Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
319/18.4T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CONTRATO DE SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO
MEDIADOR DE SEGUROS
REPRESENTAÇÃO APARENTE DO MEDIADOR
Data do Acordão: 09/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO DO TRABALHO DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 2º, 30º E 31º DO DEC. LEI Nº 72/08, DE 16/4 (RJCS); PORTARIA 256/2011, DE 5/07.
Sumário: I – Dispõe a cláusula 32ª da apólice uniforme de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem anexa à Portaria 256/2011, de 05/07, que: “1 nenhum mediador de seguros se presume autorizado a, em nome do segurador, celebrar ou extinguir contratos de seguro, a contrair ou alterar as obrigações deles emergentes ou a validar declarações adicionais, salvo o disposto nos números seguintes. 2 - Pode celebrar contratos de seguro, contrair ou alterar as obrigações deles emergentes ou validar declarações adicionais, em nome do segurador, o mediador de seguros ao qual o segurador tenha conferido, por escrito, os necessários poderes. 3 - Não obstante a carência de poderes específicos para o efeito da parte do mediador de seguros, o seguro considera-se eficaz quando existam razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro”.

II - Por seu turno, rege o DL 72/08, de 16/04 (regime jurídico do contrato de seguro):

Artigo 2º (Regimes especiais)As normas estabelecidas no presente regime aplicam -se aos contratos de seguro com regimes especiais constantes de outros diplomas, desde que não sejam incompatíveis com esses regimes”.

Artigo 30º (Representação aparente) 1 - O contrato de seguro que o mediador de seguros, agindo em nome do segurador, celebre sem poderes específicos para o efeito é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado, sem prejuízo do disposto no n.º 3. 2 - Considera -se o contrato de seguro ratificado se o segurador, logo que tenha conhecimento da sua celebração e do conteúdo do mesmo, não manifestar ao tomador do seguro de boa fé, no prazo de cinco dias a contar daquele conhecimento, a respectiva oposição. 3 - O contrato de seguro que o mediador de seguros, agindo em nome do segurador, celebre sem poderes específicos para o efeito é eficaz em relação a este se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador de seguros, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro.

Artigo 31º (Comunicações através de mediador de seguros) 1 - (…);. 2 - Quando o mediador de seguros actue em nome e com poderes de representação do segurador, os mesmos actos realizados pelo tomador do seguro, ou a ele dirigidos pelo mediador, produzem efeitos relativamente ao segurador como se fossem por si ou perante si directamente realizado”.

III - Deste quadro normativo resulta que a celebração, alteração ou a validação de declarações adicionais do contrato de seguro através de mediador têm regimes e consequências jurídicas diferentes consoante o mediador tenha ou não poderes específicos ou poderes de representação para o efeito.

IV - Estes poderes devem, nos termos da lei, ser conferidos por escrito (artº 32º da apólice uniforme acima transcrito) e não consta da matéria de facto nem de qualquer documento junto aos autos que essa atribuição de poderes tenha sido atribuída.

V - Nos termos legais, para que a representação aparente se verifique é necessário que existam razões ponderosas, objetivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro.

VI - É da experiência comum que a maioria das pessoas, quando contrata um seguro junto de um mediador, o faz convencida de que o contrato produz logo os seus efeitos v. g. mesmo quando apenas assinam uma simples proposta. Quem “dá a cara” na contratação é o mediador e os tomadores, leigos na matéria, confiam normal e naturalmente na legitimidade deste para poder vincular a seguradora.

VII - Mas para que a representação aparente opere é também necessário, nos termos da norma acima transcrita, que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro.

Decisão Texto Integral:









Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I Frustrando-se a tentativa de conciliação, com o patrocínio do MºPº, veio J..., casado, nascido a 01/07/1967, residente na Rua ..., intentar a presente acção emergente de acidente de trabalho, contra:

a). Z..., PLC, com sede em Rua ... e;

b). P..., nascido a 08/02/1974, residente em Rua ...,

pedindo a condenação dos réus, na proporção das suas responsabilidades, a:

1) Reconhecer que o acidente que vitimou o autor, em 11/09/2017, é um acidente de trabalho e que dele resultaram lesões e sequelas que motivaram, para além do mais, 120 dias de ITA, 35 dias de ITP 10% e uma IPP de 11,4919%.

2) O segundo réu (entidade empregadora) a pagar ao autor a quantia de €334,80 a título de indemnização por 120 dias de ITA e € 9,77 de indemnização por 35 dias de ITP10%.

3) A pagar a quantia de €739,23, a título de pensão pela IPP 11,4949% de que a autor ficou a padecer por força do acidente de trabalho, obrigatoriamente remível, sendo €627,31 da responsabilidade da seguradora e €111,92 da responsabilidade da entidade empregadora.

4) Pagar a quantia de €273,75 referente às despesas de transporte com as deslocações obrigatórias do autor ao Gabinete Médico-Legal da Covilhã e ao Juízo do Trabalho da Covilhã.

5) Juros de mora, à taxa legal, contados a partir do vencimento das obrigações, nos termos do art.135º do Código de Processo de Trabalho.

3 Subsidiariamente, e caso se prove a inexistência de contrato de seguro válido que abrangesse o autor à data do sinistro, deverá o segundo réu (entidade empregadora) ser condenado a:

1 – Reconhecer que o acidente que vitimou o autor, em 11/09/2017, é um acidente de trabalho e que dele resultaram lesões e sequelas que motivaram, para além do mais, 120 dias de ITA, 35 dias de ITP10% e uma IPP de 11,4919%.

2) Pagar ao autor a quantia de €334,80 a título de indemnização por 120 dias de ITA e € 9,77 de indemnização por 35 dias de ITP 10%.

3) Pagar ao autor a quantia de €739,23, a título de pensão pela IPP 11,4949% de que a autor ficou a padecer por força do acidente de trabalho, sendo a mesma obrigatoriamente remível.

4) Pagar ao autor a quantia de €273,75 referente às despesas de transporte com as deslocações obrigatórias do autor ao Gabinete Médico-Legal da Covilhã e ao Juízo do Trabalho da Covilhã.

5) Juros de mora, à taxa legal, contados a partir do vencimento das obrigações, nos termos do art.135º do Código de Processo de Trabalho.

Para tanto alegou, em síntese, tal como consta da sentença impugnada, que sofreu um acidente de trabalho, quando prestava trabalho de pedreiro da construção civil para “P...”, mediante a retribuição anual global de €9 189,50, a qual estava apenas transferida para a seguradora dos autos pelo valor de €7.798,00; o acidente ocorreu no dia 11.09.2017, cerca das 10:00 horas, no exterior de uma obra sita em ..., quando o sinistrado se encontrava no exercício da sua profissão e no período normal de trabalho, ao carregar umas pedras no carrinho-de mão entalou o dedo indicador da mão esquerda. Do evento resultou esfacelo da falange distal do indicador esquerdo e as lesões descritas na perícia médico-legal de fls.39-42, das quais teve alta definitiva em 14.02.2018, tendo ficado a padecer de uma IPP de 11,4919%.


+

Devidamente citada a R. companhia de seguros apresentou contestação onde, essencialmente, refuta a existência de um seguro válido, uma vez que o acidente ocorreu em momento anterior à inclusão do sinistrado na apólice em vigor para os acidentes de trabalho ocorridos pelos trabalhadores do réu P..., devendo, por conseguinte, improceder a presente acção.

+

Por seu turno o réu P..., entidade empregadora,  escuda-se na existência de um contrato de seguro válido para se eximir da responsabilidade pelo pagamento das quantias peticionadas pelo autor.

II – Findos os articulados foi proferido despacho saneador, tendo ainda sido seleccionada a matéria de facto considerada assente e a considerada controvertida e, após realização do julgamento, veio a ser proferida sentença, constando do respectivo dispositivo o seguinte:

Pelo exposto o Tribunal, julgando parcialmente procedente a presente acção, declara que o acidente que vitimou o autor J--- no dia 11/09/2017 é de trabalho:

- Fixando-se em 8,25% o coeficiente global de incapacidade do/a sinistrado/a, - Fixando-se a pensão anual devido ao sinistrado no montante €530,69 (quinhentos e trinta euros e sessenta e nove cêntimos) com efeitos a partir do dia seguinte ao da alta, sendo 84,86 % daquele valor a suportar pela ré seguradora e 15,14 % a suportar pelo réu entidade empregadora.

- Quantias acrescida de juros, à taxa legal de 4%, contabilizados desde a data da alta até integral pagamento.

- Condena-se a ré companhia de Seguros e a entidade empregadora a pagar ao demandante, o montante de € 273,75 (duzentos e setenta e três euros e setenta e cinco cêntimos) a título de despesas de transporte, sendo 84,86 % daquele valor a suportar pela ré seguradora e 15,14 % a suportar pelo réu entidade empregadora.

- Condena-se a entidade empregadora a pagar ao sinistrado uma indemnização devida pelo período de ITA e ITP de que esteve afectado no montante global de €344,57 (trezentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos).

- Quantias a que acrescem juros, desde o vencimento até integral e efectivo pagamento, á taxa legal de 4%.

III – Inconformada, veio a ré seguradora apelar alegando e concluindo:

...

Contra alegou o sinistrado, concluindo

                 ...

Contra alegou também o empregador P..., concluindo:

                 ...

O sinistrado veio recorrer subordinadamente, concluindo:

...

IV – Da 1ª instância vem assente a seguinte matéria de facto:

1.Foi celebrado um contrato de seguro de acidente de trabalho titulado pela apólice nº... entre a ré Z..., SA e a entidade empregadora P...

2. O contrato de seguro iniciou a sua vigência no dia 24 de Março de 2014, através de proposta de seguro lavrada para o efeito, ficando assim registada a apólice com o número ...

3. Na proposta de seguro foram colocados os nomes dos funcionários do co-Réu, ou seja, as pessoas seguras, cujos salários e subsídios serviram de base ao cálculo do prémio.

4. Ao longo do período de vigência do contrato, foram incluídos os nomes de diversos trabalhadores e excluídos os nomes de outros da respectiva apólice, conforme solicitado pelo segurado.

5. O contrato foi celebrado na modalidade de prémio fixo, abrangendo apenas as pessoas cujos nomes e salários foram previamente comunicados à companhia de seguros.

6. Na cláusula 5ª das Condições Gerais, vem consignado o seguinte: O seguro pode ser celebrado nas seguintes modalidades: “a) Seguro a prémio fixo, quando o contrato cobre um número previamente determinado de pessoas seguras, com um montante de retribuições antecipadamente conhecido”.

7. Desde 2015 é com a Z..., R. seguradora nos presentes autos, que vai celebrando contratos de seguro.

8. Sempre através de um representante desta, ..., que se apresenta como mediador da Z..., portador de número de agência ...

9. Representante que desde a data referida e actuando por conta dos interesses da Z..., foi sendo quem angariou, fez propostas de seguro, celebrou, submeteu, cobrou recibos e geriu todas as apólices de seguro que tinha em carteira com a R. patronal.

10. Foi a este representante da Z... que o R. patronal recorreu, solicitando nova inclusão de um novo trabalhador, na Apólice ..., que titulava o Seguro de Acidentes de Trabalho já celebrado.

11. A nova inclusão era referente ao aqui Autor/Sinistrado, J..., seu [à data] trabalhador.

12. O autor J... sofreu um acidente no dia 11 de Setembro de 2017entre as 8h30 e as 8h40 da manhã.

13. O sinistro ocorreu no exterior de uma obra sita em ...

14. O autor, nessas circunstâncias de tempo e lugar, exercia as funções de pedreiro da construção civil no seu período normal de trabalho, no âmbito e em execução do contrato de trabalho que mantinha com a sua entidade empregadora – P... -, sob as ordens, direcção e fiscalização desta.

15. O autor auferia a retribuição anual de €9.189,50 (€557,00 x 14 meses a título de retribuição base, acrescido de €126,50 x 11 meses a título de subsídio de alimentação) apenas estando transferida para a seguradora a retribuição anual de €7.798,00 (€557,00 x 14 meses).

16. O acidente em referência ocorreu quando, nas circunstâncias de tempo e lugar acima referenciadas, o autor, na execução das tarefas que lhe estavam cometidas e sob ordens da sua entidade empregadora, ao carregar umas pedras num carro de mão, entalou o dedo indicador na mão esquerda.

17. Em consequência directa do acidente supra descrito, o autor sofreu o esfacelo da falange distal da mão esquerda, ficando com as seguintes sequelas: coto doloroso e perda inferior a 50% da 3ª falange do 2º dedo da mão esquerda.

18. O autor teve alta definitiva, em 14/02/2018.

19. O Autor foi assistido no Centro de Saúde de Penamacor pelas 8h55 da manhã.

20.O autor padeceu de um período de ITA entre 13/09/2017 e 10/01/2018 (120 dias), bem como um período de ITP 10% entre 11/01/2018 e 14/02/2018 (35 dias).

21. O sinistrado mostra-se integralmente ressarcido das indemnizações por incapacidades temporárias por parte da seguradora e reclama da entidade empregadora a esse título o valor de €334,80 por ITA (120 dias) e o montante de €9,77 por ITP 10% (35 dias).

22.Em virtude das lesões sofridas o autor ficou a padecer de uma IPP de 8,25%.

23.O autor gastou a importância de €273,75 relativos a despesas de transporte, com as suas deslocações obrigatórias ao Gabinete Médico Legal da Covilhã e a este Tribunal.

24.A apólice em causa dispõe de um histórico com 19 actas.

25. Da acta n.º 14 apenas constava como trabalhador do co-Réu o senhor ..., válida desde 1/01/2017 a 11/09/2017.

26. O réu P... solicitou à R. seguradora, na pessoa do mediador, a inclusão do autor na apólice aludida, em dia não concretamente apurado do mês de Setembro de 2017, mas certamente antes do dia 11 desse mesmo mês.

27. Por via da acta n.º 15 foi incluído o Sr. J... no quadro de pessoal do co-Réu, no dia 11 de Setembro de 2017.

28. O mediador ... enviou uma comunicação de correio electrónico às 15 horas e 14 minutos do dia 11 de Setembro de 2017 a S... da “Z...”, solicitando a inclusão do A. no âmbito da apólice de seguro referida.

Factos não provados:

Além dos que resultam logicamente excluídos da matéria de facto provada, das alegações conclusivas ou jurídicas e da factualidade não relevante, de acordo com as várias soluções jurídicas plausíveis, não se provaram os seguintes factos”:

A. O acidente ocorreu às 10h00m.

B. Foi sempre afiançado e garantido pela R. Seguradora/Mediador, Mediador/R. Seguradora, que tal trabalhador teria seguro válido, com a inclusão deste na apólice, no dia 11/9/2017.

C. A alteração referida em 27 alteração foi efetuada depois das 15 horas e 14 minutos.

V - Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões as questões a decidir:

1. Se a matéria de facto deve ser alterada.

2. Se o acidente se encontra coberto pelas garantias emergentes do contrato de seguro celebrado entre os réus.

Da alteração da matéria de facto:

...

Da cobertura do seguro:

O tribunal a quo entendeu que o contrato de seguro cobre o sinistro argumentando que “constando da apólice data de 11/09/2017, que corresponde à data da ocorrência do sinistro, terá que se considerar abrangido pelo contrato; inexistindo qualquer ressalva horária, sendo ónus da companhia de seguros fazer constar na apólice a hora de inicio a produção de efeitos (ou alterações contratuais) como dispõe o artigo 37º n.º 2 i) do Decreto Lei 72/2008, para acautelar situações anteriores ao preciso momento (hora) da alteração contratual. Não o tendo feito, terá que se considerar toda a janela horária de 24 horas que abarca o dia em questão, ou seja, o dia 11/09/2017, com inicio às 00h00m e final às 24h00. Tendo o autor J... sofrido o acidente de trabalho no dia 11 de Setembro de 2017 entre as 8h30 e as 8h40 da manhã, está o sinistro, naturalmente, abrangido por aquela janela temporal e deve ser abrangido pela apólice em causa.

Do facto 28. apenas decorre que foi enviada uma mensagem de correio electrónico naquela data e àquela hora, com aquele conteúdo e com os interlocutores identificados, não podendo dali retirar-se que a ré, companhia de seguros, apenas assume responsabilidade por sinistros ocorridos após a hora da comunicação em causa.

Até porque tal comunicação telemática, diz-nos a experiência, costuma visar formalizar situações já comunicadas anteriormente por outra via, v.g. contato pessoal ou telefónico. Até porque, na própria ata n.º 15 foi, por via da qual, incluído o Sr. J... no quadro de pessoal do co-Réu, no dia 11 de Setembro de 2017, também sem qualquer menção de limitação ou determinação horária.

Deve assim a companhia de seguros responder até ao montante do vencimento para si transferido”.

Não acompanhamos este enquadramento pelas razões que a seguir se apresentam.

Dispõe a cláusula 32ª da apólice uniforme de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem anexa à Portaria 256/2011 de 05/07 que “1  nenhum mediador de seguros se presume autorizado a, em nome do segurador, celebrar ou extinguir contratos de seguro, a contrair ou alterar as obrigações deles emergentes ou a validar declarações adicionais, salvo o disposto nos números seguintes. 2 - Pode celebrar contratos de seguro, contrair ou alterar as obrigações deles emergentes ou validar declarações adicionais, em nome do segurador, o mediador de seguros ao qual o segurador tenha conferido, por escrito, os necessários poderes. 3 - Não obstante a carência de poderes específicos para o efeito da parte do mediador de seguros, o seguro considera-se eficaz quando existam razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro”.

Por seu turno rege o DL 72/08, de 16/04 (regime jurídico do contrato de seguro):

Artigo 2º (Regimes especiais)As normas estabelecidas no presente regime aplicam -se aos contratos de seguro com regimes especiais constantes de outros diplomas, desde que não sejam incompatíveis com esses regimes”.

Artigo 30º (Representação aparente) 1 - O contrato de seguro que o mediador de seguros, agindo em nome do segurador, celebre sem poderes específicos para o efeito é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado, sem prejuízo do disposto no n.º 3. 2 - Considera -se o contrato de seguro ratificado se o segurador, logo que tenha conhecimento da sua celebração e do conteúdo do mesmo, não manifestar ao tomador do seguro de boa fé, no prazo de cinco dias a contar daquele conhecimento, a respectiva oposição. 3 - O contrato de seguro que o mediador de seguros, agindo em nome do segurador, celebre sem poderes específicos para o efeito é eficaz em relação a este se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador de seguros, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro.

Artigo 31º (Comunicações através de mediador de seguros) 1 - (…);. 2 - Quando o mediador de seguros actue em nome e com poderes de representação do segurador, os mesmos actos realizados pelo tomador do seguro, ou a ele dirigidos pelo mediador, produzem efeitos relativamente ao segurador como se fossem por si ou perante si directamente realizado”.

Deste quadro normativo resulta que a celebração, alteração ou a validação de declarações adicionais do contrato de seguro através de mediador têm regimes e consequências jurídicas diferentes consoante o mediador tenha ou não poderes específicos ou poderes de representação para o efeito.

Ora, da matéria de facto provada não consta que ao mediador onde foi apresentada a declaração de inclusão na apólice do trabalhador sinistrado lhe tivesse sido atribuído poderes de representação, nem esta atribuição se presume.

Estes poderes devem, nos termos da lei, ser conferidos por escrito (artº 32º da apólice uniforme acima transcrito) e não consta da matéria de facto nem de qualquer documento junto aos autos que essa atribuição de poderes tenha sido atribuída.

A conclusão a retirar é a de que, por si só, a simples solicitação ao mediador da inclusão do nome do sinistrado na apólice de seguro, não tem como efeito que aquele fique a coberto das garantias emergentes do contrato de seguro.

Aliás, sendo a declaração de inclusão uma declaração receptícia, esta declaração só ganharia eficácia com a recepção pela seguradora (artº 224º do CC).

Ora, no caso, o acidente ocorreu no dia 11.09.2017 pelas 8h30m e as 8h40m e o mediador ... apenas enviou a comunicação de inclusão através de correio electrónico às 15 horas e 14 minutos desse mesmo dia a S... da “Z...”, solicitando a inclusão do A. no âmbito da apólice de seguro referida, ou seja, a comunicação à seguradora requerendo a inclusão do sinistrado no âmbito do seguro apenas foi feita após o acidente ter ocorrido.

Queremos com isto dizer que, relativamente ao sinistrado, a responsabilidade infortunística não se encontrava transferida para a seguradora à data do acidente, ou seja, o sinistrado, à data do acidente, não constava das pessoas cujos nomes e salários foram previamente comunicados à companhia de seguros e, por isso, o sinistrado não pode estar abrangido pela cobertura do seguro.

A não ser que se verifique no caso uma situação de representação aparente (cfr. nº 3 da Clª 32º da apólice uniforme e nº 3 do artº 30º do DL 72/08).

Nesta representação, lê-se no Ac. do STJ proferido no processo 4739/03.0TVL.SB.L2.S1, consultável em www.dgsi.pt/jstj[1] “um sujeito (segurador) admite, repetidamente, que outrem (mediador) pratique actos como seu representante.

MENEZES CORDEIRO (Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, Almedina, Coimbra, 2005, p. 103) entende que, na representação tolerada, não há procuração nem os poderes de representação resultam, directamente, de um dado contrato (p. ex., contrato de trabalho, art.º 111.º, n.º 3, do Código do Trabalho), pois trata-se «apenas de um esquema de tutela, por força da confiança, imputada ao "representado", suscitada pela conduta do "representante”»; mas MOTA PINTO (Teoria Geral de Direito Civil, 4.º ed. Revista por PINTO MONTEIRO e PAULO MOTA PINTO, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 551) entende que se «o representado tolera a conduta, dele conhecida, do representante, e essa tolerância, segundo a boa-fé e considerando os usos do tráfico, pode ser interpretada pela contraparte no negócio no sentido de que o representante recebeu procuração do representado para agir por ele», então foram conferidos poderes de representação.

(…)

No caso de representação aparente, segundo MOTA PINTO, (Teoria Geral de Direito Civil, cit, p. 551) «o representado não conhecia a conduta do representante, mas com o devido cuidado teria podido conhecer e impedir», por outro lado, «a contraparte podia de acordo com a boa-fé compreender a conduta do representante no sentido de que ela não poderia ter ficado escondida do representado com a diligência devida, e que este, portanto, a tolera». A este propósito, MENEZES CORDEIRO (Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, cit, pp.  REPRESENTAÇÃO APARENTE NO ÂMBITO DA MEDIAÇÃO DE SEGUROS 39 103 e 106) explica que a procuração aparente assenta num dado objectivo (alguém actua como representante) e num dado subjectivo (negligência do "representado"), esclarecendo que tem particular relevo no domínio do Direito comercial, justificada na tutela do dano de confiança do terceiro de boa-fé.

Em caso de representação aparente, ainda que se entenda que o acto não produz efeitos na esfera jurídica do representado (segurador), este seria, sempre, responsável, perante o terceiro lesado (tomador do seguro), pelo acto do representante aparente (mediador).

(…)

A representação aparente assenta na verificação de determinados pressupostos.

Adaptando o disposto no art.º 23.º do regime da agência à mediação de seguros, dir-se-á que haverá representação aparente se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, a justificar a confiança do tomador de boa-fé, na legitimidade do mediador de seguros, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar essa confiança do tomador”.

Esta jurisprudência mantém plena validade em face do que preceitua a Clª 32ª da apólice uniforme e o artº 30º do regime jurídico do contrato de seguro.

Assim, nos termos legais, para que a representação aparente se verifique é necessário que existam razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro.

Nenhumas razões se vislumbram para não considerar o tomador como estando de boa fé quando, antes do acidente, solicitou ao mediador a inclusão do nome do sinistrado, sendo perfeitamente admissível e razoável, em face da materialidade provada, que estivesse plenamente convencido que com o pedido feito ao mediador de inclusão do nome do sinistrado na apólice, a sua responsabilidade infortunística ficava validamente transferida relativamente a esse mesmo sinistrado.

Com efeito provou-se que:

- Ao longo do período de vigência do contrato, foram incluídos os nomes de diversos trabalhadores e excluídos os nomes de outros da respectiva apólice, conforme solicitado pelo segurado.

- Desde 2015 é com a Z..., R. seguradora nos presentes autos, que vai celebrando contratos de seguro.

- Sempre através de um representante desta, ..., que se apresenta como mediador da Z..., portador de número de agência ...

- Representante que desde a data referida e actuando por conta dos interesses da Z..., foi sendo quem angariou, fez propostas de seguro, celebrou, submeteu, cobrou recibos e geriu todas as apólices de seguro que tinha em carteira com a R. patronal.

Neste quadro entendemos que existem razões ponderosas que, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, justificam a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador de seguros.

Aliás, é da experiência comum que a maioria das pessoas, quando contrata um seguro junto de um mediador, o faz convencida de que o contrato produz logo os seus efeitos v. g. mesmo quando apenas assinam uma simples proposta. Quem “dá a cara” na contratação é o mediador e os tomadores, leigos na matéria, confiam normal e naturalmente na legitimidade deste para poder vincular a seguradora.

Mas para que a representação aparente opere é também necessário, nos termos da norma acima transcrita, que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro.

E da matéria de facto provada, salvo melhor opinião, não se pode extrair esta conclusão pois da materialidade provada não se extrai que a seguradora tenha adoptado qualquer comportamento perante o mediador susceptível de fazer criar no tomador essa confiança.

Inexiste qualquer conduta ou comportamento por parte da seguradora que pudesse ser interpretada ou induzir os tomadores no sentido de que o mediador tinha recebido poderes de representação por parte da seguradora para agir por ela e em nome dela.

Por isso, à míngua de quaisquer outros elementos factuais, não pode aqui operar a representação aparente, pelo que à data do acidente não havia transferência de responsabilidade infortunística para a seguradora.

Por todo o exposto entendemos que o contrato de seguro não dá cobertura ao sinistro pelo que a obrigação da reparação infortunística recai, por inteiro, no tomador do seguro (artº 7º da Lei 98/2009, de 04/09), procedendo o recurso da seguradora e bem assim o recurso subordinado.

VI – Termos em que, julgando-se procedente a apelação e bem assim o recurso subordinado, na revogação da sentença impugnada, se decide:

1. Declarar que o acidente que vitimou o autor J... no dia 11/09/2017 é de trabalho:

2. Fixa-se em 8,25% o coeficiente global de incapacidade do sinistrado;

3. Condena-se o empregador P... a pagar ao sinistrado a pensão anual no montante €530,69 (quinhentos e trinta euros e sessenta e nove cêntimos) com efeitos a partir do dia seguinte ao da alta acrescida de juros, à taxa legal de 4%, contabilizados desde a data da alta até integral pagamento.

4. Condena-se a entidade empregadora a pagar ao sinistrado, o montante de € 273,75 (duzentos e setenta e três euros e setenta e cinco cêntimos) a título de despesas de transporte.

5. Condena-se a entidade empregadora a pagar ao sinistrado uma indemnização devida pelo período de ITA e ITP de que esteve afectado no montante global de €344,57 (trezentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos)

6. Quantias a que acrescem juros, desde o vencimento até integral e efectivo pagamento, à taxa legal de 4%

Custas a cargo do apelado P...


Coimbra, 11 de Setembro de 2020

(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Jorge Manuel da Silva Loureiro)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto) 

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[1]Com anotação do Profº Pedro Romano Martinez, consultável em http://recil.grupolusofona.pt/bitstream/handle/10437/6398/jurismat5_27-61.pdf?sequence=1