Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3812/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: COELHO DE MATOS
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
Data do Acordão: 01/25/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 410, 413, 408.º E 616, N.º1 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: A promessa de venda sem eficácia real não pode ser objecto de impugnação pauliana. A procedência da acção contra o promitente vendedor permite ao autor (credor) executar os bens no seu património, mesmo que os tenha já prometido vender. Daí que não seja admissível o chamamento a juízo do promitente comprador.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. A..., com sede em Leiria, demandou, na respectiva comarca, B...; C..., com sede em Marrazes, Leiria, e outros, para impugnar (impugnação pauliana) a venda de imóveis e cessão de quotas efectuadas pela 1.ª ré a outros réus, com vista a poder obter pagamento do seu crédito à custa dos bens alienados, que antes constituíam património do devedor e, nessa medida, garantiam a obrigação.
No decurso da acção e em requerimento autónomo, a autora requereu a intervenção provocada de D... e E..., nos termos do artigo 325.º do Código de Processo Civil, como associadas dos réus, e para que a sentença a proferir na acção atinja o efeito útil normal, nos termos dos artigos 28.º e 29.º, uma vez que os réus adquirentes já prometeram vender às chamadas os prédios objecto da venda impugnada.

2. Considerando que só a realização do contrato prometido é impugnável, por só ele afectar a diminuição do património do devedor, o sr. juiz indeferiu o pedido de chamamento com fundamento na ilegitimidade das chamadas, para serem demandas pela autora, sem prejuízo de poder vir a fazê-lo, caso venham a ser celebrados os contratos prometidos.
A autora não se conforma e agrava da decisão, pelas razões que sintetiza nas seguintes conclusões:
1ª. Ao contrário do que se afirmou no despacho recorrido, não é necessário que se verifique tradição de imóveis objecto de um contrato-promessa de compra e venda para fundamentar acção de impugnação pauliana;
2ª. Com efeito, é suficiente para a propositura deste tipo de acção que os contratos-promessa celebrados tenham eficácia real, o que sucede no caso concreto; Além de que,
3ª. Tais contratos foram celebrados com uma cláusula de execução específica, nos termos do art. 830º do CC, e
4ª. Consequentemente, constituem actos que envolvem uma diminuição da garantia patrimonial da recorrente;
5ª. É certo que, nos termos do art. 613º do CC, a recorrente poderia não suscitar o incidente de intervenção de terceiros naquele momento e fazê-lo em momento posterior;
6ª. Contudo, até por razões de economia processual, se justifica a intervenção, na presente acção, das promitentes compradoras; e
7ª. Por conseguinte, deveria ter sido deferido o incidente de intervenção de terceiros deduzido pela recorrente nos termos do art. 325º e ss. do CPC, já que as chamadas têm legitimidade para serem demandadas por esta;
8ª. Por todo o exposto, o despacho recorrido violou o disposto nas normas dos arts. 27º e 325º do CPC, e 610º e 613º do CC, entre outros, pelo que deverá ser revogado.

3. As agravadas contra-alegaram, no sentido da confirmação do julgado. Foi proferido despacho de sustentação. Estão corridos os vistos. Cumpre conhecer e decidir, tendo em conta que a factualidade se circunscreve ao acima referido e ainda que as chamadas D... e E... registaram a seu favor a aquisição provisória dos prédios, cuja venda se impugna, tendo por base o dito contrato promessa.

4. Recapitulando, a autora impugna actos de alienação do património da 1.ª ré aos outros réus, para aí poder executar os bens alienados, em pagamento do seu crédito sobre a 1.ª ré. Como já existe um contrato promessa de nova transmissão desses bens, pretende agora que as promitentes compradoras intervenham na causa, porque só assim a sentença a proferir na acção de impugnação produz o seu efeito útil normal, porquanto este contrato tem eficácia real.
A este propósito escreveu a apelante, na sua douta alegação, que “após diligências efectuadas na Conservatória de Registo Predial de Leiria, a A. constatou que a 2.ª Ré, C..., prometeu vender às ora chamadas os prédios rústicos mencionados nos arts. 22° e 24° da Réplica, (...) .
Com este chamamento a A. visa assegurar a garantia patrimonial dos RR. e a satisfação do seu crédito; e isto porque a 2.ª Ré e os seus administradores, subscritores, também, do seu capital social, a saber os 6° e 7.º Réus - que adquiriram, com intenção e consciência de prejudicar ou impedir a satisfação do crédito da A., com a insolvência da 1.ª Ré, bens que esta possuía - prometeram vendê-los, às chamadas, simuladamente”

E depois acrescenta: “as chamadas agiram, pois, igualmente, com má-fé, intenção e consciência de que, com tais actos, esvaziavam o património da 2.ª Ré, impedindo a satisfação do crédito da A. e eventualmente de outros credores; por conseguinte, para que a decisão a proferir possa produzir o seu efeito útil normal, concretamente em relação aos prédios prometidos vender pela 2.ª Ré às chamadas, e por estas prometidos adquirir, e para que seja declarada a ineficácia de tais contratos e a sua restituição aos primitivos titulares, é necessária a intervenção daquelas, nos termos dos arts. 28°, n.º 2 e 29° do CPC; pelo que requer a sua intervenção, nos termos do art. 325° do CPC, como associadas dos Réus.”

5. Ora, tem de dizer-se, antes de mais, que a este contrato promessa não foi atribuída eficácia real. O facto de nele constar a cláusula de execução específica, mais não é que a afirmação de um dos efeitos específicos do contrato promessa, previsto no n.º 1 do artigo 830.º do Código Civil. Não é pelo facto de lá constar essa cláusula que o promitente comprador pode exigir a execução específica do contrato; é um efeito decorrente da lei.
E o facto de estar registada a aquisição provisória de prédios com base no contrato promessa também não significa que ele tenha eficácia real. Esse registo significa isso mesmo; que é provisório e não definitivo, porque a natureza do acto em que assenta ainda não transfere a propriedade. Só com o cumprimento do contrato promessa, ou realização da escritura de compra e venda, é que o registo, com base nessa escritura, se transformará em definitivo.
Nada disto tem a ver com a atribuição de efeitos erga omnes ao contrato promessa. Para que tal acontecesse era necessário que no contrato promessa constasse declaração expressa de que as partes lhe atribuíam eficácia real, que constasse de escritura pública e fosse inscrito no registo, como refere o artigo 413.º 1.º e 2.º do Código Civil. E não é isso que se passa. É daqui que emerge a eficácia real do contrato promessa e não da inclusão da cláusula de execução específica. Além disso o contrato promessa não está inscrito no registo; o que está inscrito é a aquisição provisória com base nele, que é coisa diferente.
Por isso este contrato-promessa não goza de eficácia real e nem sequer transmitiu a posse, pelo que tem efeitos meramente obrigacionais, tendo por objecto e prestação das partes tão só a celebração do contrato prometido (artigos 410.º 413.º e 408º C. Civil). Por conseguinte só o contrato prometido de compra e venda é impugnável, pois é esse o contrato de efeito translativo da propriedade. A simples promessa de venda não é susceptível de impugnação pauliana.
Daí que, dirigindo-se a acção de impugnação ao contrato de compra e venda, a sua procedência permite ao credor executar os bens alienados no património do próprio adquirente (artigo 616.º , n.º 1 do Código Civil), quer os tenha ou não já prometido vender, uma vez que a promessa tem eficácia meramente obrigacional. Execução que, como é óbvio, não necessita da colaboração do promitente comprador, uma vez que não atinge qualquer direito real de que seja titular.
Logo, a sentença a proferir produz o seu efeito útil normal – a permissão da execução no património do promitente vendedor – sem a intervenção dos promitentes compradores, neste caso das chamadas a intervir. Não há, por isso mesmo, litisconsórcio necessário, na exigência prevista no n.º 2 do artigo 28.º do Código de Processo Civil.
Compreende-se a preocupação da agravante, que já está a ver que vai ter de dirigir nova acção pauliana contra as ora chamadas a intervir, pois basta que celebrem a prometida escritura de compra e venda antes do momento em que possam executar os bens ainda no património do promitente vendedor. Tal preocupação encontra, porém, eco na norma do n.º 1 do artigo 616.º do Código Civil, que lhe permite a prática de actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei, tais como as providências cautelares previstas na lei processual, desde que se verifiquem os respectivos pressupostos. A sua concreta pretensão poderia inscrever-se neste normativo, mas dele tem de ficar afastada porque não autorizada por lei, uma vez que, como vimos, a promessa de venda sem eficácia real não pode ser objecto de impugnação pauliana.


Concluindo: a promessa de venda sem eficácia real não pode ser objecto de impugnação pauliana. A procedência da acção contra o promitente vendedor permite ao autor (credor) executar os bens no seu património, mesmo que os tenha já prometido vender. Daí que não seja admissível o chamamento a juízo do promitente comprador.
É por estas razões e não propriamente por falta de legitimidade das chamadas a intervir que é de indeferir o chamamento, como foi decidido. Não foram violadas as disposições legais citadas pela apelante.

6. Decisão
Por todo o exposto acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao agravo, mantendo o decidido.
Custas a cargo da agravante.
Coimbra,

Relator: Coelho de Matos; Adjuntos: Custódio Costa e Ferreira de Barros