Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
182/06.8TAACN
Nº Convencional: JTRC
Relator: RIBEIRO MARTINS
Descritores: CRIME DE MAUS TRATOS A CÔNJUGE
PENA ACESSÓRIA DE AFASTAMENTO DA RESIDÊNCIA
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO
Data do Acordão: 11/19/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCANENA – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 152º,1 A), 119/2 ALÍNEA B) DO CÓDIGO PENAL
Sumário: 1. O bem jurídico protegido pelo crime de maus-tratos é a saúde do cônjuge nas suas vertentes física, psíquica e mental.
2. O tipo compreende uma reiteração de condutas que se traduzem, cada uma à sua maneira, na inflicção de agressões físicas ou psíquicas ao cônjuge e que revelam uma tendência ou hábito de vontade do agente. A lei a todas unifica para criar um tipo novo a que dá um tratamento autónomo.
3. O tipo de crime em causa tem sido considerado como «crime habitual», em que cada uma das condutas isoladas perde a sua autonomia para efeitos punitivos. Consequentemente, o prazo prescricional do procedimento só se inicia desde a prática do último acto (cfr. art.º 119/2 alínea b) do Código Penal).
4. A aplicação da pena acessória de afastamento da residência da vítima depende da ponderação das circunstâncias concretas de cada caso.
Decisão Texto Integral: I –
1- No referido processo comum AA... foi condenado por maus tratos ao cônjuge MA... na pena de 2 anos de prisão e proibição e na acessória de proibição de contactos com a ofendida com o afastamento da sua residência por 16 meses. A pena de prisão foi-lhe suspensa na sua execução por dois anos na condição de nesse prazo pagar €4.500 à ofendida.
2- O arguido recorre, concluindo –
1) O recurso tem como um dos fundamentos a impugnação da matéria de facto fixada, a determinação da medida da pena e a aplicação do perdão da lei 29/99 de 12 de Maio, porque pode ler-se no dispositivo da sentença que "consistiram em agredir física e psicologicamente a sua mulher MA... o que fez reiteradamente ao longo de mais de trinta anos " e ainda a decisão de direito.
2) A sentença pelas razões acima expostas não tem fundamento probatório para condenar o arguido nas penas que lhe foram aplicadas.
3) A sentença, optando por condenar o arguido nos moldes em que o fez, não observou os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade consagrados nos art° 70 e 71 do Código Penal. Só assim se cumpre as exigências do art° 40 do C.P que visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente.
Com esta sentença –, para cumprimento da pena acessória de proibição de contacto com a ofendida por 16 meses –, mandamos o arguido doente e não criminoso para a rua... ou para onde?
Com esta sentença –, com pensão de 360€ como vai o arguido pagar o pedido de indemnização civil arbitrado pelo tribunal (?). Qual o regime de bens do casal (?) –, porque necessitamos de saber qual o acervo patrimonial que responde. Sabemos nós que o arguido e ofendida são casados em comunhão de bens. Daí não poder dispor dos seus bens sem o consentimento da esposa e ofendida em tempo útil (vide os artigos 1671 do CC).
Perante isto como se resolve? O arguido está impossibilidade de dispor dos bens comuns do casal em tempo útil para cumprir a condição e evitar a prisão.
Encontram-se violados os princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade. Não se provou que o arguido tenha agido ilícita e dolosamente. A rigidez da sentença não considera nenhuma causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade, podendo e devendo o juiz recorrer a institutos de natureza geral como a atenuação especial da pena ou dispensa da pena para adequar a sanção à personalidade do arguido e às circunstancias apuradas quanto à pratica do crime.
O art° 51/2 do CP estabelece o principio de que em caso algum os deveres impostos condicionantes da suspensão da execução da pena podem representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoável de lhe admitir, traduzindo assim o princípio da razoabilidade de orientação para o tribunal, de delimitação do domínio onde o tribunal há-de mover-se em vista da remoção do mal causado.
Caso a caso, face à apreciação dos elementos de prova, é legítima ao juiz a escolha entre penas detentivas e não detentivas, competindo aos tribunais a rigorosa selecção dos delinquentes que hão-de ser sujeitos a umas e outras.
Face à factualidade apurada, optando claramente pela suspensão da execução de pena, é preciso averiguar se existem condições para o afastamento do arguido da sua residência.
O art.º 50º e 51º do CP consagra o princípio da razoabilidade. O art.º 71 o principio de que a pena não pode em caso algum de ultrapassar a medida da culpa.
Existiu uma incorrecta subsunção dos factos ao direito. Consequentemente foram violados os art.ºs 70 e 71 do CP, havendo clara violação do princípio constitucional de que todos têm direito a habitação ou "tecto" para pernoitar. Existe assim erro de julgamento da matéria de facto, aplicação e violação do principio «in dubio pro reo». Art° 32 e 18º da CRP, e art°s 655/1 e 668/ 1 do CPC; padece a sentença dos vícios do artigo 410/2 do CPP
4) Existem notórios erros de julgamento, pelo que a sentença padece de nulidade por omissão das menções do art° 374/2 do CPP, quais sejam a descriminação dos concretos motivos de facto que fundamentam a decisão condenatória.
5) Ainda se considera que o procedimento criminal pela prática de eventuais factos anteriores à lei da amnistia e à lei 7/2000 de 27/5 se encontram prescritos. Invoca-se a prescrição do procedimento criminal quanto aos factos descritos como provados sob os itens supra referidos atendendo ao período de tempo sobre eles decorrido. Baseando-se a sentença nesses factos para condenar o arguido, violou-se o disposto no art° 118º do Código Penal.
Dir-se-á que nos termos da lei 7/2000 de 27/5, os factos praticados anteriormente a 1/6/2000 apenas podem ser objecto ou constituir crime autónomos, nunca podendo ser incluídos na (…) em virtude de lei anterior que declare caracterização de conduta reiterada ou continuada que tipifica o crime previsto no art° 153 do CP. Aí existe violação do n° 1 do art° 29 da Constituição porque ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão [for] punível a acção ou omissão.
Veja-se o provado como ocorrido entre 1999, 2002 e 2006. Como diria o Prof. Taipa de Carvalho "que o tipo legal de crime em análise, pressupõem segundo a ratio da autonomização deste crime, uma reiteração das respectivas condutas. Um tempo longo entre dois ou mais dos referidos actos afastará a reiteração ou habitualidade pressuposto, implicitamente, por este tipo de crime"
...o sair e voltar do cônjuge...
Ou seja! Lê-se na sentença, referindo-se às declarações do arguido:
"sai de casa sem que lhe de quaisquer explicações, ausentando-se sem lhe dar conhecimento.",
...pode esta conduta da ofendida configurar um perdão. Não se vislumbrando qualquer situação de medo, terror ou equiparado, dependência económica ou emocional.
Exige-se uma pluralidade de condutas ofensivas –, agressões físicas ou psíquicas, ameaças, injúrias, tratamento cruel ou desumano, humilhação, provocado etc. do acto de molestar o cônjuge ou equiparado, em suma conduta que traduza gravidade, crueldade, insensibilidade e malvadez. Face aos factos dados por provados que vão impugnados não se provou a malvadez do arguido.
6) A matéria de factos vertidas nos itens 4, 5, 6, 7,8, 26 dos factos provados não especifica as circunstâncias de tempo, lugar e modo da respectiva prática impedindo o exercício de um efectivo direito de defesa do recorrente, em clara violação do dispositivo do art° 32 da CRP. Daí que a sentença se funda numa incorrecta interpretação do artigo 152/ 3 do Código Penal, não tendo ficado demonstrada uma actuação grave e reiterada. Factos dados por provados que em nosso entender não se provaram da forma como descrita por falta do tempo, lugar e modo.
Deverá a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido do crime, do pedido de indemnização civil arbitrado que contra si não foi deduzido e da pena acessória ter de sair de casa por 16 meses.
3- Respondeu o Ministério Público pelo infundado do recurso, no que foi secundado pela Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta.
4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar e decidir!
II –
1- Decisão de facto inserta na sentença –
A) Factos provados –
1) O arguido AA... e a ofendida MA... são casados entre si desde 2 de Novembro de 1969.
2) O relacionamento entre o casal desde sempre se mostrou conflituoso em virtude das agressões físicas e verbais que o arguido, de modo reiterado e constante, vinha praticando sobre a sua mulher.
3) Tais episódios tiveram lugar no interior da casa de morada de família, sita na Rua …, do concelho de Alcanena.
4) Desde que contraíram casamento que o arguido, por número de vezes que, em concreto, não se logrou apurar, mas de forma frequente e repetida, dirigia-se à referida MO… apelidando-a de “puta”, “cabra” e “ordinária”.
5) Por outras vezes, dirigindo-se a esta proferia as seguintes expressões: “Dou cabo de vocês”, “Dou-vos um tiro”, “Mato-os a todos”, aludindo, também, aos seus filhos.
6) Em data que em concreto não foi possível determinar, o arguido comprou 2 (duas) pistolas.
7) O arguido chegou a exibir essas pistolas à ofendida sua mulher ameaçando-a de morte.
8) As agressões físicas que o arguido, de modo reiterado e constante, exercia sobre aquela MO… traduziam-se em bofetadas, murros, pontapés, puxões de cabelos, empurrões contra as paredes e arremesso de objectos na sua direcção.
9) No dia 10 de Outubro de 1999, ao deparar-se com o seu filho V… morto, a aludida MO… começou a chorar e a gritar.
10) Nesse momento o arguido desferiu na ofendida um empurrão.
11) No dia 28 de Setembro de 2002, cerca das 21 horas, o arguido AA…, logo após ter entrado em casa, iniciou mais uma discussão com a sua mulher, a referida MO….
12) Nessa sequência, segurando nos cabelos desta última, empurrou-a contra a parede.
13) Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu hematoma na região supraciliar e hematoma na região occipital.
14) No dia 28 de Abril de 2006, em hora que, em concreto, não se logrou apurar, o arguido AA..., usando de força, desferiu um empurrão no corpo daquela MA..., provocando a sua queda no chão, seguida de desmaio.
15) Após recuperar os sentidos, a ofendida tentou rastejar para sair do local e pedir auxílio.
16) Nesse momento, o arguido empunhou um sacho e quando a ofendida pediu que lhe tirasse a vida aquele AA... disse-lhe que preferia vê-la sofrer, nem que fosse por vinte minutos.
17) No dia 25 de Agosto de 2006, em hora que em concreto não foi possível determinar, o arguido, trazendo na mão uma das suas pistolas, dirigiu-se à aludida MA... proferindo a seguinte expressão: “Ó sua puta, desgraçaste a minha vida, mas diz lá ao teu amigo da mota [referindo-se ao pai do seu genro] que não se aproxime pois eu tenho aqui esta [referindo-se à mencionada pistola] e ainda tenho outra que leva oito”.
18) O arguido actuou sempre de modo livre, voluntário e consciente, com o propósito, concretizado, de lesar o corpo e a saúde e de maltratar psicologicamente, de forma reiterada e constante, a ofendida MA....
19) Sabia que ao agir dessa forma resultariam para a ofendida, não só lesões físicas, como também sentimentos de desconsideração, desonra e humilhação.
20) Ao actuar do modo como actuou o arguido deixou sempre aquela MA... em constante sobressalto pela segurança da sua vida, integridade física e paz de espírito, provocando-lhe sentimentos de instabilidade que se reflecte no seu estado psíquico.
21) O arguido agiu com total indiferença aos deveres de respeito e cooperação para com o seu cônjuge, sem motivo justificativo e com o fim exclusivo de fazer valer a sua vontade pelo recurso à violência física e psíquica.
22) Aproveitou-se, para o efeito, da sua superioridade física e da proximidade que potenciava a sua relação com a ofendida.
23) Com a sua conduta o arguido feriu a dignidade pessoal da mulher, agindo sempre com desprezo e crueldade.
24) O arguido não desconhecia o carácter reprovável e proibido da sua conduta.
25) Do Certificado do Registo Criminal do arguido nada consta.
26) Algumas agressões físicas e verbais do arguido para com a ofendida MA...chegaram a ter lugar na presença das filhas do casal, ainda quando estas eram crianças.
27) No dia 10 de Outubro de 1999, nas circunstâncias descritas em 9), o arguido dirigiu à ofendida as seguintes expressões: “Deixa-te de fitas”, “Parece que és parva”.
28) No dia 28 de Setembro de 2002, nas circunstâncias mencionadas em 11), o arguido proferiu a seguinte expressão que dirigiu à sua mulher: “Ó sua puta, que é hoje que dou cabo de ti”.
29) Nessas mesmas circunstâncias, o arguido desferiu apertões no peito daquela MA....
30) No dia 28 de Abril de 2006, nas circunstâncias referidas em 14), quando empunhava o mencionado sacho, o arguido dirigiu à ofendida a seguinte expressão: “Ah sua puta que a minha vontade é enfiar-te o bico pela cabeça abaixo”.
31) O arguido e a ofendida MA...vivem na mesma casa.
32) É a ofendida quem trata da roupa do arguido, lavando-a e passando-a a ferro.
33) É a ofendida quem limpa essa casa e quem arruma a cama onde dorme o arguido.
34) Há, pelo menos, três anos que o arguido e a ofendida não dormem juntos, nem têm relações sexuais.
35) A MA... mantém-se na casa de morada de família por temer que o arguido exerça represálias junto das suas filhas, caso se decida a residir com estas.
36) Após a ofendida ter denunciado o arguido, no dia 5 de Setembro de 2006, este moderou o seu comportamento para com aquela.
37) O arguido é reformado, auferindo uma pensão mensal de cerca de €360.
38) O arguido reside em casa própria, sendo o agregado familiar composto por si e pela sua esposa que exerce a profissão de operária de curtumes, auferindo vencimento que em concreto não se logrou apurar.
39) O arguido é doente, despendendo em medicamentos, por mês, quantia que ronda os €80.
40) Para a sua subsistência cultiva uma horta.
41) Possui como habilitações literárias a 4ª classe.
42) Junto do círculo de pessoas com quem convive, o arguido é tido como indivíduo pacífico, bem comportado, honesto e respeitador.
B) Factos não provados –
Não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa. Designadamente:
a) que as agressões físicas exercidas pelo arguido sobre a sua mulher se tivessem intensificado nos últimos quatro anos;
b) que ao exibir as mencionadas pistolas o arguido dirigisse à mulher as expressões: “Enquanto não te matar, não descanso”, “Mato-te sua puta”;
c) que no dia 28 de Setembro de 2002, nas circunstâncias descritas em 11), o arguido desferisse vários pontapés em diversas partes do corpo da ofendida;
d) que no dia 28 de Abril de 2006, nas circunstâncias descritas em 14), o arguido apontasse o referido sacho na direcção do corpo da aludida MA...;
e) que, nessas circunstâncias, ao mesmo tempo o arguido dissesse que matava a ofendida;
f) que no dia 25 de Agosto de 2006 o arguido proferisse a expressão mencionada em 17) uma vez regressado a casa;
g) que nessas circunstâncias o arguido proferisse a expressão: “eu acabo contigo, acabo com vocês todos”, dirigindo-se à ofendida;
h) que aquela MA... confeccionasse as refeições do arguido;
i) quaisquer outros factos para além dos descritos em sede de factualidade provada, que com os mesmos estejam em contradição ou que revelem interesse para a decisão a proferir.
C) Motivação –
A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação de todos os meios de prova produzidos e/ou analisados em audiência de julgamento (cfr. artigo 355º, do Código de Processo Penal), conjugados criticamente à luz das regras da experiência corrente, aplicáveis nesta sede.
Atendeu-se ao auto de denúncia, de fls.3-8/17-22, no que concerne à data em que a mesma foi apresentada, bem como à certidão de nascimento, junta a fls.70, de onde se extraíram os elementos atinentes ao casamento entre o arguido AA... e a ofendida MA....
Considerou-se, também, a informação clínica, remetida pelo “Centro Hospitalar Médio Tejo, E. P. E.” – Unidade de Torres Novas, a fls.93-94, quanto às lesões que foi possível a esta unidade hospitalar observar na ofendida, quando aí recebeu tratamento no dia 29 de Setembro de 2002.
Tais documentos foram conjugados com as declarações do arguido e com os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas.
As declarações do arguido apenas assumiram relevância quando se tratou de confirmar os elementos respeitantes à data do seu casamento e à localização da casa de morada de família.
Quanto aos demais factos constantes da acusação pública, o aludido AA... negou-os frontalmente, não logrando convencer o tribunal quanto ao relato que prestou, atenta a ausência de coerência e seriedade na versão que apresentou.
Ante factos dotados de inegável gravidade e que o implicam, o arguido assumiu uma postura insensível e distante.
Negou alguma vez ter insultado, agredido fisicamente e/ou ameaçado a ofendida, sua mulher, descrevendo antes um quadro de verdadeira harmonia familiar, uma ou outra vez pautado por alguns desentendimentos, normais numa qualquer relação, como referiu. Não convenceu, todavia, ser essa a realidade do seu casamento.
Salvaguardando o sucedido no dia 10 de Outubro de 1999, dia da morte do filho daquele, estranha-se, por ser atentatório da lógica, que em relação às situações, alegadamente, ocorridas nos dias 28 de Setembro de 2002, 28 de Abril de 2006 e 25 de Agosto de 2006, o arguido retivesse na sua memória tais datas.
Na verdade, referindo-se na acusação pública que, nessas datas, o arguido agrediu e ameaçou a ofendida, sua mulher, e afirmando o aludido AA… que nunca o fez, o mais normal seria não ter esses dias bem precisos.
Com efeito, dizem-nos as regras da experiência corrente que o mais comum é guardar-se memória daqueles acontecimentos que escapam à normalidade do dia-a-dia.
A ser assim, afigura-se-nos, no mínimo, duvidoso, que o arguido, numa relação pautada pela ausência de quaisquer conflitos, apenas alguns desentendimentos – como esclareceu –, tivesse bem presente que no dia 28 de Setembro de 2002 e em Abril de 2006 não agrediu a ofendida, e que no dia 25 de Agosto de 2006 não a ameaçou, a ponto de descrever o que havia sucedido nessas datas.
Com efeito, o que o terá levado o arguido a reter na sua memória estes dias, se iguais a tantos outros, de acordo como aquilo que referiu? As declarações que o arguido prestou mostram-se, pois, pautadas por esta patente incongruência.
Por outro lado, se inicialmente alude a uma relação de anos com a ofendida, estável e harmoniosa, logo, concluímos, feliz, posteriormente, teceu considerações quanto à mesma, afirmando que aquela MA... sai de casa sem que lhe dê quaisquer explicações, ausentando-se sem lhe dar conhecimento, concluindo, a final, que tudo se trata de uma vingança engendrada contra si com a conivência das filhas.
Acresce atentar contra a experiência comum que alguém possa considerar ter uma relação normal e saudável com a sua mulher, sem discussões, apenas alguns desentendimentos, quando, como esclareceu o próprio arguido, não dorme com a ofendida na mesma cama e, pelo menos, desde há 3 (três) anos que não existe qualquer intimidade entre o casal.
Assim, as declarações do próprio AA... contrariam o retrato de plena harmonia que pretendeu transmitir ao tribunal. Procurou sustentar a versão que, em seu entender, seria mais susceptível de o favorecer, sem contudo cuidar de explicar cabalmente as supra apontadas contradições. Não mereceu, por essa razão, credibilidade, tendo enveredado por uma postura quanto a nós, infeliz –, a de vítima.
O mesmo não se poderá dizer do depoimento da ofendida MA..., que se assumiu essencial para o apuramento da verdade.
Pese embora a sua particular posição em relação ao arguido, já que sua mulher, relatou da forma mais clara e precisa que lhe foi possível os factos que a envolveram, nomeadamente, os insultos, ameaças e agressões físicas que o arguido lhe dirigiu e perpetrou ao longo de cerca de 39 (trinta e nove) anos de casamento, denotando, em vários momentos do seu depoimento, a comoção natural de descrever episódios da sua vivência com o aludido AA..., onde se incluem os constantes da acusação pública. Prestou um relato que se afigurou genuíno, sincero, credível, coerente e dotado de inequívoca lógica.
No seu discurso não se denotou qualquer pretensão vingatória ou retaliação em relação ao arguido, pelo contrário, a sua postura em julgamento foi de inegável simplicidade e humildade, procurando tão-só esclarecer o tribunal quanto aos aspectos da sua vida pessoal mencionados na acusação.
Não se logrou descortinar que procurasse ampliar os factos sobre que depôs, nem que pretendesse prejudicar o arguido, como seria até tentador, atenta a natureza humana e considerado o contexto e a gravidade das situações que se apreciam.
Em momento algum procurou denegrir o aludido AA…, já que evitou tecer quaisquer considerações ou qualificar a sua postura. Ao invés de revolta, manifestou sobretudo tristeza e desilusão face àquela que é/foi sua vivência e às expectativas que criou em relação ao casamento, sobretudo quando, como esclareceu, saiu de casa dos seus pais para casar, acreditando que seria para toda a vida.
Assim, a abordagem desta testemunha não se revelou de maneira alguma hostil, o que contribuiu, decisivamente, para que o tribunal se convencesse da veracidade do seu relato.
Note-se que, atendendo ao muito que contou, teria – quase que inevitavelmente – resvalado em contradições, não correspondesse o seu depoimento aos factos, tais quais ocorridos.
Assumiu, igualmente, relevância o depoimento da testemunha AM..., filha do arguido e da ofendida que, até ao seu casamento, altura em que saiu de casa, presenciou episódios diários de agressão, física e verbal, do pai em relação à mãe.
Esclareceu que, por vezes, juntamente com a sua irmã, ainda quando crianças, interpuseram-se entre o arguido e a ofendida, tendo como propósito evitar que aquele agredisse esta. Depôs de forma objectiva, espontânea, natural e verdadeira, pese embora denotando alguma comoção, por os envolvidos se tratarem do seu pai e da sua mãe, enriquecendo a percepção do tribunal com a perspectiva de quem vê sofrer e se sente impotente para travar o sofrimento.
Delimitou os factos sobre os quais tinha um conhecimento directo dos demais, sendo que o seu depoimento afigurou-se muito credível e sério, logrando convencer o tribunal da correspondência com a realidade.
A descrição que efectuou dos acontecimentos que não presenciou, cujos contornos foram-lhe relatados pela ofendida, é, no essencial, coincidente com a depoimento desta última que, resultou, assim, reforçado.
Não revelou particular animosidade para com o arguido, destacando-se antes o desânimo de nunca ter tido por parte daquele AA...um gesto, uma palavra, um carinho, uma qualquer atenção. Mereceu credibilidade, sendo o seu relato consentâneo com aquele prestado pela ofendida MA....
A testemunha CP..., marido da testemunha anterior e genro do arguido, foi ponderado, coerente e firme no seu discurso, cuja genuinidade não sofre reparo, desta feita tendo logrado convencer o tribunal da veracidade das afirmações que produziu, sempre sem prejuízo do forte contributo prestado pela coincidência de versões evidenciada pelas aludidas MA... e AM....
Demonstrou conhecimento directo dos factos sobre que depôs, decorrente de uma relação de 5 (cinco) anos de namoro e de 13 (treze) anos de casamento com esta AM..., que lhe permitiram conviver de muito perto com a ofendida e com o arguido.
O tribunal atendeu, também, ao depoimento da testemunha AP..., vizinha do arguido e da ofendida que, de forma isenta, objectiva e verosímil, esclareceu que desde que reside junto daqueles AA... e MA... nunca viu o casal a conversar entre si, o que se mostra consentâneo com os retratos traçados pelas testemunhas anteriormente identificadas.
Quanto à testemunha AF... assumiu, claramente, uma postura defensiva e que menos a comprometesse. Foi demasiadamente evasiva nas respostas que ofereceu e deliberadamente pouco rigorosa e minuciosa no relato que prestou. Afirmou vezes sem conta nunca ter presenciado o que quer que fosse entre o arguido e a ofendida, limitando-se a esclarecer que “eles [o casal] nunca se entenderam muito bem” e que, por diversas vezes, viu a ofendida a chorar, sendo por esta última que ia tendo conhecimento do que se passava na sua vivência com o aludido AA... Sousa.
As testemunhas JL…, MO…, AS… e PJ…, amigos do arguido desde um período que medeia os 17 (dezassete) e os 30 (trinta) anos, na medida em que a nada assistiram, não contribuíram para o esclarecimento do tribunal. Frequentando mais ou menos assiduamente a casa daquele AA…, nunca se aperceberam de qualquer tensão ou atrito entre este e a ofendida. Todas estas testemunhas consideraram tratar-se de um “casal normal”, pondo em dúvida os comportamentos que são apontados nestes autos ao arguido.
Apelando às regras da experiência corrente, não surpreende que as identificadas testemunhas não tenham um conhecimento directo dos factos. Com efeito, a factualidade dos autos assume-se de difícil demonstração em tribunal, porquanto, via de regra, as agressões são escondidas, ocorrendo dentro de portas, longe dos olhares indiscretos de vizinhos e amigos. Sabemos que, normalmente, o apuramento dos factos depende, sobretudo, das declarações do próprio agressor, da vítima, bem como de elementos clínicos que corroborem os episódios agressivos.
Por outro lado, a violência, seja física, seja verbal, que ocorra entre um casal não será objecto de comentário dos envolvidos junto do seu círculo de amigos, pelo contrário, o usual é ocultar o sucedido, manter em segredo, e caso tenham sido deixado marcas, imputá-las a um qualquer outro acontecimento banal, que não a própria agressão.
Como se escreve no Acórdão da Relação de Lisboa, de 06 de Junho de 2001, a criminalização das condutas inseridas na chamada “violência doméstica”, e consequente responsabilização penal dos seus agentes, resulta da progressiva consciencialização da sua gravidade individual e social, sendo imperioso prevenir as condutas de quem, a coberto de uma pretensa impunidade resultante da ausência de testemunhas presenciais, inflige ao cônjuge (...) maus tratos físicos ou psíquicos. Assim, neste tipo de criminalidade, as declarações das vítimas merecem uma ponderada valorização, uma vez que maus tratos físicos e psíquicos infligidos ocorrem normalmente dentro do domicílio conjugal, sem testemunhas, a coberto da sensação de impunidade dada pelo espaço fechado e, por isso, preservada da observação alheia, acrescendo a tudo isso o generalizado pudor que terceiros têm em se imiscuir na vida privada dum casal (sublinhado nosso; acessível em www.dgsi.pt /jtrl, número convencional JTRL00033358, relator Adelino Salvado).
No que concerne às condições pessoais, familiares, profissionais, económicas e sociais do arguido, face à ausência de outros elementos, o tribunal fundou-se nas declarações do próprio que se afiguraram suficientemente consistentes e credíveis.
Quanto aos aspectos atinentes à personalidade do aludido AA..., atendeu-se ao depoimento das testemunhas JL…, MO…, AL… e PJ… que, sendo seu amigos e com aquele conviventes, depuseram de modo que se afigurou sincero e convincente.
A convicção deste tribunal, quanto aos antecedentes criminais o arguido, alicerçou-se no seu Certificado do Registo Criminal, a fls.183.
A não demonstração dos factos não provados resultou, sempre sem prejuízo do exposto em sede de motivação dos factos provados, de, sobre os mesmos, não se ter logrado fazer prova (documental e/ou testemunhal), tendente a permitir concluir pela sua verificação, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º, do Código de Processo Penal.
*
2- O arguido discorda da decisão de facto naquilo em que o compromete com prática do crime, invocando também os vícios enunciados no art.º 410º/2 do Código de Processo Penal.
Discorda da pena, nomeadamente da aplicação da pena acessória de afastamento de sal casa e da sua condenação em indemnização civil.
3- Apreciação –
3.1- O recorrente faz apelo à presença na sentença dos vícios enunciados no art.º 410º/2 do Código de Processo Penal. Contudo, a nosso ver, sem razão. Os referidos vícios hão-de resultar do texto da decisão de facto por si só ou conjugada com as regras da experiência comum (cfr. corpo do n.º2 do referido artigo).
A insuficiência da matéria de facto para a decisão (de direito) só se verifica quando se antevê que os factos são passíveis de desenvolvimentos complementares determinantes de diverso juízo lógico/consumptivo –, que não é o caso.
A contradição insanável na decisão de facto pressupõe uma decisão sobre os factos em que estes colidam entre si ou com a sua fundamentação.
O erro notório é o erro evidente em que as provas que fundamentam a decisão indicam claramente um sentido diverso aos factos provados ou não provados; ou quando se violou uma «lex artis». Ora nada disto se verifica no caso.
Pelo que fica sumariamente dito, extrai-se que não ocorrem os indicados vícios.
3.2 – Com base nos depoimentos prestados o arguido discorda da decisão sobre a matéria de facto nos segmentos do provado que o comprometem com a prática do crime.
Em breve exórdio dirão que não pode pedir-se ao tribunal de recurso que faça nesta matéria faça um segundo e novo julgamento arrasando por completo o decidido pela 1ª instância. O recurso deve entender-se como remédio jurídico a aplicar a pontos manifestamente mal julgados, pois a um novo julgamento em total alheamento do julgado na 1ª instância se oporiam quer os princípios da oralidade e da imediação quer um sentido de inutilidade das decisões em 1ª instância.
Em julgamento o juiz deve manter-se atento à comunicação verbal mas também à comunicação não verbal. Se a primeira ainda é susceptível de ser surpreendida pelo tribunal de recurso, este fica impossibilitado de se socorrer da segunda para complementar e interpretar aquela, com todas as consequências que daí advêm.
O tribunal de recurso não tem a imediação da prova oral nas mesmas condições em que esta ocorre no tribunal recorrido. Por isso que a decisão só deva ser alterada quando seja evidente que a prova oral referida na fundamentação não conduz à decisão obtida; mas não quando havendo duas versões sobre os factos o juiz na 1ª instância optou por uma fundamentando-a racionalmente em detrimento da outra.
Não basta, pois, ao recorrente dizer que determinados factos estão incorrectamente julgados. Será necessário demonstrá-lo, nomeadamente face às regras da experiência comum.
O CPP consagra o princípio de que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador [art.º 127º]. Esta convicção é pessoal mas motivada em elementos que a tornem credível em conformidade com as regras da experiência, da lógica, da racionalidade, da razoabilidade.
E a prova necessária para a convicção do julgador não reside tanto na quantidade como na qualidade dos meios de prova produzidos.
Refere Paulo Saragoça da Matta que se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Note-se que a alínea b) do n.º3 do art.º 412º do Código de Processo Penal fala de provas que imponham decisão diversa.
Ouvidos os depoimentos e centrando a atenção para os que fundamentam o provado –, cfr. depoimentos de MA..., AM…, CD… e AP... –, temos por acertada a decisão impugnada. Efectivamente todas estas testemunhas parecem oferecer credibilidade pela forma como depuseram, apesar das más relações das três primeiras com o arguido mas que face à sua proximidade parental têm um conhecimento mais próximo da vivência do casal.
3.3- É, pois, dos factos provados que se terá de partir para se sindicar a decisão de direito naquelas questões que o recorrente também tem por mal julgadas.
3.3.1- Quanto à integração típica obtida na sentença, temo-la por correcta. Como nesta se refere e anota a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, o tipo inclui comportamentos que de forma reiterada lesam a dignidade humana. O bem jurídico por ele protegido é a saúde do cônjuge nas suas vertentes física, psíquica e mental.
O tipo compreende uma reiteração de condutas que se traduzem, cada uma à sua maneira, na inflicção de agressões físicas ou psíquicas ao cônjuge e que revelam uma tendência ou hábito de vontade do agente. A lei a todas unifica para criar um tipo novo a que dá um tratamento autónomo. E essa prática reiterada extrai-se da factualidade inserta nos n.ºs 2, 4 a 17, 27 a 30.
O tipo de crime em causa tem sido considerado como «crime habitual», em que cada uma das condutas isoladas perde a sua autonomia para efeitos punitivos. Consequentemente, o prazo prescricional do procedimento só se inicia desde a prática do último acto (cfr. art.º 119/2 alínea b) do Código Penal).
Daqui se vê o desacerto do recorrente ao invocar quer a prescrição do procedimento criminal relativamente às condutas mais remotas, quer a aplicação do perdão previsto no art.º 1º da Lei n.º 29/99 de 12/5 pois que o crime em causa perdurou para além de 25/3/1999.
O que se verificou com este tipo de crime com as sucessivas alterações legislativas que lhe foram sendo introduzidas foi uma sucessão de leis, pois o facto sempre foi punível por todas elas. E a doutrina tradicional é a de que nos crimes cuja execução se prolonga no tempo, se durante o seu decurso surgir uma lei nova, ainda que mais gravosa, é esta a lei aplicável a todo o comportamento, uma vez que não e possível distinguir partes do facto Cfr. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, vol. II, p. 32 e 62; vol. I, p. 278 ed. Verbo, 1998/1997. .
3.3.2.1- Quanto à pena principal de 2 anos de prisão, nada temos a objectar-lhe. Nesta questão sobreleva o estatuído nos art.ºs 40º/1 e 2 e 71º do Código Penal, para além da moldura aplicável, correctamente encontrada pelo tribunal na base da estatuição do art.º 2º/4 do Código Penal.
Assim, dir-se-á que a pena deve ser determinada mediante o recurso aos critérios gerais enunciados no art.º 71º com a limitação do princípio constante no n.º2 do art.º 40º do mesmo diploma, segundo o qual em caso algum a pena poderá ultrapassar a medida da culpa.
Dispõe o art.º 71º do Código Penal que a determinação da medida da pena é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa e das exigências de prevenção; na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
O juízo de culpa é um juízo em que se parte fundamentalmente do facto ilícito perpetrado. A expressão «culpa» utilizada no art.º 71º do Código Penal não tem o significado estrito de elemento constitutivo da infracção, mas um sentido amplo abrangente de todos os elementos do crime que nela se perspectivem e que são tomados em conta para graduar a censura que por ela deva ser feita ao agente, aí se incluindo a ilicitude, a culpa propriamente dita e a influência da pena sobre o criminoso.
Como refere o Prof. Germano Marques da Silva [Direito Penal Português, 3, pág. 130], “a pena será estabelecida com base na intensidade ou grau de culpabilidade (...). Mas para além da função repressiva, medida pela culpabilidade, a pena deverá também cumprir finalidades preventivas – de protecção do bem jurídico – e de integração do agente na sociedade. Vale dizer que a pena deverá desencorajar ou intimidar aqueles que pretendem iniciar-se na prática delituosa, por uma parte, e deverá ressocializar o delinquente pela outra”.
Ao fixar a pena o tribunal recorrido partindo da penalidade aplicável, ponderou todos os factos provados à luz dos referidos preceitos, não tendo olvidado as circunstâncias conhecidas que militam a favor e contra o arguido.
Note-se que é elevado o grau de ilicitude dos factos por se tratar duma prática persistente, grave e longa; o dolo é o directo e intenso; o arguido não confessou as suas condutas e não consta que revelasse qualquer arrependimento. Apesar disto, a pena fixada não atingiu o limiar médio da penalidade que é de 1 a 5 anos de prisão.
Dir-se-á, com o STJ Ac de 23.19.1996, BMJ 460, 411./ Ac de 4/3/2004, CJ 2004,1,220, que as expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa duma miragem, quando a medida concreta da pena não possuir o vigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando-se o limite da culpa. Se uma pena de medida superior à da culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício. E que observados os critérios legais de dosimetria concreta da pena, nomeadamente os do art.º 71º, há uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar, salvo casos de manifesta desproporcionalidade.
3.3.2.2- Quanto à pena acessória de afastamento do arguido da residência do casal, não podemos deixar de ser sensíveis aos apelos do recorrente.
A aplicação da pena acessória de afastamento da residência da vítima depende da ponderação das circunstâncias concretas de cada caso. Ora, o casal sempre viveu na mesma casa e não há factos donde se retire que o arguido possa, com maior ou menor dificuldade, acolher-se noutra.
Trata-se de pessoa doente que despende mensalmente €80 da sua pensão de €360 na compra de medicamentos –, sendo tal pensão a única fonte de rendimento que lhe é conhecida, para além do seu trabalho no amanho duma horta para o seu sustento.
Ao ponderar a aplicação da referida pena acessória o tribunal deveria ter curado em saber das possibilidades do arguido em se acolher debaixo doutro tecto, sabido que o direito a uma habitação também é um direito constitucional.
Temos assim por excessivo forçar o arguido a sair de sua casa sem que se ponderasse se tinha capacidade para se acolher noutra.
O casal sempre viveu debaixo do mesmo tecto e dos elementos constantes dos autos parece até que os familiares mais próximos (as filhas) se encontram com ele incompatibilizados.
3.3.2.3- Quanto à indemnização também a temos por desproporcionada face aos parcos rendimentos do arguido e à circunstância de se presumir ser a comunhão de adquiridos o regime de bens do casal, face à data do casamento.
Neste regime de bens do casal são comuns os rendimentos obtidos na constância do matrimónio.
E ao arguido não são conhecidos bens próprios, sabido que são os bens próprios de cada cônjuge que respondem pelas indemnizações provenientes da prática de crimes (cfr. art.º 1692º alínea b) do CC).
E tratando-se duma indemnização não peticionada nem submetida ao crivo do contraditório como o impõe o art.º 82º-A do Código de Processo Penal, mas arbitrada como mera condição da suspensão da execução da pena e por isso adstrita ao princípio da razoabilidade, face a tudo o referido reduz-se a mesma para €1.000 como teste da boa vontade do arguido em se redimir dos maus tratos que infligiu à esposa.
III –
Decisão – Termos em que, dando-se parcial provimento ao recurso, se revoga a pena acessória de afastamento do arguido da sua residência e se reduz para €1.000 (mil euros) o montante indemnizatório arbitrado como condicionante da suspensão da execução da pena de prisão.
No mais, confirma-se o decidido.
Porque decaiu parcialmente no recurso, condena-se o recorrente em custas com a taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.
Coimbra,