Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
137/06.2GBSRT.C1.
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA
ELEMENTO SUBJECTIVO
CRIME DE PERIGO CONCRETO
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 02/11/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA SERTÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 291.º DO C.P.; E 40.º, N.º 1; 50.º; 70.º,N.º 1 E 71.º DO C.P..
Sumário: I. - O artº 291º, sob a epígrafe condução perigosa de veículo rodoviária, apresenta duas categorias alternativas de comportamentos capazes de preencher o tipo: uma primeira, relativa à ausência de condições para a condução e a segunda relativa à violação grosseira das regras de circulação automóvel. Ambas visam proteger o bem jurídico segurança rodoviária, enquanto tutela reflexa e circunscrita à medida da protecção de bens individuais, como a vida, integridade física e património de elevado valor.
II. - A configuração do crime tipificado no artº 291º do CP como crime de perigo concreto tem sido unânime na doutrina e na jurisprudência, o que valerá por dizer que se caracteriza pela exigência de verificação de um concreto pôr-em-perigo, face à previsão no tipo de ilícito da criação de perigo para a vida ou para a integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado.
III. - Ainda que centrada na pessoa do arguido no momento actual e na avaliação da respectiva capacidade de socialização em liberdade, ou seja, em considerações radicadas na prevenção especial, a decisão que aprecie a propriedade de escolha por esta (suspensão da execução da pena), ou outra, pena de substituição, deve atender igualmente às exigências de prevenção geral positiva, para que a reacção penal responda adequadamente às expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada e assegure a protecção do bem jurídico afectado. Esse necessário balanceamento entre as finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização, em que a primeira exerce função limitadora da segunda, encontra relação directa com a gravidade da pena. Nas palavras do mais Alto Tribunal: «A suspensão da mesma pena deve afigurar-se como compreensível e admissível perante o sentido jurídico da comunidade»
Decisão Texto Integral: Relatório


Nos presentes autos com o NUIPC 137/06.2GBSRT do T.J. da Sertã, por sentença proferida em 20/12/2007, foi o arguido … condenado pela prática de um crime de violação de proibições ou interdições, p. e p. pelo artº 353º do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, e de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artº 291º, nº1, al. b) do Código Penal na pena de 1 (um) ano de prisão. Em cúmulo jurídico dessas duas penas, foi o arguido condenado na pena unitária de 2 (dois) anos e 1 (um) mês de prisão.
De acordo com o disposto no artº 69, nº1, al. a) do Código Penal, foi ainda condenado na proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses.
Inconformado com essa condenação, veio o arguido interpor recurso, extraindo das motivações a seguinte síntese conclusiva:

O arguido foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de violação de proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353° do Código Penal, na pena de 18 (Dezoito) meses de prisão, pela prática, em autora material, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291°, al. b) do código Penal, na pena de 12 (Doze) meses de prisão, por cúmulo jurídico nos termos do artigo 77°, n°1 e 2° do Código Penal, foi o arguido condenado na pena única de 25 (vinte e cinco) meses de prisão.

Não foi provada a conduta dolosa do arguido, cfr art 291° alínea b) do Código Penal.

A condenação do arguido baseia-se pois numa falta de verificação do elemento tipo de subjectivo exigível.

A conduta do arguido subsume-se na conduta de negligência exposta no artigo 291° n.° 4 do Código Penal.

Atento o exposto, violou a douta Sentença recorrida o disposto nos artigos 291° 70º e 71° do Código Penal,

Pelo exposto e sempre com o douto suprimento de V. Exª., deverá revogar-se a decisão proferida, quanto ao crime p.p no artigo cfr. art, 291° alínea b) do Código Penal. Substituindo-se por outra que determine a redução da pena de prisão aplicada, suspendendo-se a sua execução.
Respondeu o Ministério Público junto da 1ª instância, dizendo que a decisão recorrida decidiu correctamente a matéria de facto e de direito, não se mostrando violada qualquer norma legal, substantiva ou adjectiva que imponha a sua alteração ou revogação.
Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Ajunto emitiu douto parecer, no sentido de que a prova produzida em julgamento foi apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, que foi efectuada correcta subsunção jurídica dos factos ao direito e, em relação à medida da pena, que a sentença recorrida aplicou as penas adequadas. Entende que, de acordo com os princípios e regras contidos nos artºs 40º, nº1, 70º e 71º, todos do Código Penal, foram correctamente tidas em consideração a culpa, a ilicitude e o passado criminal, destacando a circunstância de ter sido condenado várias vezes por crimes de idêntica natureza. Considera igualmente que não existe fundamento para a suspensão de execução da pena e termina pela improcedência do recurso.
Notificado o arguido nos termos e para os efeitos do artº 417º, nº2, do CPP, veio responder, reiterando que o tribunal deveria ter considerado que a conduta não fora motivada pelo propósito directo de ofender a integridade física de outrem ou elevados interesses materiais, que deveria ter sido outro o critério de escolha e determinação da pena e que se encontram verificados os pressupostos da suspensão de execução da pena.
Foram colhidos os vistos e realizou-se conferência.
Fundamentação
Âmbito do recurso
É pacífica a doutrina e jurisprudência [[i]] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[ii].
São três as questões colocadas pelo recorrente:
Em primeiro lugar o cometimento do crime de condução perigosa sob a forma negligente, p. e p. pelo artº 291º, nº4, do CP;
Depois, a escolha e medida das penas, que se reputa de exagerada;
Finalmente, a propriedade da fixação de pena de substituição, mormente da suspensão de execução da pena unitária.
Apreciação
Da decisão recorrida (os factos)
O recurso versa apenas matéria de direito pelo que, não se denotando vício relativo à decisão em matéria de facto de que cumpra conhecer, cumpre considerar fixados os factos provados, afirmados pelo tribunal a quo da seguinte forma:

No dia 26 de Junho de 2006, pelas 15 horas e 50 minutos, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, da marca Mercedes, modelo 190, de cor castanha, de matrícula 00-00-VC, na Rua de Oleiros, Cimo da Vila, Sertã, nesta comarca, no sentido Sertã – Nó do 1C8/Oleiros.

- O arguido efectuava tal condução, não obstante saber que, por decisão transitada em julgado em 11/07/2002 em sede do Processo Comum Singular n.º 7/98.6GESRT que correu termos neste Tribunal, foi condenado, designadamente, na pena acessória de proibição de conduzir por um período de um ano e que a carta de condução lhe havia sido apreendida em 04/06/2006, para cumprimento daquela pena acessória.

- Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, seguia à frente do veículo conduzido pelo arguido um outro veículo.

O arguido, a fim de transpor o veículo que seguia à sua frente, no troço daquela rua compreendido entre a empresa “SE…” e o restaurante “A…o”, ocupou a via da esquerda, atento o seu sentido de marcha, sem se ter certificado se naquela mesma via pelo próprio ocupada vinha algum outro veículo.

Com efeito, naquelas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, na via da esquerda, atento o sentido de marcha adoptado pelo arguido, circulava o veículo da G.N.R. L.... conduzido pelo soldado … e em que se fazia também transportar o soldado ….

– O arguido, ao avistar o veículo da G.N.R., não abrandou a sua marcha.

– O veículo conduzido pelo arguido só não embateu no veículo da G.N.R., porquanto o soldado … encostou o automóvel que conduzia totalmente ao passeio do lado direito daquela rua, atento o seu sentido de marcha, o que permitiu o espaço mínimo necessário para a passagem simultânea dos três veículos sem que ocorresse qualquer embate.

– O arguido agiu de forma livre, voluntária e com os propósitos concretizados de conduzir o veículo automóvel nas circunstâncias supra descritas, bem sabendo que, devido à condenação em pena acessória por decisão transitada em julgado, estava impedido de conduzir naquela data, e bem sabendo ainda o arguido que, com a conduta descrita, poderia sujeitar os demais utentes da via a um embate, tendo posto assim em causa a segurança de … e …, resultado esse que representou e com o qual se conformou.

– O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

Mais se provou que:

- O arguido tem averbados no seu registo criminal os seguintes antecedentes criminais:

1.10.1 - Por sentença proferida em 8 de Novembro de 1994, nos autos de Processo Comum Singular n.º 211/94, do Tribunal Judicial da Comarca da Sertã, foi o ora arguido condenado, pela prática, em 21 de Novembro de 1993, de um crime de coacção grave, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 156.º e 157.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de 7 (sete meses de prisão), declarada perdoada nos termos do artigo 8.º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 15/94, de 11 de Maio.

1.10.2 - Por sentença proferida em 20 de Dezembro de 1994, nos autos de Processo Especial Sumário n.º 571/94, do Tribunal Judicial da Comarca da Sertã, transitada em julgado em 20 de Dezembro de 1994, foi o ora arguido condenado, pela prática, em 19 de Dezembro de 1994, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 292.º do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de prisão, substituída por multa à taxa diária de 500$00 e na pena acessória de condução de veículos automóveis pelo período de 12 (doze) meses.

1.10.3 - Por sentença proferida em 20 de Fevereiro de 1998, nos autos de Processo Especial Sumário n.º 26/98, do Tribunal Judicial da Comarca da Sertã, foi o ora arguido condenado, pela prática, em 18 de Fevereiro de 1998, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 292.º do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão e na pena acessória de condução de veículos automóveis pelo período de 8 (oito) meses. Por despacho datado de 12 de Outubro de 2005 foram declaradas extintas a pena principal e a sanção acessória aplicadas ao arguido.

1.10.4 - Por sentença proferida em 9 de Novembro de 2001, nos autos de Processo Comum Singular n.º 78/95, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, transitada em julgado em 26 de Novembro de 2001, foi o ora arguido condenado, pela prática, em 16 de Setembro de 1994, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 292.º do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de 800$00, o que perfaz o montante de 48.000$00.

1.10.5 - Por sentença proferida em 1 de Março de 2002, nos autos de Processo Especial Sumário n.º 31/02.1GTCTB, do 2. Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, transitada em julgado em 19 de Março de 2002, foi o ora arguido condenado, pela prática, em 13 de Fevereiro de 2002, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 292.º do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, e na pena acessória de condução de veículos automóveis pelo período de 2 (dois) anos. Por despacho datado de 14 de Outubro de 2005 foi declarada extinta a pena principal aplicada ao arguido.

1.10.6 - Por sentença proferida em 8 de Outubro de 1999, nos autos n.º 1821/99, do Tribunal Correccional do Luxemburgo, foi o ora arguido condenado, pela prática de um crime de condução apesar da proibição judiciária, na pena de 45.000 francos de multa e custas, 18 meses de proibição de conduzir e confiscação de automóvel.

1.10.7 - Por sentença proferida em 14 de Dezembro de 1999, nos autos n.º 2353/99, do Tribunal Correccional do Luxemburgo, foi o ora arguido condenado, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 15.000 francos de multa e custas, 24 meses de proibição de conduzir, dos quais 12 de pena suspensa e 12 de pena suspensa para percursos profissionais.

1.10.8 - Por sentença proferida em 9 de Março de 2001, nos autos n.º 764/2001, do Tribunal Correccional do Luxemburgo, foi o ora arguido condenado, pela prática de um crime de condução apesar da proibição judiciária, na pena de 20.000 francos de multa e custas e 12 meses de proibição de condução excepto para trajectos profissionais ou efectuados aos sábados entre as 8h00 e as 12h00.

1.10.9 - Por sentença proferida em 5 de Fevereiro de 2003, nos autos n.º 230/2003, do Tribunal Correccional do Luxemburgo, foi o ora arguido condenado, pela prática de um crime de condução apesar da proibição judiciária e de embriaguez, na pena de 160 horas de trabalho de interesse geral, 1500 euros de multa e custas e 62 meses de proibição de conduzir, dos quais 14 meses de pena suspensa e 48 meses de pena suspensa para trajectos profissionais.

1.10.10 - Por sentença proferida em 27 de Junho de 2002, nos autos de Processo Comum Singular n.º 97/97.9TBSRT, do Tribunal Judicial da Comarca da Sertã, transitada em julgado em 12 de Julho de 2002, foi o ora arguido condenado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão e na pena acessória de condução de veículos automóveis pelo período de 1 (um) ano. Por despacho datado de 11 de Outubro de 2004 foi declarada extinta a pena aplicada ao arguido.

1.10.11 - Por sentença proferida em 27 de Junho de 2002, nos autos de Processo Comum Singular n.º 7/98.6GESRT, do Tribunal Judicial da Comarca da Sertã, transitada em julgado em 12 de Julho de 2002, foi o ora arguido condenado, pela prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 137.º do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos sob condição do arguido entregar ao APPACDM da Sertã a quantia de € 500, comprovada nos autos decorridos 60 e de frequentar um curso de prevenção rodoviária no prazo máximo de 90 dias, curso esse a indicar pelo IRS e cujo custo será suportado pelo arguido e de não vir o arguido a cometer qualquer crime pelo qual venha a ser condenado durante o período da suspensão; bem como foi condenado na pena acessória de condução de veículos automóveis pelo período de 1 (um) ano.

1.10.12 - Por sentença proferida em 06 de Outubro de 2006, nos autos de Processo Comum Singular n.º 123/05.0GBSRT, do Tribunal Judicial da Comarca da Sertã, transitada em julgado em 30 de Outubro de 2006, foi o ora arguido condenado, pela prática de um crime de violação de proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353.º do Código Penal, na pena de 14 (catorze) meses de prisão, e pela prática de um crime desobediência, previsto e punido pelos artigos 158.º, n.º 3 do Código da Estrada e 348.º, n.º 1, al. b) e 69.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de dois anos e seis meses. Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 20 (vinte) meses de prisão, suspensa na sua execução, nos termos dos artigos 50.º, n.os 1 e 5 e 51.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, pelo prazo de 5 (cinco) anos, subornada à frequência do “Programa Responsabilidade e Segurança”.
Do crime de condução perigosa
A primeira questão colocada pelo recorrente prende-se com a qualificação jurídica da conduta provada, na vertente da forma como dirigiu o veículo 00-00-VC. O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução perigosa p. e p. pelo artº 291º, nº1, al. b) do CP, ou seja, pela forma dolosa do crime quando, no seu entender, os factos provados apenas permitem afirmar a verificação de negligência.
Não é assim, como se passa a demonstrar.
O artº 291º, sob a epígrafe condução perigosa de veículo rodoviária, foi introduzido na ordem jurídico-penal pela reforma operada pelo D.L. 48/98, de 15/3, no código penal. A sua previsão apresenta duas categorias alternativas de comportamentos capazes de preencher o tipo: uma primeira, relativa à ausência de condições para a condução e a segunda relativa à violação grosseira das regras de circulação automóvel [[iii]]. Ambas visam proteger o bem jurídico segurança rodoviária, enquanto tutela reflexa e circunscrita à medida da protecção de bens individuais, como a vida, integridade física e património de elevado valor [[iv]].
Deixemos a primeira categoria do tipo objectivo, que aqui não se verifica, e centremo-nos na segunda, constante da alínea b) do nº1 do preceito, com o seguinte teor:
Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada:
[...]
Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estrada ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita;
e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado é punidos com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
Importa notar que essa conformação do normativo, designadamente com a indicação de um elenco de manobras perigosas, resulta da Lei 77/01, de 13/07, obedecendo, como acontece com disposição similar do Código Penal alemão [[v]], à necessidade de tornar mais segura a interpretação do tipo de crime[vi].
No caso em apreço ficou provado que o arguido efectuou uma manobra de ultrapassagem numa estrada de duas vias e ocupou a faixa da esquerda sem se assegurar da presença de outro veículo em sentido contrário ao seu e também que depois de constatar a efectiva presença nessa via do veículo L.... não abrandou a sua marcha. Ficou ainda provado que o embate entre o veículo conduzido pelo arguido e o veículo L.... apenas não aconteceu porque o soldado Paulo Ferreira se desviou, libertando dessa forma espaço para a passagem simultânea de três veículos sem acidente.
Temos como seguro afirmar, como a decisão recorrida, que tal conduta integra violação grosseira das regras estradais relativas à ultrapassagem. Aliás, o recorrente não questiona essa asserção.
De acordo com Paula Ribeiro Faria, para que se encontre violação grosseira de regras de condução é necessário que se esteja perante «uma violação de elementares deveres de condução, susceptível de traduzir o carácter particularmente perigoso do comportamento para a segurança do tráfego, e para os bens jurídicos pessoais envolvidos. Em suma, exige-se um grau especial de violação de deveres»[vii]. Também Germano Marques da Silva, perante a formulação da norma anterior à Lei 77/01, de 01, refere que «não se trata de violação das regras de trânsito, nem da violação que ocasione um perigo concreto, porque este é o evento da acção e a violação grosseira é a causa desse evento, mas de temeridade, de ousadia perante o perigo quase certo, previsto ou previsível atentas as circunstâncias. O condutor devia prever que naquelas circunstâncias a violação daquelas regras de trânsito era especialmente adequada a causar um perigo concreto para determinados bens jurídicos e, por isso, era mais forte o dever de evitar aquele comportamento»[viii].
Ora, através do indicado início inteiramente desatento e despreocupado da ultrapassagem o arguido incorreu em flagrante desrespeito das normas especiais de cuidado constante dos artºs. 35º, nº1 e 38º, nºs 1 e 2, als. a) e b) do CE. De acordo com essas regras, o condutor deve, antes de iniciar essa, certificar-se que a faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessárias à realização da ultrapassagem com segurança e que pode retomar a direita em perigo para aqueles que aí transitam e, sempre, certificar-se que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário.
Esse desrespeito não se limitou ao início da manobra. O comportamento durante o desenvolvimento da manobra regista ainda maior intensidade na violação das regras estradais, pois o arguido avistou um veículo a circular em sentido contrário na mesma faixa de rodagem que ocupava e em trajectória que levava ao embate e, ainda assim, escolheu não abortar a ultrapassagem – manteve a velocidade - o que corresponde, no mínimo, a temeridade e ousadia perante perigo efectivamente previsto.
Temos, então, que o comportamento de condutor que não só inicia manobra de ultrapassagem sem se assegurar que a via que passa a ocupar está livre, como mantém a manobra depois de avistar veículo em sentido contrário ao seu e em trajectória de colisão, viola grosseiramente as normas estradais relativas à ultrapassagem.
Por outro lado, a prova que o embate apenas não aconteceu porque o condutor que seguia em sentido contrário se desviou, aproximando-se do limite do passeio, deixa clara a verificação de concreto perigo para a integridade física dos seus dois ocupantes – … e … – resultado também exigido pelo tipo.
Trata-se, porém, e ao contrário do que parece entender o recorrente, de um resultado-perigo, e não de um resultado-dano, como é característico dos crimes de perigo concreto, categoria penal em que se inscreve o crime de condução perigosa de veículo rodoviário.
Com efeito, a configuração do crime tipificado no artº 291º do CP como crime de perigo concreto tem sido unânime na doutrina [[ix]] e na jurisprudência [[x]], ou seja, caracterizado pela exigência de verificação de um concreto pôr-em-perigo, face à previsão no tipo de ilícito da criação de perigo para a vida ou para a integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado.
Como ensina Figueiredo Dias, os crimes distinguem-se quanto à forma como o bem jurídico é posto em causa pelo agente entre crimes de dano e crimes de perigo. Enquanto nos primeiros a realização do tipo incriminador tem como consequência uma lesão efectiva do bem jurídico, já nos crimes de perigo a realização do tipo não pressupõe a lesão, mas antes basta-se com a mera colocação em perigo do bem jurídico [[xi]].
Reconhecidamente, a sociedade dos nossos dias caracteriza-se pela multiplicação dos riscos e, perante esse crescendo, respondeu o legislador penal com tipificações de perigo [[xii]], antecipando-se na tutela ao resultado danoso que se quer evitar, em busca da preservação do bem jurídico protegido. E, sendo o perigo essencialmente uma noção normativa e relacional [[xiii]], a previsão de crimes de perigo realiza-se através de crimes de perigo-abstracto ou através de crimes de perigo-concreto. A diferença radica em que nos primeiros o perigo constitui simplesmente motivo da proibição [[xiv]], enquanto nos segundos o perigo é um dos elementos do tipo – exige-se que o bem jurídico tenha sido efectivamente posto em perigo.
É o caso da previsão do tipo contido no artº 291º do CP.
Todavia, e como se disse, a discordância do recorrente incide especialmente no elemento subjectivo do tipo. Ou melhor, salvaguardo o devido respeito, por incorrecta ponderação das variantes do tipo subjectivo contidas nos vários números presentes no preceito incriminador, mormente na dualidade dolo da acção e dolo/negligência do perigo.
Para maior facilidade de exposição, deixemos aqui a síntese efectuada a este propósito por Paula Ribeiro Faria: «o agente fica sujeito à punição prevista no nº1, sempre que a sua conduta seja dolosa, abrangendo o seu dolo a criação do perigo. O nº2 refere-se, por seu turno, a condutas dolosas com criação negligente de perigo. E finalmente, o nº3 supõe que o agente de forma negligente, vindo a causar de forma também negligente o perigo» [[xv]].
Assim, na tarefa de verificação da subsunção da conduta provada a qualquer das formas criminais tipificadas de condução perigosa de veículo rodoviário, cumpre sempre distinguir entre a intencionalidade da acção e a intencionalidade, ou a sua ausência, relativamente ao perigo.
No caso em apreço, e no que concerne ao dolo de acção, compreendendo as manobras e tarefas em que se materializa a condução de veículo automóvel, diz-nos o ponto 1.8. dos factos provados que «o arguido agiu de forma livre, voluntária e com os propósitos concretizados de conduzir o veículo automóvel nas circunstâncias supra descritas». Nenhuma dúvida existe quanto à intencionalidade de toda essa conduta.
Relativamente ao dolo de perigo, diz-se no mesmo ponto da decisão que os factos aconteceram «bem sabendo ainda o arguido que, com a conduta descrita, poderia sujeitar os demais utentes da via a um embate, tendo posto assim em causa a segurança de … e …, resultado esse que representou e com o qual se conformou». Ou seja, ficou provado que o arguido interiorizou que a conduta desencadeara efectivo perigo para a integridade física e conformou-se com esse concreto pôr-em-perigo. Nessa medida, e face ao disposto no artº 14º, nº3, do CP, agiu com dolo eventual relativamente ao perigo criado com a sua acção, o que basta para o preenchimento do crime previsto no artº 291º, nº1, al. a) do Código Penal [[xvi]].
Tivesse o arguido querido provocar lesões no corpo ou na saúde dos dois ocupantes do veículo L.... ou provocar neste danos de elevado montante, então estaríamos perante outro tipo de crime (ofensa à integridade física ou dano).
Face ao exposto, cumpre assentar na correcção da condenação do arguido pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artº 291º, nº1, al. b) do CP e na falência do recurso neste ponto.
Da espécie e medida das penas (parcelares e unitária)
Passemos agora a apreciar a segunda vertente do recurso - a espécie e medida das penas – não sem observar que o recorrente não é inteiramente claro relativamente ao alcance da sua discordância. Porém, afigura-se-nos que o segmento «redução da pena» não se contém na discussão da pena relativa ao crime de condução perigosa, abrangendo todas as penas fixadas, ou seja, também a outra pena parcelar e a pena unitária.
O Tribunal a quo motivou a escolha e medida da pena da seguinte forma:

Importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar ao arguido pela prática dos crimes mencionados, atenta a subsunção dos factos pelo mesmo praticados ao enquadramento jurídico, acabada de efectuar.

O crime de violação de proibições ou interdições é punido com pena de prisão de 1 mês a 2 anos ou com pena de multa de 10 a 240 dias (cfr. artigos 41.º, n.º e, 47.º, n.º 1 e 353.º, todos do Código Penal).

Por sua vez o crime de condução perigosa de veículo rodoviário é punido, a título doloso, com pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou com pena de multa de 10 a 360 dias (cfr. artigos 41.º, n.º e, 47.º, n.º 1 e 291.º, n.º 1.º, todos do Código Penal).

De acordo com o n.º 1, do artigo 40.º, do mesmo diploma legal, “a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. A pena justifica-se sempre pela finalidade prosseguida, estando assim superadas, na actualidade, as concepções que faziam dela um fim em si mesmo.

Quanto às finalidades da punição, devemos ter em consideração quer razões de prevenção geral (considerada sob um ponto de vista de prevenção geral positiva para a tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção - ou mesmo reforço - da vigência da norma violada, conceito que decorre do princípio político-criminal básico da necessidade da pena - cfr. artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa; que, in casu, são médias considerando o número de crimes praticados nesta comarca contra os bens jurídicos em causa), quer razões de prevenção especial (que obedece à necessidade de reintegração do agente do crime na sociedade; note-se que, in casu, o arguido tem muitos antecedentes criminais registados, tendo sido já diversas vezes sido condenado em pena de prisão, embora suspensa na sua execução).O arguido tem um muito extenso historial de conduta criminosa, sendo que o efeito da multa já se encontra esgotado, pelo que, in casu, justifica-se plenamente o recurso à ultima ratio do sistema penal, ou seja, a aplicação da pena de prisão.

A determinação da medida concreta da pena será efectuada nos termos equacionados no artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, em função da culpa do agente - que constitui limite inultrapassável, nos termos do artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal - e tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes, devendo o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor dele ou contra ele (artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal).

In casu, deve atender-se: ao grau médio de ilicitude dos factos praticados pelo arguido (considerando o modo de execução da conduta ilícita); ao dolo que pautou a sua conduta; à existência de vários antecedentes criminais (inclusive pela violação de proibições ou interdições, que revelam que o arguido tem graves problemas em adoptar uma conduta conforme ao direito).

O Tribunal não pode valorar a favor do arguido qualquer confissão ou arrependimento porque os mesmos não foram manifestados pelo arguido.

Considerando o supra exposto, entende-se adequado fixar a pena:

de 18 (dezoito) meses de prisão, quanto ao crime de violação de proibições ou interdições;

de 12 (doze) meses de prisão, quanto ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário.
Os crimes conhecido nestes autos são cominados com pena compósita alternativa – prisão até dois anos ou multa até 240 dias quanto ao crime de violação de proibições ou interdições e prisão até três anos ou multa até 360 dias quanto ao crime de condução perigosa - obrigando desde logo à escolha da espécie da sanção.
Nessa primeira tarefa, rege o disposto no artº 70º do C.P.: Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa da liberdade e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Trata-se de norma fundamental do sistema sancionatório, na medida em que acentua a natureza de ultima ratio da pena privativa da liberdade para o programa político-criminal vigente [[xvii]] e também porque concretiza o propósito de «abandonar de vez a concepção segundo a qual à pena pecuniária deve ser atribuído “um papel somente marginal e subsidiário” e dar expressão prática à convicção da superioridade político-criminal da pena de multa face à pena de prisão no tratamento da pequena e média criminalidade» [[xviii]].
Na ponderação da sanção pecuniária alternativa, impõe-se assegurar «que a aplicação de multa represente, em cada caso, uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada» [[xix]], bem como real sacrifício para o condenado, indutor de genuína reflexão crítica sobre o significado desviante da conduta censurada. Em suma, a preferência imposta pelo legislador encontra-se condicionada à satisfação dos efeitos preventivos gerais positivos, nas suas três dimensões e efeitos: efeito de aprendizagem, motivado sociopedagogicamente; geração de confiança dos cidadãos na eficácia da norma penal e na capacidade do sistema judicial para a aplicar; efeito de pacificação do conflito social desencadeado pela conduta – a designada prevenção integradora [[xx]].
Ora, como a decisão recorrida sublinha, o arguido regista um conjunto alargado de condenações em Portugal e no estrangeiro, em boa parte relacionadas com a segurança rodoviária. Das doze condenações sofridas pelo arguido entre 1994 e 2006, destacam-se seis por condução em estado de embriaguez [[xxi]], uma por homicídio negligente no decurso de condução [[xxii]], quatro por violação de proibição ou interdição de conduzir [[xxiii]] bem como desobediência também no exercício da condução [[xxiv]]. Os factos mais recentes tiveram lugar em 01/05/2005, consistindo em violação da inibição de conduzir que tinha tido início em 14/01/2005 e terminado em 14/09/2005 e recusa em efectuar o exame de pesquisa de álcool [[xxv]].
Nas circunstâncias indicadas, a escolha de sanção não privativa da liberdade sinalizaria ao arguido e à sociedade permissividade perante tão constante recaída no comportamento desviante. Envolveria, ainda compromisso importante das exigências de prevenção geral positiva perante o «constante e cada vez mais alarmante desregramento reinante nas estradas portuguesas» [[xxvi]].
Justifica-se, assim, como decidido, a aplicação de pena de prisão.
Prosseguindo com a ponderação concreta da pena, cumpre achar a medida da sanção tendo como limite e suporte axiológico a culpa do agente e em função das exigências da prevenção de futuros crimes, sem esquecer que a finalidade última da intervenção penal é a reinserção social do delinquente, sendo incompatível com o Estado de direito democrático finalidade retributiva [[xxvii]].
No modelo que enforma o regime penal vigente, norteado, como decorre do artº 40º do CP, pelo binómio prevenção-culpa, cumpre encontrar primeiro uma moldura de prevenção geral positiva, determinada em função da necessidade de tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada [[xxviii]]. Fixada esta, correspondendo nos seus limites inferior e superior à protecção óptima e protecção mínima do bem jurídico afectado, deve o julgador encontrar a medida concreta da pena em conjugação com as exigências de prevenção especial de socialização do agente, sem ultrapassar a culpa revelada na conduta antijurídica.
Aí chegados, os critérios do artº 71º do CP «têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha e medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação de valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento, ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente)» [[xxix]].
Já se referiu supra alguns dos factores de determinação concreta da pena. Importa ainda referir que, nos termos provados, a violação da proibição de circulação não ultrapassou o dia 26/06/2006, o que mitiga o grau de ilicitude.
Nessa medida, e sem olvidar que o arguido não forneceu elementos que permitam afirmar interiorização do desvalor da conduta, nem o sucesso de medidas de reeducativas determinadas em condenações anteriores, a pena fixada mostra-se excessiva, mostrando adequada às finalidades da punição, sem exceder a culpa, sanção situada na zona central da moldura penal, ou seja, a pena de 1 (um) ano de prisão.
No que concerne ao crime de condução perigosa, a condenação em 1 (um) ano de prisão, i.e. no final do primeiro terço da moldura penal, corresponde à intensidade dolosa presente – dolo eventual relativamente ao perigo – e também do perigo criado pelo não merece censura.
Refira-se que as razões avançadas relativamente ao afastamento da escolha da multa valem igualmente para fazer funcionar a excepção contida na parte final do nº1 do artº 43º do CP.
Passemos agora a apreciar a pena unitária, na qual são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (artº 77º, nº1, do CP).
Como refere Figueiredo Dias, na avaliação dessa a pena «Tudo deve passar-se ... como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária – do agente relevará, entretanto, a questão se saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)»[[xxx]].
Nos termos do artº 77º, nº2, do CP, a moldura abstracta do concurso situa-se entre a pena concreta mais elevada – 1 ano de prisão – e a soma das penas concretas – 2 anos de prisão.

Tendo em atenção a gravidade global dos factos, denotando elevada temeridade e, face à reiteração criminosa, muito mais do que pluriocasionalidade, justifica-se que a compressão da pena unitária atenha-se no ponto central da moldura do concurso [[xxxi]].
Impõe-se, então, reduzir também a pena única para 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão,
Da suspensão de execução da pena unitária
Nos termos do artº 50º do CP, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Como afirma Figueiredo Dias, a suspensão de execução da pena constitui entre nós a mais importante das penas de substituição [[xxxii]], e que depende da formulação de um prognóstico favorável incidente sobre a capacidade do arguido para atingir a sua ressocialização em liberdade [[xxxiii]]. Na expressão de H.H. Jescheck «a prognose social favorável do arguido, que deve acontecer em todos os casos, consiste na esperança de que o condenado sentirá a condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum delito. Com razão, não se exige já a perspectiva de uma “vida futura ordenada e conforme com a lei [...], já que para o fim preventivo da suspensão basta que não volte a delinquir no futuro. Esperança não significa certeza [...]. O tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente, mas se existem dúvidas sérias sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa, o que de facto supõe um " in dubio contra reum". A prognose exige uma valoração total de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido. Estas circunstâncias são a sua personalidade (por ex., inteligência e carácter), a sua vida anterior (por exemplo, outros delitos anteriormente cometidos da mesma ou de outra natureza), as circunstâncias do delito (por exemplo motivações e fins), o seu comportamento depois de ter cometido o crime (por exemplo reparação do dano, arrependimento), as circunstâncias da sua vida (por exemplo, profissão, casamento e família) e os efeitos que se esperam da suspensão [...]» [[xxxiv]].
Ainda que centrada na pessoa do arguido no momento actual e na avaliação da respectiva capacidade de socialização em liberdade, ou seja, em considerações radicadas na prevenção especial, a decisão que aprecie a propriedade de escolha por esta, ou outra, pena de substituição, deve atender igualmente às exigências de prevenção geral positiva, para que a reacção penal responda adequadamente às expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada e assegure a protecção do bem jurídico afectado. Esse necessário balanceamento entre as finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização, em que a primeira exerce função limitadora da segunda, encontra relação directa com a gravidade da pena. Nas palavras do mais Alto Tribunal: «A suspensão da mesma pena deve afigurar-se como compreensível e admissível perante o sentido jurídico da comunidade» [[xxxv]].
Depois de também enunciar os pressupostos da pena de substituição em apreço, a sentença recorrida justificou nestes termos o seu afastamento:

Ora, no caso concreto, tendo em conta os muitos antecedentes criminais do arguido (inclusive pela violação de proibições ou interdições), que claramente revelam que o arguido tem graves problemas em adoptar uma conduta conforme ao direito.

Com efeito, o arguido revela uma personalidade totalmente alheada do dever-ser jurídico-penal, ignorando repetidamente as sucessivas advertências que lhe vêm sendo feitas, manifestando o mais profundo desprezo pelas mesmas e pela normatividade jurídico-penal. Note-se ainda que ao Tribunal não foi possível valorar qualquer confissão ou arrependimento porque os mesmos não foram manifestados pelo arguido.

A pena única de 25 (vinte e cinco) meses de prisão, supra fixada, não poderá, assim, ser suspensa na sua execução, pois os múltiplos antecedentes do arguido não permitem formular qualquer juízo de prognose favorável relativamente ao seu comportamento futuro, além de que a suspensão da execução da pena de prisão poria em crise a normatividade jurídico-penal.

Efectivamente, as vantagens de suspensão de execução da pena têm de ser demonstradas, não se presumindo. Ora, perante os referidos antecedentes criminais do arguido, entre os quais se contam já várias penas de prisão suspensas na sua execução (que não surtiram qualquer efeito positivo no comportamento do arguido), o Tribunal convenceu-se que, in casu, apenas o cumprimento da pena de prisão tutelará de forma suficiente os bens jurídicos atingidos e permitirá a tomada de consciência por parte do arguido de que deve viver em sociedade com obediência ao Direito e sem perpetuação de novos crimes.

Assim, por manifesta inaplicabilidade dos requisitos previstos no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, determina-se que a pena de prisão aplicada ao arguido não deve ser suspensa na sua execução.
Importa dizer que esse entendimento mostra-se inteiramente correcto.
Na verdade, as mesmas razões de prevenção geral positiva avançadas relativamente ao afastamento de reacção penal não privativa da liberdade encontram aqui aplicação, a que se juntam preocupações no domínio da prevenção especial de socialização. Perante a reiteração criminosa do arguido e indiferença demonstrada pelas sucessivas sanções não privativas da liberdade, fica claramente afastado juízo de prognose favorável quanto à sua capacidade de respeitar simples regras de condutas e de, por essa via, inverter o seu percurso desviante. Neste caso, a privação da liberdade configura-se como única forma de convencer o agente da gravidade dos crimes praticados e de estabilizar as expectativas comunitárias na manutenção da validade das normas infringidas.
Consequentemente, não existe motivo para afastar nesse ponto o decidido.
Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:
Julgar parcialmente procedente o recurso;
Condenar o arguido … pela prática de um crime de violação de proibições ou interdições, p. e p. pelo artº 353º do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, e de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artº 291º, nº1, al. b) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;
Em cúmulo jurídico dessas penas, condenar o arguido na pena unitária de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
Manter, no mais, a sentença recorrida.


[i] Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, II, 2ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 99/03/24, in CJ (STJ), ano VII, tº 1, pág. 247.
[ii] Cfr., entre outros, os artºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2, 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP e acórdão de fixação de jurisprudência do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95.
[iii] Paula Ribeiro Faria, Comentário Conimbricense, Tomo II, pág. 291.
[iv] Assim Manuel da Costa Andrade, Consentimento e Acordo em Direito Penal, Coimbra Ed.1991, págs. 337-342. Vide também Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, 1996, págs. 17 e 46 e Paula Ribeiro Faria, ob. cit., pág. 1080 e na jurisprudência os Acs. do STJ de 22/11/2007, Pº 05P3638, relator Cons. Arménio Sottomayor e de 06/12/2002, Pº 03P853, relator Cons. Pereira Madeira, www.dgsi.pt..
[v] §315 c do StGB.
[vi] Cfr. Exposição de motivos constante da Proposta de Lei 69/VIII, a qual deu origem à referida Lei 77/2001, de 13/07, Diário da Assembleia da República II Série – A, n.º 51, de 21 de Abril de 2001. Refira-se que essa alteração legislativa aproximou o preceito da formulação do projecto apreciado pela Comissão de Revisão - cfr. Actas da Comissão Revisora, 1993, Ministério da Justiça, págs. 365-366.
[vii] Paula Ribeiro Faria, ob. cit., pág. 1066.
[viii] Germano Marques da Silva, ob. cit, pág. 51.
[ix] Germano Marques da Silva, ob. cit., pág. 14 e Paula Ribeiro Faria, ob. cit., pág. 1087.
[x] Cfr. Acs. do STJ de 22/11/2007, Pº 05P3638, relator Cons. Arménio Sottomayor e de 06/12/2002, Pº 03P853, relator Cons. Pereira Madeira; da Relação de Coimbra de 25/02/99, Pº 1041/98, relator Des. Oliveira Mendes e de 22/11/2004, Pº 2887/04, relator Des. João Trindade; da Relação de Lisboa de 05/10/2000, Pº 961/2000, relator Des. Almeida Ribeiro, de 22/03/2006, Pº 11883/2005-3, relator Des. Varges Gomes, de 23/05/2006, Pº 2146/2006-5, relator Des. Vieira Lamim e de 31/10/2006, Pº 5794/2006-5, relatora Des. Filomena Lima; da  Relação do Porto de 23/10/2000, Pº 0110030, relator Des. Correia de Paiva, de 28/03/2001, Pº 0110069, relator Des. Costa Mortágua, de 06/06/2001, Pº 0110304, relator Des. Marques Salgueiro, de 25/09/2002, Pº 0110280, relator Des. Marques Salgueiro, de 05/1/2003, Pº 0240882, relator Des. Pedro Antunes, de 26/02/2003, Pº 0210769, relator Borges Martins, de 03/11/2004, Pº 0344755, relatora Des. Conceição Gomes, de 19/09/2007, Pº 0743232, relator Des. Custódio Silva, de 23/01/2008, Pº0745658, relator Des. Pinto Monteiro e de 29/10/2008, Pº 0814409, relator Des. Paulo Valério, todos em www.dgsi.pt.
[xi] Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Ed., 2ª ed. 2007, pág. 308-309.
[xii] Entendido este, como ensina Faria Costa, in O Perigo em Direito Penal, Coimbra Ed., 1992, pág. 611, «como uma situação ou estádio a partir do qual é provável a produção de um resultado negativo (axiologicamente valioso) pode acontecer». Com interesse para a distinção entre risco e perigo, exactamente a partir da manobra de ultrapassagem, veja-se também Eduardo Sanz de Oliveira e Silva, Temas de Direito Penal Económico, Coimbra Ed., 2005, pág. 270.
[xiii] Como refere Faria Costa, ob. cit. pág. 620: «O perigo é uma noção normativa e relacional cuja concreta determinação se faz, interessadamente e em primeira linha, enquanto pressuposto dogmático para um juízo de imputação. Noção que, para além disso, se revela por meio de um juízo de dupla referência (ex ante e ex post), aperfeiçoado pela doutrina do âmbito da protecção da norma e cujo núcleo central do seu critério determinador se afirma através do cânone das regras de experiências, conquanto ligado ao referencial de haver probabilidade, jurídico-penalmente compreendida, de um resultado desvalioso se vir a produzir».
[xiv] Faria Costa, ob. cit, pág. 620; Figueiredo Dias, ob. cit, pag. 309.
[xv] Paula Ribeiro Faria, ob. cit., pág. 1067.
[xvi] Cfr. Ac. do STJ de 22/11/2007 citado na nota 1º.
[xvii] Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pág. 52 e 114 e segs.
[xviii] Figueiredo Dias, Direito Penal Português ....., pág. 117.
[xix] Figueiredo Dias, Direito Penal Português ....,. pág. 119.
[xx] Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Civitas, 1997, págs. 91-92.
[xxi] Factos provados 1.10.2., 1.10.3, 1.10.4., 1.10.5., 1.10.7 e 1.10.10.
[xxii] Facto provado 1.10.11. e certidão de fls. 45 e segs., factos de 1998.
[xxiii] Factos provados 1.10.6, 1.10.8, 1.10.9. e 1.10.12.
[xxiv] Facto provado 1.10.12.
[xxv] Cfr. Certidão de fls. 113. Consta dessa decisão, posterior aos factos destes autos, que o arguido faz “biscates” de electricidade, auferindo mensalmente cerca de €100, é casado, sendo a esposa costureira, tem €50 de despesas domésticas, paga €130 de renda de casa e €125 de renda para um filho que está a estudar.
[xxvi] A frase pertence ao Ac. do STJ de 06/02/2002, já referido na nota 10.
[xxvii] Figueiredo Dias, Fundamento, sentido e finalidades da pena criminal, Coimbra Ed., 2001, pág. 104 e segs.
[xxviii] Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, pág. 227.
[xxix] Ac. do STJ de 28/09/2005, Pº 05P2537, relator Cons. Henriques Gaspar, www.dgsi.pt.
[xxx] Direito Penal Português..., págs. 291 e 292.
[xxxi] Sem que se pretenda defender critérios simplesmente aritméticos mas sim entendimento na linha do que refere o Sr. Conselheiro Carmona no Ac. do STJ de 02-11-2006, Pº 06P3145, www.dgsi: “Sem, porém, que se visse nessa «operação valorativa» um mero «processo de fracções e somas», porventura «incompatível com a natureza própria da segunda fase do processo», na medida em que «fazer contas indica[ria] voltar às penas já medidas, ao passo que o sistema parece exigir um regresso aos próprios factos» (Cristina Líbano Monteiro, RPCC 16-1). É que o juiz – na prática - não poderá dispensar-se de «fazer contas» como forma de, numa primeira abordagem, obter um terceiro termo de referência (dentro da enorme latitude conferida pelos outros dois: o limite mínimo e o limite máximo). Ou seja, para alcançar, entre os extremos, aproximando-os, um ponto que centre, geometricamente, o «espaço de encontro» entre essas duas variáveis. Pois que, se «a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão (...) e tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes» (CP, art. 77.2), tudo se há-de passar, em termos práticos, como se o somatório das penas «menores» sofra, na sua adição à «maior», uma maior ou menor «compressão». Ora, na detecção desse terceiro termo de referência, a jurisprudência mais «permissiva» vem usando somar à «maior» um quarto - ou menos - das demais, enquanto que a mais «repressiva» vai ao ponto de adicionar metade - ou mais - das outras. Daí que, como ponto de partida, se possa, para harmonização dos métodos jurisprudenciais utilizados na obtenção (e tão só) desse terceiro termo de referência (9), somar-se, à pena «maior», 1/3 das «menores». Mas sem prejuízo, em segunda linha, de esse «factor [dito de] de compressão» (como aqui se justificaria) - atento o limite máximo de 25 anos fixado pelo art. 41. 2 e 3 do CP - subir tanto mais quanto maior for o somatório das penas «menores», pois que, de outro modo, o terceiro termo de referência tenderia a aproximar-se excessivamente do máximo da moldura do concurso, conduzindo à fixação no máximo (ou muito próximo dele: como aconteceu, no caso, com a pena única arbitrada pelas instâncias) de penas conjuntas decorrentes de penas parcelares de valor consideravelmente diverso (cfr. STJ 09-05-2002, recurso n.º 1259/02-5)”.
[xxxii] Figueiredo Dias, Direito Penal Português ....., pág. 337.
[xxxiii] Designada por Maurach e Zipf, Derecho Penal, Parte General, Ed. Astrea, 1995, pág. 824 (tradução da 7 ed. original alemã de 1988), por ressocialização ambulatória.
[xxxiv] H.H. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, vol. I, Bosch, 1981 (tradução da 3ª ed. original alemã), págs. 1154 e 1155.
[xxxv] Ac. do STJ de 05/12/2007, Pº 07P3396, relator Cons. Santos Cabral, www.dgsi.pt.