma norma, estabelece que “A infracção do disposto no nº. 1, além de constituir justa causa de destituição, obriga o gerente a indemnizar a sociedade pelos prejuízos que esta sofra”.

Por outro lado, o nº. 6, do mesmo artigo, refere que “Os direitos da sociedade mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa actividade”.

 No caso presente, a renúncia à gerência da “ A ....”, por banda do aqui A., foi efectuada em 6 de Maio de 2002, com conhecimento da aqui Ré.

 Ademais, ficou ainda consignado que o aqui A. constituiu a “ D.....” durante o mês de Junho de 2002.

 Ora, tendo a Ré tido conhecimento dos factos acima descritos, pelo menos, a partir de Maio e Junho de 2002, dúvidas não temos em considerar que a 8 de Dezembro de 2007 já se encontrava prescrito o direito da sociedade A ....fazer excluir o A. de sócio.

Os cinco anos mencionados na norma do artº. 254, nº. 6, do CSC, há muito que foram ultrapassados, contados desde a data em que a Ré teve conhecimento da renúncia à gerência e formação da D.... pelo A.. (Maio/Junho de 2002) até ao dia 8 de Dezembro de 2007 - dia da assembleia geral extraordinária.».

Concordando com o entendimento do Tribunal “a quo” respeitante à aplicabilidade, no caso “sub judice”, do prazo de prescrição de 5 anos previsto no artº 254, nº. 6, do CSC, discorda a recorrente da conclusão, tirada na sentença, quanto a ter decorrido tal prazo, defendendo que, antes de esgotado, o mesmo havia sido interrompido em virtude da notificação judicial avulsa ao A. da deliberação da R., de o excluir, tomada em 22.12.2002, permanecendo interrompido “…com a notificação da contest. à acção c/ o procº nº 59/03.9TBAGN e da judicial avulsa da R. ao A. da deliberação que o excluiu de seu sócio em 08 de Dezº 2007; bem como com a notificação da contestação da R. à presente acção”.

Essa interrupção da prescrição consubstanciava, no entendimento da Apelante, excepção peremptória cujo conhecimento oficioso se impunha à Mma. Juiz do Tribunal “a quo”.

Vejamos.

Quanto à prescrição afirmou a ora Apelante na sua contestação: «3- Por outro lado, e ao contrário do que se diz na petição, também não é verdade, tal como dela resulta, que haja ocorrido qualquer prescrição não só porque a deliberação ocorreu antes dos cinco (5) anos, e não da invocada prescrição, mas também porque nada impede, em termos legais, que a R. reúna em Assembleia sempre que o entenda necessário para o normal funcionamento da sua actividade e da sua condução.».

Não nos merecendo qualquer dúvida que a interrupção da prescrição não foi, “expressis verbis”, ou mesmo de forma tácita, invocada pela ré nos articulados da acção, apenas tendo sido suscitada pela ora Apelante, na douta alegação do seu recurso, a primeira coisa que importa indagar é se tal interrupção consubstancia, de facto, matéria de conhecimento oficioso, pois que de outro modo estar-se-á perante uma “questão nova” cujo conhecimento é vedado a este Tribunal.

Efectivamente, os recursos têm o escopo de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores (art.ºs 676, n.º 1, 684, n.º 4, do CPC), não podendo servir de meio para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre, salvo tratando-se de questões que, respeitando directamente ao objecto do processo, sejam de conhecimento oficioso. É assim, que, para não desvirtuar a apontada finalidade dos recursos e em homenagem ao princípio da preclusão, os Tribunais Superiores se devem abster – salvo, repete-se, as que integram as referidas matérias de conhecimento oficioso - de apreciar questões não colocadas ao Tribunal de que se recorre.[3]

De harmonia com o disposto no art.º 303º do CC, o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição, carecendo esta, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.

Não merece, pois, reparo, a afirmação de que a prescrição extintiva consubstancia excepção peremptória cujo conhecimento oficioso está vedado ao tribunal (cfr. tb. art.ºs. 493º e 496º “a contrario”, do CPC).

A interrupção da prescrição podendo ocorrer em virtude das circunstâncias consignadas nos art.ºs 323º, 324º e 325º, do CC, tem como efeito, como se sabe, inutilizar para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando - sem prejuízo do que se dispõe nos n.ºs 1 e 3 do art.º 327º do CC - a correr novo prazo a partir do acto interruptivo (art.º 326º do CC).

Perante um regime idêntico ao nosso no que concerne à prescrição e à sua interrupção (Codice Civile - art.º 2934º a 2940º e 2943 º a 2945º; cfr., em especial, art.ºs 2938º e 2945º)[4], no direito italiano a jurisprudência dominante é a de que a interrupção da prescrição constitui excepção cujo conhecimento oficioso está vedado ao tribunal[5].

Na base deste entendimento está a consideração de que a interrupção, como contra-excepção, visando a paralisação da prescrição - excepção “stricto sensu”, cujo conhecimento oficioso é vedado ao juiz - compartilha a natureza (de excepção em sentido próprio ou estrito) e a disciplina desta excepção.

Como corolário disto, segue-se a afirmação da legitimidade exclusiva da parte interessada a fazer valer a interrupção da prescrição e, consequentemente, a impossibilidade do seu conhecimento oficioso por parte do tribunal.

Por identidade de razões afigura-se que a conclusão a tirar no domínio do direito nacional também deverá ser esta.

Neste sentido, foi entendimento do STJ no Acórdão de 16/01/2001[6], que, “se à concreta invocação da excepção da prescrição puder ser oposta a contra-excepção da interrupção, terá esta, para poder operar, de ser alegada.”.

Também o STJ, no Acórdão de 23/09/2008 (Revista n.º 08A1994), reportando-se à interrupção da prescrição e à circunstância de esta, na situação aí versada, não haver sido suscitada anteriormente, entendeu: «…Está-se, antes de mais, perante uma questão nova, pois que nunca antes foi suscitada no processo ou objecto de apreciação do julgador, pelo que, perante o nosso sistema de recursos, visando a reapreciação das questões examinadas e a sua modificação, que não a renovação da causa com decisões sobre matéria nova - art. 676º CPC -, não sendo matéria de conhecimento oficioso, se encontra vedado o respectivo conhecimento.».

O exposto leva-nos a concluir que a excepção da interrupção da prescrição, consubstanciando matéria que não é do conhecimento oficioso, não deveria, assim, ser objecto de apreciação do Tribunal “a quo”, como não deve, o respectivo mérito, até porque se nos apresenta como questão nova, ser conhecido por esta Relação.

Assim, fica a subsistir o julgamento do Tribunal “a quo”, que se tem por exacto, quanto a ter decorrido o prazo quinquenal respectivo, do direito da sociedade Ré, a excluir de seu sócio o ora Autor, com a consequente declaração dessa prescrição bem como a das deliberações sociais de exclusão desse sócio tomadas na assembleia geral de 8.12.2007.

Em síntese conclusiva, dir-se-á: “A interrupção da prescrição constitui excepção peremptória que, carecendo de ser invocada por aquele a quem aproveita, não é do conhecimento oficioso do Tribunal”.

Em face de tudo o exposto tem-se por correcta a decidida procedência da acção, entendendo-se que no saneador-sentença recorrido não se infringiu qualquer preceito legal, nomeadamente, o que se dispõe no nº 6 do art.º 254 do C.S. Com., nos art.ºs. 323º, 326º e 327º do Código Civil, ou nos art.ºs 264º, 268º e 481º, do CPC.

Improcedem, pois, as doutas conclusões da Apelante, sendo de manter “in totum” a douta sentença da 1.ª Instância.

IV - Decisão:

Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a Apelação improcedente, mantendo a sentença recorrida.

Custas pela Apelante.


[1] Código este a considerar na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 303/07, de 24/08.
[2] Consultáveis na Internet , através do endereço “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”, tal como todos os Acórdãos do STJ, ou os respectivos sumários, que adiante forem citados sem referência de publicação.
[3] (Cfr., entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/02/2005, Revista n.º 4009/04; Acórdão do STJ de 08/02/2000, Revista n.º 1066/99, ambos com sumários acessíveis na página da Internet do Supremo Tribunal de Justiça, nos endereços, respectivamente, http://www.stj.pt/nsrepo/cont/Mensais/Civeis/Civel022005.pdf e http://www.stj.pt/nsrepo/cont/Anuais/Civieis/Civeis2000.pdf.
[4] Art. 2938 Non rilevabilità d'ufficio
Il giudice non può rilevare d'ufficio la prescrizione non opposta.
Art. 2945 Effetti e durata dell'interruzione
Per effetto dell'interruzione s'inizia un nuovo periodo di prescrizione. (…).
[5] V.g., Cass. Sez. Lav., 28 luglio 2003, n.º 11588: “L’interruzione della prescrizione, che configura una controeccezione all’eccezione avversaria ed è assimilabile alle eccezioni in senso stretto, al cui regime processuale soggiace, deve essere proposta dalla parte in modo chiaro e univocamente diretto a manifestare l’intento di contrastare l’eccezione di prescrizione proposta dall’altra parte, sicchè, non potendo essere rilevata d’ufficio dal giudice, non è possibile attribuire effetti ostativi della operatività della prescrizione alla mera produzione di documenti, pur se idonei a fornire la prova dell’avvenuta interruzione”.
[6] Revista n.º 3741/00 - 1.ª Secção.