Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3574/17.3T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO
REQUISITOS
CULPA DO TRABALHADOR
Data do Acordão: 02/21/2020
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JUÍZO TRABALHO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 14.º, Nº 1, AL. A) DA LEI N.º 98/2009, DE 04/09; ARTº 36º, Nº 2 DO DL 50/2005, DE 25/02, E ARTº 11º DA PORTARIA 101/96, DE 03/04).
Sumário: I - Para que se verifique a causa de descaracterização de acidente de trabalho prevista na al. a) do nº 1 do artº 14º da Lei nº 98/2009, de 4/09, exige-se que cumulativamente estejam reunidos os seguintes requisitos:
1 – A existência de regras ou condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou pela lei;

2 - A prática, por parte do sinistrado, de uma conduta – acto ou omissão – violadora dessas regras ou condições de segurança;

3 - A voluntariedade desse comportamento, ainda que não intencional, e sem causa justificativa, por parte do sinistrado;

4 - A existência de um nexo causal entre o acto ou omissão do sinistrado e o acidente ocorrido.

II - Se o acidente provier de acto ou omissão da vítima, por ela ter violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal ou pela lei, o acidente não dá direito a reparação, porque se entende que foi a vítima, o trabalhador, que deu causa ao acidente, nomeadamente quando viola as condições de segurança – suas conhecidas e/ou estabelecidas pela sua empregadora.

III - Estão abarcadas pelo preceito quer as ordens expressas quer as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal e que sejam do conhecimento do trabalhador, quer ainda as imprudências do trabalhador, desde que se provem os restantes requisitos.

IV - A lei não fez depender tal descaracterização do acidente do grau de culpa do sinistrado, antes optou por considerar que a simples violação, sem causa justificativa, das condições de segurança é razão suficiente para a operar.

Decisão Texto Integral:











Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I Frustrando-se a tentativa de conciliação, veio A..., divorciado, residente na Rua ..., instaurar a presente acção para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho contra a Ré “A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, com sede na ..., pedindo que a acção seja jugada procedente e, em consequência, a ré condenada:

a) A pagar 2.713,99 euros a título de indemnização diferencial por incapacidades temporárias.

b) A pagar uma pensão anual e vitalícia no montante de 6.916,40 euros, reportada a 14/012/2017, acrescida de subsidio de Natal e de Férias (a pagar em Julho e Novembro de cada ano), calculada com base no salário anual auferido, a pagar em 14 prestações.

c) a pagar ao Autor/Sinistrado o montante de 5.227,72 euros a titulo de subsídio por situações de elevada incapacidade permanente

d) A pagar ao Autor as despesas de deslocação feitas a este Tribunal e ao Gabinete Medico Legal, no montante de 80,00 euros

e) A pagar ao Autor a quantia de 959,03 euros (e demais montantes que se venham a apurar em execução de sentença) feitas a título de despesas médicas, fisioterapia e medicamentosas, e demais despesas realizadas para promover a qualidade de vida do Autor;

f) A pagar a quantia de 463,45 euros, devida a título de prestação suplementar para assistência a 3.ª pessoa, devida em 14 prestações mensais, bem como no pagamento de apoio prestado por terceira pessoa a tempo parcial (entre 4 a 6 horas diárias) para apoio ao Autor nas suas actividades diárias: tarefas domésticas e pessoais básicas, como alimentação, higiene, transferências, deslocações a médicos e fisioterapia.

g) A suportar os custos de fisioterapia que vierem a reportar-se essenciais a saúde e bem estar do Autor.

h) E a suportar os custos de aquisição ou a entregar ao Autor o fornecimento de material de apoio que este precisa, a saber: almofada anti-escara de alvéolos, cadeira de banho sanitária de rodas propulsoras traseiras, cama eléctrica de casal (tripartida, com grades e pendural de apoio), cadeira de rodas eléctrica, colchão anti-escara individual tripartido, standing-frame, barras de apoio para a sanita, sonda vesical e toda a medicação que o Autor venha a precisar para fazer face a sua condição de saúde emergente do dito acidente de trabalho.

i) A pagar os custos com a adaptação do seu domicílio, nos termos do art. 68º da Lei 98/2009, que se prevê ascendam a 6.500 euros e que comportam rampas de acesso, alargamento de portas e sua substituição, execução de casa de banho adaptada (conforme orçamento que se protesta juntar) bem como de juros de mora vencidos sobre as quantias supra referidas, calculados a taxa legal.”

                  Mais requereu a fixação imediata de uma pensão provisória, nos termos do disposto no art.º 52.º da Lei n.º 98/2009 e art.º 122.º, n.º 1, do CPT.

                  Alegou para o efeito, em síntese, tal como consta sentença impugnada, que foi vítima de um acidente de trabalho (no dia 21.01.2017), em ..., quando trabalhava sob a autoridade e direcção da sociedade “G..., Lda.”, a qual tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho do A. transferida para a Ré.

O acidente ocorreu quando se encontrava em cima de uma cobertura de um armazém, na ocasião em que transportava um painel com a ajuda de um colega, tendo escorregado e caído para o solo, a cerca de 5 metros de altura.

Em consequência do acidente sofreu traumatismo da coluna cervical e dorsal com paraplegia imediata, fractura dos arcos costais e fractura de C3, fractura instável de D7 e D8 sujeito a tratamento conservador a nível da cervical e cirúrgico a nível dorsal, apresentando, a nível da ráquis, paraplegia sem controlo de esfíncteres nível D7.

Ainda, em consequência deste acidente, esteve numa situação de Incapacidade Temporária Absoluta de 22/01/2017 a 13/12/2017, tendo despendido quantias cujo pagamento reclama, mais referindo que carece do apoio prestado por terceira pessoa, na realização das tarefas domésticas e pessoais básicas como alimentação, higiene, transferências, deslocações a médicos e fisioterapia, carece de tratamentos regulares de fisioterapia e ainda do fornecimento de material de apoio, medicação de apoio bem como de obras de adaptação do seu domicílio, por forma a permitir a sua mobilidade, segurança e higiene

O Instituto de Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Leiria veio deduzir, contra a Ré, pedido de reembolso das prestações da Segurança Social, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de €6.868,90 e respectivos juros moratórios, à taxa legal, desde a notificação desse pedido.

Alegou, para o efeito e em suma, que pagou ao Autor, a pedido deste, subsídio de doença devido à incapacidade resultante do acidente de trabalho objecto destes autos, correspondente aos períodos compreendidos entre 21 de Janeiro de 2017 e 27 de Setembro de 2018.


+

Devidamente citada, a ré seguradora apresentou contestação na qual, tal como consta da sentença impugnada, invocou a inadmissibilidade parcial do pedido por omissão parcial da fase conciliatória uma vez que o Autor formula o pedido de condenação da Ré no pagamento de €6.500,00 a título de obra de adaptação da sua residência, sendo que, todavia, nada reclamou a esse título na tentativa de conciliação, nem invocou a necessidade de tais obras, devendo a Ré ser absolvida do pedido.

Não aceitou a caracterização do acidente em causa como de trabalho em virtude de ter ocorrido por acto/omissão do Autor, resultante da violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora, porquanto no momento do acidente não fazia uso do arnês que lhe tinha sido distribuído no dia anterior ao do sinistro e estava na sua posse, ou de qualquer equipamento anti-queda.

Entende ainda, e subsidiariamente, que houve incumprimento das normas de segurança por parte da entidade empregadora, não aceitando, por isso, qualquer responsabilidade pela reparação deste sinistro.

A final, pediu que se julgue procedente a excepção dilatória fundada na inadmissibilidade parcial do pedido quanto ao pagamento das obras de adaptação da residência do sinistrado, absolvendo-se a Ré parcialmente da instância; que se declare a descaracterização do acidente, com fundamento em ter sido sua causa exclusiva a negligência grosseira do sinistrado, absolvendo-se a Ré do pedido; subsidiariamente que se declare que o acidente ocorreu por violação das normas de segurança por parte da entidade patronal, com direito de regresso da R. contra esta, por todas as quantias que venha a ter que satisfazer; seja indeferido o pedido de fixação de pensão provisória a cargo da R., por não haver acordo quanto à caracterização do acidente e respectiva entidade responsável. Requereu ainda a intervenção da entidade patronal do sinistrado.

Contestou ainda o pedido de reembolso de prestações da Segurança Social, requerendo, a final, que seja julgado improcedente, com as legais consequências.

Foi, oportunamente, deferida a intervenção da Entidade Patronal do Sinistrado, “G..., LDA.”, a qual apresentou o respectivo articulado, tendo rejeitado a violação de qualquer regra de segurança e saúde no trabalho e, consequentemente, qualquer responsabilidade pela eclosão do acidente de trabalho em apreço, pugnando, a final, pela sua absolvição.

II – Findos os articulados foi proferido despacho saneador, seleccionou-se a matéria de facto considerada assente e controvertida e decidiu-se julgar improcedente o incidente de fixação de pensão provisória.

Após realização do julgamento veio a ser proferida sentença, constando do respectivo dispositivo o seguinte:

“…decide-se julgar totalmente procedente a presente acção para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho intentada pelo Autor, A..., contra a Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.”, e improcedente em relação à Interveniente, “G..., Lda.”, bem como parcialmente procedente o pedido de reembolso de prestações da Segurança Social deduzido nestes autos contra a Ré, e, em consequência:

a) Declara-se que o Autor, A..., se encontra, em virtude do acidente de trabalho objecto deste processo, afectado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 80%, com Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual, desde 14/12/2017;

b) Condena-se a Ré “A...” a pagar ao Autor uma pensão anual e vitalícia de € 6.916,40 (seis mil novecentos e dezasseis euros e quarenta cêntimos), devida desde 14/12/2017, a ser paga na proporção de 1/14 até ao 3.º dia cada mês, sendo os subsídios de férias e de Natal, na mesma proporção, pagos em Junho e em Novembro;

c) Condena-se a Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, A..., um subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, no montante de € 5.227,72 (cinco mil duzentos e vinte e sete euros e setenta e dois cêntimos);

d) Condena-se a Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, A..., a quantia de € 347,59 (trezentos e quarenta e sete euros e cinquenta e oito cêntimos) a título de prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, a pagar 14 meses por ano;

e) Condena-se a Ré “A...– Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, A..., um subsídio destinado ao pagamento de despesas com a readaptação da habitação do Autor, na quantia de € 5.561,42 (cinco mil quinhentos e sessenta e um euros e quarenta e dois cêntimos);

f) Condena-se a Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, A..., a título de despesas com deslocações obrigatórias a este Juízo do Trabalho de Leiria e ao Gabinete Médico-Legal, a quantiade € 80,00 (oitenta euros);

g) Condena-se a Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, A..., o montante gasto pelo Autor em medicamentos, despesas hospitalares, fisioterapia, material de apoio e apoio prestado pelo Centro Social e Paroquial de ..., no total de € 904,03 (novecentos e quatro euros e três cêntimos);

h) Condena-se a Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, A..., juros de mora sobre as prestações pecuniárias supra atribuídas e em atraso, vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento;

i) Condena-se a Ré, “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a fornecer ao Autor, A..., ajudas técnicas complementares e material de apoio, designadamente almofada anti-escara de alvéolos, cadeira de banho sanitária de rodas propulsoras traseiras, cama eléctrica de casal (tripartida, com grades e pendural de apoio), cadeira de rodas eléctrica, colchão anti-escara individual tripartido, standing-frame, barras de apoio para a sanita e sonda vesical;

j) Condena-se a Ré, “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a fornecer ao Autor, A..., tratamentos regulares de fisioterapia;

k) Condena-se a Ré, “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a prestar ao Autor, A..., consultas de acompanhamento, nomeadamente das especialidades de neurologia, urologia, psiquiatria e fisiatria, com a regularidade considerada necessária pelos especialistas;

l) Condena-se a Ré, “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a fornecer ao Autor, A..., medicação de apoio, designadamente a que seja considerada necessária nas consultas de acompanhamento, nomeadamente de neurologia, psiquiatria e fisiatria;

m) Condena-se a Ré, “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Instituto de Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Leiria a quantia de € 3.432,30 (três mil quatrocentos e trinta e dois euros e trinta cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal sobre essa quantia, vencidos e vincendos desde a data da notificação do respectivo pedido de reembolso de prestações da Segurança Social à Ré;

n) Absolve-se a Interveniente, “G..., Lda.”, da totalidade do pedido.”

III – Inconformado, veio a seguradora apelar alegando e concluindo:

...

Não foram aprestadas conta alegações e o Exmº PGA emitiu parecer no sentido da parcial procedência da apelação na parte relativa ao pedido de redução da quantia devida ao ISS.

IV – Da 1ª instância vem assente a seguinte matéria de facto:

...

V - Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões as questões a decidir:

1. Se o acidente se encontra descaracterizado por ter ocorrido em virtude de inobservância de regras de segurança por parte do sinistrado, não dando lugar à reparação.

2. Na negativa, se a condenação da recorrente no pagamento ao Instituto da Segurança Social deve ser reduzido a €2.713,99.

Da descaracterização:

 - Na tentativa de conciliação que precedeu o início da fase contenciosa a seguradora não aceitou responsabilizar-se pela reparação infortunística por entender que:

(i) o acidente resultou da violação pelo sinistrado, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei [al. a) do nº 1 do artº 14º da LAT] encontrando-se o acidente descaracterizado não dando lugar à reparação.

(ii) houve inobservância por parte da empregadora de regras sobre segurança no trabalho [artº 18º da LAT], pelo que a sua responsabilidade se cinge às prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa do empregador, sem prejuízo do direito de regresso [nº 5 do artº 79º da LAT].

- Na contestação a seguradora, para além de invocar a causa de descaracterização referida supra em (i) [artºs 68º a 96 da contestação] e a inobservância referida em (ii) supra [artºs 55 a 67 da contestação], veio também alegar que o acidente se encontra descaracterizado devido a negligência grosseira do sinistrado [al. b) do nº1 do artº 14º da LAT], causa de descaracterização que não havia invocado como fundamento para, na tentativa de conciliação, declinar a sua responsabilidade pela reparação.

- Na sentença, o tribunal apenas se o pronunciou relativamente às questões da pretensa negligência grosseira do sinistrado e da pretensa violação por parte da empregadora de regras de segurança no trabalho, que julgou inexistirem.

Não se pronunciou sobre a causa de descaracterização prevista na al. a) do nº 1 do artº 14º da LAT que, agora, constitui objecto da apelação, sendo que as causas de caracterização previstas no citado artº 14º são distintas ou autónomas, com campos de aplicação diferenciados, bastando atentar no facto de, dando-se por verificada a prevista na al. a), jamais poderá dar-se por verificada a prevista na alínea b), na medida em que nesta se exige que a negligência grosseira seja causa exclusiva do acidente.

Seja como for, não tendo sido arguida a apontada omissão de pronúncia, este tribunal da Relação não deixará de apreciar a questão objecto da apelação tendo em conta a regra da substituição ao tribunal recorrido (artº 665º do CPC)[1].


+

Dispõe o art.º 14.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09: “1 – O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:

a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;

(…)

2 – Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.

Para que se verifique esta causa de descaracterização exige-se que cumulativamente estejam reunidos os seguintes requisitos:

1 – A existência de regras ou condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou pela lei;

2 - A prática, por parte do sinistrado, de uma conduta – acto ou omissão – violadora dessas regras ou condições de segurança;

3 - A voluntariedade desse comportamento, ainda que não intencional, e sem causa justificativa, por parte do sinistrado;

4 - A existência de um nexo causal entre o acto ou omissão do sinistrado e o acidente ocorrido.

Se o acidente provier de acto ou omissão da vítima, por ela ter violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal ou pela lei, o acidente não dá direito a reparação, porque se entende que foi a vítima, o trabalhador, que deu causa ao acidente, nomeadamente quando viola as condições de segurança – suas conhecidas e/ou estabelecidas pela sua empregadora.

Segundo Carlos Alegre in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais” – “Regime Jurídico Anotado” – 2ª Edição, Almedina, págs. 61 e segts., que: “(…) A causa justificativa ou explicativa não tem que ter um carácter lógico ou normal em relação à actividade laboral: pode ser uma brincadeira a que não se associem consequências danosas, uma inadvertência ou momentânea negligência, uma imprudência ou mesmo um impulso instintivo ou altruísta”.

Assim, estão abarcadas pelo preceito quer as ordens expressas quer as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal e que sejam do conhecimento do trabalhador, quer ainda as imprudências referidas por Carlos Alegre, desde que se provem os restantes requisitos.

As condições de segurança, “quando estabelecidas pela entidade patronal, podem constar de regulamento interno da empresa, de ordem de serviço ou de aviso afixado em local apropriado na empresa”- Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 851[2].

Diga-se ainda que a lei não fez depender tal descaracterização do acidente do grau de culpa do sinistrado, antes optou por considerar que a simples violação, sem causa justificativa, das condições de segurança é razão suficiente para a operar.

Como salienta Pedro Romano Martinez na obra citada, pp. 851-852 [3], neste caso “o legislador exige somente que a violação careça de “causa justificativa”, pelo que está fora de questão o requisito da negligência grosseira da vítima; a exigência dessa culpa grave encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito. A diferença de formulação constante das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 7.º da LAT (correspondentes às mesmas alíneas do n.º 1 do artigo 290.º do Código do Trabalho) tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado, há motivos para que o legislador tenha estabelecido regras diversas. Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras”.

E, mais adiante, conclui: “se o trabalhador, conhecendo as condições de segurança vigentes na empresa, as viola conscientemente e, por força disso, sofre um acidente de trabalho, não é de exigir a negligência grosseira do sinistrado nessa violação para excluir a responsabilidade do empregador.

Contudo, a responsabilidade não será excluída se o trabalhador, atendendo ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento das condições de segurança ou se não tinha capacidade de as entende (artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 143/99)”.

No caso que nos ocupa não está em causa a inobservância por parte do sinistrado de quaisquer condições de segurança estabelecidas pelo empregador.

Dos factos provados extrai-se que a empregadora adoptou as medidas de protecção individual adequadas a prevenir o risco de queda em altura, porquanto:

- os trabalhadores, incluindo o A., para aceder ao local de empalme, eram obrigados a deslocar-se sobre os painéis que já haviam sido montados e aproximar-se do vazio, onde a Entidade Patronal tinha instalada uma linha de vida;

- antes da ocorrência do acidente, o sinistrado encontrava-se em cima de uma cobertura de um armazém;

- o sinistrado retirou o arnês do qual fazia uso, porquanto pretendia descer pela plataforma de acesso à cobertura, a fim de se deslocar à casa de banho, apenas não o tendo feito uma vez que ao ver o seu colega a transportar um painel foi auxiliá-lo na sua colocação tendo, então, escorregado e caído para o solo, a cerca de 5 metros de altura

- a entidade patronal do A. havia ministrado a este formação sobre a identificação dos perigos para trabalhos em altura e procedimentos para a sua prevenção, que o A. frequentou com aproveitamento;

- A obra dispunha de Plano de Segurança e Saúde, elaborado e fiscalizado por entidade externa denominada N.., Lda.;

- Para a execução do trabalho o A. dispunha dos equipamentos de protecção individual, nomeadamente o arnês, que lhe havia sido distribuído pela Entidade Patronal.

A própria sentença, na parte em que apreciou a responsabilidade do empregador com base na alegada inobservância por este das regras sobre segurança e higiene no trabalho (parte III nº 3), concluiu não terem sido violadas quaisquer normas desta natureza[4] pois “… os trabalhadores, incluindo o Autor, para aceder ao local de empalme eram obrigados a deslocar-se sobre os painéis que já haviam sido montados e aproximar-se do vazio, onde a Entidade Patronal tinha instalada uma linha de vida.

Sabe-se igualmente que o Autor fazia uso do arnês pois que para a execução do trabalho dispunha dos equipamentos de protecção individual, nomeadamente o arnês, que lhe havia sido distribuído pela Entidade Patronal, tendo-o retirado imediatamente antes da ocorrência do acidente.

Acresce também que a entidade patronal do Autor havia ministrado a este formação sobre a identificação dos perigos para trabalhos em altura e procedimentos para a sua prevenção, que o Autor frequentou com aproveitamento e que a obra em causa dispunha de Plano de Segurança e Saúde, elaborado e fiscalizado por entidade externa.

(…)

A circunstância de a Entidade Patronal do Autor não ter providenciado pela instalação de uma rede de retenção sob o local onde os trabalhos se desenrolavam não conduz, cremos nós, à conclusão de que o acidente ocorreu por violação das normas de segurança no trabalho por parte da Entidade Patronal, tanto mais que não se provou que neste caso concreto, fosse necessária a instalação dessa rede de retenção pois a disponibilização do arnês e da linha de vida afiguravam-se suficientes para garantir a segurança dos trabalhadores. Os factos provados não permitem, assim, inferir que o acidente em causa tenha ocorrido devido à violação de procedimentos de segurança, como sugerido pela Ré Seguradora, que não fez prova do alegado, apesar do respectivo ónus lhe caber, atento o disposto no n.º 2 do art.º 342.º do Código Civil”.

Este segmento da sentença não foi impugnado pelo que está definitivamente decidido que a empregadora observou o que lei determina no que tange aos trabalhos executados em altura.

Abrindo um pequeno parêntesis, diremos que é certo que nos trabalhos em altura deve dar-se prevalência ou prioridade às medidas de protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual (artº 36º nº 2 do DL 50/2005 de 25/02 artº 11º da Portaria 101/96 de 03/04).

Assim, em princípio, dever-se-ia ter optado pela colocação de uma rede de retenção.

E dizemos em princípio porque a matéria de facto não permite concluir pela exequibilidade da colocação dessa rede naquela obra em concreto.

É que não basta apurar se a rede estava ou não colocada.

É preciso saber se era possível essa colocação.

Por outro lado, a matéria de facto não elucida se a queda ocorreu para o interior do pavilhão ou para fora deste, sendo que as redes de retenção devem ser colocadas por baixo das aberturas, em locais com inclinação muito acentuada e em locais com suporte inseguro.

A própria colocação dos painéis um após outro, se bem estamos a ver, ia cobrindo a nave do pavilhão eliminando o “vazio” que, sucessivamente, ia sendo preenchido pela colocação dos painéis.

Embora os factos provados não revelem ser impossível a colocação da rede de retenção entendemos que, no concreto contexto descrito, salvo melhor opinião, a disponibilização e utilização do equipamento de protecção individual, como é o arnês, era suficiente para, na situação, evitar os riscos de queda em altura, inexistindo necessidade de recorrer a equipamento de protecção colectiva como é a colocação daquela rede de retenção.

A questão é a de saber se o sinistrado observou as normas sobre segurança previstas na lei na execução do trabalho que estava a executar.

Sabemos que o trabalho que o sinistrado estava a efectuar consistia na colocação de caleiras e painéis “sandwich” sobre estrutura metálica para assentamento da cobertura de uma nave industrial e que na execução deste trabalho o sinistrado utilizava um arnês com ponto de ancoragem na linha de vida[5] que a empregadora havia montado junto do “vazio” (facto 5).

A colocação desta linha de vida só faz sentido ou tem utilidade como instrumento ao qual é acoplado o arnês através do mosquetão.

O sinistrado tinha conhecimento que na execução dos trabalhos que estava a executar tinha que utilizar o arnês que lhe havia sido fornecido pela empregadora, a qual lhe havia ministrado formação sobre a identificação dos perigos dos trabalhos em altura e sobre os procedimentos para a sua prevenção, que o sinistrado frequentou com aproveitamento.

Ou seja, o sinistrado sabia, ou pelo menos não podia desconhecer, que para executar os trabalhos no cimo da estrutura metálica tinha de andar equipado como arnês ancorado à linha de vida.

É verdade que o sinistrado, para se deslocar à casa de banho tinha de retirar o arnês do qual estava a fazer uso.

Contudo, exigia-se-lhe que o tivesse colocado quando, de modo voluntário, decidiu auxiliar um dos seus colegas na colocação de um painel, operação durante a qual ocorreu a queda em altura.

Ora, entendemos que o auxílio na colocação do painel não pode valer como causa justificativa para a não utilização do meio de protecção individual que lhe estava distribuído – arnês.

Com efeito, como acima ficou dito, a imprudência, o impulso instintivo ou mesmo altruísta (como foi o caso), não constituem causas justificativas para a violação das regras de segurança pelo sinistrado.

Por outro lado, também se verifica o nexo de causalidade entre a inobservância das regras de segurança e o acidente na medida em que a utilização do arnês, como meio de retenção, evitaria que o sinistrado (por ficar suspenso) se estatelasse no solo, ou seja, se o sinistrado tivesse utilizado o arnês o acidente não se teria verificado.

O acidente encontra-se, assim, descaracterizado, não dando lugar à reparação.

VI – Termos em que, na revogação da sentença impugnada, se delibera julgar a apelação totalmente procedente em função do que se decide absolver a apelante dos pedidos

Custas a cargo do recorrido.


Coimbra, 21de Fevereiro de 2020

(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)


(Jorge Manuel da Silva Loureiro) VENCIDO: no essencial, porque considero que a ausência de implementação pela empregadora de medidas de protecção colectiva contra quedas em altura, cuja implementação não se revela impossível em face dos factos provados e que devem prevalecer sobre medidas de protecção individual, exclui o nexo de causalidade entre a violação de regras de segurança pelo trabalhador e o acidente que o vitimou, pois que a existirem aquelas medidas de protecção colectiva o acidente não teria ocorrido tal como ocorre.

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[1] E o mesmo aconteceria se a nulidade tivesse sido arguida e declarada.
[2] No mesmo sentido Carlos Alegre, ob. cit. p. 61, onde se lê que se as condições de segurança estabelecidas pelo empregador devem constar de regulamento da empresa, ordem de serviço ou de outra qualquer forma de transmissão.
[3] Lições elaboradas no domínio da LAT anterior (L.100/97 de 13/09) mas que mantêm integral actualidade dada similitude das normas numa e noutra LAT.
[4] A sentença chamou à colação o artº 15º da lei 202/2009 de 10/09 e artºs 3º, 4º, 30 e 37º do DL 50/2005 de 25/02 que estabelecem de forma programática os deveres do empregador, designadamente no que se refere aos trabalhos executados em altura.

[5] Esta linha (que pode ser vertical ou horizontal consoante o tipo de trabalhos a executar) é um equipamento de ancoragem que incorpora um cabo metálico flexível. A esse cabo é ancorado o mosquetão que faz parte do arnês ou cinto de segurança de forma a evitar, na hipótese de queda, que o trabalhador atinja o solo. Essa linha de vida, tem necessariamente de ser presa ou ancorada à estrutura