Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1216/09.0TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: ALIMENTOS
FILIAÇÃO
MAIORIDADE
ACORDO EXTRAJUDICIAL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
LEI INTERPRETATIVA
ACTOS DE NATUREZA ANÁLOGA
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Data do Acordão: 12/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - C.BRANCO - JUÍZO FAM. MENORES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.13, 1249, 1880, 1905, 2006, 2008 CC, LEI Nº 122/2015 DE 1/9, ARTS. 936, 989 CPC
Sumário: I - O direito a alimentos é indisponível, no sentido de que não pode ser renunciado ou cedido. Os alimentos podem, no entanto, ser objecto de acordo quanto ao modo de serem prestados, quanto às necessidades a cobrir por eles e quanto ao montante da prestação pecuniária a prestar pelo devedor.

II – A ineptidão da petição inicial não pode ser arguida pela primeira vez em sede de recurso. Ao tribunal está vedado também conhecer oficiosamente da questão em sede de recurso.

III – Ainda que se entenda que o n.º 2 do artigo 1905.º, do Código Civil, na redacção dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, tem natureza interpretativa do que dispunha – e dispõe - o artigo 1880.º do Código Civil, visto o disposto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 13.º do Código Civil, a integração da lei interpretativa na lei interpretada não põe em causa a validade e a eficácia do acordo relativo a alimentos celebrado entre o pai e a filha já maior, antes da entrada em vigor da lei interpretativa.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª secção cível do tribunal da Relação de Coimbra

S (…), residente na (…), instaurou em 9 de Setembro de 2015 execução especial por alimentos contra J (…), residente (…), para pagamento da quantia de 808,14 euros.

A execução teve por base a sentença proferida em 6 de Fevereiro de 2014 no processo n.º 1216/09.0TBCTB que homologou o acordo entre a exequente e o executado sobre a prestação de alimentos aos dois filhos menores do casal. Nos termos desse acordo, ora executado obrigou-se a pagar 530 euros aos filhos durante 8 meses do ano e 400 euros de Junho a Agosto.

Sob a alegação de que o executado nos meses de Junho a Setembro de 2015 pagou apenas 200 euros, veio instaurar execução para pagamento da parte em dívida, € 800,00.

Posteriormente (10 de Fevereiro de 2017), sob a alegação de que a partir de Setembro de 2015, o executado não pagou as prestações nem contribuiu para as despesas extraordinárias de educação e saúde, veio requerer execução para pagamento das prestações em dívida desde Setembro de 2015 e respectivos juros à taxa de 4%, no montante total de 5 137,05 euros.

Em 28 de Outubro de 2015, o executado opôs à execução por meio de embargos, pedindo:
1. Se julgasse que a exequente não tinha legitimidade para instaurar execução para pagamento dos alimentos referentes à filha M (…), por ela ter atingido a maioridade em 12 de Maio de 2015;
2. A extinção da obrigação de alimentos, por pagamento do crédito pedido pela exequente, determinando-se a extinção da execução e penhora.

O processo prosseguiu os seus termos e a final foi proferida sentença que, julgando procedentes os embargos, julgou extinta a obrigação do embargante, relativamente à embargada, de proceder ao pagamento a esta da pensão de alimentos devidos à filha de ambos, M (…), a partir de Junho de 2015.

A exequente não se conformou com a decisão e interpôs recurso de apelação. O acórdão que julgou o recurso, proferido em 14-11-2017 [o acórdão está publicado em www.dgsi.pt], anulou a sentença recorrida e ordenou a remessa dos autos à 1ª instância a fim de serem autuados por apenso à execução como incidente de cessação ou alteração de prestação alimentícia e para aí se dar observância ao disposto no n.º 3 do artigo 936º do Código de Processo Civil.

Em cumprimento do determinado pelo acórdão do tribunal da Relação, os autos foram autuados como alteração/pensão de alimentos.    

Foi designada dia para a conferência prevista no n.º 3 do artigo 936.º do CPC, para a qual foi notificado o autor e citada a exequente.

Nela estiveram presentes, como interessados, o requerente e a requerida e os respectivos mandatários.

Os interessados não chegaram a acordo.

Notificada para contestar o pedido com a advertência legal, a requerida (exequente) não contestou.

O tribunal a quo decidiu considerar confessados os factos articulados pelo autor, ao abrigo do n.º 1 do artigo 576.º do CPC.

Após a apresentação de alegações pelo executado, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, determinou que, do montante que constituía objecto de execução, o requerente era devedor apenas da sua quota-parte nas despesas de educação, no valor de € 578,72.

A exequente não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se revogasse e se substituísse a sentença por outra que condenasse o recorrido nos valores pedidos nos autos principais.

Os fundamentos do recurso consistiram em resumo na seguinte alegação:
1. Que a sentença estava ferida de nulidade;
2. Que o tribunal a quo violou os princípios do contraditório e da igualdade, nos termos do artigo 547.º do CPC;
3. Que a petição era inepta nos termos do disposto no artigo 186.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), do CPC;
4. Que o tribunal devia ter absolvido a recorrente da instância pela existência de excepção dilatória de ilegitimidade passiva, nos termos do artigo 577.º, alínea e), do CPC;
5. Que o tribunal violou as normas constantes dos artigos 732.º, n.º 3, 411.º e 611.º, n.º 2, do CPC, bem como os artigos 12.º e 65.º do RGPTC e 354.º, alínea b), do CPC, bem como dos artigos 1249.º, 1880.º e 1905.º, todos do Código Civil;
6. Que a sentença fez uma incorrecta interpretação das normas constantes dos artigos 1880.º e 1905.º, n.º 2, do Código Civil.

O recorrido respondeu, pedindo se julgasse improcedente o recurso e se confirmasse a decisão recorrida.


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Questões suscitadas pelos fundamentos do recurso:
1. Saber se a sentença enferma das nulidades que lhe foram apontadas pela recorrente;
2. Saber se o tribunal devia ter absolvido a requerente por falta de legitimidade;
3. Saber se a sentença violou as normas acima indicadas. 

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Não tendo havido impugnação da decisão relativa à matéria de facto, consideram-se provados os seguintes factos discriminados na sentença:

1. Por decisão proferida na Conservatória do Registo Civil de (...) , nos autos de divórcio por mútuo consentimento com o n.º (...) /2008, datada de 08.02.2008, foi homologado acordo referente ao exercício das responsabilidades parentais, nos termos do qual, para além do mais, ficando M (…) a residir com a mãe, o progenitor vinculou-se ao pagamento mensal, a título de alimentos à filha, da quantia de 250,00 €, actualizável anualmente em Janeiro de cada ano, de acordo com a taxa de inflação verificada no ano anterior, calculada pelo INE, acrescida de metade das despesas médicas extraordinárias e das despesas de educação extraordinárias.

2. Por sentença datada de 06.02.2014, proferida no apenso A, foi homologado acordo dos progenitores, nos termos do qual, para além do mais, nos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro de cada ano, o progenitor se vinculou ao pagamento da pensão de alimentos a M (…), no valor de 200,00 €.

3. M (…) nasceu no dia 12.05.1997 e é filha de J (…) e S (…).

4. A requerida instaurou execução contra o requerente, dando à execução como título executivo uma decisão judicial condenatória e requerendo a cobrança coerciva da quantia de 808,14 €, correspondente aos alimentos vencidos nos meses de Junho a Setembro de 2015, por referência à jovem M (...) .

5. Posteriormente, requereu a ampliação do pedido relativamente a quantias vencidas entre Setembro de 2015 e Fevereiro de 2017, no montante total de 5.137,05 €, correspondendo, desse montante, 31,25 € a despesas de saúde.

6. No dia 6 de Junho de 2015, o requerente acordou com a sua filha M (…) pagar-lhe directamente a pensão de alimentos.

7. Por conseguinte, acordaram ambos o seguinte: a) A título de alimentos o pai pagará € 120 (cento e vinte euros), no início de cada mês; b) O pai pagará o vestuário, até um montante de € 400 por ano; c) O pai pagará metade das despesas de saúde.

8. Em Junho de 2015, o requerente entregou a M (…) os €120, em Julho entregou €200 e nos meses subsequentes entregou €120, para além de ter suportado as despesas com o vestuário e o calçado.

9. O acordo mencionado em 3) foi levado ao conhecimento da exequente, quer pelo embargante, quer pela filha de ambos.


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Descritos os factos, passemos à resolução das questões acima enunciadas.

Como se pela exposição efectuada, a recorrente imputou à sentença múltiplas nulidades e acusou-a de violar uma pluralidade de normas.

Quando o recurso suscitar várias questões, o tribunal deve resolvê-las segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica (princípio enunciado no n.º 1 do artigo 608.º do CPC a propósito da resolução das questões processuais que possam, determinar a absolvição da instância, mas que é válido para a resolução de outras questões).

No caso, o princípio acabado de enunciar leva a que se conheça em primeiro lugar da alegação da recorrente segundo a qual o tribunal a quo violou as normas jurídicas constantes dos artigos 732.º, n.º 3, 411.º, 611.º, n.º 2 do CPC, bem como o artigo 12.º e 65.º do RGPTC e o artigo 354.º, alínea b) do Código Civil. O conhecimento em primeiro lugar desta alegação impõe-se porque ela visa a decisão proferida em 20 de Março de 2018 que considerou confessados os factos articulados pelo requerente, ora recorrido, ao abrigo do n.º 3 do artigo 936.º do CPC e do n.º 1 do artigo 576.º do mesmo diploma. No caso de a impugnação ser julgada procedente, a matéria que foi considerada confessada passa a ser controvertida e, em consequência, há que revogar a decisão e o processado subsequente.

Observe-se que, apesar de, no requerimento com que interpôs o recurso, ter indicado apenas como objecto do recurso a sentença que julgou procedente a acção de alteração/cessação de alimentos, a citada decisão era passível de impugnação no presente recurso. Com efeito, uma vez que tal decisão não era passível de apelação autónoma por não caber em nenhum dos casos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 644.º do CPC, podia ser impugnada no recurso que viesse a ser interposto da decisão que pôs termo à causa, ao abrigo do n.º 3 do artigo 644.º do CPC.

A recorrente impugna a mencionada decisão com base na seguinte alegação:

1. Que o tribunal não podia julgar provados os factos alegados na oposição à execução, convertida em incidente de cessação/alteração de alimentos, que estavam em oposição com os alegados no requerimento executivo e que ao não fazê-lo violou o disposto no n.º 3 do artigo 732.º do CPC;

2. Que todos os incidentes que caíssem nas normas processuais do CPC, mas que estivessem relacionados com matéria respeitante ao exercício das responsabilidades parentais, deviam adaptar-se ao disposto no Regime Geral do Processo Tutelar Cível [RGPTC], ou seja, devia ser tratado como um processo de jurisdição voluntária, que não se compatibiliza com qualquer efeito cominatório decorrente da falta de contestação;

3. Que estavam em causa interesses dos quais as partes não podiam dispor pelo que a falta de contestação não tinha o efeito cominatório;

4. Que qualquer confissão que recaísse no âmbito dos factos relativos a direitos indisponíveis não fazia prova, conforme previsto no artigo 354.º, alínea b), do Código Civil;

Pelas razões a seguir expostas é de julgar improcedente a impugnação da decisão proferida em 20 de Março de 2018.

É isento de dúvida que, por decisão do tribunal da Relação, a pretensão da requerente passou a seguir os termos do processo especial para a cessão ou alteração dos alimentos previsto nos artigos 936.º e 937.º do CPC.

Segue-se daqui, por aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 549.º do CPC, que tal processo é regulado pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerias e comuns; em tudo o quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum.

Uma vez que os interessados não chegaram a acordo na conferência prevista no n.º 3 do artigo 936.º do CPC e que a requerida, ora recorrente, notificada para contestar o pedido, não o contestou, a situação que importava regular era a dos efeitos da revelia.

O processo especial para a cessação ou alteração dos alimentos não tem norma reguladora da situação. Como a não tem as disposições gerais e comuns, razão pela qual a solução esta em recorrer ao que se acha estabelecido para o processo comum, concretamente ao estabelecido nos artigos 567.º e 568.º.

Segue-se do exposto que não eram aplicáveis na regulação dos efeitos da revelia da requerida, ora recorrente, as normas constantes do n.º 3 do artigo 732.º, do artigo 411.º ou do artigo 611.º, todos do CPC, ou a norma do artigo 65.º do RGPTC.

Questão diferente era a de saber se no caso se aplicava o n.º 1 do artigo 567.º do CPC, na parte em que dispunha que se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor, ou se esta disposição não se aplicava por se verificar alguma excepções previstas no artigo 568.º.

A recorrente parece navegar nestas águas ao imputar à decisão a violação do artigo 354.º, alínea b), do Código Civil. Na verdade, o preceito em causa afirma que a confissão não faz prova contra o confitente se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis e a alínea c) do artigo 568.º estabelece que não se aplica o disposto no artigo 567.º quando a vontade das partes for ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela acção se pretende obter.

Apesar de a recorrente não ter especificado os factos alegados pelo recorrido em relação aos quais era inadmissível a confissão, deduz-se da sua alegação que o facto em causa era o acordo relativo a alimentos celebrado entre o requerente, ora recorrido, e a filha do casal, M (…). No seu entender, a confissão não era admissível porque o direito a alimentos era indisponível.

A alegação da recorrente não tem amparo na lei. É verdade que segundo o n.º 1 do artigo 2008.º do Código Civil, o direito a alimentos é indisponível; mas é indisponível no sentido de que não pode ser renunciado ou cedido. Já não é indisponível no sentido de que não pode ser objecto de acordo quanto ao modo de eles serem prestados, quanto às necessidades a cobrir por eles ou quanto ao montante da prestação pecuniária a prestar pelo devedor de alimentos. Estes aspectos podem ser objecto de acordo entre os interessados, como o atestam por exemplo o n.º 1 do artigo 2005.º do CC [na parte em que prevê acordo sobre o modo de prestar alimentos], o artigo 2006.º do CC [na parte em que prevê acordo sobre o momento a partir do qual são devidos os alimentos], o n.º 3 do artigo 936.º do CPC [na parte em que prevê acordo sobre a cessação ou alteração dos alimentos] e o n.º 1 do artigo 47.º do RGPTC [aplicável ao processo de prestação de alimentos a filhos maiores ou emancipados por remissão do n.º 1 do artigo 989.º do CPC] na parte em que se refere à hipótese de acordo dos interessados sobre a prestação de alimentos.

Visto que o acordo alegado pelo ora recorrido, que dizia respeito a alimentos a filhos maiores, versava sobre o montante da prestação pecuniária e sobre as necessidades a satisfazer com tal prestação, é de concluir, face ao acima exposto, que estava fora do domínio da indisponibilidade prevista no n.º 1 do artigo 2008.º do Código Civil.

Pelo exposto, julga-se improcedente a impugnação da decisão proferida em 20 de Março de 2018.


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Legitimidade da recorrente

A segunda questão que importa conhecer, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica, é a da ilegitimidade passiva da ora recorrente [conclusão P]. 

A este propósito alega a recorrente:

1. O processo foi autuado como incidente de cessação ou alteração de alimentos;

2. Seguindo-se o entendimento da sentença quanto à não retroactividade da lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, a parte contrária no incidente teria de ser necessariamente a filha maior, sendo a ora recorrente parte ilegítima, pelo que deveria o tribunal ter absolvido a recorrente da instância, por ilegitimidade, nos termos do artigo 577.º, alínea e), do CPC.

Pelas razões a seguir expostas é de julgar improcedente a excepção de ilegitimidade.

Como resulta do exposto acima, o presente processo iniciou-se e correu termos, com prolação de sentença, como oposição mediante embargos à execução instaurada pela ora recorrente contra o recorrido para pagamento de prestações alimentos.

Em sede de recurso, o tribunal da Relação considerou que o processo seguido era errado e que o processo que cabia à pretensão do executado/embargante era o processo especial para a cessação ou alteração dos alimentos previstos no artigo 936.º do CPC e, em consequência, anulou a decisão proferida em sede de embargos e determinou que se seguisse o mencionado processo especial.

Não cabe a este tribunal pronunciar-se, de novo, sobre a questão de saber qual o processo próprio para apreciar a pretensão do requerente, ora recorrido. Está decidido, com trânsito em julgado, que o processo próprio para conhecer da pretensão do requerente/recorrido é o previsto nos artigos 936.º e 937.º do CPC.

É isento de dúvida que quem tem legitimidade para o processo especial para a cessação ou alteração dos alimentos [os interessados, nas palavras do n.º 3 do artigo 936.º do CPC] é o credor e o devedor de alimentos. E no caso, é isento de dúvida que quem é credor dos alimentos em causa é a filha da recorrente e do requerido, e não a recorrente, e quem é o devedor é o requerido.

Sucede que, apesar da forma seguida, a pretensão que está em causa no presente processo não é a cessação ou a alteração dos alimentos devidos à filha da ora recorrente e do ora recorrido. Com efeito, o recorrente não pretende que o tribunal declare que não está obrigado a pagar alimentos à filha ou que altere os que foram fixados. O que o ora recorrido pretende é a extinção da execução instaurada pela ora recorrente contra o recorrido. E pretende a extinção com fundamento no facto de ter celebrado um acordo sobre alimentos com a filha e no facto de estar a cumprir tal acordo. De resto foi com este sentido que a sentença interpretou a pretensão em causa como o atesta a circunstância de a respectiva parte dispositiva se ter pronunciado apenas sobre a pretensão do recorrido em relação à execução, dizendo que do montante desta, aquele respondia apenas pelo pagamento da sua quota-parte no valor de € 578,72.

Vendo o conflito pelo prisma do interesse em demandar e em contradizer - e não pelo prisma do processo seguido -, é isento de dúvida que quem tem interesse em contradizer a pretensão do recorrido é a ora recorrente. Com efeito é ela a prejudicada pela procedência de tal pretensão.

Em consequência, julga-se improcedente a alegação da recorrente no sentido de que é parte ilegítima.      


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Nulidade da sentença:

Segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica, a questão a conhecer de seguida é a da nulidade da sentença.

O recorrente começa por dizer que a sentença enferma da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC dado que se baseou num requerimento inicial que não obedece aos requisitos legais obrigatórios de uma petição inicial, pois não havia um pedido e uma causa de pedir devidamente claros, concisos e ininteligíveis, e conheceu de questões que não poderia conhecer, por preterição de tais requisitos na petição inicial apresentada.

Noutro passo da alegação, diz que a sentença padece de nulidade prevista na alínea d), do n.º 1 do artigo porque a petição é inepta, nos termos do disposto no artigo 186.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), do CPC, e que competia ao tribunal declarar a nulidade de todo o processo porque tal nulidade não se encontrava sanada nos termos do disposto no artigo 196.º e não havendo despacho saneador, poderia ter sido conhecida até á sentença final (artigo 200.º, n.º 2, do CPC).

Não assiste razão à recorrente.

A arguição de nulidade da sentença com os fundamentos acima expostos mais não é do que uma forma indirecta de arguir a ineptidão da petição, resultante, segundo a recorrente, do facto de não se conseguir apurar se o recorrido quer modificar a pensão de alimentos fixada na menoridade [supõe-se que por lapso a requerente escreveu maioridade] por existência de acordo com a filha maior ou se pretende a efectiva cessão da pensão, apesar da existência de acordo extrajudicial [conclusão F)].

Sucede que o n.º 1 do artigo 198.º do CPC, ao dispor que a nulidade a que se refere o artigo 186.º [ineptidão da petição inicial] só pode ser arguida até à contestação ou neste articulado, veda à recorrente a faculdade de arguir em sede de recurso a ineptidão da petição inicial.

Por outro lado, o n.º 2 do artigo 200.º do mesmo diploma, ao dispor que a nulidade a que se refere o artigo 186.º é apreciada no despacho saneador, se antes o juiz a não houver apreciado; se não houver despacho saneador, pode conhecer-se dela até à sentença final, impede este tribunal de conhecer oficiosamente, em sede de recurso, da questão da nulidade decorrente da ineptidão da petição.

Em consequência, ainda que existisse ineptidão da petição, este tribunal da Relação não poderia censurar o tribunal a quo por a não a ter declarado na sentença. É que esta censura só poderia ser feita ou com base na arguição do recorrente, e esta arguição não era processualmente admissível, ou com base no conhecimento oficioso da questão da ineptidão, e este tribunal não pode conhecer oficiosamente desta questão em sede de recurso.

Pelo exposto improcede a arguição de nulidade da sentença com os fundamentos acima expostos.


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Noutro passo da sua alegação, a recorrente acusa a sentença de incorrer na causa de nulidade prevista na alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC com a alegação de que ela não se pronunciou acerca do acordo extrajudicial entre o recorrido e a filha maior, considerado como facto provado, no dispositivo da sentença [conclusão L].

Não assiste razão à recorrente.

É exacto que a decisão sob recurso não se pronunciou na respectiva parte dispositiva sobre o acordo extrajudicial entre o recorrido e a filha maior. Pronunciou-se, no entanto, na fundamentação da decisão.  

Assim, visto o que dispõe o n.º 2 do artigo 608.º do CPC, a omissão de pronúncia na parte dispositiva só configuraria a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC se o juiz tivesse o dever de se pronunciar sobre o acordo na parte dispositiva. Sucede que não tinha. De resto, a recorrente não diz qual a norma ou princípio jurídico de onde resulta que o juiz do tribunal a quo tinha o dever se se pronunciar sobre o acordo na parte dispositiva.


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Ainda noutro passo da sua alegação, a recorrente acusa a sentença de estar ferida, agora da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, com a alegação de a fundamentação de facto, que se resume aos factos dados como provados, está em manifesta oposição com a decisão proferida [conclusão K].

A pretensão da recorrente é de julgar improcedente.

A nulidade prevista sob a alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC dá-se quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade e ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Socorrendo-nos das palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, página 671, a propósito desta mesma causa de nulidade, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC de 1961, esta nulidade dá-se quando “a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.

Sendo este o sentido a dar à causa de nulidade ora em apreciação, a decisão recorrida [que julgou parcialmente procedente a acção] teria incorrido nela se a fundamentação apontasse no sentido da improcedência da acção.

É seguro afirmar-se que a fundamentação não aponta no sentido da improcedência. De resto, a recorrente não especifica qual é o passo ou os passos da fundamentação que estão em oposição com a decisão. Tinha, no entanto, este dever, pois a parte que arguir a nulidade da sentença tem o ónus de fundamentar a arguição, não cabendo ao tribunal entrar em suposições ou conjecturas sobre as razões da arguição.


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Noutro passo da sua alegação [conclusão O], a recorrente acusa a sentença de ser nula nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) com base na seguinte alegação:

1. O tribunal, apesar de atribuir efeito cominatório semi-pleno à falta de contestação, não podia deixar de analisar criticamente as provas;

2. O tribunal não se pronunciou sobre a validade do acordo, obrigação que lhe era imposta pelo n.º 3 do artigo 607.º do CPC e ao não fazê-lo violou o dever de fundamentar a decisão.

Pelas razões a seguir expostas, é de julgar improcedente a arguição de nulidade.

Em primeiro lugar, o dever de analisar criticamente as provas previsto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC só existe quando tenha havido produção de prova, o que não sucedeu no caso. Carece, assim, de fundamento a imputação à decisão recorrida da falta de exame crítico das provas.

Além de não ter fundamento, a alegação da recorrente não tem amparo na lei. Com efeito, a falta de exame crítico das provas, quando exista o dever de fazer, não é causa de nulidade da sentença. E não é porque as causas de nulidade da sentença são apenas as previstas no artigo 615.º do CPC e nenhuma delas compreende a falta de exame crítico das provas.

Em segundo lugar compreende-se mal à luz do princípio da boa-fé processual a que a recorrente está obrigada pelo artigo 8.º do CPC que acuse a sentença de não se ter pronunciado sobre a validade e eficácia jurídica do acordo e que tenha violado o dever de fundamentação. E compreende-se mal porque a sentença enunciou expressamente como questão a decidir a questão da validade do acordo como o atesta a seguinte passagem da sentença: “A questão que se coloca é saber se a celebração de tal acordo, nos termos do qual o requerente e a beneficiária de alimentos decidiram extrajudicialmente alterar a forma de prestação e o montante dos alimentos pode ser considerada modo válido e eficaz de vinculação do requerente, ponderando tal situação, por um lado, à luz da obrigação que este havia assumido durante da menoridade da filha, por outro lado, no contexto de uma jurisprudência que, a essa data, era maioritária no sentido de que, após a maioridade, tinha que ser o beneficiário dos alimentos a instaurar a respectiva acção e a alegar e provar os seus pressupostos e, por fim, ao abrigo das alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 122/2015”.


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Violação dos artigos 1249.º, 1880.º e 1905.º do Código Civil

A imputação à sentença da violação das normas constantes destes artigos visa o segmento da sentença que se pronunciou no sentido da validade e eficácia do acordo celebrado entre o ora recorrido e a filha, em 6 de Junho de 2015, versando sobre os alimentos a prestar por aquele a esta última. Tal imputação assenta na seguinte alegação:

1. O acordo extrajudicial entre o progenitor não convivente e o filho maior terá que passar pelo crivo judicial, quando em relação a esse mesmo filho tiver havido uma decisão sobre alimentos na sua menoridade;

2. Segundo o artigo 1905.º do Código Civil, o acordo sobre alimentos alcançado em processo de divórcio é sempre sujeito a homologação aplicando-se tanto no caso de se tratar de filho menor como de filho maior;

3. O artigo 989.º n.º 1 do CPC preceitua que as providências relativas a filhos maiores seguem o regime relativo a menores, acompanhando o seu n.º 2 a mesma filosofia quando tiver sido instituída a regulação judicial enquanto menor, não sendo válido o acordo do ponto de vista formal;

4. A cessação ou alteração dos alimentos só poderia ser pedida se se provasse que o processo de educação ou formação profissional estava concluído antes de o filho maior perfazer 25 anos; se tal processo tiver sido livremente interrompido; se o obrigado á prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da exigência da pretensão.

5. Sendo o direito a alimentos indisponível e havendo litígio sobre ele, o recorrido e a filha não podiam celebrar contrato de transacção nos termos do disposto no artigo 1249.º, sendo tal acordo inválido.

Pelas razões a seguir expostas, é de julgar improcedente este fundamento do recurso.

Em primeiro lugar, não tem sentido imputar a violação das normas dos artigos acima citados ao segmento da decisão que julgou válido e eficaz o acordo sobre alimentos. Com efeito, resulta da alínea a) do n.º 2 do artigo 639.º do CPC combinado com a alínea b) do mesmo preceito que só tem sentido imputar à decisão a violação das normas que tenham constituído fundamento jurídico da decisão. Segue-se daqui que só teria sentido imputar ao segmento da decisão ora em apreciação a violação das normas dos artigos acima citados se elas tivessem constituído fundamento da decisão de julgar válido e eficaz o acordo sobre alimentos. É seguro afirmar-se que nenhuma delas serviu de fundamento à decisão.

Em segundo lugar, não se pode dizer sequer que o tribunal a quo errou ao não aplicá-las na decisão sobre a questão da validade e eficácia acordo (o erro na determinação da norma aplicável está previsto como fundamento do recurso versando sobre matéria de direito na alínea c), do n.º 2 do artigo 639.º do CPC). Vejamos.   

O n.º 1 do artigo 1905.º do CC não é aplicável ao caso porque o presente litígio versa sobre alimentos a filhos maiores e a norma citada dispõe sobre alimentos devidos a filho menor em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento.

A nossa interpretação de que a norma dispõe sobre alimentos a filhos menores assenta nas seguintes razões:

1. Em primeiro lugar, na letra do preceito, cuja parte final se expressamente ao interesse do menor;

2. Em segundo lugar, na inserção sistemática da norma na secção relativa às responsabilidades parentais e na subsecção relativa ao exercício das responsabilidades parentais conjugada com o artigo 1877.º, do qual resulta que as responsabilidades parentais dizem respeito aos filhos menores.

A norma do artigo 989.º do CPC também não responde à questão da validade do acordo sobre alimentos. É que, apesar de a norma em causa tratar do processo a seguir quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, não resulta dela que quando os filhos maiores tiverem necessidade de alimentos terão obrigatoriamente de os fixar através de tal processo. A norma não exclui, pois, a hipótese de os filhos maiores ou emancipados chegaram a acordo extrajudicial com os pais sobre os alimentos a prestar.

Quanto à alegação de que a cessação ou alteração dos alimentos apenas poderiam ser pedidas se se provasse: 1) que o processo de educação ou formação profissional estava concluído antes de o filho maior perfazer 25 anos; 2) que tal processo havia sido livremente interrompido; 3) que a pretensão de alimentos não era razoável, ela, além de não ser inteiramente exacta, não é pertinente para sustentar a invalidade do acordo.

Ela não é inteiramente exacta porque, como resulta do artigo 1880.º e do n.º 2 do artigo 1905.º, ambos do Código Civil [este última na redacção dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro], as circunstâncias referidas pela requerente têm relevo para a cessação da obrigação de alimentos a filhos maiores e não emancipados, mas já não para a alteração dos alimentos a esses mesmos filhos.

Ela não é pertinente para sustentar a invalidade do acordo em causa nos autos porque tal acordo não teve por efeito a cessação da obrigação de alimentos do ora requerido em relação à sua filha maior.

Por fim, a invalidade do acordo também não tem amparo no 1249.º do Código Civil.

Com efeito, dizendo o preceito que as partes não podem transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor, nem sobre questões respeitantes a negócios jurídicos ilícitos, dele resultaria a invalidade do acordo sobre alimentos se estivessem preenchidas as seguintes condições:

1. Se tal acordo configurasse uma transacção, à luz da noção constante do artigo 1248.º do Código Civil;

2. Se tal acordo versasse sobre direitos de que as partes não pudesse dispor ou sobre questões respeitantes a negócios jurídicos ilícitos.

Nenhuma delas está verificada.

Porém, ainda que se entendesse verificada a primeira condição – por se entender que o acordo teve por fim prevenir um litígio entre o ora recorrido e a filha maior sobre os alimentos a prestar na maioridade (transacção preventiva) - o mesmo entendimento já não se poderia afirmar quanto às outras. Com efeito, como resulta do exposto mais acima, o direito a alimentos só é de considerar indisponível no sentido de que não pode ser renunciado ou cedido, mas já não no sentido de que não pode ser objecto de acordo quanto ao modo prestação dos alimentos, quanto às necessidades a cobrir por eles e quanto ao montante da prestação pecuniária a prestar pelo devedor.     

Incorrecta aplicação do artigo 1880.º e 1905.º, n.º 2, do Código Civil

A imputação à sentença da incorrecta interpretação das normas constantes dos artigos acima mencionados visou o segmento da sentença que, pronunciando-se sobre a Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, na parte em que aditou um n.º 2 ao artigo 1905.º do Código Civil, seguiu o entendimento afirmado no acórdão desta Relação proferido em 7-03-2017, no processo n.º 6782/16.0T8CBR-A (processo no qual o ora relator interveio como segundo adjunto) e afirmou:   

1. Que a Lei n.º a Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, na parte em que aditou um n.º 2 ao artigo 1905.º do Código Civil, não tinha natureza interpretativa;

2. Que o n.º 2 do artigo 1905.º na redacção dada pela citada Lei, aplicava-se a partir da sua entrada em vigor às situações que, embora constituídas anteriormente, ainda subsistissem à data da sua entrada em vigor (1 de Outubro de 2015 – artigo 4.º da citada Lei);

3. Que na altura em que foi celebrado o acordo sobre alimentos entre o ora recorrido e a filha (Junho de 2015) não cabia ao requerente instaurar acção visando a cessação da obrigação de alimentos; era à filha que incumbia instaurar acção para obter alimentos do pai;

4. Que os efeitos do acordo não podiam ser postos em causa pela entrada em vigor da lei n.º 122/2015 sob pena de violação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança vertido no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa. 

A recorrente contesta a decisão com a seguinte alegação:

1. Que a pensão de alimentos fixada durante a menoridade mantém-se na maioridade, ainda que esta tenha advindo em data anterior a 1 de Outubro de 2015, tendo em atenção a aplicação do n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil, a qual possui natureza interpretativa conjugada com o artigo 1880.º do mesmo diploma;

2. Que os alimentos fixados durante a menoridade da criança, mantém-se automaticamente em vigor na sua maioridade, como é o caso, se a alimentanda ainda tiver terminado o seu processo de educação e formação profissional, não podendo ser derrogado pela existência de um acordo;

3. Que o recorrido apenas poderia derrogar tal norma caso ocorressem um ou mais fundamentos previstos para este regime.    

Pelas razões a seguir expostas, é de julgar improcedente este fundamento do recurso, mesmo laborando no pressuposto em que labora a recorrente, ou seja que o n.º 2 do artigo 1905.º, do Código Civil, saído do artigo 2.º da Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, tem natureza interpretativa do que dispunha – e dispõe - o artigo 1880.º do Código Civil, e que, como estabelece a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 13.º do Código Civil, é de considerar integrado em tal norma.

A integração em tal norma significa que ela deve ser interpretada no seguinte sentido:

1. Que a pensão fixada em benefício de um filho durante a menoridade mantém-se para depois da maioridade e até que ele complete 25 anos de idade;

2. Que a cessação da obrigação de alimentos a cargo do pai está dependente de acção a propor por este, baseada nalguma das seguintes circunstâncias: 1) que o processo de educação ou formação profissional conclui-se antes dos 25 anos de idade; 2) que tal processo foi livremente interrompido pelo filho; 3) que a exigência de alimentos não é razoável.

Se considerarmos que este regime estava em vigor quando a filha do ora recorrido atingiu a maioridade [12 de Maio de 2015], a conclusão a retirar é aquela que a recorrente afirma no recurso: a pensão de alimentos fixada em 6 de Fevereiro de 2014, numa altura em que a filha era menor, não cessou com a maioridade desta e em consequência o ora recorrido continuou obrigado a pagá-la.  

Sucede que a 2.ª parte do n.º 1 do artigo 13.º do Código Civil dispõe que ficam salvos da integração da lei interpretativa na lei interpretada “os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de natureza análoga”.

Esta ressalva significa que a lei interpretativa não atinge o cumprimento da obrigação, os litígios já decididos por sentença transitada em julgado ou objecto de transacção, ainda que não homologada, e outros actos de natureza análoga.

Por actos de natureza análoga deve entender-se, segundo a lição de Pires de Lima e Antunes Varela “todos os actos que importem a definição ou reconhecimento expresso do direito e, de uma maneira geral, os factos extintivos, tais como a compensação e a novação [Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, página 63].

Interpretando a 2.ª parte do artigo 13.º do Código Civil com o sentido exposto, é de afirmar que o acordo relativo a alimentos celebrado entre o ora recorrida e a filha, em Junho de 2015, cabe nos actos de natureza análoga aí previstos. Com efeito, com ele, a credora e o devedor de alimentos estabeleceram uma nova regulação dos alimentos, que passou a ser observada pelos intervenientes, como o comprova o facto de, em Junho de 2015, o ora requerido ter entregado à filha 120 euros, de em Julho ter entregado 200 euros, e de, nos meses subsequentes, ter entregado 120 euros, para além de ter suportado as despesas com o vestuário e o calçado.  

Esta nova regulação tinha amparo na interpretação dominante do artigo 1880.º do Código Civil, na altura em que foi estabelecido o acordo, segundo a qual com a maioridade cessava a obrigação de alimentos fixada na menoridade, cabendo ao filho maior, caso necessitasse de alimentos, exigi-los aos pais.        

Assim sendo, é de considerar que o acordo não é atingido pela alteração do artigo 1905.º introduzida pela Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, que, como se escreveu acima, passou a afirmar que a pensão de alimentos fixada na menoridade mantinha-se na maioridade e que cabia ao pai a iniciativa da sua cessação ou alteração.   

Pelo exposto improcede o fundamento de recurso ora em apreciação.

Decisão:

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.

Considerando que a recorrente decaiu no recurso, ao abrigo do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, condena-se a mesma nas custas (encargos e custas de parte).

Coimbra, 11 de Dezembro de 2018  

Emídio Santos ( Relator )

Catarina Gonçalves

António Magalhães