Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
80/10.0YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: EXECUÇÃO DO MANDÃO DE DETENÇÃO EUROPEU
CAUSAS DE RECUSA DE EXECUÇÃO
CAUSAS DE RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO
CAUSAS HUMANITÁRIAS PARA SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DO CUMPRIMENTO DO MANDADO
Data do Acordão: 06/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: DEFERIDO
Legislação Nacional: ARTIGOS 1º,2º,16º, Nº1, 21º, N.º2,34º LEI 65/2003 DE 23.08; 95º A 103º DA LEI N.º 144/99, DE 31/08.
Sumário: 1.Afastada a existência de motivo de recusa de execução, o MDE adquire plena exequibilidade, não sendo admissível que se recoloquem os fundamentos de facto que o informam.
2.Tal como na transmissão de determinação judicial na ordem jurídica interna, também aqui o pedido formulado é cumprido nos seus termos, adquirida que está a sua regularidade formal.
3. Só após a revisão e confirmação, em procedimento próprio, instruído em colaboração entre dois estados, correndo termos perante a Autoridade Central, após apreciação e decisão do Ministro da Justiça, será possível fazer executar em Portugal a pena em que o requerido foi condenado no país estrangeiro.
4.A execução da pena em Portugal e o compromisso do Estado Português em assegurar esse cumprimento nunca poderá ser no âmbito do MDE emitido para cumprimento no Estado da condenação.
5. As razões humanitárias não constituem causa de recusa do cumprimento do mandado, mas apenas podem levar à sua suspensão temporária.
Decisão Texto Integral: 10

Acordam, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal veio requerer, nos termos do disposto no art. 16º, nº1, da Lei nº 65/03, de 23/08, a Execução de Mandado de Detenção Europeu (doravante designado abreviadamente por MDE), emitido pela República Alemã, relativo a:
- J de nacionalidade Portuguesa, nascido em 22 ….de 1972, natural de Abraveses - Viseu, divorciado, comerciante, titular do BI nº 1015…, emitido em 31/../2009, actualmente residente em Portugal, ….Leiria.
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Os fundamentos da execução do MDE são os seguintes:
- Pelo Autoridade Judiciária Alemã competente, Promotor Público de Frankfurt - Alemanha, foi emitido um Mandado de Detenção Europeu, no âmbito do Processo n.º 7860 JS 211609/06, e inserida no Sistema de Informação Schengen (SIS) a indicação, nos termos do disposto no art. 95º da Convenção do Acordo Schengen de 14.06.1985, da necessidade de detenção do cidadão Português supra identificado — inserção n.º DP 013080008068.0000.1 – para cumprimento de pena aplicada no país emitente do Mandado;
- Com efeito, por sentença executória de 06 de ,,,, de 2009, do Tribunal Regional Superior de Frankfurt Am Main - Alemanha, com a referência 5/29 KLS 11/08-7860 JS 211509/06, foi o requerido condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática, em autoria, de um crime continuado de Evasão Fiscal, previsto e punido pela Secção 370 (Politica Fiscal, Infracções Fiscais 1 a 3 e 4 a 6), do Código Tributário Alemão, cuja moldura máxima é de 5 anos de prisão.
- A referida pena encontra-se por cumprir.
- O crime pelo qual o requerido se encontra condenado é consubstanciado nos seguintes factos:
O requerido, na qualidade de empresário com actividade na Alemanha, foi proprietário da empresa “ZC — Dianstlelstungen”, com sede em Bad Vilbel - Alemanha, com o objecto social de limpeza de prateleiras, serviço de entregas e armazenamento de mercadorias para entrega.
O requerido foi o responsável pela administração e gestão dos assuntos fiscais daquela empresa durante os anos de 2004 a 2006;
Nessa qualidade executou ordens e efectuado transacções no valor aproximado de 1.000.000,00 de Euros, transacções essas que não foram declaradas às autoridades fiscais, conforme era sua obrigação legal.
Entre 2004 e 2006 o acusado não submeteu a declaração anual de IVA relativa a esses anos, cometendo assim crime de evasão ao IVA no valor de aproximadamente 148.000,00 Euros.
Entre 2004 e 2006 o acusado obteve lucros através do seu negócio, que deveriam ter sido levados em conta na determinação do rendimento sujeito a tributação, em função da dedução das despesas. De acordo com o Código dos Impostos, o arguido era obrigado a apresentar uma declaração de imposto sobre o rendimento no final de cada ano civil, não tendo cumprido com as suas obrigações.
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O requerido foi detido pela Polícia Judiciária e apresentado neste Tribunal para interrogatório.
No interrogatório o arguido declarou opor-se à execução do mandado, não renunciar ao princípio da especialidade e requereu prazo para apresentar a sua defesa.
Face á oposição do requerido, atenta a natureza do crime, a moldura abstracta da pena e a pena concreta aplicada, ponderadas as necessidades cautelares, o requerido foi posto em liberdade, durante a pendência do procedimento, mediante prestação de termo de identidade e residência e apresentação periódica no Posto Policial mais próximo da sua residência.
No decurso do prazo fixado o apresentou a sua defesa, por escrito, e juntou documentos.
Alega, em síntese, que:
- deve ser recusada a execução do mandado nos termos da parte final da alínea g) do n.º1 do art. 12º da Lei 65/2003.
- o requerido tem nacionalidade e residência efectiva em Portugal, na Rua …, Leiria, onde exerce a actividade de comerciante, da qual retira os proventos para o sustento do agregado familiar;
- tem uma filha de 4 anos, N, a seu cargo, de que é encarregado de educação.
- o requerido sofre de doença incapacitante da coluna cervical que implica acompanhamento médico e patologia de intervenção clínica urgente e inadiável, devendo evitar deslocações de média e longa distância, com incapacidade absoluta temporária para o exercício das suas actividades profissionais, conforme resulta de relatório clínico que junta.
- pelo que a execução do mandado implicaria consequências gravosas para o arguido que tem a sua história clínica em Portugal, acompanhado por especialistas portugueses que melhor poderão seguir o seu caso;
- a recusa justifica-se por prementes razões humanitárias e de saúde.
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Notificado da oposição, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no qual alega, em resumo que:
Nos termos do art. 21º, n.º2 da Lei 65/2003 de 23.08 a oposição só pode ter por fundamento o erro na identidade do detido ou a existência de causa de recusa de execução do mandado de detenção europeu.
Ora, não sendo posta em causa a identidade da pessoa, as causas de recusa são as previstas no art. 11º da referida Lei.
A possibilidade de o arguido cumprir a pena em Portugal é uma mera possibilidade de recusa facultativa. Não tendo a lei quadro relativa à execução do MDE previsto de forma diversa o cumprimento da pena apenas poderá realizar-se em Portugal mediante delegação de competência para a execução por parte do país emitente do mandado, devendo, além do mais o Estado da condenação formular esse pedido a Portugal, correndo os trâmites previstos na Lei 144/99 de 31.08
Fundando-se o cumprimento do MDE no princípio do reconhecimento e respeito mútuo e da confiança entre Estados, não existem fundamentos para a recusa do seu cumprimento.
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Na sequência de um relatório clínico junto pelo requerido (documento n.º9 junto com a oposição) no qual é declarado que “apresenta na presente data doença incapacitante da coluna vertebral, de instalação recente (…) foi medicado com analgésicos e A.I.N.E. implicando a patologia uma intervenção cirúrgica, com carácter urgente e inadiável, pelo que lhe foi recomendada consulta da Especialidade”, foi o mesmo notificado para juntar aos autos relatório de eventual intervenção cirúrgica e/ou da sua eventual marcação em estabelecimento adequado.
Nessa sequência veio o requerido juntar uma declaração médica onde o médico subscritor declara que o requerido “deverá ser submetido a intervenção cirúrgica do foro ortopédico no início de Julho do corrente ano”.
Corridos vistos, cumpre decidir

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II.

Não se levantam dúvidas sobre a autenticidade do MDE que se pretende ver executado, bem como sobre os seus fundamentos – condenação do requerido, por sentença, transitada em julgado, do Tribunal Regional Superior de Frankfurt Am Main - Alemanha, pelos fundamentos supra reproduzidos, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática, em autoria, de um crime continuado de Evasão Fiscal, previsto e punido pelo Código Tributário Alemão.
Importando apenas apurar, dentro dos fundamentos invocados pelo requerido, se existe causa de recusa de cumprimento do MDE.
A Lei 65/2003, de 23 de Agosto, aprovou o regime jurídico do Mandado de Detenção Europeu, implementando na ordem jurídica nacional a Decisão Quadro do Conselho n.º 2020/584/JAI de 13 de Junho.
A instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas, ou suspeitas, para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permitiu suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos procedimentos de extradição.
As relações de cooperação clássicas que até ao momento prevaleciam entre Estados-Membros deram lugar a um novo sistema, assente na livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase de procedimento processual como na fase da sentença transitada em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça.
O cumprimento do MDE funda-se no princípio do reconhecimento e respeito mútuo e da confiança entre os Estados, nos termos previstos no art. 1.º n.º 2 da Lei n. 65/2003, de 23/08, e na Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho da referida Lei.
O objectivo prosseguido pela União Europeia é o de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, conduzindo à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema assente nos princípios do reconhecimento mútuo das decisões dos vários países.
Constituindo regime do MDE a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de “pedra angular” da cooperação judiciária.
Assim, desde que uma decisão é tomada por uma autoridade judiciária competente, em virtude do direito do Estado-Membro de onde procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União.
As autoridades competentes do Estado-Membro no território do qual a decisão pode ser executada devem prestar a sua colaboração à execução dessa decisão da mesma forma que executariam uma decisão tomada por uma autoridade do Estado.
Afastada a existência de motivo de recusa de execução, o MDE adquire plena exequibilidade, não sendo admissível que se recoloquem os fundamentos de facto que o informam. Tal como na transmissão de determinação judicial na ordem jurídica interna também aqui o pedido formulado é cumprido nos seus termos, adquirida que está a sua regularidade formal.

Nesta base, postula o art. 21º, n.º2 da Lei 65/2003 de 23.08 que a oposição só pode ter por fundamento o erro na identidade do detido ou a existência de causa de recusa de execução do mandado de detenção europeu.
Não sendo posta em causa a identidade da pessoa, as causas de recusa são as previstas no artigo 11º da referida Lei.

No caso vertente não é invocada nem se verifica, manifestamente, qualquer das aludidas causas de recusa obrigatória.
Pretendendo o requerido obter a recusa da execução do mandado com fundamento na parte final da alínea g) do n.º1 do art. 12º da Lei 65/2003.
Sob a epígrafe “Causas de recusa facultativa de execução do mandado de detenção europeu” postula o invocado artigo 12º da Lei 65/2003:
1. A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando:
(…)
g) A pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa”.

Não se desconhece a existência de decisões no sentido de que o cumprimento da pena em Portugal, por Portugueses condenados no estrangeiro, pode ser desencadeado no âmbito do MDE – cfr., designadamente, o Ac. STJ de 26.11.2009, processo 325/09.0TRPRJ.
No entanto, salvo o devido respeito, afigura-se que a aplicação estrita dos textos legais em vigor não leva a tal entendimento.
Desde logo porque, como sucede no caso dos autos e na generalidade dos casos, o visado não vem requerer o cumprimento da pena em Portugal, vem é opor-se ao cumprimento do MDE desencadeado com o “possível” cumprimento em Portugal. E não requerer nem pedir de forma clara e inequívoca o cumprimento em Portugal.
Com efeito, resulta do texto legal reproduzido que o fundamento de recusa facultativa em questão tem como fundamento material o “compromisso do Estado Português em executar a pena (…) de acordo com a lei portuguesa”.
Ora tal compromisso pressupõe a cooperação entre dois Estados no sentido de um delegar no outro a execução da pena aplicada em Estado diferente daquele que vai executá-la.
Não tendo a Lei-Quadro relativa à execução do MDE nem a Lei interna que implementou o respectivo regime no ordenamento jurídico nacional, previsto de forma diversa, não pode deixar de se entender que o cumprimento da pena apenas poderá realizar-se em Portugal mediante delegação de competência para a execução por parte do país emitente do mandado, no âmbito dos mecanismos de cooperação internacional estabelecidos para o efeito.
Devendo o pedido de colaboração para cumprimento de pena em país diferente daquele que procedeu à condenação, correr os trâmites previstos na Lei 144/99 de 31.08 - Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal.
Exigindo, além do mais, um pedido formal de colaboração entre Estados e a sua apreciação, em procedimento próprio, no âmbito das obrigações de cooperação entre Estados.
Que não se compadece com um enxerto, esdrúxulo, de eventual pedido nesse sentido no âmbito da execução do MDE, traçado com finalidade diversa – não com vista à “delegação” de cumprimento, mas ao pedido de auxílio para efectivar o cumprimento.
Com efeito a execução de sentença penal estrangeira em Portugal encontra-se prevista nos artigos 95º a 103º da citada Lei n.º 144/99, de 31/08.
Pressupondo um pedido expresso e fundamentado nesse sentido e que “O condenado der o seu consentimento, tratando-se de reacção criminal privativa da liberdade” - cfr. art. 96º, n.º1, al. j) da citada Lei.
Prevendo ainda com relevo o art. 99º:
1. O pedido é submetido, pela Autoridade Central, a apreciação do Ministro da Justiça.
2. O pedido é acompanhado (…) de declaração de consentimento do condenado (..)
Exigindo o pedido de colaboração de um Estado a outro Estado. Além do procedimento de colaboração entre os dois estados envolvidos, através da Autoridade Central para efeito da Convenção e a subsequente apreciação da verificação dos pressupostos e decisão do Ministro da Justiça – cfr. ainda, no Capítulo II da Lei 144/99, os artigos 20º, n.º3.
No procedimento específico necessário à execução da pena em Portugal salienta-se ainda que este “depende da prévia revisão e confirmação da sentença estrangeira” - Cfr. art. 100º da citada Lei.
Assim, só após a revisão e confirmação, em procedimento próprio, instruído em colaboração entre dois estados, correndo termos perante a Autoridade Central, após apreciação e decisão do Ministro da Justiça, será possível fazer executar em Portugal essa pena em que o requerido foi condenado na Alemanha.
A necessidade de revisão e confirmação com vista á execução em Portugal, por força do disposto no art. 100º n.º 1 da Lei n.º 144/99, de 31.08, encontra-se prevista no art. 234º e ss. do Código de Processo Penal Português – necessidade de revisão e confirmação que, diga-se, foi mantida na recente revisão do C.P.P., operada pela Lei nº 48/2007, de 29/08, incluindo nas alterações também introduzidas à Lei n.º 144/99, de 31/08, que não afectaram a aludida exigência, do conhecimento do legislador.
Também nos termos da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, de 21/03/1983 (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 8/93, de 18/02/1993, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 8/93, de 20/04/1993, publicada no DR IS-A de 20.04.1993) não tendo havido pedido de delegação de competência para a execução da pena de prisão aplicada por outro Estado Não tendo havido pedido de delegação de competência para a referida execução da pena de prisão, o seu cumprimento em Portugal apenas poderá operar-se a coberto do regime específico ali previsto.
Estipulando a alínea b) da aludida Resolução de Aprovação da Assembleia da República que, “A execução de uma sentença estrangeira efectuar-se-á com base na sentença de um tribunal português que a declare executória, após prévia revisão e confirmação”. CFR.
Implicando a transferência o pedido ou o consentimento expresso do condenado – cfr., além do mais artigo 2º, n.º2 e artigo 3º, al. d) da citada Convenção.

Ora, focando o caso dos autos na perspectiva da eventual recusa com base no cumprimento da pena em Portugal, verifica-se que o requerido nunca fez qualquer diligência no sentido de, seguindo os procedimentos legais, pedir o cumprimento da pena em Portugal – sabendo, há muito, da decisão e do respectivo trânsito em julgado.
Por outro lado, nem se coloca verdadeiramente a questão de saber se o cumprimento em Portugal podia ser suscitado no âmbito da execução, presente, do MDE.
Pois que o requerido nem alega, verdadeiramente, que pretenda – efectivamente - cumprir ou dar o seu consentimento ao cumprimento da pena em Portugal.
Com efeito o fundamento invocado não é o cumprimento da pena aplicada na Alemanha em Portugal. O que o requerido pretende é, tão só e apenas opor-se, a todo o transe ao cumprimento, com a vontade, declarada, de continuar a exercer normalmente a sua vida em liberdade. Não pretende cumprir, pretende, sim, é eximir-se ao cumprimento.
Não alega tão-pouco (se o que pretende é fugir do cumprimento) que tenha desencadeado ou deseje desencadear o procedimento necessário ou qualquer procedimento nesse sentido.
Pretendendo antes, pura e simplesmente, ver recusada a entrega ao Estado emitente do MDE onde foi proferida a decisão a cumprir, evitando dessa forma o cumprimento da pena.
Não pede o cumprimento mas sim a recusa da entrega. Com o – possível, em abstracto, que não assumido nem desejado – cumprimento em Portugal.
Aliás o requerente manteve-se em situação de total revelia em relação ao processo e condenação sofrida na Alemanha. E apenas se lembrou da “possibilidade” do cumprimento em Portugal após ter sido descoberto e detido no âmbito da execução do Mandado Europeu. Para evitar, repete-se, o cumprimento e não para o efectivar, em Portugal. Nunca quis saber da condenação, muito menos do seu cumprimento ou em vê-la executada em Estado diferente daquele que procedeu à condenação. Fugiu e continua querer fugir ao cumprimento.
De qualquer forma sempre a execução da pena em Portugal e o compromisso do Estado Português em assegurar esse cumprimento, como se viu, nunca poderia ser no âmbito do MDE emitido para cumprimento no Estado da condenação.
Tal procedimento, além de ignorar o procedimento próprio previsto nas leis de cooperação internacional, defraudaria as razões que lhe estão subjacentes, de assunção bilateral de compromissos entre dois Estados soberanos. E constituiria um “prémio” imerecido ao arguido que se manteve em total revelia da condenação, de cujo cumprimento fugiu e continua a querer fugir.
Assim, não se mostrando verificados, minimamente, nem os pressupostos formais nem os pressupostos materiais para o “possível” cumprimento – cujo pedido nunca foi, sequer, formalizado - da pena em Portugal, tem que improceder a causa de recusa invocada pelo requerido.
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Relativamente à pretendida recusa de cumprimento com base em Motivos humanitários e de saúde, o regime do MDE não prevê, especificamente, tal fundamento de recusa.
Apenas podendo radicar no ordenamento jurídico interno, subsidiário – cfr. art. 34º da Lei n.º 65/2003.
As razões humanitárias não constituem causa de recusa do cumprimento do mandado, mas apenas podem levar à sua suspensão temporária, desde que demonstradas.
Podendo ser estabelecida a suspensão temporária (art. 211º do CPP) caso tal venha a “ser exigido por razões de doença grave do arguido”.
Como decidiu o Ac. STJ de 28.10.2009, processo 352/09.0TRPRT-A.S1 (ACEDIDO EM www.dgsi.pt), “Os termos em que se conjugam as regras inerentes à aplicação da medida de coacção são perfeitamente autónomos a uma ponderação do estado de saúde que o recorrente invoca e apenas poderá apresentar relevância em termos de suspensão da execução preventiva tal como se inscreve no art. 211.º do CPP”.
Ora, no caso vertente, da documentação médica apresentada apenas resulta, genericamente, que o requerido “deverá ser submetido a intervenção cirúrgica do foro ortopédico no início de Julho”.
Não resulta que se encontre internado, ou sequer que tenha intervenção cirúrgica marcada. Muito menos que exija a suspensão da execução do mandado. Nem a documentação junta permite concluir pela existência de doença grave que impossibilite ou exija, em termos de tratamento médico, o cumprimento do mandado. Ou que o cumprimento em si agrave ou ponha em causa o estado de saúde em que o requerido se encontra – aliás o que requerente pretende, como alega, é continuar a exercer a sua actividade comercial.
Não havendo indicação da gravidade da doença (não especificada) que exija ou justifique a suspensão do mandado.
Caso o arguido venha a ser submetido a intervenção cirúrgica, comprovada a mesma e a sua natureza e a impossibilidade ou grave inconveniente de tratamento em meio prisional, então se verá da necessidade da suspensão pelo tempo estritamente necessário.
Não existe, pois, dos elementos apresentados, motivo nem para a recusa nem para a suspensão da execução com este fundamento.
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No que toca aos fundamentos invocados quanto à situação profissional e familiar do requerido verifica-se não constituem fundamento de recusa.
Aliás o cumprimento de pena de prisão afecta sempre, necessariamente, as relações familiares e sociais do condenado.
Assim, também neste aspecto se impõe a improcedência da oposição do arguido.

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III.
Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se improcedente a defesa apresentada pelo requerido, deferindo-se o cumprimento do Mandado de Detenção Europeu relativo a J. emitido pela República Alemã para cumprimento da pena supra identificada, passando-se, oportunamente, os devidos mandados de detenção e entrega. ----
Sem custas.