Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
496/04.1PCCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: JULGAMENTO NA AUDIÊNCIA DO ARGUIDO
DILIGÊNCIAS NECESSÁRIAS
Data do Acordão: 09/30/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA MISTA COIMBRA – 1ª
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 32º CRP,61º, 333º CPP
Sumário: 1. É um poder-dever do Tribunal procurar por todos os meios legais admissíveis obter a presença do arguido, só podendo concluir o julgamento sem a presença do arguido após a realização das diligências necessárias.
2. Só, desta forma se respeita a regra da obrigatoriedade da presença do arguido em audiência, os princípios da imediação, da oralidade e do contraditório, se garantem os direitos de defesa consagrados na nossa Constituição e se assegura suficientemente a tutela dos interesses do arguido sem pôr em causa as necessidades de realização da Justiça.
3. É nula a audiência de julgamento quando o tribunal não tomou qualquer medida para obter a comparência do arguido.
Decisão Texto Integral: No processo supra identificado foi proferido acórdão que:
1 – Julgou a acusação procedente e condenou os arguidos nas penas que a seguir se indicam.

a ) o arguido T... :

1 – Como co-autor de um crime de roubo previsto e punido pela conjugação dos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b ), com referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. e ), e 2, al. f ), todos do Código Penal ( factos provados n.º 6 a 8, 17 e 18 ), na pena de três anos de prisão.

2 - Como co-autor de um crime de roubo previsto e punido pela conjugação dos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b ), com referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. e ), e 2, al. f ), todos do Código Penal ( factos provados n.º 12 ,13, 17 e 18 ) , na pena de três anos de prisão.

3 - Como co-autor de um crime de roubo previsto e punido pela conjugação dos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b ), com referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. e ), e 2, al. f ), todos do Código Penal ( factos provados n.º 14, 17 e 18 ) , na pena de três anos de prisão.

4 - Como co-autor de um crime de roubo previsto e punido pela conjugação dos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b ), com referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. e ), e 2, al. f ), todos do Código Penal ( factos provados n.º 16, 17 e 18 ) , na pena de três anos de prisão.

5 - Como co-autor de um crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pela conjugação dos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b ), com referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. e ), e 2, al. f ) e artigos 22.º e 23.º, todos do Código Penal ( factos provados n.º 9 a 11, 17 e 18 ) , na pena de 7 meses de prisão.

6 - Como autor de um crime de furto simples, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 203.º do Código Penal ( factos provados n.º 1 a 5, 17, 18 e 19 ) , na pena de 7 meses de prisão.

7 - Como autor de um crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pela conjugação dos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b ), com referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. e ), e 2, al. f ) e artigos 22.º e 23.º, todos do Código Penal ( factos provados n.º 15, 17 e 18 ) , na pena de 7 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico na pena de quatro anos de prisão.

b ) O arguido L...:

1 - Como co-autor de um crime de roubo previsto e punido pela conjugação dos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b ), com referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. e ), e 2, al. f ), todos do Código Penal ( factos provados n.º 6 a 8, 17 e 18 ), na pena de três anos de prisão.

2 - Como co-autor de um crime de roubo previsto e punido pela conjugação dos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b ), com referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. e ), e 2, al. f ), todos do Código Penal ( factos provados n.º 12 ,13, 17 e 18 ) , na pena de três anos de prisão.

3 - Como co-autor de um crime de roubo previsto e punido pela conjugação dos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b ), com referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. e ), e 2, al. f ), todos do Código Penal ( factos provados n.º 14, 17 e 18 ) , na pena de três anos de prisão.

4 - Como co-autor de um crime de roubo previsto e punido pela conjugação dos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b ), com referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. e ), e 2, al. f ), todos do Código Penal ( factos provados n.º 16, 17 e 18 ) , na pena de três anos de prisão.

5 - Como co-autor de um crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pela conjugação dos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b ), com referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. e ), e 2, al. f ) e artigos 22.º e 23.º, todos do Código Penal ( factos provados n.º 9 a 11, 17 e 18 ) , na pena de 7 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico na pena de quatro anos e seis meses de prisão.

3 – Condenar cada um dos arguidos no pagamento das custas do processo. Fixou-se a taxa de justiça em seis ( 6 ) Ucs – artigo 85.º, n.º 1, al. a ) do Código de Custas Judiciais, sendo a taxa devida pelo arguido T...reduzida a metade atendendo à sua confissão.

Pagarão, ainda, cada um, 1 % desta taxa a favor do CGT, nos termos do artigo 13.º do Decreto Lei n.º 423/91 de 30/10.

4 – Fixou os honorários de defensor em 16,00 unidades de referência, nos termos do item 3.1.1.1.1 da tabela de honorários anexa à Portaria n.º 1386/04 de 10/11.

5 – Condenou os arguidos, solidariamente, a pagar ao ofendido R… a quantia de duzentos euros a título de danos patrimoniais e mil euros a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros, desde a notificação do pedido cível, quanto ao montante dos danos patrimoniais, à taxa legal de 4% ao ano e desde a data da publicação deste acórdão quanto aos danos não patrimoniais, à mesma taxa.

6 – Condenou os arguidos, solidariamente, nas custas do pedido cível.

*

Desta sentença interpôs recurso o arguido, L....
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso:

1: A actual redacção do artigo 333.º do Código de Processo Penal, não permite, desde logo que, sem mais, ante a ausência do arguido, se dê inicio à audiência, sendo mister que o Julgador aprecie, fundamentadamente, da prescindibilidade ou não da presença do arguido,

2: juízo que, na hipótese dos autos, não se verificou, Porém,

3: a questão da conformidade constitucional do referido comando do direito infra-constitucional deve ser averiguada mais fundamente. Com efeito,

4: nos termos do artigo 61.°-1, alínea a) do Código de Processo Penal - norma de natureza e conteúdo análogo às materialmente constitucionais, atinentes aos direitos fundamentais e que constitui a densificação do direito decorrente do artigo 32.° 1 do diploma fundamental - o arguido tem direito a participar nos actos processuais que directamente lhe respeitem, como é o caso, a todas as luzes, do seu julgamento (direito de auto-defesa e direito à última palavra). Por conseguinte,

5: a redução do âmbito da referida alínea do artigo 61.°-1, origina um conflito de normas para cuja superação devem ser tomados em conta outros comandos, no caso, de direito internacional, juridicamente vinculantes na ordem interna portuguesa: é sobretudo o caso da alínea c) do artigo 6.° 3 da Convenção Europeia, da alínea d) do artigo 14.°.3 do Pacto Internacional e da alínea d) do artigo 67°.1 do Estatuto do Tribunal Penal Internacional. Como assim,

6: haverá de concluir-se precipuamente que a referida norma do artigo 333,° ao permitir a realização imediata de julgamentos penais na ausência do arguido viola não só o disposto no artigo 32.° 1 da norma normarum, como os demais comandos acima referidos de direito internacional e, por conseguinte, é materialmente inconstitucional

7: e, nessa medida dando origem a uma nulidade insuprível e de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 204.° da Constituição da República, vício de matriz extra-processual e que deve ser tomado em conta como decorrência do cariz da aplicação imediata dos preceitos constitucionais atinentes aos direitos fundamentais, nos termos do artigo 18.° 1 da Constituição,

8: razão pela qual, desde logo, na procedência do presente recurso, o julgamento dos autos deve ser anulado. Mas não é tudo:

9: ainda que assim não se considerasse - o que se admite por mera cautela de patrocínio, mas sem conceder - sempre deveria considerar-se que os M.mos Julgadores violaram o disposto no artigo 32. °_2 do compêndio fundamental, ao fundamentarem, da forma que o fizeram, a co-autoria do recorrente relativamente aos crimes pelos quais veio a ser condenado, ostracizando, por inconsideração, o princípio do in dubio pro reo

10: do que resultou a inconstitucionalização do disposto no artigo 127. ° do Código de Processo Penal o que originou que o acórdão tenha incorrido no vicio do erro notório na apreciação da prova [artigo 410.°-2, alínea c) do CPP]. Por conseguinte,

11: também a esta luz se afigura ao recorrente dever preconizar a anulação do julgamento ou, no mínimo, do acórdão recorrido.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta, pela procedência do recurso.


xxx

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito e de facto já que a prova se encontra documentada.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:

1 - No dia 3 de Dezembro de 2003, cerca das 18.0 horas, no Serviço de Cirurgia Vascular sito no 4.º piso dos HUC, o arguido T..., que ali visitava familiares, aproveitando-se de um momento de distracção da ofendida M..., que se encontrava no mesmo serviço, em virtude do seu marido ter sido ali submetido a intervenção cirúrgica, retirou-lhe a carteira que no interior continha um porta-moedas, no valor de, pelo menos, 25,00 euros; toda a documentação pessoal, cartões multibanco, chaves, cerca de 40,00 euros em dinheiro e um telemóvel, marca Nokia 5210, da rede Optimus, com o número …, com o IMEI 350881106379470, no valor de 150,00 euros.

2 - O arguido T..., na posse do referido telemóvel efectuou diversas chamadas telefónicas para o telemóvel n.º …, titulado por P..., cuja actual companheira, F... é irmã do arguido T....

3 - No mesmo período também se encontrava hospitalizada no 4.º piso dos HUC, Cirurgia Mulheres, I..., mãe do arguido T… e de F…, companheira do P..., para cujo telemóvel o arguido T... efectuou chamadas.

4 - O telemóvel com o IMEI 350881106379470, que se encontrava associado ao número 93.310169 titulado pela ofendida M..., passou, em 4 de Dezembro de 2003 a estar associado ao número 93 3307215, titulado por T....

5 - A carteira e respectivos documentos, à excepção do telemóvel, do dinheiro e dos cheques, acabariam por aparecer no chão dos HUC, supostamente arremessada por uma das janelas daquele hospital.

6 - No dia 29 de Fevereiro de 2004, cerca das 00h05, ao fundo das escadas do Liceu José Falcão, nesta cidade, o T... encontrava-se juntamente com o seu amigo L…, no interior do veículo que este conduz, de matricula …, Opel Corsa branco, à espera que algum transeunte ali passasse com a finalidade de o assaltarem. Assim, mal avistaram o B..., agindo de acordo com um plano previamente aceite por ambos, o arguido T... saiu do carro, abeirou-se do ofendido B..., empunhando um objecto metálico não concretamente determinado e proferiu a seguinte expressão: « passa para cá nota », bem como, em tom ameaçador, insistia na entrega do telemóvel que o ofendido trazia na mão.

7 - Impossibilitado de reagir e com medo o ofendido, entregou-lhe um telemóvel no valor de 140,00 euros e duas notas de 20,00 euros, cada, no total de 40,00 euros.

8 - Na posse do dinheiro e do telemóvel o arguido T... entrou no carro acima referido onde o aguardava o arguido L...e ambos, de seguida, dirigiram-se ao Bairro da Rosa, em Coimbra, onde trocaram o dinheiro e os objectos por 2 gramas de cocaína que ambos consumiram, de imediato.

9 - Também no dia 29 de Fevereiro de 2004, cerca das 05.15 horas, na Rua Correia Teles, nesta cidade, os arguidos encontravam-se ambos no interior do veiculo de matrícula …quando avistaram o ofendido T... a descer a Rua Correia Teles. O T... saiu do carro, abeirou-se do ofendido T..., agarrou-lhe o casaco pela zona do peito e encostando-lhe um objecto cortante na zona do abdómen disse-lhe para tirar tudo dos bolsos. Como o ofendido não acedeu à sua ordem, o arguido, acto imediato, encostou-lhe o objecto ao pescoço, tendo aquele sentido subitamente um corte. Não satisfeito com os seus intentos, o arguido, em tom cada vez mais agressivo, mandava tirar tudo dos bolsos do ofendido, mas este, defendeu-se da agressão empurrou-o e fugiu dali em direcção à Rua Almeida Garrett, onde se encontravam amigos.

10 - O ofendido tinha na sua posse um telemóvel Sharp, Gx 20, no valor de cerca de 200,00 euros, cerca de 50,00 euros em dinheiro.

11 - Em consequência desta agressão o ofendido sofreu uma escoriação com 3 mm de diâmetro situada na face anterior do pescoço, ligeiramente à esquerda da linha média as quais demandaram para se curar de um período de três (3) dias de doença, sem incapacidade para o trabalho.

12 - Frustrados que ficaram ambos os arguidos com o insucesso deste assalto dirigiram-se ambos no Opel Corsa para outro ponto da cidade com o intuito de procederem como habitualmente.

Assim cerca das 06.00 da manhã desse mesmo dia, os arguidos avistaram perto da Rotunda do Papa a ofendida X... que se dirigia a sua casa.

Então, já perto do Quartel, o arguido L...saiu do carro e abordou a ofendida pedindo-lhe um cigarro ao que esta respondeu não ter.

Acto imediato, a ofendida X...foi surpreendida pelo arguido T... que lhe arrancou das mãos e com força uma bolsa de cor preta e fugiu em direcção da viatura na qual já se encontrava à espera o seu amigo L… .

A bolsa, da marca Parfois, continha no seu interior um telemóvel de marca Nokia, modelo 5210, no valor de 100,00 euros, diversos documentos pessoais e cartões, um módulo de senhas, e um par de óculos da marca Armani, no valor de 200,00 euros.

13 - Na posse destes objectos dirigiram-se ambos os arguidos ao Bairro da Reivinha onde tentaram fazer levantamentos com os cartões Multibanco.

Uma vez que não conseguiram fazer qualquer levantamento, no dia seguinte dirigiram-se, ambos, ao Bairro da Rosa, onde trocaram o telemóvel por meia grama de cocaína

A referida bolsa viria a ser encontrada com parte dos objectos junto de uma oficina na Relvinha.

14 - No dia 02 de Março de 2004, cerca das 23,30 horas, encontravam-se ambos os arguidos na Rua do Instituto Maternal, nesta cidade, quando avistaram uma possível vítima ao fundo da rua. Acto imediato, o arguido T... saiu do carro, abeirou-se do ofendido R... e empunhando uma navalha na mão exigiu-lhe a entrega do telemóvel. Nesta altura, o ofendido R... não reagiu e pediu-lhe para lhe deixar ficar com o telemóvel que precisava muito dele. Face à insistência do arguido e, com medo, o ofendido acabou por entregar ao arguido T... todo o dinheiro que trazia consigo, cerca de 200,00 Euros, mas permaneceu na posse do telemóvel.

Na posse do dinheiro o arguido T... foi ao encontro do arguido L...que o aguardava dentro do carro, na Rua Antero de Quental e juntos, dirigiram-se, de imediato, ao Bairro S. João de Deus, no Porto, onde compraram cerca de 150,00 euros de cocaína, que ambos consumiram.

15 - No dia 8 de Março de 2004, cerca das 15.00/15.30 horas, na Mata Nacional do Choupal, em Coimbra, o ofendido N..., que se encontrava acompanhado pelo amigo Y…, foi abordado pelo arguido T... que daquele se aproximou pela retaguarda e ao mesmo tempo que encostava um X-acto na anca esquerda do ofendido exigia a entrega do telemóvel e da carteira.

O telemóvel do ofendido valia 100,00 euros e na carteira o N...tinha cerca de 10,00 euros.

O arguido só não logrou atingir os seus intentos porque o ofendido lhe deu um empurrão que o desequilibrou e rapidamente fugiu do local,

16 - No dia 12 de Março de 2004, cerca das 00,15 horas, os arguidos T... e L...circulavam de carro pela Rua Antero de Quental quando avistaram a próxima vítima a subir a rua. De imediato, o arguido T..., de acordo com o plano previamente acordado, , aceite e já utilizado, saiu do Opel corsa e aborda o ofendido J... por trás empunhando uma faca, exigindo o telemóvel e o dinheiro que trazia consigo.

O ofendido receando pela sua vida entregou-lhe o telemóvel no valor de 400,00 euros e 15,00 euros em dinheiro, além de um maço da tabaco SG Ventil e um isqueiro amarelo.

17 - Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e em comunhão de esforços, com o propósito, concretizado, de integrar na sua esfera patrimonial quer o numerário quer todos os objectos retirados, lesando o corpo e a saúde dos ofendidos, usando para tal ou objectos perfurantes/armas aparente ou oculta e/ou a violência, bem sabendo que aqueles bens e dinheiro não lhes pertenciam, e que agiam contra a vontade dos seus legítimos possuidores.

18 - Não desconheciam, os arguidos, o carácter ilícito e criminalmente censurável das suas condutas.

19 - O arguido T... integrou ainda no seu património o telemóvel e o dinheiro da ofendida M...não obstante saber que o mesmo não lhe pertencia e que agia sem o consentimento e contra a vontade da respectiva dona.

20 - O arguido T... teve uma infância e adolescência desamparadas que não o prepararam para o cumprimento dos papéis sociais, responsabilidade social e autonomização económica.

A data dos factos pernoitava numa casa abandonada em Coimbra e de vez em quando pernoitava em casa de uma irmã, pois tinha abandonado a casa dos pais por não haver bom relacionamento .

Fez algumas experiências profissionais, mas passageiras.

Não tem tido condições pessoais, familiares e sociais para abraçar um projecto de vida consistente.

À data dos factos consumia estupefacientes.

Do seu certificado de registo criminal consta uma condenação em cinco meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, no âmbito do processo comum singular n.º 16/99 do 1.º juízo criminal de Coimbra, pela prática de um crime de furto qualificado; foi condenado em cúmulo na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa por três anos, pela prática de um crime de furto qualificado, no âmbito do processo comum singular n.º 174/99 do 1.º juízo criminal de Coimbra; e em dezoito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos, pela prática de um crime de roubo, no âmbito do processo comum singular n.º 1672/03.0PCCBR, do 4.º juízo criminal de Coimbra.

21 - Do certificado de registo criminal do arguido L...consta que este foi condenado na pena de 90 dias de prisão, substituída por multa, pela prática de um crime de furto, por decisão de 20-4-1993, no âmbito do processo comum singular n.º 5/93 do 1.º juízo criminal da comarca de Coimbra; foi condenado na pena de 6meses de prisão, substituída por multa, pela prática de um crime de furto, por decisão de 15-7-1993, no âmbito do processo sumário n.º 4447/93 do 3.º juízo criminal da comarca de Coimbra; em dezasseis meses de prisão e quinze meses de multa, em cúmulo jurídico, suspensa na sua execução pelo período de três anos, no âmbito do processo comum colectivo n.º 295/03, do 4.º juízo criminal de Coimbra, decisão proferida em 26-11-1993; em vinte e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos, pela prática de um crime de furto qualificado e consumo de estupefacientes, no âmbito do processo comum colectivo n.º 606/03, do 4.º juízo criminal de Coimbra, decisão proferida em 10-12-1993; em vinte e dois meses de prisão e trinta e cinco dias de multa, suspensa na sua execução pelo período de três anos, por uso de documento falso, no âmbito do processo comum colectivo n.º 21/94, do 2.º juízo criminal de Coimbra, decisão proferida em 29-03-1994; em nove meses de prisão e vinte dias de multa, suspensa na sua execução pelo período de três anos, no âmbito do processo comum colectivo n.º 213/94, do 3.º juízo do tribunal de círculo de Coimbra, decisão proferida em 07-07-1995; em dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos, no âmbito do processo comum colectivo n.º 42/95, do 2.º juízo do tribunal de círculo de Coimbra, decisão proferida em 16-01-1996, suspensão que veio a ser revogada por decisão tomada em 4-03-1997; em um ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos, no âmbito do processo comum colectivo n.º 2/96, do 2.º juízo do tribunal de círculo de Coimbra, decisão proferida em 21-03-1996, suspensão que veio a ser revogada por decisão tomada em 15-05-1997; em três anos e nove meses de prisão, em cúmulo jurídico, no âmbito do processo comum colectivo n.º 2/96, do 2.º juízo do tribunal de círculo de Coimbra, decisão proferida em 29-09-1997; em três anos de prisão, em cúmulo jurídico, no âmbito do processo comum colectivo n.º 79/96, do 2.º juízo do tribunal de círculo de Coimbra, decisão proferida em 20-12-1996.

Em 22 de Março de 2002 foi-lhe concedida a liberdade definitiva com efeitos desde 21-02-2002.

Voltou a ser condenado por um crime de furto na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos, por factos praticados em 12-3-2001, tendo a decisão transitado em 26 de Fevereiro de 2003, no âmbito do processo comum colectivo n.º 144/01, do 4.º juízo criminal de Coimbra.

( Parte cível )

22 - O ofendido R...Em consequência dos factos acima referidos sob o n.º 14 ficou muito abalado psicologicamente .

b ) Factos não provados.

Que o blusão que o arguido T... rasgou tenha custado ao ofendido 150,00 euros.

c ) Fundamentação da matéria de facto.

Quanto aos factos provados dos n.º 1 a 19 inclusive, a convicção baseou-se nas declarações do arguido T... que confessou estes factos, tendo respondido de forma que se afigurou concordante com a realidade passada, quer porque não se detectaram indícios de ficção nas respostas que deu, quer porque a confissão se harmonizou com o depoimento das testemunhas M..., T..., R..., N...e J..., quer ainda, porque não se detectou nas declarações do arguido e nos depoimentos prestados qualquer oposição ou violação às/das regras da experiência.

A participação do arguido L...nos factos em questão baseou-se nas declarações do arguido T... e também

Este arguido explicou que o arguido L...não enfrentava as vítimas cara a cara, permanecendo no automóvel com vista a recolher o arguido T... após o assalto e saírem do local, como medida preventiva, isto é, para não ser associado futuramente ao assalto, uma vez que já tinha estado preso.

Ora, verifica-se que existia efectivamente uma razão para o arguido L...ter tomado tal comportamento, pois à data dos factos o arguido L...gozava de suspensão da execução da pena de 15 meses de prisão em que havia sido condenado no âmbito do processo 144/01.1PBCBR, do 4.º juízo criminal de Coimbra, por decisão transitada em 26 de Março de 2003, suspensão essa pelo período de três anos e seis meses ( cfr. certificado de registo criminal – folhas 343 ).

Porém, a testemunha T...confirmou que o arguido T... era acompanhado, à distância, por outro indivíduo num automóvel Corsa, branco comercial, tendo verificado a matrícula, que ainda recordava. A testemunha J… .

Outras testemunhas não confirmaram a presença do arguido L…, mas isso não significa que ele não estivesse no local, apenas significa que as testemunhas não o viram ou se porventura puseram os olhos nele não o relacionaram com o arguido T... ( isto é, a ausência de prova não é o mesmo que prova da ausência ).

Por outro lado, não se detectou qualquer razão para o arguido T... ter referido que agiu em conjugação de esforços e intenções com o arguido L...se tal não tivesse efectivamente sido verdade.

Se porventura o arguido T... tivesse imputado os factos ao arguido L...para ele próprio deixar de ser o seu autor, então, já haveria aqui um motivo sério, adequado, para suspeitar da correspondência das declarações do T... com a realidade efectivamente ocorrida.

Mas não é isto que ocorre, e as declarações do arguido T... dizendo que actuava em conjunto com o L…, nem servem para lhe atenuar a responsabilidade.

A experiência quotidiana também é favorável à actuação conjugada, associada, de mais de um indivíduo em situações como a dos autos, uma vez que dois ou mais elementos aumentam a eficácia e êxito do roubo.

Vejamos : que razão, num caso como o dos autos, que pode ser qualificado como de criminalidade não organizada, não profissional, mas antes, comum, corrente, típica, poderia levar um arguido a inventar e imputar a comparticipação de um outro indivíduo, perfeitamente identificado, sabendo que estava a envolver um inocente em factos criminosos susceptíveis de o levar a uma pena de prisão, se tal imputação de nada lhe servisse e, além disso, não fosse verdadeira ?

Não se encontram quaisquer razões, nem se vislumbraram quaisquer indícios para suspeitar da falsidade de tal imputação.

Daí que se tenha dado credibilidade às declarações do arguido T... quando afirmou a sua actuação em conjugação com o arguido L….

Relativamente aos factos do n.º 1, 2, 3 e 4 a convicção baseou-se ainda nas informações prestadas pela empresa Optimus a folhas 130 e 133.

Relativamente aos factos dos n.º 20 e 21, a convicção baseou-se nas declarações do arguido T..., relatório social de folhas 238 e certificados de registo criminal.

Quanto ao facto não provado a convicção resultou da circunstância de não ter sido feita prova quanto a ele.

Relativamente aos factos do n.º 22 a convicção baseou-se no depoimento do próprio ofendido R..., bem como nas regras da experiência, cumprindo neste caso, fazer um esforço no sentido do julgador ( ou de qualquer outra pessoa que avaliar a situação ) se colocar no lugar da vítima e tentar compreender os efeitos psicológicos que uma situação como a relatada causa em quem a sofre.

O próprio referiu que durante meses o episódio lhe vinha involuntariamente à memória e que chegou a evitar passar naquela rua.

A testemunha O… também referiu que esteve pouco depois dos factos com o ofendido e que este estava muito perturbado, tendo-o acompanhado à polícia.

Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (Ac do STJ de 19/6/96, no BMJ 458-98).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr Germano marques da Silva, in “Curso de Processo penal”, III, pg 335).

Questões a decidir:

- Se foi violado o disposto no artº 333º do CPP;

- Se há erro notório na apreciação da prova;

- Se foi violado o princípio in dúbio pro reo;

- Se foi violado o disposto no art 345º do CPP;

O arguido, L..., pugna pela anulação do julgamento na medida em que este foi realizado ao abrigo do disposto no artº 333º nº 1 do CPP, que é materialmente inconstitucional, dado que impede o arguido julgado na sua ausência de se auto-defender e de fazer uso do direito à última palavra e, também, o Tribunal, não deu cumprimento legal à norma legal em questão, já que, perante a ausência do arguido, não tomou posição fundamentada acerca da prescindibilidade, ou não, da presença dele na audiência.

Vejamos:

Como consta da acta de fls 352 e segs o arguido não compareceu ao julgamento, apesar de, para notificá-lo, ter sido enviada carta registada com prova de recepção para a morada constante do TIR (fls 248 e 332), carta que foi devolvida por não ter sido reclamada (fls 350 e 351), considerando-se, por isso notificado ao abrigo do disposto no art 196º, nº 3 al d) do CPP.

O Mº Pº apenas promoveu a realização do julgamento do arguido “como se estivesse presente” e o Mmo Juiz sem se pronunciar quanto à justificação da falta e, portanto, pela aplicação ou não de multa ao faltoso e sem tomar qualquer das medidas previstas no nº 2 do artº 116 do CPP ou no artº 254 do mesmo diploma ambos aplicáveis por força do nº 6 do artº 333º do CPP “ordenou que se procedesse à realização do julgamento, com a sua gravação…”.

O artº 32 da Constituição da Republica Portuguesa define as garantias do processo criminal. E o nº 1 estatui que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa incluindo o recurso.

Por seu lado o nº 6 deste normativo estabelece que a lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento.

O artigo 61º nº 1 do Código de Processo Penal que versa sobre os direitos e deveres do arguido, dispõe, que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e, salvas as excepções da lei, dos direitos de:

a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disseram respeito;

b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte;

f) Ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar e, quando detido, comunicar, mesmo em privado, com ele;

h) Ser informado, pela Autoridade judiciária ou pelo órgão de polícia criminal perante os quais seja obrigado a comparecer, dos direitos que lhe assistem;

O artigo 332º nº 1 do CPP e no que respeita à presença do arguido na audiência estipula que “é obrigatória a presença do arguido na audiência sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 2, do artº 333 e nos nºs 1 e 2 do artº 334.

Portanto, a nossa lei consagra como regra e, em obediência à nossa Constituição, a regra da presença do arguido em audiência. As excepções admitidas são as que se encontram previstas nos nºs 1 e 2 dos arts 333º e 334º do CPP.

O artigo 333º que se refere à falta do arguido notificado para a audiência, do seu nº 1 consta: Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde início da audiência. Daqui resulta que na data designada para a realização da audiência de julgamento, se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o tribunal, ou adia a audiência, ou toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a comparência do arguido na audiência .

Todavia, a audiência só pode ser adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material, a presença do arguido no início da audiência. Não sendo adiada a audiência, deve o presidente tomar as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a comparência do arguido faltoso.

Tem havido alguma controvérsia sobre a harmonização da regra do art. 332 do CPP que, como vimos estabelece a regra da presença do arguido na audiência e as excepções previstas nos arts 333º e 334º do CPP.

Há quem defenda que existe nulidade insanável se o arguido não fosse presente nos casos em que o seu defensor tivesse requerido a audição (proc. nº 10744/07-9, do TRLX de 24/1/08 em www.dgsi.pt), ou tendo-lhe sido dada a palavra para os efeitos do artº 333º nº 3 do CPP, nada tivesse sido requerido (proc 0111589 do TRP de 24/4/02). No entanto, o STJ vem sustentando que nos casos do artº 333º do CPP a presença do arguido mantém-se obrigatória e só pode ser dispensada depois do tribunal ter tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência.

Neste sentido temos p. ex os ac do STJ de 24/10/2007 e 2/5/2007, que, aliás seguimos de perto.

Reza, assim, o sumário do ac do STJ de 24/10/2007:

I - O julgamento na ausência do arguido notificado para a audiência só é possível se aquele para tal der o seu consentimento, como dispõe o n.º 4 do art. 333.° do CPP ao estabelecer que o disposto nos números anteriores não prejudica que a audiência tenha lugar na ausência do arguido com o seu consentimento, nos termos do art. 334.º, n.º 2 do mesmo diploma. Ou seja, o arguido pode requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência sempre que se encontrar praticamente impossibilitado de a ela comparecer, nomeadamente por idade, doença grave ou residência no estrangeiro.

II - Inexistindo consentimento do arguido, é obrigatória a sua presença, sem prejuízo do disposto no art. 333.°, n.ºs 1e 2 do CPP.

III - As normas constantes dos n.ºs 1 e 2 do art. 333.° são de interesse e ordem pública, prendendo-se com o cerne das garantias do processo penal, e, por conseguinte, com a validade e eficácia do sistema legal processual penal.

IV - Como todo o verdadeiro direito público, tem o direito processual penal na sua base o problema fulcral das relações entre o Estado e a pessoa individual e da posição desta na comunidade (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-1989, pág. 33). A via para um correcto equacionamento de evolução do processo penal nos quadros do Estado de Direito material deve partir do reconhecimento e aceitação da tensão dialéctica inarredável entre a tutela dos interesses do arguido e a tutela dos interesses da sociedade representados pelo poder democrático do Estado (idem, pág. 50).

V - Por isso, não exclui a audição do arguido, nem a tomada das medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência. Daí que o n.º 6 do mesmo art. 333.° explicite que é correspondentemente aplicável o disposto nos arts. 116.°, n.ºs 1 e 2, e 254.°.

VI - Sendo a responsabilidade criminal meramente individual, e estando esta a ser apreciada no pretório, a comparência obrigatória do arguido, torna-se necessária ao exercício do contraditório.

VII - Por outro lado, o encerramento da discussão da causa apenas ocorre depois das últimas declarações do arguido, pois que, como resulta do art. 361.°, n.ºs 1 e 2, do CPP: «Findas as alegações, o presidente pergunta ao arguido se tem mais alguma coisa a alegar em sua defesa, ouvindo-o em tudo o que declarar a bem dela. Em seguida, o presidente declara encerrada a discussão (...).»

VIII - Na verdade, o arguido é sujeito processual de direitos e de deveres, e é na audiência, mediante o exercício pleno do contraditório, que o arguido pode – e deve – defender-se, confrontado com as provas, já que a discussão da causa vai posteriormente implicar uma decisão, de harmonia com elas e com referência ao objecto do processo, decisão essa em que emite um juízo decisório sobre a conduta jurídico-penal imputada ao arguido, com reflexos notórios na sua vida pessoal e comunitária, pois que, sendo este absolvido, fica desvinculado da imputação havida, e restaurado à normalidade anterior ao juízo incriminatório, mas se for condenado, fica sujeito às consequências jurídicas do crime.

IX - Por outro lado, há que considerar a relevância dos princípios da oralidade e imediação na audiência de julgamento. Só estes princípios permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade; só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais concretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E, por último, só eles permitem uma plena audiência destes mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso – Figueiredo Dias, ibidem, pág. 160.

X - Num caso, como o dos autos, em que: - o arguido prestou termo de identidade e residência (art. 196.º do CPP, na redacção dada pela Lei 320-C/2000, de 15-12), e foi regularmente notificado da data da audiência de julgamento (e da segunda data, em caso de adiamento), por via postal simples, com prova de depósito;

- não tendo estado presente, iniciou-se a audiência, sem que haja registo de o presidente do tribunal ter tomado as diligências necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência (art. 333.º, n.º 1, do CPP), posto que, neste quadro, era obrigatória a sua presença;

- não há notícia, sequer, de se haver tentado a notificação do arguido para a segunda sessão da audiência, designada para cerca de um mês depois (aliás, em antecipação da 'segunda data', designada pelo juiz ao abrigo do art. 312.º, n.º 2, do CPP);

dando o tribunal início à audiência, deveria ter tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a comparência do arguido, uma vez que a realização da audiência nos sobreditos termos contende com o exercício pleno do direito de defesa do arguido e o princípio da procura da verdade material que se impõe ao julgador.

XI - Dispõe o art. 118.°, n.º 1, do CPP que a violação ou inobservância das disposições da lei do Processo Penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que o art. 119.° estabelece que constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais, «c) A ausência do arguido (…), nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.»

XII - Assim, tendo-se realizado o julgamento do arguido – do qual saiu condenado – na sua ausência, apesar de estar notificado da data da audiência e a esta ter faltado, sendo obrigatória a sua presença, é nula a audiência de julgamento, efectuada na ausência do arguido sem que o juiz presidente tenha tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência.

XIII - Tal declaração implica a invalidade da audiência de julgamento e dos actos que dela dependem (designadamente, o acórdão condenatório), devendo o mesmo tribunal proceder à respectiva repetição (art. 122.º, n.ºs 1 e 2, do CPP).

Portanto, é um poder-dever do Tribunal procurar por todos os meios legais admissíveis obter a presença do arguido, só podendo concluir o julgamento sem a presença do arguido após a realização das diligências necessárias.

Só, desta forma se respeita a regra da obrigatoriedade da presença do arguido em audiência, os princípios da imediação, da oralidade e do contraditório, se garantem os direitos de defesa consagrados na nossa Constituição e se assegura suficientemente a tutela dos interesses do arguido sem pôr em causa as necessidades de realização da Justiça.

Ora, no caso vertente, o Tribunal nada fez para obter a presença do arguido em julgamento. O Tribunal não tomou qualquer medida para obter a comparência do arguido.

Conclui-se pela nulidade da audiência do julgamento – mas apenas quanto ao recorrente.

Tal declaração de nulidade implica a invalidade da audiência de julgamento e dos actos que dela dependem (designadamente, o acórdão condenatório),, devendo o mesmo Tribunal, se possível, proceder à respectiva repetição (art. 122º nº 1 e 2 do CPP).

Termos em que se julga procedente o recurso e, em consequência se declara nula a audiência de julgamento efectuada na ausência do recorrente, e sem efeito a decisão condenatória que se lhe seguiu, devendo o tribunal Colectivo proceder a novo julgamento nos termos legais.

Sem custas

Ficam prejudicadas as restantes questões.

Coimbra,

Alice Santos

Belmiro Andrade