Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3689/21.3T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: NULIDADE DECORRENTE DA PRETERIÇÃO DA AUDIÊNCIA PRÉVIA
CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
CESSAÇÃO DO CONTRATO POR VERIFICAÇÃO DE CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA
CONTRATO CONDICIONADO À CONCESSÃO DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO
Data do Acordão: 01/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 547.º, 3, 591.º, 592.º E 593.º, DO CPC
ARTIGOS 236.º, 238.º, 270.º, 405.º, 410.º, 762.º, 763.º, 801.º E 808.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I- O NCPC passou a dispor, como regra, a obrigatoriedade da realização de audiência prévia, nomeadamente quando o juiz “tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa” (artº 591 nº1 b) do C.P.C.).

II-O juiz pode dispensar a audiência prévia nas acções que hajam de prosseguir e nas quais, a realizar-se, a audiência prévia só tivesse por objecto as finalidades indicadas nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º do C.P.C.

III-Para além destes casos tipificados na lei, é ainda possível, por aplicação do princípio da adequação formal contido nos artºs 6 e 547 do C.P.C., a dispensa da audiência prévia, naqueles casos em que, sendo possível a decisão de mérito, as questões a decidir tenham sido já objecto de discussão nos articulados, desde que precedida de prévia consulta das partes, por exigência do princípio do contraditório, previsto no artº 3º, nº 3, do CPC.

IV-Não existindo oposição das partes à dispensa de audiência prévia, podem as alegações orais que nele se haveriam de produzir, ser substituídas por alegações escritas.

V-É lícito estabelecer em contratos promessa de compra e venda de imóvel, clausulas acessórias (previstas artº 270 do C.C.), ao abrigo do princípio da autonomia privada (contido no artº 405 do C.C.) mediante as quais a vigência do contrato ou a produção dos seus efeitos, fica dependente de um facto futuro e incerto (condição).

VI-A condição diz-se suspensiva quando os efeitos do contrato ficam suspensos até à verificação desse facto futuro e incerto.

VII-A condição diz-se resolutiva, quando a verificação do facto futuro e incerto, determina a eliminação dos efeitos do contrato, retroactivamente, com a consequente restituição do que tiver sido prestado.

VIII- A estipulação de uma clausula segundo a qual a não concessão de empréstimo bancário em condições que os promitentes compradores aceitassem, determinaria a imediata cessação do contrato, constitui condição resolutiva expressa, a qual determina a imediata destruição da relação contratual assim que o facto futuro e incerto se verifica, independentemente de qualquer comunicação, impossibilitando a sua posterior resolução por qualquer das partes.

IX-Nestes termos, a estipulação de prazo para a comunicação da verificação da condição resolutiva ao promitente vendedor, integra-se nos deveres acessórios impostos à parte a quem incumbe diligenciar pelo empréstimo bancário (promitentes compradores), cujo incumprimento, não determina a não verificação da condição, mas antes constitui incumprimento de um dever acessório constante deste contrato, com eventual obrigação de indemnização dos prejuízos sofridos pela contraparte pela mora na comunicação da condição.

Decisão Texto Integral:
Relatora: Cristina Neves
1.ª Adjunta: Teresa Albuquerque
2.ª Adjunto: Falcão de Magalhães

Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


RELATÓRIO

BB, CC e DD, intentaram acção declarativa, sob a forma única de processo comum, contra AA, peticionando a restituição, pelo R., das quantias entregues a título de sinal e antecipação de preço de imóvel, no montante de € 40.000, acrescido dos juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento a serem contabilizados após a citação do R.

Para o efeito alegam que celebraram com o R. contrato promessa de compra e venda de imóvel, sujeito à obtenção de empréstimo por parte dos AA., que o não conseguiram, facto que comunicaram ao R. que se recusa a devolver esta quantia.

 


*

Regularmente citado, veio o réu alegar, em suma, o incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda por parte dos AA., promitentes compradores, que não lhe comunicaram no prazo de 10 dias previsto no contrato, a não aprovação do crédito, manifestando após contacto telefónico o seu desinteresse na aquisição do imóvel, razão pela qual designou escritura pública de compra e venda, advertindo os AA. que perderia o interesse na celebração do contrato, se não comparecessem, solicitando assim em reconvenção que sejam declarado definitivamente incumprido este contrato e seja decretada a perda do sinal entregue pelos AA.

 


*

Findos os articulados, foi proferido despacho, em 04/05/2022, pelo tribunal recorrido, nos seguintes termos:

Considera-se desnecessária a realização de audiência prévia, até para evitar deslocações desnecessárias de intervenientes processuais, dispensando-se a realização da mesma para efeitos do disposto no art. 593.º, n.º 1, do CPC, a não ser que alguma das partes, no prazo de 10 dias, invoque algum motivo atendível para a sua realização.

Notifique.”


*

As partes nada vieram requerer, pelo que em 09/06/2022, foi proferido novo despacho com o seguinte teor:

Através de uma análise meramente perfunctória parece-nos ser possível desde já conhecer do mérito da causa, por isso, para evitar decisões surpresa, concede-se o prazo de 10 dias, para as partes, querendo, alegarem o que tiverem por conveniente a esse propósito – cfr. art. 3.º, n.º 3, do CPC.

Notifique.


***

Mais uma vez, nada dizendo as partes, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção procedente, se condenou o R. no pedido e se julgou a reconvenção improcedente e se absolveram os AA. dos pedidos formulados pelo R, absolvendo igualmente AA. e R. dos pedidos de condenação por litigantes de má fé.

*


Não conformado com esta decisão, impetrou o R. recurso da mesma relativamente à matéria de direito, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“a) Os presentes autos tiveram início com a entrada em juízo, no dia 12.10.2021 de uma acção de processo comum. Tal acção era consequência da celebração de um contrato promessa compra e venda, celebrado em 21 de Dezembro de 2020, em que o R. prometia vender pelo preço de 178 500,00€, a fração autónoma descrita nos autos. Na sequência da celebração do contrato foram entregues ao R. 40 000,00€ a título de sinal. O negócio definitivo nunca se chegou a celebrar. A acção recai assim sobre o conteúdo e interpretação das clausulas contratuais e a validade/invalidade da resolução do contrato-promessa e hipotética devolução do sinal que reside o dissidio. Em sede de petição inicial os AA. peticionaram que o R. fosse condenado no pagamento de 40 000,00€ acrescidos de juros até efectivo e integral pagamento. Tal pagamento corresponderia assim à restituição do sinal.

b) O R. contestou e apresentou reconvenção pedindo que o CPCV fosse considerado resolvido por incumprimento definitivo. Os AA. replicaram.

c) Após, o Tribunal a quo decidiu julgar a acção totalmente procedente e, em consequência, absolver os Autores do pedido formulado pelo Réu em sede de reconvenção.

d) Os elementos fornecidos pelo processo impõem claramente decisão diversa daquela que foi proferida nos autos.

e) Em 04.05.2022 foi proferido despacho com o seguinte conteúdo: Considera-se desnecessária a realização de audiência prévia, até para evitar deslocações desnecessárias de intervenientes processuais, dispensando-se a realização da mesma para efeitos do disposto no art. 593.º, n.º 1, do CPC, a não ser que alguma das partes, no prazo de 10 dias, invoque algum motivo atendível para a sua realização.

- Notifique’’

f) As partes não se pronunciaram pelo que em 26.05.2022 foi proferido novo despacho: Convido os Ilustres Mandatários a remeterem os articulados em “Word” editável, no prazo de 10 dias, para o email que a Secção indicará – cfr. artigos 6.º e 7.º, do CPC.

g) Em seguida, em 09.06.2022 foi proferido despacho com o seguinte conteúdo:

Através de uma análise meramente perfunctória parece-nos ser possível desde já conhecer do mérito da causa, por isso, para evitar decisões surpresa, concede-se o prazo de 10 dias, para as partes, querendo, alegarem o que tiverem por conveniente a esse propósito – cfr. art. 3.º, n.º 3, do CPC.

h) Posteriormente em 11.07.2022 foi então proferida a sentença da qual ora se recorre.

i) Teremos que analisar, desde logo o art. 593º nº 1 do CPC que nos remete para o art. 591º do CPC. Após a transcrição de todos os despachos posteriores aos articulados, bem como os normativos que são aplicáveis à fase processual em causa, ressaltam três falhas processuais:

-Ausência de audiência prévia;

-Ausência de alegações.

- Ausência de audiência de julgamento;

j) Em sede de sentença pode ler-se que as partes foram notificadas nos termos e para os efeitos do art. 591 nº 1 al. b) do CPC. Ora, apenas por lapso manifesto tal pode constar da sentença. A esse respeito, e onde certamente foi criada a confusão no julgador, transcrevemos supra o despacho de 09.06.2022. As partes não foram notificadas para apresentar alegações nos termos do art. 591º do CPC. Foram sim notificadas para se pronunciarem nos termos do art. 3º nº 3 do CPC, quanto ao facto do tribunal entender que estava em condições de conhecer do mérito da causa. As partes não foram notificadas para alegações nos termos do art. 591º do CPC. E não podemos deixar de evidenciar que existe um despacho prévio que ‘’prescinde’’ da realização da audiência prévia e bem sabemos que as alegações de facto e direito previstas no art. 591º do CPC ocorrem durante a audiência prévia. Ora se tal audiência prévia foi dispensada não pode assim ocorrer um acto que lhe é próprio sem que a mesma tenha lugar.

k) Dos despachos transcritos resulta que embora fosse dispensada a audiência prévia, sempre haveria de ocorrer audiência de julgamento com os atos que lhe são próprios.

l) Aliás, existe diversa jurisprudência que esclarece que as alegações de facto e direito previstas no art. 591º do CPC têm de ser orais, pois de outro modo era ter um entendimento completamente desviante do ali preceituado.

a) Assim, andou mal o Tribunal a quo ao proferir sentença e entender pela desnecessidade de realização de julgamento, ou qualquer outra diligência, nomeadamente a audiência prévia.

b) Terminada a fase dos articulados, as partes foram notificadas da sentença, proferida no âmbito do artigo 547º e 595ºnº 1 al.b) do CPC.

c) O artigo 591º nº al. b) e d) do CPC fixa as finalidades da audiência prévia. Desse artigo retira-se que a regra é a da realização da audiência prévia, podendo esta ser dispensada apenas nas situações previstas no artigo 592º do CPC, ou seja, quando há revelia ou quando proceda exceção dilatória, já debatida nos articulados. Nenhuma dessas situações se aplica ao caso dos autos. Além das situações previstas no artigo 592º do CPC, a audiência prévia pode também ser dispensada nos casos em que o processo deva prosseguir, não se ‘’perecendo’’ em sede de saneador sentença, e a audiência se destinasse apenas para determinar a adequação formal, identificar o objecto do litigio e a enunciar os temas da prova. O mesmo vale por dizer que não havendo revelia, considerando o valor da acção, e se o juiz entender/ponderar que pode proferir decisão de mérito da causa, o juiz deve convocar sempre audiência prévia destinada à discussão de facto e de direito pelas partes. No campo das hipóteses, a discussão pelas partes, em diligência própria, poderá confirmar ou invalidar a existência dos pressupostos para conhecimento imediato do mérito da causa.

d) No caso dos autos nenhuma audiência prévia foi convocada e não foi dada oportunidade às partes de alegarem de facto e de direito. No sentido da interpretação acima já se pronunciou o Tribunal da Relação de Évora em 10 de Maio de 2018, 10 de Outubro de 2019 e da Relação de Guimarães em 17 de Janeiro de 2019.Acresce que quer com a petição inicial, quer com a contestação dos ora recorrentes, foi indicada prova testemunhal, naturalmente, para as partes fazerem prova do alegado em sede de articulados e por entenderem ser essencial para a boa decisão, configurando também uma manifestação expressa de interesse na realização dessa audiência.

e) Acresce que as partes não foram notificadas, posteriormente à fase dos articulados, para se pronunciarem sobre a dispensa de audiência de julgamento. Quer-se com isto dizer que a decisão proferida comporta ainda uma violação do exercício do contraditório, pelo que entende o R. que a sentença a proferir apenas podia sê-lo depois da audiência de julgamento. A não ser assim era essencial a existência de diligência para as partes discutirem de facto e de direito, a audiência prévia.

f) Estamos perante uma nulidade que comporta a omissão de uma diligência obrigatória nos termos da lei e que pode influenciar a decisão final. Por outras palavras, e voltando à questão central, da lei resulta que não pode ser proferida sentença, nos termos em que foi nos presentes autos, sem que previamente tenha sido possibilitada às partes, que deviam ser convocadas para diligência própria, a discussão de facto e de direito. E mais, o próprio artigo 593º refere que apenas quando a causa houver de prosseguir (para audiência de discussão e julgamento) pode haver dispensa de audiência prévia. Por outras palavras, pode ocorrer dispensa de audiência prévia quando vier a ocorrer audiência de julgamento. Ou, em alternativa, ocorre audiência prévia para facultar as partes a discussão da causa e seguidamente o julgador profere saneador sentença. O código de processo civil não prevê a possibilidade de ser proferida sentença sem audiência prévia, sem audiência de julgamento e ainda sem alegações, sejam elas finais ou nos termos do 591ºnº1 al.c) do CPC.

g) Foi, pois, cometida uma nulidade, traduzida na prolação de decisão final de mérito sem facultar às partes a produção de todos os meios de defesa e sem possibilitar as partes alegações, pelo que se requer a V. Exas se que ordene a revogação da sentença, e consequentemente a anulação do demais processado, e que determine a realização de audiência prévia, ou caso assim não se entenda, de audiência de julgamento. Devendo, em consequência, anular a decisão proferida pela primeira instância

Caso assim não se entenda,

h) No caso dos autos o dissidio incide na celebração de um contrato de promessa e na interpretação das suas cláusulas e da lei. Desde logo importa fixar que o contrato-promessa se traduz no emitir de declarações de vontade negocial coincidentes com o clausulado no contrato prometido. A celebração do contrato prometido (futuro) é que conclui verdadeira e definitivamente o negócio.

i) Até ao negócio estar concluído, a vontade das partes está sujeita ao contrato promessa e ainda as disposições legalmente aplicáveis, como não poderia deixar de ser. A este respeito importa assim analisar a cláusula sétima do CPCV.

j) As partes estão assim subordinadas ao clausulado daquela convenção negocial. Não obstante de ficarem igualmente subordinadas ao que se encontra fixado na lei, nomeadamente no Código Civil, em tudo o que não se encontrar contratualmente definido.

k) O incumprimento do contrato promessa é regido pelos preceitos de carácter geral dos artigos 790º e seguintes do Código Civil, em virtude da equiparação estabelecida pelo n.º1 do artigo 410º, relativamente ao contrato prometido - no caso, a compra e venda. O que conduz à aplicação do o artigo 808º do CC.

l) A aplicação desta regra geral dos contratos à promessa, para além de corresponder - insista-se - ao que dispõe o indicado n.º1 do artigo 410º, aplica-se ao caso dos autos. A verdade é que o contrato em analise está igualmente dependente de uma certa flexibilidade relacionada com a aquisição de empréstimo. Com a aplicação da regra geral em questão, evita-se o "efeito choque" da resolução automática, em situações em que o prazo, considerando a sua natureza, o conteúdo e a finalidade do contrato e demais circunstâncias particulares em que este se originou e desenvolveu, não lhe conferem um carácter rigorosamente fixo (ou essencial), nem constitui, para qualquer das partes, pura condição resolutiva automática.

m) Voltando aos factos relevantes para elucidar a questão em causa:

A.e R. celebraram contrato promessa de compra e venda em 21.12.2020.

Por conta do contrato promessa de compra e venda os Autores entregaram ao Réu o montante de €40.000,00 (quarenta mil euros), nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 da Cláusula Terceira do contrato promessa. Em 29 de Março de 2021 foi comunicado aos Autores pelo Banco 1... a não aprovação do pedido de empréstimo efetuado (doc. ... P.I.)

n) Quanto à aprovação devemos ler e interpretar o que nos diz a cláusula 4º do CPCV. Nos termos do preceituado no nº 5 da dita cláusula quarta, no caso do empréstimo bancário não ser concedido, acordaram as partes que os AA. ficavam obrigados a comunicar ao R., no prazo máximo de 10 dias, a contar do conhecimento dos factos, configurando uma condição resolutiva,. Posto isto, dispunham os A. até 08 de Abril de 2021 para comunicarem a recusa do empréstimo. Todavia, não o fizeram no prazo acordado entre as partes e o qual tinham obrigação de conhecer e respeitar.

o) Não o fazendo em desrespeito do previsto no fixado na já transcrita cláusula 4ª, nomeadamente incumprindo o prazo para comunicar a informação do Banco a recusar a concessão do empréstimo. Extrapolando aquele prazo de 10 dias, não mais pode operar o ali previsto quanto à devolução do sinal em singelo. Pelo contrário, terá naturalmente de operar o previsto no Código Civil, que infra analisaremos.

p) Mais alegando os autores que em 21 de Maio de 2021, endereçaram uma carta ao Réu, registada com aviso de recepção, informando-o da não concessão do empréstimo solicitado, mas que mantinham a pretensão em adquirir a fração objecto do contrato promessa e desse modo, estavam a tentar junto da Banco 2... a obtenção do crédito solicitado, pedindo um pouco mais de paciência (doc. ... P.I.) [17.º P.I.].

q) Interpretando o clausulado, não resulta que os R. tivessem que esperar que os A. esgotassem todas as entidades bancárias com pedidos de financiamento recusados para então fazer operar a devolução do sinal em singelo. Resulta das cláusulas que após um primeiro pedido de crédito teriam os promitentes compradores que comunicar o resultado emitido pela entidade bancária no prazo de 10 dias. Se fosse necessário recorrer a qualquer outra entidade bancária deveriam os A. chegar à fala com o R. no sentido de celebrarem uma adenda ao contrato que previsse esse segundo pedido de empréstimo, nos termos acordados no nº 2 da Clausula 7ª. Tal carta não foi recepcionada pelo que dela nenhum efeito para a discussão dos autos se pode extrair. Quanto à esta comunicação, desde logo é possível verificar que consta do talão CTT que a mesma foi devolvida por endereço insuficiente. Ora, o R. não pode ser culpabilizado por tal devolução.

r) Em 21 de maio de 2021 o Réu enviou ao 1.º Autor e à 2.ª Autora, que a receberam dias depois, uma interpelação a informar que se encontrava marcada a escritura pública d compra e venda para o dia 21 de Junho de 2021 pelas 10h no Cartório Notarial ..., sito no condomínio fechado ..., ..., ... ... (doc. ... e ....I.) [19.º P.I. e 22 Cont./Reconv.].Conferindo assim um prazo de 1 mês entre a expedição da carta e a celebração da escritura.

s) Na mesma missiva, o Réu informou os Autores que em caso de falta de comparência, o mesmo perderia definitivamente o interesse no negócio, pelo que consideraria definitivamente incumprido o contrato promessa (doc. ... e ....I.) [23.º Cont./Reconv.].Os Autores não compareceram na escritura (doc. da Cont./Reconv.) [24.º Cont./Reconv.].

t) Em 23 de Junho de 2021, os Autores foram informados pela Banco 2... que não havia sido possível considerar favoravelmente o pedido de concessão de crédito solicitado (doc. ... P.I.) [22.º P.I.]. Em 24 de Junho de 2021, os Autores em cumprimento tardio e ineficaz dos números 5, 6 e 7, da cláusula quarta do contrato promessa, remeteram ao Réu carta registada com aviso de recepção, com essa informação, solicitando a devolução do sinal.

u) R. não devolveu o valor do sinal, tendo os A. , inconformados, intentado a presente acção.

v) Do contrato-promessa celebrado entre as partes nasce uma obrigação de prestação de facto positivo. O devedor cumpre a sua obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, de boa fé, concretizando/cumprindo o negócio definitivo conforme previsto no contrato prometido(cfr. art. 406º e 762.º, do Código Civil).

w) À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são desde logo aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, conforme dispõe o n.º1 do artigo 410 do Código Civil. Destacando-se do regime do contrato definito na parte que lhe é especifica, o sinal.

x) Quando se verifique uma situação de incumprimento imputável a quem prestou o sinal, permite a lei que aquele que o recebeu o faça seu– cfr. artigos 441.º e 442.º, n.º 2 do Código Civil.

y) Como bem refere a sentença, a resolução do contrato-promessa corresponde a um direito potestativo que pode ocorrer por uma das seguintes: ser declarada em face da verificação de uma cláusula resolutiva expressa (art. 432º, nº 1, do CC), da verificação de uma situação mora que, por si, revele a falta de interesse objectivo na conclusão do contrato definitivo (art. 808º, nº 2) ou do decurso de um prazo razoável que tenha sido concedido à contraparte para cumprir (art. 808º, nº 1).

z) A cláusula resolutiva expressa, pelo seu teor ou contexto em que é inserida, deve apresentar-se com natureza taxativa ou peremptória, bem diversa de uma cláusula geral que identifique uma data final para a celebração do contrato definitivo.A este respeito devemos analisar a situação sobre a qual recai o Ac. Do STJ de 01.11.2017 no âmbito do processo 27768/15.7T8LSB.L1.S1:’’Não constitui uma cláusula resolutiva expressa com efeito resolutivo de um contrato-promessa de permuta de fracções autónomas celebrado em 15-5-15 a que nele foi inserida com o seguinte teor: “A escritura de permuta será celebrada até ao dia 15-8-15, desde que obtida toda a documentação considerada necessária, em data, hora e local a indicar pelos segundos outorgantes (ora RR.), por carta registada com aviso de recepção a expedir com a antecedência mínima de 10 dias úteis em relação à data marcada(…) Em tais circunstâncias, atingido o prazo referido sem que tivesse sido realizada a escritura pública de permuta, verifica-se uma situação de simples mora cuja transformação em incumprimento definitivo implicava a concessão por parte dos AA. de um prazo admonitório para a outorga do contrato definitivo.’’

aa) É este o entendimento que se deve aplicar ao caso dos autos, com as devidas e necessárias adaptações. Desde logo, a Cláusula 4ª reveste o mesmo carácter da analisada no acórdão parcialmente transcrito. É incontroverso que as partes aceitaram e acordaram o conteúdo do clausulado, assumindo que as mesmas manifestam a vontade das partes.

bb) É verdade, que as partes não convencionaram um prazo para a obtenção do crédito, mas convencionaram que o contrato definitivo estava dependente desse crédito e que as respostas obtidas pelos AA, relativamente as solicitações de crédito que viessem a efectuar, deveriam ser comunicadas, todas sem excepção, ao R. e deviam sê-lo no prazo de 10 dias após serem recepciondas/conhecidas pelos A.

cc) Resulta provado que já em 29 de março de 2021 os Autores tinham conhecimento da não aprovação do financiamento por parte do Banco 1... e, apesar disso, não informaram o Réu como estavam obrigados contratualmente, no prazo de 10 dias. Informação que chegou ao conhecimento do R. apenas de forma verbal e pelo mediador imobiliário. Tal mediador mais esclareceu que, de igual modo, os AA tinham perdido o interesse na celebração do contrato definitivo. Informação que deram verbalmente ao R.

dd) O R. ficava assim sujeito à boa-fé dos A. no que respeita à comunicação da concessão ou não do empréstimo bancário, por não dispor de meio que lhe permitisse indagar se já tinha sido iniciado ou não o processo de concessão de crédito e em que fase se encontrava, inclusivamente se tinha sido recusado. Sendo certo que aqueles últimos estavam contratualmente obrigados a comunicar sempre ao R. o resultado dessas suas diligências.

ee) Certo é que o A., por meio do mediador, veio a saber da não concessão de crédito, facto que se encontra provado nestes autos. E estando provado prova também o nascimento da obrigação de comunicar o resultado ao R. nos termos contratualmente fixados. Nos termos do preceituado no número 5 da dita cláusula quarta, no caso do empréstimo bancário não ser concedido, acordaram as partes os AA. deveriam comunicar ao R. tal facto no prazo máximo de 10 dias, a contar do conhecimento dos factos. Ou seja, até 08 de Abril de 2021, o que se provou não terem feito.

ff) Extrapolando aquele prazo de 10 dias, não mais pode operar o ali previsto quanto à devolução do sinal em singelo.

gg) O Contrato e as normas aplicáveis do Código Civil supra referidas foram erroneamente interpretados e, consequentemente, fez o Tribunal a quo uma deficiente aplicação do seu clausulado ao caso concreto. Contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, tal não significa que o R. ficaria indefinidamente à espera que os A. encontrassem uma instituição disposta a financiar a operação. Significa antes que os A. estavam sempre obrigados a comunicar o resultado de todos os pedidos que viessem a efectuar. O A. deveria comunicar ao R. o resultado de cada não aprovação.

hh) O contrato não dispõe de prazo para a conclusão do negócio, sendo certo que obriga os AA. a comunicar em 10 dias qualquer que fosse o resultado do pedido de financiamento que viessem a obter. Ficava apenas na sua liberdade onde recorrer ao crédito e em que data o fariam. Todavia, a partir do momento em que solicitassem crédito para financiar a obrigação contratual estavam obrigados a comunicar o resultado. E, em caso negativo, como foi, poderiam então lançar mão da resolução unilateral com devolução do sinal prestado, desde que cumprissem com o prazo de comunicação, o que não fizeram.

ii) Todos os factos que se seguem mais não são do que prova das faltas dos AA.

jj) Em 21 de maio de 2021 o Réu enviou ao 1.º Autor e à 2.ª Autora, uma interpelação a informar que se encontrava marcada a escritura pública de compra e venda para o dia 21 de Junho de 2021. Na mesma missiva, o Réu informou os Autores que em caso de falta de comparência, o mesmo perderia definitivamente o interesse no negócio, pelo que consideraria

definitivamente incumprido o contrato promessa (doc. ... e ....I.) [23.º Cont./Reconv.]. Decorrido mais de um mês, em 23 de Junho de 2021, os Autores foram informados pela Banco 2... que não havia sido possível considerar favoravelmente o pedido de concessão de crédito solicitado. E logo no dia 24 de Junho de 2021, os Autores, remeteram ao Réu carta registada com aviso de recepção, a informar o Réu de que, os créditos

solicitados não haviam sido deferidos pedindo a devolução do sinal.

kk) A este respeito refere o Tribunal a quo em sede de sentença que ‘’No entanto, apesar da aludida resposta negativa do Banco 1..., os Autores insistiram na sua pretensão solicitando empréstimo bancário junto de outra instituição de crédito, a Banco 2... – o que revela interesse e diligência dos Autores.’’

ll) Tal entendimento apenas revela uma quase inocência do Tribunal na análise dos factos que lhe são levados ao conhecimento. O que culmina numa interpretação errónea do CPCV. Não pode escapar ao crivo do Tribunal que tal não passou de uma manobra para tentar subverter o conteúdo do contrato. Resulta da experiência comum que apenas o fizeram após receberem a comunicação do R., tal é o lapso de tempo entre a recepção daquela comunicação e a informação da recusa do novo crédito. E logo se apressaram a comunicar a não aprovação por parte da instituição bancária. Manifestando pleno conhecimento do que estavam obrigados pelas Clausula 4ª.

mm) Mais uma vez, andou mal o Tribunal a quo quando entende que é ‘’irrelevante a alegação do Réu de que os Autores o informaram verbalmente que perderam interesse na celebração do contrato definitivo.’’ Incumbia ao Tribunal apreciar os factos no seu conjunto. Resulta óbvio que após a primeira resposta bancária os autores de facto perderam o interesse no imóvel, mas não tendo comunicado tal resposta negativa perderam o direito à resolução com esse fundamento e, consequentemente, à devolução do sinal. Tendo tomado essa consciência, tentaram subverter o sentido do clausulado e induzir o Tribunal. Facto que deveria servir para criar a convicção do Tribunal, pôr em prática a livre apreciação da prova e ainda para optar pela interpretação mais fiel à que lhe deram as partes no momento da celebração e que verteram na letra do contrato.

nn) Certo é que a condição se verificou, houve uma resposta ao pedido de crédito que não foi comunica ao R.

oo) O contrato-promessa não continha uma cláusula resolutiva expressa que permitisse ao R. a imediata declaração de resolução, tratando a indicação do prazo referido como prazo não essencial/não perentório, decorrente de uma cláusula genérica. A ultrapassagem de tal prazo de 10 dias, no contexto do presente contrato, revela uma situação de simples mora.

pp) O prazo que foi estabelecido era um prazo sério e que impunha a cada uma das partes um alto grau de zelo quanto à sua obediência, dentro das regras da boa fé. E foi exatamente movido pela Boa-fé que mais uma vez o R. deu cumprimento ao que prescreve a lei e não entendeu o contrato imediatamente resolvido, mas antes marcou a escritura tendo comunicado tal facto aos A. É entendimento corrente que, para operara a resolução, ter-se-á que converter a situação de mora em incumprimento definitivo, nos termos do art. 808º, nº 1, 2ª parte, do CC, por meio de fixação de um prazo admonitório razoável que possibilite à contraparte o cumprimento, sob pena de operar a resolução.O que verificou com a marcação da escritura. E note-se que entre a celebração do CPCV e a data agendada para escritura decorreram mais de 6 meses. E Mais, entre a recusa do primeiro Banco e a data agendada para a escritura decorreram quase 3 meses completos. E bem sabemos que em circunstâncias normais 3 meses é o prazo fixado entre a celebração do contrato promessa e o contrato definitivo.

qq) A conduta do R. revela um comportamento irrepreensível e em respeito pelos bons princípios, nomeadamente da boa fé, que devem nortear as negociações. Já a atuação dos AA. ao arrepio de tudo o que se encontra contratualizado, configura o incumprimento definitivo, nomeadamente por falta de comparência na escritura.

rr) Por outras palavras, deve notar-se que o incumprimento definitivo surge quando por força da não realização ou do atraso na prestação o credor perca o interesse objetivo nela ou quando, havendo mora, o devedor não cumpra no prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor – mas igualmente nos casos em que o devedor declara expressamente não pretender cumprir a prestação a que está adstrito, tal como sucedeu nos presentes autos. Quando tal ocorra, não se torna necessário que o credor lhe conceda um prazo suplementar para haver incumprimento definitivo: a declaração do devedor é suficiente! O incumprimento definitivo traduz-se inevitavelmente no falecimento do dever de prestar a obrigação principal.

ss) A resolução por incumprimento implica o chamado incumprimento definitivo (artº 801º, nº 1 do Código Civil).

tt) No art. 808º, nºs 1 e 2, do CC, prevê-se também a situação configurada nos autos.

uu) Foi fixado um prazo razoável para a celebração da escritura, tendo os AA optado por não comparecer. Tal configura, nos termos do art. 808º nº1 do CC o incumprimento da obrigação. Acresce que todos os factos trazidos aos autos, nomeadamente a não comunicação da negação do crédito, a procura de novo crédito após a receção de carta do R. e ainda a comunicação, ainda que verbal, pelos AA ao R., na perda do interesse no negócio configura também a perda de interesse objectivo. Factos que embora trazidos ao conhecimento do Tribunal não foram corretamente analisados e enquadrados na analise contratual.

vv) Todo o circunstancialismo aqui vertido leva a concluir apenas no sentido mais divergente da sentença: os AA não resolveram validamente o contrato promessa em 24 de Junho de 2021, pelo que deveria desde logo ter o Tribunal a quo absolvido o R. do pedido, e em consequência determinar a não devolução dos valores recebidos a titulo de sinal.

ww) Tal, leva-nos necessariamente ao pedido reconvencional que, em nosso entender, por tudo o que acima se referiu e provou, deveria conduzir à condenação dos AA.

xx) Deste modo, deve o CPCV ser considerado resolvido por incumprimento definitivo, como se pede, fazendo o R. suas todas as quantias que lhe foram entregues por conta do pagamento do sinal.

yy) Resulta de tudo quanto acima se referiu que a actuação dos A. deveria ter sido enquadrada no art. 542ºnº 2 do CPC, devendo os mesmos ser condenados como litigantes de má fé. Pelo que nesta parte andou mal o Tribunal a quo ao absolve-los.

TERMOS EM QUE, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, SENDO REVOGADA A SENTENÇA E A NULIDADE ARGUIDA SER CONSIDERADA PROCEDENTE POR PROVADA COM AS DEVIDAS CONSEQUENCIA LEGAIS. CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, SEM PRESCINDIR, DEVE O RÉU SER ABSOLVIDO, E OS AA CONDENADOS NOS TERMOS DA RECONVENÇÃO, DEVENDO O CPCV SER CONSIDERADO RESOLVIDO POR INCUMPRIMENTO DEFINITIVO, FAZENDO O R. SUAS TODAS AS QUANTIAS QUE LHE FORAM ENTREGUES POR CONTA DO PAGAMENTO DO SINAL, TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.

ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!”


*

Pelos AA. foram interpostas contra-alegações, delas resultando as seguintes conclusões:

“a) Tem vindo a fazer o seu curso a posição – doutrinária e jurisprudencial – de que o novo Código de Processo Civil, consagrou a obrigatoriedade de realização da audiência prévia nas acções de valor superior a metade da alçada da Relação; invocando-se para o efeito a afirmação constante do segundo parágrafo da exposição de motivos que acompanhou a correspondente proposta de lei segundo a qual com ela se visa a “consagração de novas regras de gestão e tramitação e de tramitação processual, nomeadamente a obrigatoriedade da realização da audiência preliminar tendo em vista a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

b) Não cremos, no entanto, que essa seja a posição mais acertada; nem, tão pouco, que seja ou fosse a visada pelo legislador.

c) Desde logo a citada afirmação da exposição de motivos da Proposta de Lei 113/XII é complementada mais adiante com outras afirmações com outra conotação: “a audiência prévia

é, por princípio, obrigatória porquanto só não se realizará nas acções não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante e nas acções que devam findar no despacho saneador pela improcedência de uma excepção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados” mas “numa perspectiva de flexibilidade, mas nunca descurando a assinalada visão participada do processo, prevê-se que o juiz, em certos casos, possa dispensar a realização da audiência prévia”.

d) Por outro lado as disposições normativas referentes à audiência prévia – designadamente os artigos 591º, 592º, 593º e 597º – não devem ser interpretadas isoladamente mas antes sistematicamente com os princípios estruturantes e conformadores do processo civil, em particular as garantias do processo equitativo (art.º 20º da Constituição), o princípio do contraditório (art.º 3º do CPC), o princípio do pedido e da auto-responsabilidade das partes (artigos 3º e 5º do CPC), o princípio da cooperação (art.º 7º do CPC), o princípio da economia processual e proibição da inutilidade (art.º 130º do CPC) e, ainda, os deveres de gestão processual e adequação formal (artigos 6º e 547º do CPC).

e) Nessa perspectiva afigura-se-nos a realização da audiência prévia não deve ser abordada numa dicotomia maniqueísta entre obrigatório ou facultativo, mas numa ponderação finalística: a realização da audiência prévia deve ter lugar sempre que for a forma mais adequada de realizar os fins por ela visados (e que ao legislador se afigura ser a situação mais frequente); na impossibilidade de alcançar esses fins ou se eles já tiverem sido alcançados de outra forma ou possam vir a ser mais adequadamente alcançados de outra forma a audiência prévia não deve realizar-se. Sendo que essa ponderação é deixada fundamentalmente (sem prejuízo de o legislador ter efectuado essa ponderação relativamente aos casos previsto no art.º 592º do CPC) ao juiz, no exercício do seu dever de gestão processual, numa estreita interacção com as partes, e que em última análise têm de ser convencidas do bem fundado da opção do juiz, pois que lhes assiste o direito potestativo de impor a realização daquela audiência (art.º 593º, nº 3, do CPC).

f) A realização da audiência prévia “é a regra. E, como sucede com qualquer regra, carece de ser interpretada, de modo a só ser seguida quando a actividade prescrita sirva os fins perseguidos pelo legislador”. Audiência prévia “faz parte da infraestrutura do processo comum de declaração, integrando a sua realização o modelo a seguir (preferencialmente) em cada processo individual. O juiz pode (e deve) afastar-se deste modelo, mas apenas quando tenha motivo (especial e concreto) bastante para tanto – tendo sempre as partes a última palavra (art.º 593º, nº 3). O legislador não quer que o juiz realize a audiência prévia, como um fim em si mesmo. Quer, sim, que realize a melhor gestão do processo, de modo a que, com base numa adequada preparação da instrução, se venha a obter uma decisão que possa constituir uma justa composição do litígio.

h) O novo CPC “consagrou a não obrigatoriedade da audiência prévia, prevendo a sua convocação por regra, admitindo, no entanto, que o juiz (…) a dispense, quando entenda existir solução processual alternativa mais adequada à satisfação dos fins previstos” no art.º 591º do CPC. “A audiência prévia é hoje um ato de gestão processual, concedendo-se a quem está em condições de compreender se é adequada ao caso concreto o poder de decidir da sua realização. Não se trata, no entanto, de aceitar um individualismo autocrático de juiz; trata-se de lhe conceder um elevado grau de autonomia na gestão do processo, numa permanente interacção com os advogados”.

i) Esta posição encontra, ainda, apoio no disposto no art.º 597º do CPC.

j) Em primeiro lugar porquanto nele se encontra a afirmação clara e inequívoca de que a ponderação acerca da necessidade da realização da audiência prévia é uma decisão levada a cabo no uso dos poderes de gestão e adequação processual (estabelecidos nos artigos 6º e 547º do CPC). E não faz sentido que o seja nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação e não seja nas demais; o simples aumento do valor não se nos afigura como elemento susceptível de alterar a natureza daquela decisão.

l) Por outro lado, não se nos afigura que o artigo em causa deva ser visto na já acima rejeitada dicotomia de estabelecer o carácter obrigatório ou facultativo da audiência prévia e, consequentemente, se deva dele extrair o estabelecimento do carácter facultativo da audiência prévia nesse tipo de acção. Em nossa opinião o corpo do artigo continua a impor ao juiz o mesmo tipo de actividade que impõe nas acções de valor superior à alçada da Relação: que usando dos seus poderes de gestão e adequação processual pondere qual o melhor meio de dar satisfação às finalidades (necessidades) elencadas no nº 1 do art.º 591º do CPC. Onde ele estabelece uma diferença de regime é no modo de exercício de tais poderes.

m) Enquanto nas acções de valor superior a metade da alçada da Relação o que é caso sub judice, o juízo de ponderação tem ser feito em interacção com as partes, que em última análise têm de ser convencidas do bem fundado da decisão do juiz (sendo-lhes atribuído o poder potestativo de impor a realização da audiência prévia), nas acções que não atinjam aquele valor são reduzidas as necessidades de interacção com as partes e os poderes destas na conformação do resultado (eliminando-se a possibilidade prevista no nº 3 do art.º 593º, do CPC), aproximando (se não equiparando) a actividade de ponderação do juiz nesse caso do ‘uso legal de um poder discricionário’ (na acepção do art.º 630º, nº 1, do CPC).

n) No concreto caso dos autos as partes foram notificadas do douto despacho de 4 de maio de 2022 do qual resultou “ Considera-se desnecessária a realização da audiência prévia até para evitar deslocações desnecessárias de intervenientes processuais, dispensando-se a realização da mesma para efeitos do disposto no art. 593.º n.º 1, do CPC, a não ser que alguma das partes, no prazo de 10 dias, invoque algum motivo atendível para a sua realização.

Notifique.”

o) Não tendo nenhuma das partes processuais pronunciado-se,

p) Em 9 de junho de 2022 foi proferido o seguinte despacho:

“ Através de uma análise meramente perfunctória parece-nos ser possível desde já conhecer do mérito da causa, por isso, para evitar decisões surpresa, concede-se o prazo de 10 dias, para as partes, querendo, alegarem o que tiverem por conveniente a esse propósito – cfr. Art. 3.º, n.º 3 CPC.”

q) Ou seja, o juízo de ponderação foi efectivamente feito em interacção com as partes, que em última análise deveriam e foram suficientemente convencidas do bem fundado da decisão do juiz (sendo-lhes atribuído o poder potestativo de impor a realização da audiência prévia), tendo as partes aceitado e conformado com o resultado porquanto sempre que confrontadas com os despachos acima transcritos optaram por nada dizer conformado-se então com o resultado que do silêncio adviesse.

r) É pois estranho que o Réu venha agora pretender, erradamente, invocar nulidades processuais.

s) O Contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato – cfr. art. 410.° n° 1 do Código Civil.

t) O objecto essencial do contrato promessa, o núcleo obrigacional caracterizador do contrato, traduz-se na assunção da obrigação das partes (de uma ou de ambas as partes) concluírem entre si no futuro, um determinado contrato prometido – este objecto é que o distingue de outros contratos e permite afirmar tratar-se de contrato-promessa.

u) E é pacífico na doutrina e na jurisprudência que no contrato-promessa têm de se identificar os elementos essenciais do negócio definitivo em causa, atento o princípio da equiparação a que se refere o disposto no art. 410.º nº 1 do CC.

v) E os elementos essenciais são a identidade dos sujeitos, a coisa a transmitir e o preço. No caso concreto em apreciação, como elementos essenciais, com relevância, temos os Autores na qualidade de promitentes compradores e o Réu na qualidade de promitente vendedor e o contrato definitivo consiste na celebração futura do contrato de compra e venda mediante certo preço.

x) As obrigações principais das partes (caracterizadoras do contrato) consistem precisamente na celebração futura do mencionado contrato definitivo entre os sujeitos referidos e pagamento do respetivo preço.

z) Deste modo, tendo em conta o teor das cláusulas estipuladas é incontroverso que o acordo celebrado entre as partes configura efectivamente um contrato-promessa bilateral de compra e venda, para efeitos do disposto no art. 410.º do Código Civil e o regime aplicável é essencialmente aquele que resulta das cláusulas do respectivo contrato, das regras gerais e especiais previstas no Código Civil, especialmente no âmbito da celebração de contratos, de contratos promessa e de cumprimento de obrigações, designadamente as previstas nos artigos 406.º nº 1 e 432º e ss. do Código Civil, bem como o regime legal do contrato definitivo, nos termos dos artigos 798.º 799º 801.º e 808º do mesmo diploma.

aa) Importa pois analisar o conteúdo do contrato-promessa cuja análise é essencial:

bb) O conteúdo do contrato promessa é precisamente aquele que consta das suas cláusulas, destacando-se que resulta expressamente da cláusula sétima do contrato promessa o seguinte:

cc) Nada foi convencionado entre os contratantes, direta ou indiretamente relacionado com a matéria do presente contrato, para além do que fica escrito nas suas cláusulas e considerandos.

dd) Quaisquer alterações a este contrato só serão válidas desde que convencionadas por escrito, com menção expressa de cada uma das cláusulas eliminadas e da redação que passa a ter cada uma das modificadas ou aditadas.».

ee) Posto isto, está assente que as obrigações decorrentes do contrato-promessa resultam apenas das cláusulas constantes do documento escrito junto aos autos pelos Autores e aceite pelo Réu.

ff) Esta questão é essencial, uma vez que para saber se as partes cumpriram as suas obrigações importa averiguar com precisão quais as obrigações que fazem parte do conteúdo do contrato-promessa a que as partes se vincularam e que constam das respectivas cláusulas.

gg) Deste modo, o conteúdo do contrato-promessa, ou seja, as cláusulas a que as partes se obrigaram são apenas e exclusivamente as cláusulas escritas constantes do documento n.° ... junto na P.I.

hh) Ou seja;

- O acordo celebrado entre as partes configura efectivamente um contrato-promessa bilateral de compra e venda, para efeitos do disposto no art. 410.° do Código Civil

- O regime aplicável é essencialmente aquele que resulta das cláusulas do respectivo contrato e das regras gerais e especiais previstas no Código Civil, especialmente no âmbito da celebração de contratos, de contratos promessa e de cumprimento de obrigações;

- O conteúdo do contrato-promessa, ou seja, as cláusulas a que as partes se obrigaram, são apenas e exclusivamente as cláusulas escritas constantes do documento n.° ... junto na P.I.

ii) O devedor cumpre a sua obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, de boa fé (cfr. art. 762.° do Código Civil) salientando-se que o contrato deve ser pontualmente cumprido (cfr. art. 406.° do Código Civil) e a prestação deve ser realizada integralmente e não

por partes (cfr. art. 763.° n° 1 do Código Civil).

jj) A resolução do contrato-promessa corresponde a um direito potestativo que pode ser despoletado a partir de uma situação de incumprimento definitivo (resolução de génese legal), nos termos do art. 808.° do CC ou a partir da verificação de uma cláusula resolutiva expressa (resolução de origem contratual), ao abrigo do disposto no art. 432.° do CC.

ll) Então, o credor pode resolver o contrato, entre outros, nos seguintes casos:

Nos casos de impossibilidade de cumprimento imputável ao devedor:

Verifica-se impossibilidade de cumprimento do contrato-promessa nos casos em que a obrigação de contratar não pode ser cumprida e nos casos em que embora o contrato definitivo possa ser celebrado o seu cumprimento está impossibilitado.

mm) Para qualificar como definitivamente impossível o cumprimento e lhe aplicar o consequente regime é necessário, em princípio que se tenha atingido o momento do vencimento da obrigação, verificando-se então a situação jurídica ou material de impossibilidade de cumprir.

nn) Nos casos em que a obrigação se considera definitivamente não cumprida por culpa do devedor:

oo) Existe definitivo não cumprimento quando, perante o não cumprimento da obrigação no momento do seu vencimento, por ser essencial o prazo da obrigação ou por qualquer outra razão, o credor perde objectivamente o interesse na conclusão do contrato prometido. Salientando-se que, independentemente da prova da perda do interesse, a definitividade do incumprimento pode resultar da fixação do prazo suplementar cominatório previsto no art. 808.° do Código Civil.

pp) A resolução do contrato-promessa corresponde a um direito potestativo que pode ser despoletado a partir de uma situação de incumprimento definitivo (resolução de génese legal), nos termos do art. 808.° do CC ou a partir da verificação de uma cláusula resolutiva expressa (resolução de origem contratual), ao abrigo do disposto no art. 432.° do Código Civil ou ainda através de uma condição resolutiva, ao abrigo do disposto no art. 270.° do Código Civil

qq) É de qualificar como cláusula resolutiva expressa a convenção inserida num contrato- promessa de compra e venda segundo a qual se consideraria em situação de incumprimento definitivo o promitente-comprador que, depois de faltar ao pagamento de pelo menos três prestações consecutivas, deixasse decorrer o prazo de três meses para efectuar o pagamento de todo o preço, facultando ao promitente-vendedor a declaração de resolução a título de exemplo.

rr) A cláusula resolutiva distingue-se da condição resolutiva, pois apenas confere ao beneficiário o poder de resolver o contrato uma vez verificado o facto por ela descrito enquanto a segunda determina a imediata destruição da relação contratual assim que o facto futuro e incerto se verifica.”

ss) Para o efeito, a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração (unilateral, receptícia à outra parte ao abrigo do disposto no art. 436.° do Código Civil

tt) No caso concreto em apreciação, os Autores pedem a condenação do Réu a pagar àqueles a quantia de €40.000,00, correspondente à devolução da quantia a título de sina que entregaram a este.

uu) Para o efeito, os Autores alegaram essencialmente que ocorreu a condição resolutiva a que estava sujeito o contrato promessa, entendendo ainda que o Réu resolveu ilicitamente o contrato promessa, uma vez que os Autores não lograram obter aprovação de financiamento juntos dos bancos o que tinham comunicado ao Réu.

vv) Em contraponto, o Réu alegou essencialmente que já em 29 de março de 2021 os Autores tinham conhecimento da não aprovação do financiamento por parte do Banco 1... e, apesar disso, não informaram o Réu como estavam obrigados contratualmente no prazo de 10 dias, bem como, além disso, que os Autores comunicaram verbalmente que tinham dinheiros próprios e não necessitariam de crédito bancário e ainda que tinham perdido o interesse na celebração do contrato definitivo.

xx) É incontroverso (ambas as partes aceitam) que as acordaram a seguinte cláusula:

CLÁUSULA QUARTA

1. A escritura pública de compra e venda do imóvel objecto deste contrato, será efectuada no prazo de 90 (noventa) dias contados seguidos, após a concessão do empréstimo bancário, devendo os SEGUNDOS CONTRATANTES [os Autores] comunicar ao PRIMEIRO CONTRATANTE [o Réu] a data, hora e local, onde será outorgado o contrato definitivo de compra e venda através de carta registada com aviso de recepção, expedida com uma antecedência de 10 (dez) dias, em relação à data marcada ou por e-mail, ou para o endereço constante da cláusula oitava.

2. (...).

3. (...).

4. O pagamento da quantia referida na Terceira Cláusula será efectuado mediante empréstimo que, para o efeito, os SEGUNDOS CONTRATANTES solicitaram a uma instituição de Crédito.

5. No caso do empréstimo anteriormente referido não vir a ser concedido, ou seja, concedido em condições que os SEGUDOS CONTRATANTES não aceitem, este contrato fica sem efeito, cessando, desse modo, os efeitos entre as partes CONTRATANTES e não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização por qualquer um desses factos, desde que alegada esta condição resolutiva no prazo máximo de 10 dias, a contar do conhecimento por parte dos SEGUNDOS CONTRATANTES da não obtenção do empréstimo bancário ou da proposta de concessão de empréstimo em condições que estes não aceitem.

6. Os SEGUNDOS CONTRATANTES obrigam-se a comunicar por escrito ao PRIMEIRO CONTRATANTE o resultado do financiamento referido, produzindo a aludida cessação deste contrato todos os seus efeitos a partir do recebimento dessa comunicação pelo PRIMEIRO CONTRATANTE.

7. Caso os SEGUNDOS CONTRATANTES não obtenham o empréstimo bancário referido no parágrafo primeiro, ou que a proposta bancária não seja aceite por estes, ser-lhe-ão devolvidas, em singelo, todas as quantias entregues a título de sinal, no prazo máximo de 10 (dez) dias a contar da notificação de tal facto ao PRIMEIRO CONTRATANTE.

zz) Daqui resulta que os Autores podem resolver unilateralmente o contrato promessa em causa desde que se verifique a seguinte condição resolutiva alternativa de momento incerto e conectada com um evento futuro e incerto:

- Ou que o empréstimo solicitado a uma instituição de crédito não venha a ser concedido aos Autores;

- Ou que o empréstimo solicitado a uma instituição de crédito venha a ser concedido aos Autores, mas estes não aceitem as suas condições.

Aaa) E para a obtenção do referido crédito bancário as partes não estipularam qualquer prazo, por isso é um evento também de momento incerto.

Bbb) Ora, no caso concreto em apreciação, importa referir que o Réu não alegou que os Autores não actuaram de boa fé nas diligências junto das instituições de crédito ou que de algum modo praticaram algum facto susceptível de conduzir à reprovação do empréstimo bancário solicitado, antes pelo contrário, o Réu apenas alegou a este propósito o seguinte:

- Que os Autores tomaram conhecimento em 29 de Março de 2021 que o Banco 1... não aprovou o crédito e não informaram disso o Réu no prazo de 10 dias previsto no contrato promessa.

- Que os Autores comunicaram verbalmente perder interesse no contrato definitivo e por isso realizou interpelação admonitório marcando a escritura definitiva a que os Autores não compareceram e nada disseram.

ccc) Importa destacar uma vez mais que as partes, no respectivo clausulado do contrato promessa, não estipularam qualquer prazo limite para os Autores obterem crédito bancário – como sucede, aliás, com a generalidade de contratos promessa sujeitos a condição resolutiva  (em que consta expressamente que os beneficiários apenas dispõem de um prazo limite de 90 ou mais dias para a obtenção de crédito bancário) – significando isto que, se o contrato promessa celebrado entre as partes não tem previsto qualquer prazo para os Autores poderem encontrar uma instituição de crédito que lhes conceda crédito bancário nas condições que entendam ser as mais favoráveis, não restava alternativa ao Réu senão aguardar a comunicação dos Autores nesse sentido.

ddd) Esta cláusula parece que beneficia apenas os Autores (uma vez que dispõem do prazo que entenderem para obtenção de crédito bancário), mas parece-nos que beneficia de igual modo o Réu na medida em que se existisse prazo certo para a obtenção de crédito uma vez decorrido tal prazo ficaria automaticamente resolvido o contrato, enquanto que sem prazo certo os Autores têm de demonstrar a não aprovação do crédito por parte das instituições bancárias ou que as condições eram desvantajosas, bem como ainda, poderia o Réu invocar negligência ou má fé dos Autores na obtenção do crédito bancário – o que não sucedeu no caso concreto.

eee) Assim, em face da ausência de prazo limite para os Autores procurarem a obtenção de crédito bancário restava ao Réu apenas uma de duas alternativas:

- Ou o Réu teria de interpelar os Autores concedendo-lhes um prazo razoável para a obtenção de crédito bancário;

- Ou o Réu teria socorrer-se do processo para fixação judicial de prazo, previsto no art. 1026.°

do CPC que conduziria à fixação judicial de prazo para os Autores obterem, ou não, crédito bancário.

Fff) Aliás, no caso concreto, considerando que é incontroverso que o Banco 1... não aprovou a concessão de crédito bancário aos Autores em 29 de Março de 2021 poderiam os Autores desde logo comunicar esse facto, resolvendo o contrato e ficando o Réu obrigado contratualmente a devolver o sinal em singelo.

ggg) No entanto, apesar da aludida resposta negativa do Banco 1..., os Autores insistiram na sua pretensão solicitando empréstimo bancário junto de outra instituição de crédito, a Banco 2... – o que revela interesse e diligência dos Autores.

hhh) Mais tarde, em 23 de Junho de 2021, a referida instituição bancária informou que não aprovava o crédito bancário, o que foi de imediato comunicado pelos Autores ao Réu em 24 de Junho de 2021.

iii) Deste modo, em 24 de Junho de 2021, os Autores resolveram validamente o contrato promessa, ficando consequentemente o Réu obrigado a devolver-lhes a quantia de €40.000,00 correspondente à devolução do sinal em singelo, nos termos do contrato.

jjj) Cumpre também salientar, a propósito da ausência de prazo para os Autores obterem crédito bancário, já acima analisada, que desde a data da celebração do contrato promessa até à comunicação dos Autores ao Réu de que não foi aprovado crédito bancário e que por isso resolviam o contrato promessa não passou um período de tempo que se possa considerar de longo, excessivo ou abusivo.

lll) Importa ainda referir que, em regra, o que pode suceder nos casos de contratos promessa sob condição resolutiva é a circunstância do promitente comprador apenas solicitar crédito bancário a uma instituição de crédito e apenas com base nisso resolver imediatamente o contrato promessa, em vez de procurar junto de outras instituições de crédito, demonstrando diligência e boa fé na obtenção de financiamento bancário

mmm) Ora, no caso em apreço, aconteceu precisamente o contrário, o Réu não alegou que os

Autores apenas procuraram uma instituição de crédito, mas apenas, que em face da primeira instituição de crédito com resposta negativa (Banco 1...) não informaram disso o Réu no prazo de 10 dias, ou seja, os Autores ainda solicitaram crédito bancário junto de outra instituição de crédito (Banco 2...) que veio a obter resposta negativa, devidamente comunicada ao Réu – revelando diligência e boa fé dos Autores.

nnn) Além disso, não resulta do contrato promessa que os Autores tivessem de informar o Réu o resultado de cada não aprovação de crédito bancário solicitado, ou seja, em face da não aprovação por parte do Banco 1... os Autores não estavam obrigados a informar disso o Réu, até porque o contrato promessa apenas prevê a comunicação quando os Autores pretendem com ela exercer o direito potestativo unilateral de resolução do contrato promessa.

ooo) Assim, se os Autores não comunicaram ao Réu a não aprovação do crédito bancário por parte do Banco 1... e procuraram ainda na Banco 2... isso apenas revela que mantinham interesse na celebração do contrato definitivo.

ppp) Tanto assim é que os Autores continuaram a tentar obter crédito bancário junto da Banco 2..., da qual resultou a não aprovação data de 23 de Junho de 2021, devidamente comunicada ao Réu dentro do prazo previsto no contrato promessa, tendo-se assim por validamente efectuada a resolução do contrato promessa com obrigação do Réu devolver o valor do sinal de €40.000,00 aos Autores no prazo de 10 dias como previsto no contrato.

qqq) Por isso, é completamente irrelevante a alegação do Réu de que os Autores o informaram verbalmente que perderam interesse na celebração do contrato definitivo.

rrr) De todo o modo, esta informação verbal, mesmo que resultasse provada, seria inválida, considerando o teor das cláusulas sétima e oitava do contrato promessa, nos termos das quais, “Nada foi convencionado entre os contratantes, direta ou indiretamente relacionado com a matéria do presente contrato, para além do que fica escrito nas suas cláusulas e considerandos.

“Quaisquer alterações a este contrato só serão válidas desde que convencionadas por escrito, com menção expressa de cada uma das cláusulas eliminadas e da redação que passa a ter cada uma das modificadas ou aditadas” bem como, “Todas as notificações a realizar entre os contratantes ao abrigo do presente contrato deverão ser efetuadas por qualquer meio suscetível de confirmação de receção, expedidas para os endereços abaixo indicados: (...) [morada e e-mail].”

sss) Ou seja, qualquer comunicação/informação verba entre as partes não tem validade na economia do contrato promessa se não for realizada por qualquer meio suscetível de confirmação de receção, expedidas para os endereços aí mencionados expressamente (morada e e-mail).

ttt) Nesta sequência, a interpelação realizada pelo Réu aos Autores para estes comparecerem em dia hora e local para a realização da escritura (contrato definitivo) é prematura e ilícita

uuu) Além disso, o contrato promessa estipula que são os Autores a agendar data para escritura – e não o Réu – e teriam sempre o prazo de 90 dias para o poderem fazer a partir da data da aprovação do crédito bancário.

vvv) E tal faculdade de marcação da escritura só reverteria para o Réu caso os Autores não procedessem a tal marcação na sequência da aprovação do crédito bancário, ou seja, estaria sempre dependente dessa circunstância.

xxx) Os demais factos alegados pelos Autores e pelo Réu são irrelevantes, mesmo que alguns se mostrem controvertidos, uma vez que, mesmo que viessem a ser considerados provados, não teriam a virtualidade de alterar as anteriores considerações.

zzz) No que interessa, os Autores resolveram validamente o contrato promessa em 24 de Junho de 2021, enquanto o Réu resolveu ilicitamente o contrato, em consequência, os Autores têm direito a receber do Réu a quantia de €40.000,00 a título de sinal acrescida de juros de mora contados desde a citação até efectivo e integral pagamento como peticionado e, em contraponto, o Réu não tem direito ao pedido formulado contra os Autores.

aaaa) Por outro lado refere o Réu em doutas alegações que, não terá recebido a carta junta em Petição Inicial como documento n.º ..., a qual, veio devolvida com a menção de endereço insuficiente, sendo certo e é que, a morada que dela consta é a morada constante do contrato promessa de compra e venda como disso se fez prova. Ora esta mera alegação, faz- nos crer da má-fé do Réu levando-nos a admitir que em circunstância alguma qualquer carta seria por ele recebida.

Termos em que, e nos melhores de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve manter-se “ipsis verbis” a sentença recorrida, nos exactos moldes e efeitos, assim se fazendo a costumada justiça.”


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QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar:


a) Se a decisão proferida enferma de nulidade por preterição da audiência prévia, prevista no artº 591 do C.P.C.;
b) Se existiu incumprimento do contrato promessa celebrado entre as partes, ou se pelo contrário este cessou os seus efeitos por efeito de uma condição resolutiva expressa.


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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto:

“Factos provados

1. Em 21 de Dezembro de 2020, entre os Autores e o Réu foi celebrado um acordo designado de “CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA” que se rege pelas cláusulas seguintes, entre outras (doc. ... P.I.) [5.º P.I:]:

2. CLÁUSULA PRIMEIRA

O PRIMEIO CONTRATANTE [o Réu] é dono e legítimo proprietário do seguinte imóvel:

(i) fração autónoma designada pela letra "E", para habitação do tipo ..., apartamento, lado esquerdo, no piso um, garagem no piso menos um, identificada com a mesma letra da fração, no prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., Aldeamento ..., da união de freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...23..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo ...58, com o Alvará de Autorização de Utilização n.º ...8, emitido em .... pela Câmara Municipal ... e com o Certificado Energético n2 SCE ...39 D, válido até 10/11/2027 [6.º p.i.].

3. E bem assim, o recheio que consta das alíneas do n.º 2 da Cláusula Segunda [7.º P.I.].

4. CLÁUSULA QUARTA

1. A escritura pública de compra e venda do imóvel objecto deste contrato, será efectuada no prazo de 90 (noventa) dias contados seguidos, após a concessão do empréstimo bancário, devendo os SEGUNDOS CONTRATANTES [os Autores] comunicar ao PRIMEIRO CONTRATANTE [o Réu] a data, hora e local, onde será outorgado o contrato definitivo de compra e venda através de carta registada com aviso de recepção, expedida com uma antecedência de 10 (dez) dias, em relação à data marcada ou por e-mail, ou para o endereço constante da cláusula oitava.

2. (…).

3. (…).

4. O pagamento da quantia referida na Terceira Cláusula será efectuado mediante empréstimo que, para o efeito, os SEGUNDOS CONTRATANTES solicitaram a uma instituição de Crédito.

5. No caso do empréstimo anteriormente referido não vir a ser concedido, ou seja, concedido em condições que os SEGUNDOS CONTRATANTES não aceitem, este contrato fica sem efeito, cessando, desse modo, os efeitos entre as partes CONTRATANTES e não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização por qualquer um desses factos, desde que alegada esta condição resolutiva no prazo máximo de 10 dias, a contar do conhecimento por parte dos SEGUNDOS CONTRATANTES da não obtenção do empréstimo bancário ou da proposta de concessão de empréstimo em condições que estes não aceitem.

6. Os SEGUNDOS CONTRATANTES obrigam-se a comunicar por escrito ao PRIMEIRO CONTRATANTE o resultado do financiamento referido, produzindo a aludida cessação deste contrato todos os seus efeitos a partir do recebimento dessa comunicação pelo PRIMEIRO CONTRATANTE.

7. Caso os SEGUNDOS CONTRATANTES não obtenham o empréstimo bancário referido no parágrafo primeiro, ou que a proposta bancária não seja aceite por estes, ser-lhe-ão devolvidas, em singelo, todas as quantias entregues a título de sinal, no prazo máximo de 10 (dez) dias a contar da notificação de tal facto ao PRIMEIRO CONTRATANTE.

5. CLÁUSULA SÉTIMA

1. Nada foi convencionado entre os contratantes, direta ou indiretamente relacionado com a matéria do presente contrato, para além do que fica escrito nas suas cláusulas e considerandos.

2. Quaisquer alterações a este contrato só serão válidas desde que convencionadas por escrito, com menção expressa de cada uma das cláusulas eliminadas e da redação que passa a ter cada uma das modificadas ou aditadas.

6. CLÁUSULA OITAVA

Todas as notificações a realizar entre os contratantes ao abrigo do presente contrato deverão ser efetuadas por qualquer meio suscetível de confirmação de receção, expedidas para os endereços abaixo indicados: (…) [morada e e-mail].

7. O referido imóvel mostra-se inscrito em nome do Réu no respectivo registo predial e na matriz (doc. ... e ....I.) [8.º P.I.].

8. Por conta do contrato promessa de compra e venda os Autores entregaram ao Réu o montante de €40.000,00 (quarenta mil euros), nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 da Cláusula Terceira do contrato promessa. [9.º P.I.].

9. Em 29 de Março de 2021 foi comunicado aos Autores pelo Banco 1... a não aprovação do pedido de empréstimo efetuado (doc. ... P.I.) [17.º P.I. e 10.º Cont./Reconv.].

10. Em 21 de Maio de 2021, os Autores endereçaram uma carta ao Réu, registada com aviso de recepção, informando-o da não concessão do empréstimo solicitado mas que mantinham a pretensão em adquirir a fração objecto do contrato promessa e desse modo, estavam a tentar junto da Banco 2... a obtenção do crédito solicitado, pedindo um pouco mais de paciência (doc. ... P.I.) [17.º P.I.].

11. A carta não foi recepcionada, pese embora ter sido endereçada para a morada que consta do contrato promessa de compra e venda (doc. ... P.I.) [18.º P.I.].

12. Em 21 de maio de 2021 o Réu enviou ao 1.º Autor e à 2.ª Autora, que a receberam dias depois, uma interpelação a informar que se encontrava marcada a escritura pública de compra e venda para o dia 21 de Junho de 2021 pelas 10h no Cartório Notarial ..., sito no condomínio fechado ..., ..., ... ... (doc. ... e ....I.) [19.º P.I. e 22 Cont./Reconv.].

13. Na mesma missiva, o Réu informou os Autores que em caso de falta de comparência ou resposta, o mesmo perderia definitivamente o interesse no negócio, pelo que consideraria definitivamente incumprido o contrato promessa (doc. ... e ....I.) [23.º Cont./Reconv.].

14. Em 02 de Junho de 2021, através de mandatário, os Autores informaram o Réu que não iriam estar presentes na data agendada para a escritura e nem percebiam o propósito do Réu, tanto assim é que de acordo com o contrato promessa não colhe esta faculdade que o Réu julgou ter (doc. ... Réplica) [21.º P.I.].

15. Os Autores não compareceram na escritura (doc. da Cont./Reconv.) [24.º Cont./Reconv.].

16. Em 23 de Junho de 2021, os Autores foram informados pela Banco 2... que não havia sido possível considerar favoravelmente o pedido de concessão de crédito solicitado (doc. ... P.I.) [22.º P.I.].

17. Em 24 de Junho de 2021, os Autores em cumprimento dos números 5, 6 e 7, da cláusula quarta do contrato promessa, remeteram ao Réu carta registada com aviso de recepção, a informar o Réu de que, os créditos solicitados não haviam sido deferidos pelo que o contrato promessa deveria ser considerado cessado bem como todos os efeitos dele decorrentes e nessa medida deveriam ser-lhes devolvidas as quantias em singelo entregues a título de sinal e antecipação de pagamento (doc. ... P.I.) [23.º P.I.].

 


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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Vem o recorrente invocar, em primeiro lugar, a nulidade da decisão de mérito proferida com dispensa da audiência prévia, alegando que o artº 593 do C.P.C. não o permite, não tendo sido concedido às partes a possibilidade de apresentarem alegações que só podem ser produzidas de forma oral nesta audiência.

Decidindo
a) Se a decisão proferida enferma de nulidade por preterição da audiência prévia, prevista no artº 591 do C.P.C.;

É ponto assente que o NCPC (Lei 41/2013), passou a dispor, como regra, a obrigatoriedade da realização de audiência prévia, nomeadamente quando o juiz “tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa” (artº 591 nº1 b) do C.P.C.).

Esta regra comporta as excepções contidas nos artºs 592 e 593 do C.P.C., prevendo o primeiro dos preceitos acima mencionados, os casos em que a audiência prévia não tem lugar e o segundo, os casos em que a audiência prévia pode ser dispensada.

Nos termos previstos no artº 593 do C.P.C., o juiz pode dispensar a audiência prévia nas acções que hajam de prosseguir e nas quais, a realizar-se, a audiência prévia só tivesse por objecto as finalidades indicadas nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º do C.P.C.

Destes preceitos se pode concluir que “ quando a acção houver de prosseguir (isto é, não deva findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória que já tenha sido debatida nos articulados) e o juiz pretenda decidir de imediato, no todo ou em parte, do mérito da causa (ou apreciar excepção dilatória que não tenha sido debatida nos articulados ou que vá julgar improcedente) deve realizar-se audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito que importe para esse conhecimento.

É o que resulta claro da não inclusão da alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º no elenco das situações para que remete o n.º 1 do artigo 593.º e da relação necessária entre o artigo 592.º e o artigo 593.º.

Preside a esta opção a intenção de facultar às partes a última oportunidade de exporem os seus argumentos para convencer o juiz sobre a solução de mérito a proferir, tendo o legislador optado pela solução de que isso se processe em sede de audiência prévia e, portanto, de forma oral através da discussão entre os intervenientes. Esta última oportunidade encontra-se, por exemplo, nas acções não contestadas em que a revelia é operante, caso em que não obstante o réu não tenha apresentado contestação lhe é permitido apresentar alegações, nessa ocasião por escrito (artigo 567.º).[1]

A obrigatoriedade de realização da audiência prévia, por contraponto à possibilidade de dispensa prevista no artº 508-B nº1 b) do C.P.C. (na versão anterior à Lei 41/2013), tem sido defendida de forma praticamente unânime pela nossa jurisprudência[2] e já assim foi defendido pela ora relatora no proc. nº 3054/17.7T8LSB-A.L1, em Acórdão de 08/02/18, proferido no T.R.Lisboa.

Também na doutrina, a obrigatoriedade de realização desta audiência prévia, é defendida de forma igualmente unânime, referindo FERREIRA DE ALMEIDA[3], o seguinte: «Uma vez executado o despacho pré-saneador (ou seja, uma vez concluídas as diligências resultantes do preceituado no nº 3 do artº 590º - correcção das irregularidades formais dos articulados), ou, não tendo a ele havido lugar, logo que o processo lhe seja feito concluso, após a fase dos articulados, o juiz, observado o preceituado pelo artº 151º, nºs 1 e ss., designa dia para a audiência prévia indicando o seu objecto e finalidade de entre os constantes do nº 1 do artº 591º, a realizar num dos 30 dias subsequentes, salvo se ocorrer alguma das hipóteses previstas no artº 592º (em que a mesma não pode ex-lege realizar-se) ou no artº 593º (em que o juiz a entenda dispensável). Conforme a exposição de motivos da Reforma de 2013, «a audiência prévia é, por princípio, obrigatória. Porquanto só não se realizará: - nas acções não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante; - nas acções que devam findar no despacho saneador pela procedência de uma excepção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados» (sic). E obviamente que também se não realizará no caso de revelia absoluta (operante) do réu, hipótese em que haverá lugar ao julgamento abreviado previsto no artº 567º, por reporte ao artº 56º.»

No mesmo sentido, JOÃO CORREIA, PAULO PIMENTA e SÉRGIO CASTANHEIRA[4] defendem que que «por princípio, no processo comum de declaração, é obrigatória a realização de audiência prévia». Sobre a questão do conhecimento de mérito no despacho saneador, mais referem que «(…) sempre que o juiz projecte conhecer no despacho saneador de uma excepção peremptória ou de algum pedido (independentemente do possível sentido da decisão), deverá convocar audiência prévia para os efeitos do artº 591º.1.b)», aditando que «está em jogo assegurar o exercício do contraditório, na acepção de direito a produzir alegações antes de uma decisão final (artº 3º.3)» (idem, p. 77)

Por sua vez, PAULO PIMENTA[5] vem ainda defender, relativamente à necessidade de ser convocada a audiência prévia: “Antes de mais, impede que as partes venham a ser confrontadas com uma decisão que, provavelmente, não esperariam fosse já proferida, isto é, evita-se uma decisão-surpresa (art.º 3º 3). Depois, são acautelados os casos em que a anunciada intenção de conhecimento imediato do mérito da causa derive de alguma precipitação do juiz, tanto mais que não é frequente a possibilidade de, sem a produção de prova, ser proferida já uma decisão final. Desse modo, a discussão entre as partes tanto poderá confirmar como infirmar a existência de condições para o tal conhecimento imediato do mérito (…). Por outro lado, sabendo as partes que, no caso de o juiz pretender decidir o mérito da causa logo no despacho saneador, serão convocadas para uma discussão adequada, não terão de preocupar-se em utilizar os articulados para logo produzirem alegações completas sobre a vertente jurídica da questão. A solução consagrada permite, portanto, que os articulados mantenham a sua vocação essencial (exposição dos fundamentos da acção e da defesa), ao mesmo tempo que garante a discussão subsequente, se necessária, em diligência própria.”

A questão que ora se coloca respeita aos casos em que as questões a decidir tenham sido objecto de discussão nos articulados e o juiz entenda que o estado dos autos permite já o conhecimento do mérito da causa.

Admitimos que nestes casos, a dispensa da audiência prévia é possível por via do mecanismo da adequação formal prevista no artº 547 e 6 do C.P.C., sem prejuízo de esta dispensa, a ponderar pelo Juiz, ser precedida de prévia consulta das partes, por exigência do princípio do contraditório, como decorre do artº 3º, nº 3, do NCPC[6], podendo as partes, neste caso requerer a marcação de audiência prévia (tendo em conta que mesmo nos casos previstos no artº 593 do C.P.C. o poderiam fazer).

Concede-se assim às partes uma derradeira oportunidade de discutirem não só a possibilidade entrevista pelo julgador de decisão imediata do mérito da causa, sem necessidade de averiguação de factos ainda controvertidos, como de discutirem o mérito da causa, face às pretensões e argumentos deduzidos nos articulados, podendo ainda suprir as imprecisões ou deficiências que eventualmente resultem dos articulados e que, de alguma forma, possam influir no resultado do litígio.

Essencial é que se mostre cumprido o exercício do contraditório, princípio constitucional de um Estado de Direito (cfr. artº 20 nº1 da Constituição) e princípio enformador do nosso ordenamento processual civil (cfr. artº 3 nº3 do C.P.C.).

Nos presentes autos, foi o R. notificado da intenção do Juiz a quo de dispensar a realização de audiência prévia, tendo-se conformado com essa intenção, porque nada requereu em contrário. Podendo nessa ocasião, ainda não existir despacho a advertir as partes de que se iria conhecer de mérito, o certo é que em momento anterior à decisão, foram as partes notificadas de que o juiz a quo entendia “ser possível desde já conhecer do mérito da causa” pelo que, e para evitar decisões surpresa, se concedia “o prazo de 10 dias, para as partes, querendo, alegarem o que tiverem por conveniente a esse propósito – cfr. art. 3.º, n.º 3, do CPC.”

O princípio da adequação processual permite ao magistrado substituir as alegações orais a proferir na audiência prévia, por alegações escritas. Essencial é que às partes seja concedido o direito ao contraditório, que nos presentes autos se mostra plenamente assegurado.

Não é assim possível invocar nulidade processual, pois a audiência prévia tem imanente o princípio do contraditório, plenamente assegurado neste caso. Acresce que, devidamente notificado, o R. nada disse, não requereu a realização desta audiência, não invocou a nulidade que ora vem arguir, manifestando com o seu comportamento, anuência a esta dispensa e à possibilidade de conhecer do mérito da causa. A invocação de nulidade processual neste recurso, constitui assim uma flagrante violação dos deveres de boa fé e de cooperação contidos no artº 6 do C.P.C.

Indefere-se assim a aludida nulidade.


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Em sede de impugnação da decisão de mérito que julgou procedente a acção e improcedente a reconvenção, vem o R. alegar que os AA. incumpriram culposamente o contrato promessa por, apesar da condição resolutiva aposta no contrato, não o terem notificado, na forma e prazo previstos na clausula 4ª nº 5 e 6, da não obtenção de empréstimo bancário, pelo que, não mais pode operar o ali previsto quanto à devolução do sinal em singelo. Alega que, pelo contrário, terá de operar o previsto no Código Civil, quanto ao cumprimento e incumprimento das obrigações.

Alega ainda que tendo os AA. comunicado que não estavam interessados na aquisição da fracção, lhe assistia o direito de os interpelar para a escritura pública, à qual não compareceram, considerando-se assim incumprido definitivamente o contrato promessa pelos AA. de acordo com o normativo constante do artº 801 do C.C.


b) Se existiu incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda do imóvel pelos promitentes compradores ou se, pelo contrário, cessou ao abrigo de uma condição resolutiva expressa.

É inquestionável que, conforme refere a decisão recorrida, “O acordo celebrado entre as partes configura efectivamente um contrato-promessa bilateral de compra e venda, para efeitos do disposto no art. 410.º, do Código Civil.” que se rege essencialmente pelas “cláusulas do respectivo contrato e das regras gerais e especiais previstas no Código Civil, especialmente no âmbito da celebração de contratos, de contratos promessa e de cumprimento de obrigações”.

A resolução da questão colocada à apreciação deste tribunal, que consiste em apurar se existiu incumprimento definitivo por parte dos AA. da obrigação principal nele contida ou se este cessou os seus efeitos pela verificação da condição (ou condições) contida na clausula 4ª, depende da interpretação e enquadramento jurídico desta clausula.

Discordando as partes da interpretação a dar a esta clausula, em especial na interpretação da condição constante do nº 5 e 6 da clausula 4ª, terá este tribunal de proceder a esta interpretação, tendo em conta o respectivo texto e eventual circunstancialismo apurado pelo Tribunal recorrido do qual resulte a vontade das partes, conforme decorre do disposto nos artºs 236 e 238 do C.C. A interpretação da declaração negocial deve, em princípio, fazer-se no sentido propugnado pela teoria da impressão do destinatário, “segundo a qual o sentido juridicamente relevante com que deve valer uma declaração negocial há de corresponder àquele que lhe seria dado por um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, que, conhecendo as circunstâncias que este concretamente conhecia, atribuiria à declaração, agindo com capacidade e diligência médias”.[7]

Tratando-se de negócio formal, decorre do disposto no artº 238 do C.C. que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha a mínima correspondência no texto, ainda que imperfeitamente expresso, só se admitindo que assim não seja se as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem e se esse sentido corresponder à vontade real das partes.

No caso em apreço decorre dos autos que as partes estipularam no contrato promessa de compra e venda de imóvel, uma clausula acessória mediante a qual condicionaram a celebração do contrato definitivo à verificação de um evento futuro e incerto e regularam expressamente as consequências da sua não verificação.

A estipulação de clausulas acessórias em relação à obrigação principal, é permitida pelo nosso ordenamento civil, não estando excluída no caso da promessa de aquisição de imóvel. Nestes contratos, as partes podem estabelecer, ao abrigo do disposto no artº 270 do C.C. e de acordo com o princípio da autonomia privada permitido pelo artº 405 do C.C., clausulas acessórias, pelas quais fazem depender a vigência do contrato a um facto futuro e incerto. A inclusão desta clausulas acessórias estipulativas de uma condição, destina-se essencialmente, conforme refere ANA AFONSO[8], a servir “o interesse dos sujeitos do negócio de se precaverem quanto à evolução futura de acontecimentos que não controlam e dos quais depende a mais perfeita concretização dos seus interesses negociais”.

A estipulação de uma clausula, pela qual se condiciona a celebração do contrato prometido de compra e venda de imóvel, à obtenção de empréstimo bancário, constitui exemplo desta necessidade dos contratantes se precaverem face a um acontecimento futuro e incerto, do qual depende a concretização dos seus interesses negociais, sem que se possa afirmar que se trata de condição estipulada apenas para protecção do interessado na obtenção do empréstimo, uma vez que da sua verificação ou não verificação decorrerá a celebração do contrato ou desvinculação das obrigações dele resultantes, para ambas as partes, incluindo o promitente vendedor que, livre da obrigação, poderá transaccionar o bem a terceiro ou dele dispor livremente. 

Nestes termos, por via destas estipulações acessórias, como nos ensina GALVÃO TELLES[9], a “vigência do contrato está na dependência desse facto ulterior, da sua eventual ocorrência, ou porque antes dele os efeitos jurídicos não se produzem (…) ou porque depois dele cessam.” A primeira diz-se condição suspensiva, suspendendo os efeitos do contrato até à sua verificação. A segunda denomina-se condição resolutiva, porque determina a eliminação dos efeitos do contrato, retroactivamente, com a consequente restituição do que tiver sido prestado (a título de sinal, do bem se tiver existido traditio, etc.).

Neste caso, acrescenta ainda este Ilustre Professor que “A incerteza do facto futuro determina um estado de pendência, os efeitos jurídicos estão pendentes porque se não sabe se virão a produzir-se (…). Estado de pendência que perdura por todo o tempo em que é possível o preenchimento da condição e cessa logo que a condição se realiza, ou falta, ou se torna certo que já não pode realizar-se.” 

No entanto, como aponta o Ac. do STJ de 03/12/2002[10]o negócio, embora condicionado, pressupõe sempre a sua existência com todos os respectivos elementos integrantes e formalizadores exigidos por lei; apenas a produção (na condição suspensiva) ou a resolução (na condição resolutiva) dos seus efeitos é que ficam dependentes da verificação do acontecimento futuro e incerto que consubstancia a condição.

Nos contratos promessa de compra e venda de imóvel, o efeito principal do contrato é um facere, traduzido no compromisso assumido pelas partes de outorgarem a escritura pública do contrato definitivo, podendo este efeito ficar sujeito a condições acessórias e para além destas a deveres secundários que, se incumpridos, podem dar lugar a responsabilização da parte incumpridora pelos prejuízos que haja causado (cfr. estipulam os artsº 762 e 763 do C.C.).

  Volvendo ao teor da clausula 4ª, no seu nº1 estipularam as partes que a “escritura pública de compra e venda do imóvel objecto deste contrato, será efectuada no prazo de 90 (noventa) dias contados seguidos”, após a concessão do empréstimo bancário, ou seja, subordinando as partes o efeito principal deste contrato (a celebração do contrato definitivo) e o início do prazo para a sua celebração à verificação de uma condição (evento futuro e incerto). Mesmo a considerarmos, como ANA PRATA[11], que não se pode falar de condição em sentido próprio nos casos em que “o vencimento da obrigação depende de certo facto futuro”, exemplificando com os casos em que o “vencimento da obrigação principal ficar dependente da obtenção de um mútuo pelo promitente-adquirente e, diligenciando este no sentido de tal obtenção, o mútuo não vier a ser celebrado “, porque nesse caso o que se verifica é a extinção da obrigação secundária (de obtenção do mútuo) por impossibilidade não imputável ao devedor, devendo considerar-se não culposo o incumprimento da obrigação principal, ainda assim a solução não seria diversa, pela não verificação de um facto essencial para o cumprimento da obrigação principal, sem culpa do devedor.

Entendemos, no entanto, que neste caso, neste nº1 estipularam as partes uma condição suspensiva em sentido próprio, embora desempenhando igualmente as funções de termo inicial do vencimento da obrigação principal, dependente da verificação desse evento futuro e incerto. Neste caso, só se poderia considerar existir mora do devedor se, verificada a condição, o contrato definitivo não fosse celebrado no prazo de 90 dias, nele fixado. Propendemos ainda para a solução apresentada por ANA PRATA, no sentido de que constitui uma obrigação acessória da parte a quem cabe o cumprimento dessa obrigação, a interpelação da outra parte comunicando-lhe a verificação da condição (concessão do mútuo bancário em condições aceites pelos promitentes vendedores), ou seja, a possibilidade de cumprimento do contrato definitivo e a data para o cumprimento (obrigação principal); a ausência de comunicação de que a condição se verificou equivale então a mora do devedor, devendo, só nesse caso, entender-se deferida à outra parte “a faculdade de interpelação e não se vendo que seja necessário o recurso ao tribunal para a fixação de um prazo para o cumprimento.” (idem, pág. 648/649).

Nesta medida, só verificada esta condição e não designada escritura pública de compra e venda no prazo de 90 dias pelos promitentes compradores, se poderia considerar estarem estes em mora, possibilitando a conversão dessa mora em incumprimento definitivo, após interpelação admonitória para cumprimento (prevista nos artºs 801 e 808 do C.C.).

Conforme refere CALVÃO DA SILVA[12] A interpelação admonitória é uma declaração receptícia que contém três elementos: intimação para o cumprimento; fixação de um termo peremptório para o cumprimento; admonição ou cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida, se não ocorrer o adimplemento dentro desse prazo”.

Esta interpelação admonitória, prevista no artº 808 nº1 do C.C., visa intimar o devedor ao cumprimento da obrigação e converter a mora em incumprimento definitivo, caso a obrigação imposta à contraparte não seja cumprida.

Ora, a obrigação principal imposta à contraparte (AA., promitentes compradores) é a de celebração do contrato prometido, se verificada a condição, designando no prazo fixado na clausula 4ª nº1, data para escritura pública. A obrigação secundária imposta aos promitentes compradores (decorrente do nº 1 e 7 desta clausula) consistia na comunicação ao promitente vendedor de que a condição se verificou ou, pelo contrário, de que se não verificou.

Assim, enquanto no nº 1 a condição a verificar-se, determinava o início do prazo de vencimento da obrigação principal, a sua não verificação originava a imediata resolução do contrato, com efeitos retroactivos e, com o inerente dever de restituição do prestado, expressamente estipulados estes efeitos no contrato, conforme decorre do disposto nos nºs 5 a 7 desta clausula (condição resolutiva expressa).

Alega, no entanto, o promitente vendedor que a condição resolutiva prevista nesta clausula, teria de ser alegada (comunicada ao promitente vendedor) no prazo de 10 dias a contar do conhecimento pelos promitentes compradores da não concessão de empréstimo bancário, ou da proposta de concessão de empréstimo em condições que estes não aceitem, tal como resulta do seu nº 5.

Sem qualquer razão, tendo em conta as características da condição resolutiva e o teor desta clausula. Conforme se refere no Ac. do TRL de 15/04/2021[13]Uma das características da condição resolutiva é a de que, verificada a condição, o efeito resolutivo surge eficaz e efetivado no plano jurídico: de forma automática, ipso juris, de conhecimento ex officio e de modo absoluto ou real, isto é, independentemente de qualquer vontade das partes (a favor ou contra).”

A este respeito defendeu-se ainda no Ac. do STJ de 03/01/2015[14], “ Tendo os promitentes compradores demonstrado, perante a promitente vendedora, a impossibilidade de obter o financiamento a que se refere a cláusula resolutiva, verificado está o facto-condição, e, por isso, operou a resolução dos contratos promessa.

Ou seja, a condição resolutiva determina a imediata destruição da relação contratual assim que o facto futuro e incerto se verifica, independentemente de qualquer comunicação, impossibilitando a sua posterior resolução por qualquer das partes.

Nestes termos, a estipulação de prazo para a comunicação da verificação da condição resolutiva ao promitente vendedor, integra-se nos deveres acessórios impostos à parte a quem incumbe diligenciar pelo empréstimo bancário, cujo incumprimento, não determina a não verificação da condição, mas antes constitui incumprimento de um dever acessório constante deste contrato, com eventual obrigação de indemnização dos prejuízos sofridos pela contraparte que, verificada embora a condição e extinto o contrato, por não ter sido informada de uma condição apenas cognoscível da sua contraparte, se considerou vinculada às obrigações contratuais que dele dependiam. A expressão “desde que” contida neste nº 5, não significa que excedido este prazo para a comunicação ao promitente vendedor da verificação da condição, não operava a condição resolutiva (esta automática), mas antes que poderia haver lugar a indemnização da contraparte por incumprimento atempado da obrigação acessória de comunicação em prazo certo, desde que desse incumprimento resultasse prejuízos para o outro contraente. É o que resulta expressamente do teor deste nº 5: “e não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização por qualquer um desses factos, desde que alegada esta condição resolutiva no prazo máximo de 10 dias, a contar do conhecimento por parte dos SEGUNDOS CONTRATANTES da não obtenção do empréstimo bancário ou da proposta de concessão de empréstimo em condições que estes não aceitem.”

Em qualquer caso, a não concessão de empréstimo ou a proposta de concessão do empréstimo em condições que os promitentes compradores aceitassem, daria lugar, nos termos do nº 7, à devolução “em singelo, (de) todas as quantias entregues a título de sinal, no prazo máximo de 10 (dez) dias a contar da notificação de tal facto ao PRIMEIRO CONTRATANTE.”

Assim, enquanto no nº 5, o não cumprimento do prazo para comunicação da condição resolutiva, poderia fazer incorrer os promitentes compradores na indemnização dos prejuízos que a mora nessa comunicação pudesse causar ao credor (promitente vendedor), que aqui os não alega nem peticiona, no nº 7, a obrigação de restituição das quantias entregues a título de sinal, vencia-se após a comunicação, no prazo nele fixado.

No caso em apreço, o eventual não cumprimento deste prazo, a existir, constituiria questão irrelevante, pois que não alegados nem peticionados quaisquer prejuízos decorrentes da existência de eventual mora no cumprimento deste dever acessório de comunicação, estando inclusive peticionados juros desde a citação e não desde o momento estipulado na clausula 7ª.

Ocorre, no entanto, que os promitentes compradores deram cumprimento a este dever acessório constante da clausula 4ª, nºs 5, 6 e 7 deste contrato, constituindo a posição expressa pelo promitente comprador, uma violação notória das suas obrigações contratuais e dos deveres gerais de boa fé que devem nortear o cumprimento dos contratos (conforme decorre do disposto no artº 762 nº2 do C.C.).

Ao contrário do que alega o recorrente, a condição imposta neste contrato consistia na obtenção de empréstimo bancário em condições que os segundos contratantes, ou seja os AA., aceitassem. Não foi estipulado prazo para a verificação da condição, nem estipulado, ao contrário do alegado pelo promitente vendedor, qualquer restrição relativamente ao número de instituições bancárias a que os promitentes compradores poderiam recorrer, nem reguladas as situações em que concedido empréstimo bancário para aquisição da fracção objecto do contrato, os promitentes compradores, o poderiam validamente recusar.

Aliás, o ónus de alegação e prova da impossibilidade de obtenção do empréstimo bancário em condições que os promitentes compradores aceitassem cabia aos promitentes compradores, interessados no preenchimento desta condição. Neste conspecto, teriam os promitentes compradores que alegar e demonstrar apenas que, o empréstimo solicitado a uma instituição de crédito (qualquer que ela fosse) não lhes foi concedido ou que, o empréstimo solicitado a uma instituição de crédito foi concedido, mas em condições, por estes não aceites.

Assim sendo, tem de se concluir do teor dos pontos 17 e 18 dos factos assentes que foi comunicado no prazo referido no nº 5 desta clausula 4ª, a verificação da condição resolutiva, pelo que o contrato cessou os seus efeitos, retroagidos à data da verificação da condição (artº 276 do C.C.), havendo lugar à restituição dos montantes prestados pelos promitentes compradores, no momento referido no nº 7 desta clausula.[15]

Assim sendo, estando o contrato já resolvido, não assiste ao R. o direito de obter a sua resolução e pelo contrário, cabe-lhe o dever de restituição do prestado, que corresponde às quantias entregues a título de sinal.

Improcede assim a apelação interposta pelo R. promitente vendedor.


***

DECISÃO


Pelo exposto, acordam os juízes desta relação em julgar improcedente a apelação interposta pela R. e nessa sequência, mantêm nos seus precisos termos a decisão recorrida.
*
 
As custas fixam-se pelo apelante (artº 527 nº1 do C.P.C.)

Coimbra 24/01/23



[1] Ac. da R. do Porto de 27/09/2017, proc. nº 136/16.6T8MAI-A.P1, relator Aristides Rodrigues de Almeida, disponível para consulta in www.dsgi.pt
[2] Ac. R. de Évora de 30/06/2016, relator Mário Serrano, proc. nº 309/15.9T8PTG-A.E1, de 10/05/18, relator Mata Ribeiro, proc. nº 2239/15.5T8ENT-A.E1, de 12/07/18, relatora Isabel Imaginário, proc. nº 3012/16.9T8ENT-A.E1; Acs. R. de Lisboa de 9/10/2014, relator Jorge Leal, Proc. 2164/12.1TVLSB.L1-2, de 5/5/2015, relatora Cristina Coelho, Proc. 1386/13.2TBALQ.L1-7, de 19/10/17, 155421-14.5YIPRT.L1-8, de 11/12/18, relator Arlindo Crua, proc. nº 103/16.0T8OER-A.L1-2, de 20/12/18, relator Luís Espírito Santo, proc. nº 11749/17.9T8LSB.L1-7, bem como os Acs. R. Porto de 24/9/2015, Proc. 128/14.0T8PVZ.P1, de 12/11/2015, Proc. 4507/13.1TBMTS-A.P1 e de 24/09/2015, Proc. nº 128/14.0T8PVZ.P1; Ac. da R.Guimarães de 17/01/19, relator José Cravo, proc. nº 4833/15.5T8GMR-A.G3, todos disponíveis in www.dgsi.pt
[3] Direito Processual Civil, vol. II, 2015, pág. 190.
[4] Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 73.
[5] Processo Civil Declarativo, 2ª edição, Almedina, págs. 262.
[6] Neste sentido, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, Almedina, Coimbra, 2013, p. 494.

[7] Ac. do STJ de 12/1/2021, proferido no proc. nº 1939/15.4T8CSC.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt.

[8] AFONSO, Ana Isabel, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 661.
[9] GALVÃO TELLES, Inocêncio, Manual dos Contratos em Geral, Reimpressão, 4ª edição, Coimbra Editora, pág. 258.
[10] Proferido no proc. nº 03B2509, de que foi relator Fernando Girão, disponível in www.dgsi.pt.

[11] PRATA, Ana, O contrato promessa e seu regime civil, Almedina, 2006, pág. 648.
[12] CALVÃO DA SILVA, João, Estudos de Direito Civil e Processo Civil, (Pareceres), Almedina, 1999, pág.159.
[13] Proferido no proc. nº 12868/19.2T8LSB.L1-2, de que foi relatora Gabriela Cunha Rodrigues, disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[14] Proferido no proc. nº 36/12.9TVLSB.L1.S1, de que foi relator Fonseca Ramos, disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[15] Ac. do STJ de 07/09/21, proferido no proc. nº 12868/19.2T8LSB.L1.S1, de que foi relatora Fátima Gomes, disponível in www.dgsi.pt.