Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
86/07.7PAVNO.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: SENTENÇA - CORRECÇÃO
Data do Acordão: 11/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE OURÉM – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 374º,380.º, N.º 1, AL. B), DO CPP
Sumário: O juiz que optou por condenar o arguido, nos termos do art. 69.º, n.º 2, do CP, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados restringida à categoria de ligeiros, não pode por sua iniciativa, após trânsito em julgado, corrigir a sentença por despacho alargando a sanção acessória a todas as categorias de veículos motorizados
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
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No processo supra identificado, foi condenado o arguido SM..., pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros) e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados da categoria de ligeiros pelo período de 6 (seis) meses, nos termos do art. 69º, nº 2 do C. Penal.
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Depois de transitada a sentença veio o senhor juiz pelo despacho de fls. 31 corrigir a sentença, alargando a sanção acessória de proibição de conduzir veículos ligeiros a todas as categorias de veículos motorizados, que é do seguinte teor:
«Consta do texto da sentença na parte do dispositivo (fls. 29, n.º 2) a restrição da inibição de conduzir em que o arguido foi condenado limitada à categoria de veículos automóveis ligeiros. Sendo porém que por via da entrada em vigor do novo CP (em que abrange o facto criminoso praticado pelo arguido não se tratando de sucessão de leis penais), tal não pode suceder, posto que a inibição abrange todas as categorias de veículos (art. 69.º, n.º 2 do C P).
Assim, notificando-se o texto daquela decisão e porque de um mero lapso se trata a inibição conduzir abrangerá todo e qualquer veículo automóvel (art. 69.º, n.º 2, do CP).
Anote no local próprio.
Notifique".
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Deste despacho interpôs recurso o arguido, pugnando pela manutenção da sentença nos termos em que foi proferida, limitando-se assim a decisão da sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados à categoria de ligeiros.
Formula as seguintes conclusões:
«a) Proferida sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa (art. 666/1 CPC).
b) Só é lícita a correcção da sentença, prevista no art. 380.º, CPP, se ocorrer divergência entre a vontade real e a declarada.
c) Verificando-se que tal divergência não ocorreu, só através de recurso a sentença poderá ser modificada.
d) O caso dos autos configura erro de julgamento, não sendo admissível a correcção efectuada pelo despacho de fls. 31.
e) Não tendo sido interposto recurso a sentença transitou em julgado.
f) A correcção/rectificação operada pelo despacho de fls. 31 viola o art. 666/1 CPC e 380 do CPP».
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Notificado o Ministério Público, arguido para os efeitos do art. 413.º, do Cód. Proc. Penal, sustenta que o despacho de fls. 31 corresponde a uma correcção da sentença nos termos do art. 380.º, n.º 1, al. b), do CPP, razão pela qual em seu entender deve ser negado provimento ao recurso.
Nesta Relação o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emite no douto parecer no sentido de que a correcção operada não incide sobre um mero lapso ou ambiguidade, mas antes sobre uma opção de julgamento assumida pelo julgador.
Notificado o arguido não respondeu.
Colhidos os vistos legais, cumpre-nos decidir.
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O Direito:
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Questão a decidir:
Apreciar se o juiz que optou por condenar o arguido, nos termos do art. 69.º, n.º 2, do CP, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados restringida à categoria de ligeiros, pode por sua iniciativa, após trânsito em julgado, corrigir a sentença por despacho alargando a sanção acessória a todas as categorias de veículos motorizados.

A questão a decidir no recurso dos presentes autos e sucesso ou não da pretensão do recorrente depende do facto de saber se o despacho de correcção da sentença interfere com o mérito da causa alterando substancialmente a decisão ou se a correcção se insere no âmbito do que estipula o art. 380.º, n.º 1, do CPP.
Informa este último artigo o seguinte:
«1. O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando:
a) Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º;
b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial».
Manifestamente não estamos perante uma inobservância de qualquer formalidade do art. 374.º, do CPP e o senhor juiz diz expressamente no despacho posto em crise que procedia à correcção porque de um mero lapso se trata”.
Fundamentou pois o senhor juiz a correcção ao abrigo do disposto no art. 380.º, n.º 1, al. b), do CPP.
Vejamos pois se a correcção pode ser legalmente permitida.
A condenação do arguido e os termos em que é expressa essa condenação na sentença é uma questão essencial a dirimir pelo tribunal a quo.
Assim, aplicada uma pena ao arguido, independentemente do acerto e sua adequação, a mesma não pode ser alterada, porque faz parte do objecto do processo, isto é, absolver o arguido ou aplicar-lhe uma pena, conforme se declare inocente ou culpado do crime que lhe é imputado é questão essencial a decidir na sentença.
O mesmo é aplicável às penas acessórias.
Ora, no casos dos autos, em consequência da declaração de culpabilidade da prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos art. 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), do CP, o arguido foi condenado na pena de multa, como pena principal e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados da categoria de ligeiros pelo período de 6 (seis) meses, nos termos do art. 69.º, n.º 2 do C. Penal.
O tribunal, porque ponderou concretamente esta questão, quis condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos restringida apenas a veículos ligeiros.
No dispositivo da sentença o senhor diz concretamente:
«condena o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados da categoria de ligeiros restringida apenas a veículos ligeiros...».
Podemos concluir que o tribunal a quo, embora erradamente, quis condenar o arguido restringindo a sanção acessória à categoria de veículos ligeiros, pois justificou expressamente a sua opção, quando fundamentou de direito a sentença, designadamente quando se debruça sobre a “escolha e medida da pena”.
A intenção ou vontade intelectual do senhor juiz corresponde à vontade declarada na sentença e a questão da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados se aplicar apenas à categoria de veículos ligeiros ou a todos os veículos motorizados é uma questão essencial da sentença e que fez parte da opção jurídica do senhor juiz enquanto julgador.
E a prova de que não se trata de mero lapso é que o senhor juiz ponderou e justificou a razão porque aplicava a sanção acessória limitada a veículos ligeiros, escrevendo a fls. 29:
«Dispõe ainda este normativo que a proibição pode abranger a condução de veículos motorizados de qualquer categoria ou de uma categoria determinada.
Assim, considerando todas as circunstâncias já descritas o Tribunal fixa tal proibição pelo período de 6 (seis) meses, porém, atenta a actividade profissional do arguido, tal proibição abrangerá apenas a condução de veículos motorizados da categoria de ligeiros (art. 69.º, n.º 2 do C.P.P.)».
Nesta conformidade não pode o senhor juiz corrigir a sentença, porque não se trata de mero lapso e a correcção operada importa em modificação essencial, proibida pelo art. 380.º, n.º1, al. b), do CPP.
Sendo a escolha da medida e âmbito da sanção acessória matéria que faz parte do objecto a dirimir nos autos e sobre a qual o julgador é obrigado a pronunciar-se, nos termos dos art. 374.º, n.º 2 e 3 e 379.º,n.º 1, al. c), do CPP, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz, por força do disposto no art. 666.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 4.º,do CPP.
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Decisão:
Nestes termos, decidem os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido, e, em consequência se revoga o despacho recorrido.
Sem custas.
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Coimbra,…………………………………….


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(Inácio Monteiro)


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(Alice Santos)