Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
319/04.1GCPBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BAPTISTA GONÇALVES
Descritores: PENA DE MULTA
PRAZO PARA PAGAMENTO
SUBSTITUIÇÃO POR TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Data do Acordão: 03/17/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE POMBAL – 3.º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 48.º E 49.º DO C.P.; 489.º, N.º 2 E 490.º N.º 1DO C.P.P..
Sumário: I. – Ainda que o arguido tenha, originariamente, requerido o pagamento da multa em prestações, nada obsta a que, posteriormente, requeira a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade.
II. - O «prazo de pagamento da multa», quando esta for paga fraccionadamente, em prestações, decorre até se terem vencido todas as prestações.
III. - O arguido pode requerer a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade enquanto estiver em tempo para pagar a multa.
Decisão Texto Integral: 6

I – RELATÓRIO
1. No processo comum com intervenção do tribunal singular registado sob o n.º319/04.1GCPBL, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Pombal -3.º Juízo, …, melhor identificado nos autos, foi submetido a julgamento e condenado, como autor de um crime de ofensas à integridade física p. e p. pelo artigo 143.º, n.º1, do Código Penal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €8,00.
2. No referido processo, em 15 de Julho de 2008, foi proferido despacho a indeferir a requerida substituição da multa por trabalho a favor da comunidade.
3. Inconformado, o condenado interpôs recurso, formulando, na motivação, as seguintes conclusões (transcrição):
1 - O presente recurso incide sobre Douto Despacho exarado a fls. 457 que indeferiu a pretensão do arguido, de substituição da multa por dias de trabalho por manifesta falta de fundamentação.
2 - É, nosso entendimento, que o Ilustre Tribunal a quo nunca aquilatou devidamente a pretensão do condenado, ou seja, dos avocados fundamentos da substituição da multa por trabalho, pelo que fez uma aplicação errónea do ínsito nas disposições conjugadas do arts 48° do Código Penal e 490° do Código de Processo Penal.
3 - O que se afere atendendo a dois aspectos naquele Despacho mencionados.
3 - Primeiramente, o Mmo Juiz ao dar como assente a ordem cronológica dos eventos, constante no Douto Despacho recorrido, conforme mencionado nos pontos 1, 2 e 3, concluindo pelo indeferimento da substituição da multa por dias de trabalho – que foi, atempada e fundamentadamente formulada pelo condenado - erra ab initio porque partiu de premissas erradas.
4- De facto, o condenado consciente da sua manifesta impossibilidade de pagamento da multa, requereu primeiramente a possibilidade de substituição total do pagamento da pena multa por dias de trabalho e só em ultima ratio o pagamento em prestações – fls. 413 a 417 dos autos pelo que não se podia ter dado como assente: "A pedido do condenado, foi deferido o pagamento da multa ( ... )" - conforma ponto primeiro;
5 - Nem podia, ter dado como assente, que "( ... ) veio agora o arguido pedir a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade." - conforme ponto segundo - por o requerimento em que o Mmo Juiz se baseia, a fls. 444, ser de omissão de pronúncia. 6 - Ou que, "Notificado para comprovar os factos invocados em ordem ao deferimento de tal pretensão não o fez." - conforme ponto 3 do Despacho - porque os documentos já haviam sido juntos.
7 - Ora, o Mmo Juiz a quo ao inculcar no Douto Despacho, o que sucessivamente se transcreveu, subverteu toda a ordem originária das pretensões do condenado e, em consequência, inquinou todo o processo jurídico – valorativo atinente ao deferimento ou não do pedido de substituição da multa por dias de trabalho.
8 - O Douto Tribunal a quo errou porque apreciou todo o processado, desde o início, à luz de normas que não eram as chamadas para o caso.
9 – Nesta sede, o Despacho recorrido aplicou o indevidamente os arts. 47° C.P. e 489°, n.º 2 do C.P.P., e não aplicou o art. 48° do C.P. e 490° do C.P.P., ou com mais precisão, não apreciou todo o processado à luz destas últimas normas, o que deveria ter feito porque esse foi o pedido inicial.
10 - E, a ilação, de que não aplicou devidamente o art. 48° do C.P. e 490° do C.P.P., facilmente se alcança, se atendermos ao enunciado no ponto último do despacho.
11 - É que, optar pelo indeferimento da possibilidade de substituição da multa por trabalho a favor da comunidade alegando tão somente" ( ... ) não satisfazer adequadamente as finalidades da punição.", afigura-se ser de per si manifestamente insuficiente para fundamentar tal decisão.
12 - Revelador, acima de tudo, de uma deficiente valoração probatória atendendo aos elementos juntos aos autos.
13 -De facto, da análise dos autos ressalta que, salvo o devido respeito, se encontram preenchidos todos os requisitos previstos na norma do art. 48.º do C.P. e 49.º do C.P.P.:
14 - O arguido, em requerimento apresentado tempestivamente, datado de 11 de Fevereiro de 2007, (fls. 413 a 417) ofereceu-se para prestar trabalho a favor da comunidade.
15 -Naquele alegou as suas condições pessoais e económico - financeiras mormente que reside em casa arrendada, que tem a seu encargo 3 filhos (2 deles cuja regulação do poder paternal lhe foi recentemente atribuída); as suas habilitações profissionais e disponibilidade).
16 - A 12 de Fevereiro de 2007, (fls. 418), apresentou documentos seus e da sua família concernentes aos seus encargos.
17 - Fê-lo, consciente da impossibilidade de pagamento da multa, antecipando-se, até à possível execução da prisão subsidiária (ex vi art. 49, n.º 1 do C.P. e 489.º a 491.º do C.P.P.)
18 - Pelo que, o Tribunal a quo, atendendo a todos os elementos juntos poderia - deveria, ter lançado mão, deste sucedâneo da prestação pecuniária porque se encontram preenchidos todos os requisitos formais e materiais de aplicação do art. 48.º do C.P.
19 - Parecendo ter feito uso de um critério automático e imediato de indeferimento, violando a necessária ponderação do art. 71 ° do C.P.
20 - Desrespeitando, assim, a própria norma do art° 48° do CP, donde emerge, com nitidez, a consagração de uma forma de cumprimento da pena de multa e a necessária equiparação entre esta pena de substituição e a de Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade, saindo, de igual modo violado o art. 58° do Código Penal.
21 - Não poderia pois o Tribunal deixar de aquilatar e decidir quanto à procedência da pretensão do arguido, ou seja, dos avocados fundamentos da substituição da multa por trabalho.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Ex. as, deve a decisão de 1.ª Instância que procedeu ao indeferimento da substituição da pena de multa por dias de trabalho ser revogada pelos motivos aduzidos.
3. Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, formulando a seguinte síntese conclusiva (transcrição):
1.ª No recurso interposto o recorrente parece confundir e faz incidir o mesmo não só sobre o despacho de fls. 457, como também no despacho de fls. 425, este último há muito transitado em julgado.
2.ª O artigo 48° do Código Penal prevê substituição da multa por trabalho, a requerimento do condenado, sempre que o Tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
3.ª Assim, deverá o Tribunal proceder à substituição da multa por trabalho se tal se revelar adequada à socialização do condenado, sem demonstrar incompatível com as exigências mínimas de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico.
4.ª No caso, considerando os elementos juntos aos autos, concretamente a situação familiar, social e económica do arguido, bem como os factos pelos quais foi condenado, somos do parecer que os pressupostos formais e materiais para a requerida substituição estão preenchidos.
Pelo exposto, deverá ser dado provimento parcial ao recurso interposto,
4. Admitido o recurso e mantida a decisão recorrida, subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º, do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.
5. Foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Segundo jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como o são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2 (entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.99, CJ/STJ, Ano VI, Tomo II, p. 196).
Atento o teor das conclusões, identifica-se como questão a decidir: saber se a multa em que o recorrente foi condenado deveria ter sido substituída por trabalho a favor da comunidade.
2. Os elementos relevantes para a decisão são os seguintes:
1) Por requerimento de 11 de Fevereiro de 2008, o recorrente, que havia sido condenado na pena de 180 dias de multa à taxa diária de €8,00, requereu a substituição da mesma por dias de trabalho, nos termos do disposto no artigo 48.º do Código Penal, ou, se assim não se entendesse, o deferimento do pagamento da multa em 24 prestações mensais.
2) O M.mo Juiz, sem fazer qualquer referência ao pedido de substituição da multa por prestação de trabalho, deferiu o pagamento da multa em 10 prestações mensais, iguais e sucessivas, a primeira das quais com vencimento no dia 8 de Abril e as demais nos mesmos dias dos meses seguintes, como se infere do despacho proferido no dia 29 de Fevereiro de 2008.
3) O arguido/recorrente foi notificado deste despacho por via postal registada com prova de recepção, expedida no dia 1 de Abril de 2008, considerando-se o arguido notificado no dia 4 de Abril
4) Em 9 de Abril de 2008, o ora recorrente apresentou novo requerimento, em que chamando a atenção para a circunstância de ter requerido «primeiramente a substituição total da pena de multa por dias de trabalho» e apenas «em ultima ratio, o pagamento da multa em prestações», veio renovar o seu pedido de substituição da pena de multa por dias de trabalho.
5) O M.mo Juiz, por despacho de 15 de Julho de 2008, indeferiu o requerido.
3. Face aos elementos dos autos, sinteticamente expostos, constata-se que o despacho proferido no dia 29 de Fevereiro de 2008 omitiu qualquer menção ao que constituía a principal pretensão do recorrente no requerimento que havia apresentado: a de que a multa em que fora condenado fosse substituída por prestação de trabalho. Realmente, o pagamento fraccionado da multa era apresentado em segunda linha, apenas para o caso de não ser atendida a substituição por trabalho.
E não se diga, como consta do despacho de 15 de Julho de 2008, que o tribunal, no despacho de 29 de Fevereiro, «tinha já afastado a possibilidade de substituição da multa por trabalho a favor da comunidade», pois o que resulta, claramente, desse despacho é que tal hipótese não foi sequer considerada.
Tal significa que o tribunal recorrido omitiu pronúncia sobre uma questão que lhe havia sido submetida, o que, não constituindo nulidade (diferentemente do que ocorre com a omissão de pronúncia nas sentenças, pois o artigo 379.º do C.P.P. não se aplica aos meros despachos, por maior relevância que tenham), não deixa de consubstanciar uma mera irregularidade que deveria ter sido arguida no prazo e nos termos estabelecidos no artigo 123º do Código de Processo Penal.
E tendo em vista que o despacho de 29 de Fevereiro apenas foi notificado ao arguido em 4 de Abril de 2008, não custa a admitir que o requerimento logo apresentado em 9 de Abril (ainda assim, para além dos três dias para arguição de irregularidades), antes, pois, do trânsito de tal despacho, teve como desiderato chamar a atenção do tribunal para o facto de nada se ter decidido quanto à requerida substituição da multa por trabalho.
Ocorre que, a nosso ver, mesmo que o arguido apenas tivesse, originariamente, requerido o pagamento da multa em prestações (e não foi esse o caso, como já se disse), nada obstava a que pudesse, ainda assim, vir posteriormente requerer a substituição da multa por trabalho.
O n.º 2 do artigo 489.º do C.P.P. dispõe que “o prazo de pagamento (da multa) é de quinze dias a contar da notificação para o efeito.
O n.º 3 do mesmo artigo estabelece que “o disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações”.
O que significa que o «prazo de pagamento da multa», quando esta for paga fraccionadamente, em prestações, decorre até se terem vencido todas as prestações.
Finalmente, o artigo 490.º n.º 1, do mesmo diploma, dispõe:
“O requerimento para a substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos nºs 2 e 3 do artigo anterior…”.
Como decidiu a Relação de Guimarães, em Acórdão de 12 de Novembro de 2007 (processo 1995/07-1, www.dgsi.pt), da conjugação destas três normas decorre que o arguido pode requerer a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade enquanto estiver em tempo para pagar a multa. Por outras palavras, enquanto o pagamento da multa ainda não estiver em mora.
E é esse o caso, a nosso ver.
Repare-se que quando o arguido formula o requerimento em questão, ainda não havia transitado em julgado o despacho que estabeleceu o pagamento fraccionado da multa, pelo que esta não se podia considerar em mora.
Acresce, ainda, que quando o arguido volta a requerer a substituição da multa por prestação de trabalho, remete, expressamente, para a prova junta a fls. 413 e seguintes com que sustentara o seu requerimento anterior que não mereceu qualquer apreciação pelo tribunal recorrido.
Donde se conclui que o despacho recorrido assenta, salvo melhor opinião, em pressupostos equivocados:
- em primeiro lugar, refere que o pagamento fraccionado da multa foi fixado “a pedido do condenado”, ignorando que o pedido que havia sido apresentado, em primeira linha, era o da substituição por trabalho;
- em segundo lugar, inculca que o arguido, apenas na sequência da notificação do despacho que autorizou o pagamento da multa em prestações, veio requerer o substituição por prestação de trabalho, o que, como vimos, não corresponde à realidade que os autos documentam;
- em terceiro lugar, sustenta que o arguido, notificado para comprovar os factos, não o fez, sem ter em conta que já os autos continham documentação apresentada pelo arguido – se suficiente ou não para os fins pretendidos, não nos cabe dizer;
- finalmente, alega que o despacho anterior já afastara a possibilidade de substituição da multa por trabalho – louva-se em tal despacho para dar a questão como decidida - quando é evidente que em tal despacho o tribunal recorrido nem sequer equacionou tal possibilidade, ao partir do pressuposto de que havia sido apenas requerido o pagamento em prestações.
Face ao exposto, entendemos ser de revogar o despacho recorrido, por forma a que o tribunal a quo, com base nos elementos de prova apresentados e nos demais que entenda determinar como necessários, se pronuncie, finalmente, sobre a requerida substituição da multa por trabalho, questão que, a nosso ver, nunca chegou a verdadeiramente apreciar e decidir.
III – Dispositivo
Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso, pelo que se revoga o despacho recorrido e se determina que o tribunal recorrido, com base nos elementos de prova apresentados e nos demais que entenda determinar como necessários, se pronuncie sobre a requerida substituição da multa por trabalho