Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5888/05.6TBAVR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ALMEIDA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
COMPETÊNCIA CONVENCIONAL
PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO
CONTRATO DE CONCESSÃO
COMÉRCIO
Data do Acordão: 06/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE AVEIRO –2º J CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 23º E 24º DO REGULAMENTO (CE) 44/2001, DE 22-12-2000
Sumário: I- Estando subjacente ao predito litígio uma relação transnacional envolvendo dois Estados-Membros da União Europeia, e dizendo o mesmo respeito a matéria de índole comercial, é sem dúvida aplicável o regime decorrente do direito comunitário, mais precisamente, o Regulamento (CE) 44/2001, e não o regime de competência internacional decorrente do direito interno português, em respeito da consabida superioridade hierárquica do regulamento comunitário sobre o direito interno.

II- Atento o clausulado nas facturas que, segundo a Ré, acompanhavam os sucessivos fornecimentos de bens por si, ao longo de 25 anos, efectuados à A., mais precisamente os termos e condições gerais nessas facturas inscritos - alegadamente por força dos usos da empresa e por obrigação decorrente da lei alemã – não decorre que fosse vontade de uma e outra das Partes, a competência da jurisdição alemã para o conhecimento do litígio em apreço nos autos.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I – RELATÓRIO
1. A... , com sede em ....... –Aveiro, intentou no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da mesma Cidade e Comarca, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra B... , com sede em ........-Alemanha, alegando, muito em síntese, que em 1980 celebrou com a Ré um contrato de concessão exclusiva, por tempo indeterminado, mediante o qual passou a promover e distribuir em Portugal, em regime de exclusividade, os produtos da marca C....
Embora sempre cumprindo tal acordo, satisfazendo pontualmente os seus débitos para com a Ré e conseguindo um aumento exponencial das vendas, a mesma Ré, subitamente e sem que nada o fizesse prever, em 12 de Agosto de 2005 comunicou-lhe que o contrato terminava em 31-12-2005.
Assim, além de sem justa causa e de forma arbitrária, injusta e abusiva, a Ré ter posto termo ao contrato, o certo é que, face aos contornos da situação, impunha-se-lhe que concedesse à A., no mínimo, um pré-aviso de 2 anos.
Em tal decorrência, invocando vários danos decorrentes da actuação da Ré e ainda um direito a indemnização de clientela, e operando outrossim a compensação com um débito para com a Ré referente ao saldo da conta-corrente, a A. termina pedindo a condenação da mesma a pagar-lhe a quantia global de € 650.403,67, acrescida dos juros que se vencerem desde a citação.

2. Citada, a Ré apresentou contestação, defendendo-se por impugnação e excepção, a este título arguindo -além do mais que ora aqui não interessa-, a incompetência absoluta do Tribunal de Aveiro, aduzindo para tanto –e também em síntese-, que a relação comercial estabelecida com a A. não consistiu na celebração de um contrato de agência ou análogo, mas diferentemente em sucessivos contratos de fornecimento de bens, os quais se regiam por cláusulas constantes das correspondentes facturas. Dessas cláusulas, aceites pela A. –mais alega-, resulta que o foro competente para a resolução de litígios entre as Partes é o Tribunal da Comarca de Herzebrock-Clarholz, estipulação igualmente prevalecente em face da aplicação do Regulamento (CE) 44/2001.
Acresce por outro lado -diz ainda-, que as Partes entenderam entre si, igualmente conforme essas cláusulas das facturas, que o local da entrega dos bens seria a sede da Ré, bem como seria a partir daqui que tais bens, entregues para carregamento, passariam para a responsabilidade da A., pelo que, uma vez mais segundo o dito Regulamento, que estabelece como elemento de conexão o lugar de cumprimento da obrigação, é aquele foro alemão o competente.

3. Deduzindo, por seu turno, réplica, a A. veio propugnar, entre o mais, pela improcedência da aludida excepção, insistindo na competência do Tribunal de Aveiro, desde logo por força do disposto no art.º 65º, als. b) e c), do CPC, por isso que a causa de pedir se consubstancia, não na indicada pela Ré, mas na resolução sem justa causa do alegado contrato de concessão comercial, celebrado por ambas nos moldes descritos no seu petitório, sendo que foi em Aveiro que o mesmo foi negociado e concluído, onde as mercadorias eram recebidas e armazenadas, onde a Ré se obrigou a entregá-las e, por fim, a partir de onde a responsabilidade era para ela, A., transferida.

4. Conhecendo da controvérsia, o Mm.º Juiz, considerando que a Ré ao apresentar-se a contestar, sem limitar a sua defesa à arguição da excepção, aceitou a extensão de competência prevista no art.º 24º do aludido Regulamento, julgou essa mesma excepção improcedente, declarando o Tribunal de Aveiro competente, em razão da nacionalidade, para tramitar e decidir a acção.

4. Irresignada com o assim decidido, a Ré interpôs o vertente recurso de agravo -endereçado a obter a revogação, com as consequências inerentes, do douto despacho recorrido-, consignando, a ultimar as suas doutas alegações, as seguintes conclusões:
1. As relações comerciais entre a Agravante e a Agravada desenvolveram-se ao longo de 25 anos, baseadas na aceitação sucessiva de facturas que consubstanciavam a celebração de contratos de fornecimento de bens, cujos termos e condições gerais foram devidamente aceites pela Agravada;
que consubstanciavam a celebração de contratos de fornecimento de bens, cujos termos e condições gerais foram devidamente aceites pela Agravada;
1.1. Os respectivos fornecimentos de bens eram precedidos e solicitados através da emissão de uma nota de encomenda devidamente assinada e formalizada pela Agravada, o que consubstanciava uma aceitação válida e suficiente perante os usos do comércio internacional e das partes;
1.2. Deve, por isso, considerar-se validamente celebrado o pacto de jurisdição celebrado estando verificados todos os requisitos, ainda que alternativos, previstos no nº1 do artigo 23° do Regulamento (CE) 44/2001, a saber: a) por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; b) em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; c) no comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.
1.3. É, por isso, exclusivamente competente o tribunal alemão de Herzebrock-Clarholz, devendo o foro português ser julgado incompetente internacionalmente;
2. Também pelas regras gerais de resolução de conflitos de competência previstas no Regulamento (CE) 44/2001, nomeadamente os artigos 2°, nº1 e 5°, nº1, é o foro de Herzebrock-Clarholz competente para apreciar o litígio de que se recorre;
2.1. Da mesma forma, ainda que fosse aplicável a lei processual portuguesa para a resolução de conflitos de competência, em especial os artigos 65° e 74° do Código de Processo Civil, seria o foro alemão o competente;
3. N o que se refere à questão da extensão de competência, o artigo 24° do Regulamento (CE) 44/2001 não deve ser interpretado como limitando o direito à defesa, permitindo, pois, que o Réu nos autos - no presente caso a ora Agravante- não só conteste a competência do tribunal, bem como, apresente a sua defesa quanto à substância da acção;
3.1. Não opera, pois, a extensão de competência prevista no artigo 24° do Regulamento;
4. Relativamente à legislação aplicável, a lei que rege a substância do presente litígio é a lei material alemã, por força da escolha de lei resultante da Cláusula IX, nº3 dos termos e condições gerais aplicáveis às facturas;
4.1. É igualmente competente o foro alemão, ainda que por mero dever de patrocínio se conceba, como sendo questões diferentes:
i) a apreciação sobre qual o foro competente para julgar as questões emergentes dos contratos de fornecimento bens celebrados entre a Agravante e a Agravada;
ii) A apreciação da eventual existência de um contrato de distribuição ou outra qualquer relação entre as partes.

5. A A. apresentou, por sua vez, contra-alegações, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

6. Colhidos que se mostram os competentes vistos legais, cumpre decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO
1. O âmbito do recurso, como é sabido, acha-se delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, de harmonia com o estipulado nos arts. 684º, nº3 e 690º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, circunscrevendo-se -salvo as de conhecimento oficioso-, às questões aí equacionadas.
Destarte, e tendo em mente as acima transcritas conclusões, cuidemos das questões em tal súmula concitadas.

2. Sustenta, antes de mais, a Ré/Recorrente que as relações comerciais entre ela e a A./Recorrente se desenvolveram, ao longo de 25 anos, mediante a sucessiva celebração de contratos de fornecimento de bens, titulados por facturas cujos termos e condições gerais foram devidamente aceites pela última. Por outro lado -acrescenta-, tais fornecimentos eram solicitados através da emissão de uma nota de encomenda devidamente assinada pela mesma A., o que consubstanciava uma aceitação válida e suficiente perante os usos tanto do comércio internacional como das partes. Em tal decorrência –conclui-, deve considerar-se validamente celebrado entre ambas um pacto de jurisdição, nos termos do art.º 23º do Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22-12-2000 (doravante apenas Regulamento), pelo que exclusivamente competente para a lide é o Tribunal alemão de Herzebrock-Clarholz, devendo o foro português ser julgado incompetente internacionalmente.
Que dizer? Vejamos.

2.1. Preliminarmente, importa referir que, como bem se ressalva no douto despacho ora em crise -na esteira, de resto, de entendimento uniforme ao nível seja da doutrina seja da jurisprudência: por todos, cfr. Ac. do STJ de 9-12-99, in Col./STJ, Tomo III, pág. 283-, a competência do tribunal afere-se sempre pelos termos em que a acção foi proposta, independentemente da apreciação do seu acerto substancial, e não em função da versão carreada pelo réu. Como se sublinha nas “Noções Elementares de Proc. Civil, de Manuel A. Domingues de Andrade, edição revista por Herculano Esteves, C. Editora, 1976, pág. 91, “A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.”
Destarte, havendo que atender em qualquer acção, apenas e só, ao conteúdo da respectiva petição inicial para aquilatar e decidir da competência de um tribunal, passemos a analisar a destes autos.

2.2. E fazendo-o, consta-se que a A. alega que em 1980 ela e Ré estabeleceram entre si um acordo verbal por tempo indeterminado, mediante o qual a A. passou a promover e distribuir em Portugal, em regime de exclusividade, em seu nome e por sua conta, os produtos da marca C....
Mais alega que desde essa data passou a comprar regularmente os produtos da Ré e a revendê-los por sua conta e risco, garantindo-lhe a Ré o inerente direito de exclusividade, em contrapartida do que a A. assumiu uma multiplicidade de deveres, entre os quais se contando: promover os produtos C...em Portugal, fazer publicidade e marketing dos mesmos e, bem assim, não representar, promover, vender, distribuir ou oferecer para venda ou distribuição, durante o tempo do contrato quaisquer mercadorias idênticas ou similares às da C...ou que pudessem competir com estas.
Concretizando, em seguida, a forma como passou a observar tais assumidos deveres, refere a A. que, além do mais, participava em feiras e exposições, fazia publicidade em revistas, folhetos e mailings, bem como comparticipava em 50% os custos dos catálogos dos produtos da marca C...feitos na Alemanha em língua portuguesa a fim de serem distribuídos em Portugal, assim como elaborava, sem a comparticipação da Ré, os catálogos dos produtos adaptados propositadamente ao mercado português. Do mesmo modo outrossim, que mantinha ainda actualizado um ficheiro de clientes com indicação das transacções com os mesmos efectuados, tendo a Ré, através dos seus representantes comerciais que visitavam regularmente a A., e que acompanhavam por vezes os seus empregados nas vendas, completo acesso a tais informações.
E como assim, a A. afirma que estava integrada, desde o início da sua actividade, na organização comercial da Ré, sendo exclusivamente responsável pela promoção e revenda dos seus produtos numa área geográfica determinada –o território português-, configurando-se por isso o seu relacionamento comercial com a mesma como um contrato de distribuição, na modalidade de concessão comercial exclusiva.
E sendo que na estrita observância deste contrato –mais refere-, desenvolveu uma intensa actividade na qual investiu um enorme esforço organizativo e financeiro, o que a levou a dispor de instalações apropriadas e autónomas para assegurar a exposição e o abastecimento do mercado, a dispor de viaturas adequadas, a possuir uma equipa de vendas organizada de acordo com os padrões exigidos pela Ré, a dar formação à sua custa a alguns dos seus empregados, inclusive pagando as deslocações de técnicos-formadores da C...a Portugal, a constituir e manter um stock de produtos por forma a cobrir sem ruptura o mercado confiado pela Ré e a suportar integralmente viagens propiciadas aos melhores clientes da marca em Portugal.
E foi assim –prossegue-, mercê de todo esse desempenho, que a marca C..., totalmente desconhecida neste País no início do desenvolvimento da relação, goza actualmente de excelente reputação junto dos consumidores portugueses, como o atesta o último volume de vendas, a ultrapassar os € 500.000,00.
Ora, tendo as relações comerciais entre A. e Ré decorrido normalmente ao longo de 25 anos –mais aduz-, com aquela sempre a corresponder às orientações e objectivos da última, sem que esta alguma vez lhe tenha apontado qualquer falha nas condições em que vinha a ser efectuada a distribuição dos seus produtos, subitamente e sem que nada o fizesse prever, em 12-08-2005, a Ré comunicou-lhe que o contrato terminava em 31-12-2005. E informando-a que havia convidado um vendedor da A. para futuro representante da C...em Portugal, ainda por cima, veio a convidar todos os seus (da A.) colaboradores afectos à revenda de produtos profissionais para integrar aquele novo “distribuidor”.
Nestes termos –refere igualmente a A. -, ao cessar por denúncia ou rescisão sem justa causa a relação em foco, tinha a Ré de tomar em consideração um decisivo conjunto de factores -em especial, o bom relacionamento entre as partes que não permitia à A. pôr em causa as expectativas da sua continuação, o investimento e esforço organizativo por si desenvolvidos, os excelentes resultados obtidos e a ainda circunstância de o volume de negócios realizado pela A. com os produtos C...representar 15% do seu volume global de negócios-, pelo que se lhe impunha não levar a efeito essa cessação contratual sem que concedesse à Contraparte, no mínimo, um pré-aviso de 2 anos.
E alicerçada em toda esta múltipla factualidade, a A., reclamando-se a tal com direito, entra a formular alguns pedidos indemnizatórios.
Desde logo –e apelando à aplicação analógica do regime legal do contrato de agência ao dos autos-, indemnização por clientela, visando compensá-la dos proveitos que a Ré continuará a usufruir –agora através do dito novo “distribuidor”-, em resultado da actividade promocional por si (A.) desenvolvida durante 25 anos de vigência do seu relacionamento comercial.
Indemnização também, no montante de € 414.000,00, correspondente às receitas ou lucro bruto que –tendo em conta o valor obtido em 2004: € 207.000,00-, deixou de auferir com a venda dos produtos C...por não ter sido respeitado esse pré-aviso de 2 anos.
Indemnização, ainda, pelos danos causados à sua imagem -decorrentes da imprevista ruptura das relações comerciais com a Ré, a tornarem inevitáveis, junto não só dos clientes da A., mas sobretudo dos seus fornecedores, inevitáveis suspeições quanto às respectivas seriedade, idoneidade e eficácia comercial-, no montante de € 100.000,00.
Acedendo, por fim, em que à data da ventilada cessação do contrato ela, A., devia à Ré a quantia de € 93.856,54 referente ao saldo da conta-corrente, mas sendo, por outro lado, que com essa cessação a mesma Ré levantou o stock de produtos da marca C...existentes em seu poder, no valor de €. 24.060,21, propugna seja declarada a compensação legal deste contra-crédito da Ré –no montante de € 69.796,33-, com o crédito da A. derivado do conjunto desses pedidos indemnizatórios e, em consequência, se condene a Ré a pagar-lhe o saldo remanescente de € 650.403,67, acrescido dos juros vencidos desde a citação.

2.3. Expostos assim os rasgos essenciais do douto petitório da A. –em função dos quais, como dissemos, e ora repisamos- se impõe aferir da questão da competência, ocorre pois perguntar se, consoante defende a Ré, foi efectivamente celebrado entre esta e a A. um pacto de jurisdição, reconduzível ao disposto no art.º 23º do Regulamento, por força do qual se tem de concluir, inelutavelmente, como sendo o eleito Tribunal alemão de Herzebrock-Clarholz o competente para dirimir o vertente litígio.
Antes de entramos na abordagem de tal questão, importa em breve parêntesis dizer que, estando em causa nesse litígio, do ponto de vista subjectivo, uma sociedade com sede em Portugal v. s uma sociedade com sede na Alemanha, e do ponto de vista objectivo –definido, insista-se, com base na versão da A.-, a ruptura (por denúncia ou rescisão) sem justa causa, e sem observância do exigível prazo de pré aviso, de um contrato de concessão comercial, é sem dúvida aplicável o regime decorrente do direito comunitário, mais precisamente, o aludido Regulamento, e não o regime de competência internacional decorrente do direito interno português.
Na verdade, estando subjacente ao predito litígio uma relação transnacional envolvendo dois Estados-Membros da União Europeia, e dizendo o mesmo respeito a matéria de índole comercial, preenchido fica o âmbito material e espacial de aplicação do enfocado Regulamento, havendo assim lugar, em respeito da consabida superioridade hierárquica do regulamento comunitário sobre o direito interno –cfr. Luís de Lima Pinheiro, in Dir. Internacional Privado, Vol. III, Almedina, pp. 70 e ss. - à forçosa aplicação da disciplina em tal instrumento contida.

2.4 Isto posto, e retomando o discurso, sabemos que se estipula no art.º 23º desse Regulamento, subordinado à epígrafe “Extensão de competência-, no qual a Ré traveja a sua douta argumentação, e na parte que para aqui interessa –nº 1 e respectivas alíneas-, o seguinte:
“ 1. Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:
a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou
b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou
c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.”

2.5. Ora, como referimos, é com base nas facturas que, segundo a Ré, acompanhavam os sucessivos fornecimentos de bens por si, ao longo de 25 anos, efectuados à A., mais precisamente nos termos e condições gerais nessas facturas inscritos -alegadamente por força dos usos da empresa e por obrigação decorrente da lei alemã-, que a mesma sustenta ter sido firmado entre as aqui Pleiteantes um vinculativo convénio, nos termos desses art.º 23º, atribuindo a competência para a resolução de todo e qualquer diferendo entre ambas surgido, por via do seu relacionamento comercial, ao aludido Tribunal germânico.

2.6. Fazendo incidir a nossa óptica sobre essas cláusulas –v.g. fls. 157-158-, constatamos, antes de mais, que a minuta em que se elencam ostenta o título “Condições Gerais de Venda”.
Depois, surge o enunciado de tais cláusulas, em número de nove, respectivamente encimado pelas seguintes epígrafes: I - Condições gerais para exportação; II – Preços e Termos de Pagamento; III – Termos de Entrega. Mora. Impossibilidade de entrega; IV- Remessa. Transmissão do Risco. Embalamento. Fornecimentos Parciais, V – Reservas de Propriedade; VI – Defeito de Qualidade; VII – Outras Reclamações por Dano; VIII – Ajudas a Negociantes; e IX – Lugar do Cumprimento. Jurisdição e Lei Aplicável.
Como facilmente se antevê, é fincando-se no teor desta última cláusula que a Ré pretende a celebração desse convénio, pelo que passamos de imediato a reproduzi-la:
1 –O lugar do cumprimento e pagamento é Herzebrock-Clarholz.
2- A única jurisdição para todos os litígios resultantes directa ou indirectamente da relação contratual será a nossa sede social. Contudo, também temos o direito de instaurar acções judiciais na jurisdição da sede social do nosso parceiro.
3 – Excepto se estipulado de outra forma, a lei material Alemã será aplicável à relação contratual em conexão com este Acordo, à excepção do Acordo das Nações Unidas relativo à venda internacional de bens (CISG).
4 – Mesmo se disposições individuais do contrato se tornarem inválidas face á lei, continuará em vigor quanto ao restante. Isto não será aplicável caso a adesão ao contrato constituir um encargo desrazoável para uma das partes.”

2.7. Frente a todo este clausulado, haverá pois que concluir –tal como a Ré/Recorrente pretende-, no sentido de impor o seu conteúdo, conforme o que seria a vontade de uma e outra das Partes, a competência da jurisdição alemã para o conhecimento do litígio em apreço nos autos?
Salvo o muito respeito pensamos que não.
Como claramente o denuncia o título que enquadra essas cláusulas -“Condições Gerais de Venda”-, as mesmas apenas se referem e têm em vista os específicos contratos de compra e venda reportados nas facturas em que tais cláusulas se acham inscritas. Isso também resulta, demais, do texto dessas mesmas cláusulas, sendo as referências que as identificam –e que antes precisámos-, elemento nesse sentido claramente evidenciador.
Quer dizer, a “determinada relação jurídica” fonte de eventuais litígios –a que se refere o proémio do nº 1 desse art.º 23º- ou a “relação contratual” –mencionada nos nºs 2 e 3 da supra transcrita cláusula IX- são esses contratos de venda relativos aos bens relacionados nas facturas, só em relação a eles sendo possível falar, se verificados algum ou alguns dos requisitos de forma enumerados nas três alíneas de tal nº 1, em atribuição convencional de competência, em razão de tais cláusulas, a respeito do foro para a resolução dos diferendos desses mesmos contratos emergentes.

2.7. Ora “in casu” não são tais (individualizados, singulares) contratos, que sem dúvida a aqui A./Recorrida ao longo dos anos celebrou com a Ré, que estão em jogo; o litígio que opõe as mesmas não radica, de todo, em algum ou alguns de tais efectivados contratos.
Na realidade, com a vertente acção, a A. alegando que celebrou com a Ré um contrato de distribuição, na modalidade de contrato de concessão comercial exclusiva, mais alega que esta última, sem qualquer razão válida, e sem observar um tempo de pré-aviso necessário e justificado, rompeu essa relação contratual dela definitivamente se desvinculando. E assim, invocando a verificação de vários prejuízos desse acto ilícito para si advenientes, a A. peticiona as atinentes indemnizações.
Como é bom de ver, esta controvérsia nada tem a ver com eventuais conflitos relacionados com concretos fornecimentos de bens operados pela Ré no âmbito desse contrato de concessão, arvoradamente celebrado com a A./Recorrida.

2.8. Com efeito, elucida o Prof. António Pinto Monteiro –in “Contratos de Distribuição Comercial”, Almedina, pág. 108-, que a concessão se apresenta no seu entender “... como um contrato-quadro que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e este a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações –mormente no tocante à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes- e sujeitando-se a um certo controlo e fiscalização do concedente.”
E prossegue: “Como contrato-quadro, o contrato de concessão comercial funda uma relação de colaboração estável, duradoura, de conteúdo múltiplo, cuja execução implica, designadamente a celebração de futuros contratos entre as partes, pelos quais o concedente vende ao concessionário, para revenda, nos termos previamente estabelecidos, os bens que este se obrigou a distribuir.”
E mais adiante (pág 109): “Daí que, ao celebrarem, periodicamente, os contratos de compra e venda pelos quais o concessionário adquire do concedente os bens para revenda, estarão ambas as partes a cumprir a obrigação anteriormente assumida. A estes últimos podemos chamar contratos de execução, os quais se inserem no quadro definido pelo primeiro e o complementam.”

2.9. Habilitados de tão autorizado ensinamento, logo se infere que os contratos de compra e venda reportados nessas cláusulas constantes das facturas apenas poderão ser, tendo em mente um contrato de concessão, esses de execução da concessão, obviamente efectuados/concretizados.
Porém, o que nestes autos está em causa são, não contratos de execução, mas a própria concessão “in totum, ou seja, o contrato-quadro no desenvolvimento do qual, além do mais, contratos-execução desse tipo têm lugar. E uma vez que se trata do rompimento do contrato-quadro (alegadamente vigente entre as Partes), determinante ou desencadeador de contratos-execução, estes, mercê desse rompimento, obviamente que não tiveram nem virão a ter ocorrência.
Ora, o âmbito de previsão dessas cláusulas manifestamente que não contempla, nem a eventual frustração de contratos (de compra e venda) não celebrados, nem os litígios porventura decorrentes da extinção do contrato-“mãe”, por via do qual a celebração desses outros contratos deveria ter-se verificado.
Neste termos, e em suma, das apontadas cláusulas insertas nas facturas não deriva o estabelecimento do foro competente para conhecer do pleito em atinência, não sendo assim possível considerar o Tribunal alemão nelas referenciado como competente, mercê de convenção das ora Litigantes, e portanto ao abrigo do disposto no prefalado art.º 23º, para tal conhecimento.
A douta objecção recursória em presença naufraga, pois.

3. Ainda a respeito de competência convencional, e atendo-nos ao Regulamento, constata-se que ela também pode derivar do disposto no respectivo art.º 24º, normativo este onde se preceitua que “Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 22.º”.
Ora, filiando-se justamente neste normativo, o Mm.º Juiz, partindo da consideração de que a Ré e aqui Recorrente, tendo-se apresentado nos autos a contestar, não se limitou a arguir a incompetência internacional, antes também aduziu argumentos da sua defesa à pretensão da A., pedindo a sua improcedência, e até a compensação de créditos –partindo de tal consideração, dizíamos, concluiu pela competência do Tribunal de Aveiro para apreciar e julgar a acção, entendendo verificada, em função desse comportamento da Ré, a regra da “extensão de competência“ plasmada nesse art.º 24º.
Contra o assim decidido, insurge-se a ora Ré/Recorrente, dizendo que esse art.º 24º não deve ser interpretado como limitando o direito de defesa, mas antes permitindo ao réu –e no presente caso a ela, Ré-, não só questionar a competência do tribunal, mas também apresentar defesa quanto à substância da acção.
E ressalvando sempre o muito respeito, nesta parte assiste à mesma Recorrente razão.

3.1. Com efeito, e tal como salienta o Prof. Luís de Lima Pinheiro –in ob. cit., pág. 147-, a jurisprudência comunitária (Tribunal de Justiça das Comunidades) vem entendendo que a comparência do réu não fundamenta a competência do tribunal se o mesmo, além de contestar a competência, apresentar a sua defesa quanto ao mérito da causa. Ponto é que essa contestação da competência seja prévia a toda a defesa de mérito ou, quando menos, tenha lugar o mais tardar até ao momento da tomada de posição considerada pelo direito processual do foro como o primeiro acto de defesa formulado no processo. No mesmo sentido se pronuncia Sofia Henriques -in Os Pactos de Jurisdição No Regulamento (CE) nº 44 de 2001, C. Editora, pág. 102-, escrevendo que “... a excepção de incompetência e a defesa quanto ao fundo que a mesma acompanha devem ser apresentadas, o mais tardar, ao mesmo tempo que as excepções dilatórias.” E mais refere esta Autora (ib., pág. 98): “Assim, sempre que o demandado compareça e se defenda não apenas com a excepção de incompetência, mas apresente também a sua defesa quanto ao fundo, tal afasta a prorrogação tácita de competência.” E, elucidativamente, acrescenta: “Na verdade, se assim não fosse, poderia o demandado ver coarctada a sua defesa, por ficar impedido de deduzir ulteriormente a sua defesa quanto ao fundo da questão, face ao princípio da preclusão ou concentração, em vigor em vários países da União Europeia.”

3.2. Tendo em mente estes eméritos considerandos, e regressando ao caso “sub judice”, sabemos que a Ré/Recorrente, citada para a acção, logo no limiar da respectiva contestação arguiu a incompetência internacional do Tribunal de Aveiro, propugnando ser competente para o julgamento da causa o foro alemão.
Assim sendo, segue-se concluir que, ao invés do decidido no douto despacho em crise, a intervenção protagonizada pela Ré no processo não pode ser considerada como tácita aceitação de competência desse foro escolhido pela Contraparte, a qual, em decorrência, não se pode ter como ali radicada “ex vi” da normação contida no enfocado art.º 24º.
No que a esta questão concerne, pois, o referido despacho não pode subsistir.

4. Prosseguindo, defende também a Ré/Recorrente que, ainda que se entenda não ter sido celebrado um pacto atributivo de jurisdição –hipótese que, como vimos, efectivamente se verifica-, sempre o foro de Herzebrock-Clarholz seria competente por força das regas legais de definição da competência plasmadas nos arts 2º, nº 1 e 5º, nº 1, ambos do Regulamento.
Vejamos.

4.1. Preceitua-se nesse art.º 2, nº 1 –sob o título Disposições gerais- que “Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.“
Por sua vez, nesse outro art.º 5º, nº 1 –subordinado à epígrafe “Competências especiais”-, estatui-se –na parte que para aqui releva- que “Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro: 1 –a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão.”
Sendo o critério constante daquele primeiro dispositivo –domicílio do réu-, meramente residual, importa, antes de mais, cuidar desse alternativo consagrado no art.º 5º, nº 1, sendo certo que a ser ele operante, em nada fará obstáculo- face ao disposto no art.º 3º, nº 1, do Regulamento-, esse geral previsto em tal art.º 2º, nº1.

4.2. Ora, como uma vez mais ensina Luís Lima Pinheiro –ob. cit., pág. 81-, ao estabelecimento desse critério –matéria contratual-, está subjacente o entendimento de que “... o foro do lugar do cumprimento da obrigação não só está bem colocado para a condução do processo como também é aquele que, em regra, apresenta a conexão mais estrita com o litígio.” E acrescenta o mesmo Mestre que a jurisprudência comunitária já teve ensejo de qualificar como “matéria contratual”, entre o mais, a pretensão de indemnização por incumprimento do contrato e a pretensão de indemnização por rescisão abusiva de contrato de agência.
Destarte, dúvidas não subsistem sobre a aplicabilidade da previsão constante do predito art.º 5º, nº 1, al. a), à espécie em análise, sabido que em causa a ilícita desvinculação por parte da Ré de um pretenso contrato de concessão comercial firmado com a A/Recorrida e inerentes indemnizações por esta ultima reclamadas.

4.3. Como assim, é desde logo certo –na óptica para aqui relevante da A./Recorrente, entenda-se- que esse contrato visou desde sempre a promoção e distribuição no território português, por parte da A. como concessionária, dos produtos da marca C....
Era nesse território que se situavam os clientes da A. -que em certa medida também eram os da Ré (assim também, António Pinto Monteiro, in Contrato de Agência, 5 ª ed., Almedina, pp. 137-138) por isso se justificando a vigilância e as exigências que nesse âmbito impunha à Contraparte-, onde a mesma exercia a actividade de prospecção e angariação de novos, e onde se localizam as suas instalações e demais meios para o seu funcionamento.
Assim sendo, era com referência a tal território que o prosseguimento do contrato devia ser assegurado por ambos os Contratantes, quanto à Ré-concedente propiciando não só os bens, notadamente mediante contratos de compra e venda, mas realizando os demais procedimentos tidos por necessários à plena realização do fim contratual, sabido que, como antes referimos, o contrato de concessão –como contrato-quadro- implica uma multifacetada actividade de ambos os contratantes enquanto membros de uma mesma rede ou cadeia de distribuição.
De tal sorte, temos que foi neste País que a Ré, ao romper em termos indevidos o contrato, incorreu em culposo inadimplemento das suas obrigações –ou, se se quiser, da obrigação fundamental- decorrentes de tal estipulação, sendo, pois, o foro nacional, presente essa mais estreita conexão, o competente para dirimir o litígio por tal facto sobrevindo entre as Partes.
A excepção dilatória da incompetência arguida pela Ré/Recorrente queda-se assim improcedente, havendo que, conquanto por razões diferentes, confirmar o veredicto com que findou o douto despacho ora em crise.

5. Na sua douta alegação a Ré/Recorrente suscita ainda a questão da legislação aplicável à substância do presente litígio, defendendo ser a lei material alemã, por força da escolha de lei decorrente resultante da Cláusula IX, nº3, dos termos e condições gerais aplicáveis às facturas.
Sucede, porém, que esta questão não foi de qualquer modo enfrentada ou decidida pelo douto despacho que se adversa, perfilando-se, pois, para os termos do presente recuso como questão nova, e, portanto, exorbitante dos poderes de (mera) reapreciação que aos tribunais de recurso competem –ilustrando jurisprudência pacífica, cfr., por todos, Ac. do S.T.J. de 25-11-98, in Bol. nº 481º-430.
Assim sendo, cumpre-nos guardar qualquer pronunciamento a respeito de tal questão.

III – DECISÃO
Nos termos expostos, e sem mais, nega-se provimento ao ora apreciado agravo e, pese que com diversa fundamentação, confirma-se o despacho recorrido.
Custas pela Agravante.