Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
81/17.8T9SCD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: LICENÇA DE CONDUÇÃO EMITIDA EM PAÍS ESTRANGEIRO
APREENSÃO
ENTREGA ÀS AUTORIDADES
COMINAÇÃO
Data do Acordão: 10/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (J C GENÉRICA DE SANTA COMBA DÃO – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 32.º DO RGCOC; ART. 4.º DO CP; ART. 500.º DO CPP
Sumário: I - Nos termos do art. 32º do RGCO, constante do D.L. nº 433/82, de 27/10, em matéria de contra-ordenações aplicam-se subsidiariamente as normas do CP em tudo o que não for contrário àquela lei.

II - Sobre a aplicação da lei penal no espaço, o art. 4º, al. a), do CP determina que salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados em território português, seja qual for a nacionalidade do agente.

III - O n.º 5 do art. 500º do CPP, respeitante à proibição de conduzir, diz expressamente que a obrigação da entrega é aplicável aos títulos emitidos por país estrangeiro.

Decisão Texto Integral:






Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO


1.

A... impugnou judicialmente a decisão administrativa que lhe aplicou a sanção de proibição de conduzir por 30 dias pela prática da contra-ordenação ao art. 60º e 65º do Regulamento de Sinalização do Trânsito e 138º e 146º, nº 1, al. o), do Código da Estrada, com obrigação de entregar a carta de condução no prazo de 15 dias, sob pena de cometer um crime de desobediência.

Alegou que esta pena e a determinação da entrega da carta violam os art. 4º a 6º do Código Penal e 10º e segs. do C.P.P., sendo que no caso a sanção seria a da comunicação à ANSR, nos termos dos art. 69º, nº 5, do Código Penal e 500º, nº 6, do C.P.P.

Disse, também, que a lei não sanciona com o crime de desobediência, ou qualquer outro, a não entrega da carta.

Finalmente referiu não ser natural nem residente em Portugal, que a licença de condução foi emitida, também, por um Estado terceiro, pelo que não é possível a sua apreensão pelo Estado Português.

Foi proferida sentença, que julgou improcedente a impugnação.

2.

A arguida recorreu e apresentou as seguintes conclusões:

«1. A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária aplicou à arguida uma coima no valor de 49,98€ e a sanção acessória de inibição de conduzir veículos a motor, especialmente atenuada, pelo período de 30 (trinta) dias, pela prática de uma contra-ordenação, determinando a entrega do título de condução, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência, do artigo 160º, nº 3, do Código da Estrada.

2. A Recorrente A... , por discordar desta decisão, interpôs o presente recurso. 

3. Como provado, "a arguida é de nacionalidade brasileira" e "o título de condução da arguida n. o G- (...) foi emitido pela Alemanha."

4. Entende, por isso, a recorrente que se impõe a revogação da decisão administrativa na parte em que impõe a entrega da carta de condução, sob pena de desobediência, e, decorrido o prazo de 10 dias do artigo 69º, nº 3, do Código Penal, se determine a comunicação da decisão à entidade homóloga estrangeira.

5. A questão que se coloca é saber a autoridade administrativa pode determinar a entrega do título de condução da arguida, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência;

6. Entende-se que não.

7. A recorrente é uma cidadã estrangeira, com nacionalidade brasileira, com título de condução emitido por um estado estrangeiro (alemão),

8. Tal cominação, não está legalmente prevista no ordenamento jurídico nacional e viola o princípio da territorialidade.

9. A decisão recorrida viola o disposto nos artigos 69º do Código Penal e 500º do Código de Processo Penal.

10. Conforme dispõem, claramente, as normas acima referidas,

i. Tratando-se de título de condução emitido em país estrangeiro com valor internacional,

ii. Como é, manifestamente, o caso,

iii. A apreensão pode ser substituída por anotação naquele título, pela Direcção-Geral de Viação, da proibição decretada.

iv. E, só se não for viável a anotação, a secretaria, por intermédio da Direcção-Geral de Viação, comunica a decisão ao organismo competente do país que tiver emitido o título.

v. A secretaria, por intermédio da Direcção-Geral de Viação, comunica a decisão ao organismo competente do país que tiver emitido a licença.

vi. A secretaria do tribunal envia a licença à Direcção-Geral de Viação, a fim de ser anotada a proibição.

vii. A secretaria, por intermédio da Direcção-Geral de Viação, comunica a decisão ao organismo competente do país que tiver emitido a licença.

11. Assim se conclui assistir razão à recorrente, mostrando-se a determinação de entrega da carta de condução violadora dos dispositivos legais aplicáveis, acima referidos, impondo-se a sua revogação».

Termina pedindo a revogação da decisão administrativa e que seja proferida decisão que determine a comunicação da decisão ao organismo competente do país que emitiu a carta, Alemanha, que procederá, sendo o caso, à execução da pena.

3.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público respondeu defendendo a manutenção do decidido, nos seus exactos termos e pelas razões invocadas na sentença recorrida.

Recordou que o art. 4º do Código Penal determina que, salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei portuguesa se aplica aos factos praticados em Portugal.

Não existe convenção ou tratado que exclua, no caso, a aplicação da lei portuguesa.

Sobre a exequibilidade da decisão que determine inibição de conduzir, remete para o art. 160º, nº 1, do Código da Estrada, que diz que o título de condução deve ser apreendido, e para o nº 3, que determina a notificação para a entrega, em 15 dias, sob pena de desobediência.

Estas são previsões gerais, aplicáveis a qualquer infractor, independentemente da sua nacionalidade e da origem das respectivas cartas de condução.

O que decorre da legislação invocada é que violada que seja a obrigação de entrega e sendo impossível a apreensão, então a autoridade com competência para o efeito comunicará aquela decisão à autoridade do país emissor da carta.

O Sr. P.G.A. emitiu parecer no mesmo sentido.

4.

Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

Teve lugar a conferência, cumprindo decidir.


*

FACTOS PROVADOS

5.

Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

«1. No dia 16.05.2015, pelas 10h10m, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula (...) , conduzido pela arguida, circulava na Rua José Augusto Capelo, em Carregal do Sal, quando, durante a marcha, pisou e transpôs a linha longitudinal contínua separadora do sentido de trânsito durante uma manobra de ultrapassagem.

2. Ao actuar da forma descrita em 1., a arguido revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando com manifesta falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e que no momento se impunham, não tendo procedido com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.

3. A arguida agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a conduta descrita nos autos é proibida e sancionada pela lei contra-ordenacional.

4. A arguida procedeu ao pagamento da quantia de 49,88€.

5. A arguida não apresentou defesa escrita.

6. A arguida não tem averbada no seu registo individual de condutor qualquer condenação.

7. A arguida é de nacionalidade brasileira.

8. O título de condução da arguida n.º G- (...) foi emitido pela Alemanha».


*

DECISÃO

Atento o disposto no art. 412º do C.P.P. resulta que o objecto do recurso é a legalidade da determinação da entrega do título de condução, emitido por outro Estado, a uma cidadã estrangeira, com cominação da prática de um crime não o fazendo.


*

Conforme alegado, na decorrência da violação de transposição da linha longitudinal contínua a autoridade administrativa aplicou à arguida, para além do mais, 30 dias de inibição de conduzir e a obrigação de entregar a carta de condução no prazo de 15 dias, sob pena da prática de um crime de desobediência.

A defesa da arguida centra-se no facto de a lei não prever esta sanção e, para além do mais, de ela não lhe ser oponível, por ser cidadã estrangeira e por a sua carta de condução ter sido obtida também não estrangeiro.

Nos termos do art. 32º do RGCO, constante do D.L. nº 433/82, de 27/10, em matéria de contra-ordenações aplicam-se subsidiariamente as normas do Código Penal em tudo o que não for contrário àquela lei.

Sobre a aplicação da lei penal no espaço, o art. 4º, al. a), do Código Penal determina que salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados em território português, seja qual for a nacionalidade do agente.

O D.L. nº 433/82, de 27/10, não tem normas sobre esta questão, razão pela qual se aplica o Código Penal.

Não existe tratado ou convenção internacional que exclua a aplicação da lei portuguesa, pelo que é esta que se aplica no caso, nos termos daquela norma.

Nos termos dos art. 60º, nº 1, do Regulamento de Sinalização de Trânsito, constante do Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 1/10, e 146º, nº 1, al. o), e 147º, nº 1, do Código da Estrada, a transposição de linha contínua aposta na faixa de rodagem é sancionada com inibição de conduzir.

E nos termos do nº 1 do art. 160º ainda do Código da Estrada «os títulos de condução devem ser apreendidos para cumprimento da … inibição de conduzir».

Acrescenta o nº 3 da norma que em caso de apreensão do título de condução «o condutor é notificado para, no prazo de 15 dias úteis, o entregar à entidade competente, sob pena de crime de desobediência, devendo, nos casos previstos no n.º 1, esta notificação ser efetuada com a notificação da decisão».

E sobre a apreensão de título de condução emitido por país estrangeiro, o nº 5 do art. 500º do C.P.P., respeitante à proibição de conduzir, diz expressamente que a obrigação da entrega é aplicável aos títulos emitidos por país estrangeiro.

Portanto, quanto à aplicação da lei portuguesa ao caso dos autos e legalidade da cominação não há dúvida, conforme foi decidido, que à infracção cometida pela arguida em território português se aplica a lei portuguesa e que esta sanciona o facto cometido, também, com inibição de conduzir, sanção esta que determina a apreensão do título de condução, sendo que quando isto ocorra o agente deve ser notificado para a entrega do título, com a advertência do cometimento de um crime de desobediência se não o fizer.

Consequentemente, a arguida tem que entregar o seu título de condução no prazo fixado, sob pena de cometer um crime de desobediência, nos exactos termos comunicados.

O problema que a arguida suscita no recurso é como é que se vai executar esta sanção caso aquela determinação não seja cumprida.

Mas como esta situação não aconteceu, não foi suscitada, sobre ela não recaiu nenhuma decisão, não cabe pronúncia sobre ela.


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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, no improvimento do recurso mantém-se a decisão recorrida.

Fixa-se em 3 UCs de taxa de justiça.

Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária.

Coimbra, 2017-10-25

(Olga Maurício – relatora)

(Luís Teixeira – adjunto)