Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2705/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. GARCIA CALEJO
Descritores: CONDUTOR SOB A INFLUÊNCIA DO ALCOOL
DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA E PRESSUPOSTOS PARA O EFEITO
REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PELA 2.ª INSTÂNCIA
Data do Acordão: 12/02/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Área Temática: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Legislação Nacional: ART. S 19°, AL. C), DO D. L. N° 522/85 DE 31/12, E ART. 712° DO C P C
Sumário:
 I - Para haver responsabilidade do condutor de um veículo nos termos do art. 19°, al. c ), do D. L. n° 522/85, de 31/12 (por ter agido sob a influência do álcool) não se toma necessário que essa condução seja efectuada no interesse e sob as ordens do dono do veículo (como comissário).
II - Sendo um condutor portador de uma taxa de alcoolemia de 1, 10 g/l, é de concluir que tenha os reflexos pessoais ecentuadamente perturbados, com aumento do tempo de reacção, facto que pode contribuir para a imobilização da viatura no espaço livre e visível à sua frente (verificação do nexo de causalidade entre esse estado de alcoolemia do condutor e a produção do evento).
III - Na reapreciação da matéria de facto pela 2.ª Instância importa respeitar os princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova, pelo que, em regra, o uso por este Tribunal do controle e sindicalidade sobre a convicção adquirida pelo juiz de 1.ª Instância deve restringir-se a casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I- Relatório:
1-1- Companhia de Seguros ..., com sede no Largo do Chiado, 8, Lisboa, propõe contra a Vítor ...s, residente na Rua Principal, ..., Leiria, a presente acção com processo sumário, pedindo que o R. seja condenado a pagar-lhe a quantia de 978.624$00 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento.
Fundamenta o seu pedido, em síntese, no facto ter celebrado com a Evicar- ... Ldª um contrato de seguro para cobertura da responsabilidade civil do veículo ligeiro de passageiros matrícula .... Sucede que no dia 17-3-99, o R. conduzindo este veículo, ao serviço da sua segurada e cumprindo ordens desta, teve um acidente de viação, cujos contornos descreve, sendo que foi o único culpado pela sua verificação, acusando então uma taxa da alcoolemia de 1,10 g/l. Em resultado do acidente a A. teve que indemnizar os lesados, sendo que, em virtude do disposto no art. 19º al. c) do DL 522/85, por o R. ter agido sob a influência do álcool, tem o direito, por via do direito de regresso, a exigir do R. a liquidação da quantia de que se encontra desembolsada.
1-2- O R. contestou impugnado os factos mencionados na p.i., referindo, também em síntese, que na altura do acidente conduzia o veículo em nome próprio, não cumprindo ordens nem instruções da sociedade, sendo que o veículo que conduzia, antes de embater nas viaturas que circulavam à sua frente, foi embatido por outro veículo que transitava na sua retaguarda, facto que originou os embates mencionados no autos. Nega que fosse portador da taxa de alcoolemia que lhe foi atribuída.
1-3- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, após o que se fixou os factos assentes e a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu ao questionário e se proferiu a sentença.
1-4- Nesta considerou-se procedentes por provada a acção e, em consequência, condenou-se o R. a pagar à A. a quantia de 4.888,36 Euros, acrescida de juros à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
1-5- Não se conformando com esta sentença, dela veio recorrer o R., recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.
1-6- O recorrente alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões úteis:
1ª- A intervenção da A. assentou no pressuposto de que o R. conduzia o veículo AV ao serviço da segurada na A., mas este facto não foi provado, pelo que não existe fundamento para que a R. exija direito de regresso, na medida em que não haveria lugar a indemnização.
2ª- Tendo em conta a prova produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente os depoimentos das testemunhas Vítor Piedade Rosa, Nuno Alexandre Silva, Susana Maria Caseiro Francisco, Saúl Alberto Ferreira Torcato, António Relvas de Oliveira, Fernando Marques Jorge, Hermínio do Nascimento Reis, Manuel Vicente Bento, nunca se poderia dar como provado os factos indicados sob os pontos 13, 14, 15, 16, 17 e 18, razão por que deve a respectiva matéria factual ser alterada de forma a que se conclua que o R. não teve culpa no acidente, na medida em que foi embatido por um outro veículo não identificado, o qual provocou o despiste do veículo conduzido pelo R. e os consequentes embates no outros veículos.
3ª- A testemunha da A. Susana Francisco referiu ter-se apercebido de uma travagem antes do embate, sendo de interesse para a boa decisão da causa apurar que travagem teria sido aquela.
4ª- Na sentença fez-se uma deficiente interpretação, dos factos oriundos da prova produzida, dos elementos constantes dos autos, bem como fez uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis, razão por que a mesma sofre de nulidade.
5ª- A sentença recorrida condenou o R. por entender que este conduzia sob o efeito do álcool, sendo que através da prova produzida e dos elementos junto ao processo, nunca se poderia chegar a tal conclusão.
6ª- Não se apurou qual foi a taxa de que o R. era efectivamente portador, bem como se foi em virtude dessa taxa que o acidente ocorreu.
7ª- O teste de pesquisa de álcool foi realizado através de analisador qualitativo, sendo certo que o valor aí indicado não tem o valor relevante para efeitos de detecção e quantificação de taxa de álcool.
8ª- Ainda que se quisesse condenar o R. com base de que ele conduzia sob o efeito do álcool, dever-se-ia ter alegado que foi por influência do álcool que o comportamento do R. foi determinado a embater nos outros veículos.
9ª- Na p.i. nada foi alegado nesse sentido, pelo que não foi estabelecida qualquer ligação causa/efeito, entre a alegada taxa da álcool e o acidente verificado.
10ª- A sentença recorrida viola os arts. 158º, 264º e 668º do C.P.Civil, 18º n.º 1 e 81º do C. Estrada, 19º do DL 522/85 de 31/12, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 6/2002 do STJ de 18-7-02.
Termos em que deve ser concedido provimento à apelação, revogando-se a sentença recorrida.
1-7- A parte contrária respondeu a estas alegações sustentando o não provimento do recurso e a confirmação da decisão recorrida.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivos dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas ( arts. 690º nº1 e 684º n.º 3 do C.P.Civil ).
2-2- Após as respostas à matéria de facto da base instrutória, ficaram assentes os seguintes factos:
1- A A. exerce a actividade seguradora.
2- No exercício da sua actividade comercial, a A. celebrou com Evicar, Comércio de Camiões, Ldª, um contrato de seguro para cobertura da responsabilidade civil do veículo ligeiro de passageiro de matrícula 87-30-AV, contrato titulado pela apólice n.º 7750031.
3- No dia 17-3-99 pelas 19,30 horas, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o veículo automóvel de matrícula 87-30-AV, na altura conduzido pelo R..
4- E também foi interveniente o veículo de matrícula QC-65-47 conduzido por Vítor da Piedade de Sousa Rosa.
5- E o veículo matrícula 96-29-EH, conduzido por Susana Maria Caseiro Francisco.
6- E o veículo matrícula 76-55-LE, conduzido por Paulo Belo Zenha.
7- O sinistro ocorreu ao Km 118,800 do IC2, em Azóia, Leiria.
8- O local do acidente é uma recta de boa visibilidade.
9- Naquele dia e hora verificava-se um grande congestionamento de trânsito, circulando os veículos em filas compactas a velocidade reduzida, em constante “pára-arranca”.
10- Todos os veículos circulavam na via no sentido sul/norte.
11- Os veículo AV, QC e EH circulavam pela referida via na fila de tráfego da esquerda, em fila, seguindo na direita o EH, logo atrás do QC e finalmente, o AV.
12- Ao chegar, sensivelmente em frente ao Km 118,800, os veículos EH e QC reduziram a velocidade que imprimiam ao seu veículo e imobilizaram-nos, nomeadamente, na faixa de rodagem, em virtude do trânsito.
13- O R. não conseguiu efectuar a travagem no espaço livre à sua frente.
14- Em consequência, foi embater com a parte frontal do veículo, na parte traseira do veículo QC.
15- Por força deste embate, o veículo QC foi projectado para a frente, indo embater com a parte da frente do QC.
16- E também embateu na parte traseira do EH, que estava momentaneamente parado à sua frente.
17- E depois foi embater com a parte da frente do veículo AV, na parte traseira do veículo LE que se encontrava parado na fila da direita da via inserido na fila compacta de trânsito.
18- Logo após o acidente, o R. foi submetido ao teste de álcool no ar expirado, pela autoridade que tomou conta da ocorrência, acusando uma taxa de álcool no sangue de 1,10 g/l.
19- Em resultado do embate, o QC sofreu danos na frente, pára-choques, grelha, ópticas esquerda e direita, capot, guarda-lamas, pára-brisas, radiador, na traseira, tampa da mala, pára-choques traseiro, eixo, vidro traseiro, tejadilho, cava da roda, guarda-lamas e pintura.
20- O veículo QC foi considerado uma perda total.
21- A título de indemnização pela perda total do QC, a A. indemnizou a respectiva proprietária no valor de 700.000$00.
22- Com a venda do salvado QC, a A. obteve o valor de 20.000$00.
23- Pela paralisação do veículo QC, durante o período da vistoria, a A. indemnizou a respectiva proprietária no valor de 36.960$00.
24- Como consequência do acidente, o condutor do QC ficou politraumatizado e careceu de ser assistido no Hospital de São Francisco.
25- A A. liquidou à sua congénere Allianz Seguradora, a título de acidente de trabalho, pela referida assistência hospitalar ao sinistrado, o valor de 20.000$00.
26- Em resultado do embate, o veículo LE sofreu danos no pára-choques traseiro.
27- Pela reparação do LE, a A. despendeu a quantia de 30.420$00.
28- Em resultado do embate, o veículo EH sofreu danos na parte traseira, nomeadamente, na tampa da mala, farolins, friso, chapa, matrícula e pintura.
29- Pela reparação do EH, a A. despendeu a quantia de 185.246$00.
30- A título de despesas de transporte até à existência de veículo de substituição e aluguer do veículo de substituição durante o período de paralisação pela reparação do EH, a A. liquidou ao respectivo proprietário e à empresa de aluguer, o valor global de 25.998$00.--------------------------------------
2-3- No presente recurso, o apelante começa por sustentar que a intervenção da A., em sede de petição inicial, assentou no pressuposto de que o R. conduzia o veículo AV ao serviço da segurada na A., mas este facto não foi provado, pelo que não existe fundamento para que a R. exija direito de regresso, na medida em que não haveria lugar a indemnização.
O apelante carece aqui de razão. É que, como bem se refere na douta sentença recorrida, a responsabilidade do R. deve buscar-se no art. 19º al. c) do DL 522/85 que estabelece que “satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso ... contra o condutor, se este não tiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool...”. Ora, tendo concluído, pelas razões ditas no aresto, que o R., sendo portador de uma taxa de alcoolemia de 1,10 g/l, agiu sob a influência do álcool, não poderia deixar de o condenar, por via do direito de regresso, a indemnizar a A. seguradora da importância que esta despendeu ao indemnizar os lesados do acidente em razão do contrato de seguro de responsabilidade civil que celebrou com a proprietária do veículo.
Ora na sua p.i., a A. seguradora, baseia precisamente a sua pretensão de indemnização por banda do R., no direito de regresso que a condução sob o efeito do álcool deste lhe concede ( vide arts.37º e segs. da p.i. ). Daí que o que o apelante menciona nesta sua objecção não tenha razão de ser. A invocação por banda da A. da circunstância de o R. conduzir o veículo ao serviço da sua segurada, serviu, tão só, para sustentar a sua presunção de culpa, nos termos do art. 503º n.º 3 do C.Civil, pelo que não se tendo provado a relação de comitente/comissário aí indicada, a única conclusão a retirar da é que a presunção de culpa aduzida na disposição se não verifica no caso vertente. Mas isto é irrelevante para aqui, visto que se provou a culpa efectiva do R., como condutor do veículo AV.
Sustenta depois o apelante que, tendo em conta a prova produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente os depoimentos das testemunhas Vítor Piedade Rosa, Nuno Alexandre Silva, Susana Maria Caseiro Francisco, Saúl Alberto Ferreira Torcato, António Relvas de Oliveira, Fernando Marques Jorge, Hermínio do Nascimento Reis, Manuel Vicente Bento, nunca se poderia dar como provado os factos indicados sob os pontos 13, 14, 15, 16, 17 e 18, razão por que deve a respectiva matéria factual ser alterada de forma a que se conclua que o R. não teve culpa no acidente, na medida em que foi embatido por um outro veículo não identificado, o qual provocou o despiste do veículo conduzido pelo R. e os consequentes embates no outros veículos.
Aqui o apelante mostra o seu inconformismo em relação à forma como o tribunal de 1ª instância respondeu aos indicados factos. Segundo ele, o depoimento das testemunhas que indica levam a outra resposta, tendo ficado demonstrado, no seu prisma, a falta de culpa do ora apelante no processamento do acidente.
Desde logo salientaremos que a impugnação da matéria de facto é teoricamente possível, já que ocorreu gravação da prova e o apelante procedeu a essa impugnação, nos termos do art. 690º A ( art. 712º n.º 1 al. a), ambos do C.P.Civil ).
Mas será que se justifica no caso vertente ?
Como ponto prévio diremos que, como temos vindo a entender, só quando os elementos dos autos levem inequivocamente a uma resposta diversa da dada na 1ª instância, é que entendemos dever alterar as respostas. É que só nestas circunstâncias estamos perante um erro de julgamento. O mesmo não sucederá quando existam elementos de prova contraditórios, pois neste caso deve valer a resposta dada pelo tribunal recorrido, já que se entra então no âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, que não cabe a este tribunal controlar ( art. 655º do mesmo Código ). Isto porque estando o juiz de 1ª instância perante a pessoa que depõe, melhor que ninguém se apercebe da forma como realiza o seu depoimento, da convicção com que o presta, da espontaneidade que revela, das imprecisões que deixa escapar, de tudo enfim, o que serve para fundar a impressão que o depoimento deixa no espírito do julgador e contribui, em menor ou maior grau, para formar a sua convicção. Quer isto dizer que convém continuar a respeitar os princípios de oralidade, imediação e livre apreciação da prova, pelo que, em regra, o uso deste tribunal de controle e sindicabilidade sobre a convicção adquirida pelo juiz de 1ª instância se deve restringir aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão. Como a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, há que ser extremamente cauteloso e prudente na avaliação da credibilidade dos depoimentos testemunhais e, nesta avaliação, tem que reconhecer-se que o tribunal de 1ª instância está em melhores condições de a emitir, como já vimos. Na mesma linha deste entendimento, referiu-se no Acórdão de 13-1-01 (in Col. Jur. 2001, tomo 5, 85 ) que “apesar da maior amplitude conferida pela reforma do processo a um segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, a verdade é que não se trata de um segundo julgamento, devendo o tribunal reapreciar apenas os aspectos sob controvérsia. Por outro lado, mau grado a gravação magnética dos depoimentos oralmente prestados perante o tribunal a quo, as circunstância que a este tribunal se colocam não são inteiramente coincidentes. Isto para concluir, afinal, que mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante ou quando também eles sejam contrariados por outros meios de prova de igual ou superior valor ou credibilidade” ( neste mesmo sentido ainda, Acs. desta Relação subscritos pelo mesmo relator e adjuntos, nas apelações 350/99, 2101/02, 3182/02, 3371/02, 316/03, 1065/03 e 1756/03 e ainda Ac. de 5-10-00, Col. 2000, tomo IV, 27 ).
Vejamos então o caso vertente:
A fixação dos ditos factos, resultou da resposta aos quesitos 12º a 18º da base instrutória. Justificando a resposta aos quesitos 12º a 17º, o M.º Juiz exarou que baseou a sua convicção, no depoimento das testemunhas Vítor Rosa, Susana Francisco, Saúl Trocato, elemento da PSP que elaborou o doc. de fls. 18 e 19 e ainda neste documento. Quanto ao quesito 18º referiu que o seu convencimento se baseou no depoimento da testemunha Saúl Torcato e no doc. de fls. 160 a 171.
Compulsando o depoimento de tais testemunhas e verificando o teor de tais documentos, não vemos qualquer razão para alterar as respostas a tais quesitos. Com efeito, o depoimento das indicadas pessoas inculcam as respostas dadas aos quesitos. Aliás o próprio Vítor Rosa referiu que o R., explicou na altura o evento, por ter ficado sem travões, versão que contradiz a trazida aos autos por ele e que aqui defende. De resto, o agente da autoridade que tomou conta a ocorrência e que elaborou o respectivo auto ( no processo a fls. 18 a 22 ) não refere a existência de qualquer outro automóvel ( para além dos mencionados nesse auto ) no sinistro, concretamente uma outra viatura que tenha embatido por detrás no carro do R.. Evidentemente que se tivesse existido esse veículo, dada a violência do embate, o mesmo estaria no local, ou pelo menos, o veículo do R. apresentaria vestígios desse embate, o que não se referiu. Repete-se, na altura da ocorrência, o próprio R. terá dito que foi, por falta de travões no seu veículo, que o acidente ocorreu. Isso mesmo foi exarado no auto de ocorrência elaborado pela autoridade policial. Nada mais natural, a existir outro veículo interveniente, o R. indicá-lo ao agente da autoridade quando este tomou conta da ocorrência, o que não sucedeu. O facto de a testemunha Susana Francisco ter dito que ouviu uma travagem atrás de si, não contraria a forma como se respondeu aos quesitos em causa. É que, independentemente de o R. ter ou não travado antes do primeiro embate, o certo é que este se deu, sendo certo que o veículo embatido se encontrava parado na via, o que inculca evidente culpa do ora apelante na ocorrência. Acresce que no próprio auto de participação de acidente de viação elaborado pela autoridade policial, se refere, sem que isso alguma vez tenha sido desmentido, que o mesmo foi elaborado com base nas declarações do próprio R., pelo que se não percebe como agora quer ver refutado o que antes disse.
Por outro lado, não se vê que qualquer das testemunhas indicadas pelo R., concretamente as outras que menciona, tenham feito qualquer prova que possa desmentir a factualidade dada como assente e a que nos temos vindo a referir.
No que concerne à resposta ao quesito 18º ( sobre a taxa de alcoolemia que o R. acusava ), como refere o M.º Juiz, a respectiva convicção baseou-se no depoimento do elemento da autoridade que tomou conta da ocorrência ( a testemunha Saúl Torcato ) e no doc. de fls. 160 a 171.
Evidentemente que também aqui não vemos qualquer razão para modificar a resposta ao quesito. Note-se que o R. na altura e mesmo posteriormente não contestou o resultado do exame de alcoolemia a que foi submetido. Com efeito, para além de na altura não ter pedido, como podia, contraprova ao exame efectuado ( art. 159º n.º 2 do C. Estrada, motivo por que se deve considerar que o R. aceitou o respectivo resultado ), o certo é que acabou por pagar voluntariamente a respectiva contra-ordenação ( fls.160 a 171 ), pelo que também por aqui se conclui que o R. aceitou a cometimento de tal infracção. Por conseguinte parece-nos destituído de qualquer ponderação a impugnação, aqui e agora, do exame então feito e respectivo resultado.
Quer isto tudo dizer que não se vê qualquer razão para alterar a matéria de facto que o tribunal a quo deu como assente.
Sustenta depois o apelante, na 5ª conclusão acima mencionada, que na sentença fez-se uma deficiente interpretação, dos factos oriundos da prova produzida, dos elementos constantes dos autos, bem como fez uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis, razão por que a mesma sofre de nulidade.
No que concerne à apreciação da prova, já acima nos referimos. No que toca à errada interpretação e aplicação de normas jurídicas, não sabemos, em concreto, a que o apelante se quer referir, sendo certo que a conclusão que retirou não é abonada por qualquer alegação nesse sentido. O mesmo se diga em relação à invocada nulidade.
Das outras conclusões acima mencionadas, só resta referirmo-nos à causa/efeito da taxa de alcoolemia e o acidente dos autos. O apelante defende que se quisesse condenar o R. com base de que ele conduzia sob o efeito do álcool, dever-se-ia ter alegado que foi por influência do álcool que o comportamento do R. foi determinado a embater nos outros veículos. Na p.i. nada foi alegado nesse sentido, pelo que não foi estabelecida qualquer ligação causa/efeito, entre a alegada taxa da álcool e o acidente verificado.
Como ponto prévio diremos que não é certo que a A. seguradora na p.i não tenha alegado essa causa/efeito. Com efeito, verifica-se que nessa peça processual, a A. claramente menciona que “o embate entre os dois veículos ficou a dever-se exclusivamente à culpa do Réu que conduzia de forma temerária, sem atenção e com falta de reflexos pois estava afectado de um grau de álcool no sangue muito superior ao permitido por lei” e mais adiante “por força da elevada taxa de álcool no sangue, o Réu condutor do AV encontrava-se com a sua capacidade de vigilância diminuída e não tinha os reflexos necessários para uma condução cuidadosa e adequada” ( arts. 36º e 37º), donde claramente se conclui que alegou o nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e a produção do acidente.
Mas uma coisa é alegação deste nexo causal e outra diversa é a verificação em concreto desse nexo causal. É que pondo termo a uma controvérsia que se vinha desenvolvendo nos nossos tribunais, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2002 de 28-5-02 ( publicado no D.R. I série A de 18-7-02 ) decidiu que “a alínea c) do artigo 19º do Dec-Lei n.º 522/85 de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob a influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”. Isto é, segundo este acórdão, o direito de regresso da seguradora só deve operar quando se prove o nexo de causalidade entre o estado de alcoolemia do condutor e o acidente.
A questão que agora e aqui se coloca será pois a de saber se este nexo causal, na realidade, se verifica no caso vertente, sendo que tal prova compete à A. seguradora.
E na douta sentença recorrida, respondeu-se afirmativamente à questão. E quanto a nós de forma correcta. Na verdade, expressamente aí se referiu que “da factualidade assente outra conclusão não se pode retirar se não a de o R., sendo portador de uma taxa de alcoolemia de 1,10 g/l, ficou com os reflexos acentuadamente perturbados e prolongou o tempo de reacção, factos estes que o impediram de imobilizar a viatura no espaço livre e visível à sua frente”. Ou seja, segundo a decisão recorrida, está provado o nexo de causalidade entre o estado de alcoolemia do condutor e a produção do evento.
Provou-se que, nas circunstâncias de tempo e local acima relatadas, o R., conduzindo o supramencionado veículo, não conseguiu efectuar a travagem no espaço livre à sua frente. Em consequência, foi embater com a parte frontal do veículo, na parte traseira do veículo QC. Por força deste embate, o veículo QC foi projectado para a frente, indo embater com a parte da frente do QC. E também embateu na parte traseira do EH, que estava momentaneamente parado à sua frente. E depois foi embater com a parte da frente do veículo AV, na parte traseira do veículo LE que se encontrava parado na fila da direita da via inserido na fila compacta de trânsito. Logo após o acidente, o R. foi submetido ao teste de álcool no ar expirado, pela autoridade que tomou conta da ocorrência, acusando uma taxa de álcool no sangue de 1,10 g/l.
Face a estes factos temos que concluir que o R. circulava ao volante do seu veículo com uma taxa de alcoolemia alta. Evidentemente que face a esta taxa dificilmente se poderá defender, face à forma como o acidente se deu, que tal taxa não foi causal do acidente. Necessariamente que as faculdades motoras e a destreza para a condução por parte do R. com aquela taxa, estavam seriamente afectadas. De forma alguma podemos aceitar que uma tal taxa alcoólica não tenha sido a causa ou pelo menos uma das causas do acidente dos autos. De resto, a nosso ver, face aos factos salientados, não se vê que os condutores dos outros veículos tenham tido qualquer culpa no desencadeamento do acidente. Antes pelo contrário, o acidente deu-se por culpa exclusiva do R., que embateu os outros veículos ( que se encontravam imobilizados na via ), por não ter logrado parar no espaço livre e visível à sua frente. Evidentemente que a taxa de alcoolemia que apresentava, explica cientificamente, a respectiva ineficiência e esta falta de destreza. É impossível que a condução de um condutor com uma tal taxa alcoólica não seja afectada, pois como se sabe e como se refere no Ac. da Relação de Coimbra de 31-10-90 ( Col. Jur. 1990, tomo IV, pág. 102 ) “ o álcool começa por afectar a coordenação das funções de sensação e de percepção ( córtex cerebral ), atinge depois a coordenação motora e o equilíbrio e por fim, ataca a memória ( sistema límbico)”, isto é, uma tal taxa de álcool no sangue não pôde ter deixado de condicionar negativamente a condução automóvel do R.. Um condutor alcoolizado ( v.g. com uma taxa de 1,10 g/l. ou superior ), está impedido de reagir, com o mínimo de eficácia a qualquer situação de perigo que lhe surja, não podendo adequar outrossim a condução automóvel às condicionantes de cada momento, conforme está cientificamente provado. Como se refere no Ac. da Relação de Lisboa de 19-10-95, Col. Jur.1995, tomo IV, pág. 124 “a taxa de álcool no sangue ... afecta o nível de concentração exigível no acto da condução; afecta o comportamento, ou pode afectar, do condutor, negativamente, com referência aos riscos específicos próprios da condução de veículos automóveis”.
Não se nos afigura ousado afirmar que se o R condutor não estivesse tão influenciado pelo álcool, não teria efectuado aqueles embates. Um condutor sóbrio não agiria daquela maneira. A nosso ver, foi precisamente a taxa de alcoolemia que o R. apresentava, que determinou o acidente. Se existe um exemplo académico para ilustrar um caso de influência do álcool num acidente, este será um deles, pois só na descoordenação da condução motivada pelo álcool, é que o evento encontra melhor explicação.
Temos portanto que a taxa de alcoolemia que o R. apresentava foi causa (ou pelo menos contribuiu indubitavelmente para o acidente ), pelo que se provou, in casu o nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia que o R. apresentava e o acidente.
Assim, pelo que fica dito a sentença recorrida deve ser confirmada, reconhecendo-se que à A., nos termos da al. c) do art. 19º do Dec-Lei 522/85 de 31/12 e por via do direito de regresso, lhe assiste o direito de ser reembolsada das quantias que gastou.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando a douta sentença recorrida.
Custas pelo apelante.