Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2446/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: COELHO DE MATOS
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
ELEIÇÃO
SUBSTITUIÇÃO AUTOMÁTICA DE ADMINISTRADOR
Data do Acordão: 11/30/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 392.º, 6 E 7 E 58.º DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS.
Sumário: A substituição automática do administrador, nos termos do n.º 7 do artigo 392.º do Código das Sociedades Comerciais, refere-se à consequência do exercício do direito da minoria representativa de pelo menos 10% do capital social, que tenha votado contra a proposta que fez vencimento na eleição dos administradores, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo. Por isso nada impede que a pessoa a substituir venha a ser eleita por essa minoria.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. A... demandaram, na comarca de Aveiro, B... pedindo a anulação da deliberação social tomada pelos accionistas da ré, na Assembleia Geral de 29 de Abril de 2003, que elegeu Administrador o Senhor C..., nos termos previstos no art. 13°/1 dos seus Estatutos, em detrimento do Senhor Engenheiro D..., para tanto proposto pelos Municípios de Aveiro, Espinho e Ovar
Alegam, em síntese, que na referida Assembleia Geral foi eleita uma lista de cinco administradores apresentada por AdP- Águas de Portugal, representante de 67,7169% do capital social, com oposição da minoria e, na consequência, o grupo de Municípios formado pelos de Águeda, Albergaria-a-Velha, Estarreja, Ílhavo, Mira, Murtosa, Oliveira do Bairro e Vagos, representando, no seu conjunto, 16,4372%, fez eleger o dito Senhor C..., que era o último da lista da AdP, e que tal eleição obstou a que o Sr. C... fosse efectivamente substituído pelo Sr. Eng. D..., proposto pelos autores e também pelo Município de Espinho, que representavam, no seu conjunto, 15.8459%.

2. A ré contestou, opondo, também em síntese, que a pretendida anulação carece de fundamento legal, já que o Sr. C... passou a estar na Administração com um estatuto diferente, agora apoiado no poder da minoria e que não ocorre qualquer dos pressupostos da anulabilidade previstos no artigo 58.º do Código das Sociedades Comerciais.

3. Por entender que os factos relevantes estavam provados por acordo e era essencialmente de direito a questão que opunha as partes, a sra. juiz conheceu de mérito no saneador e julgou a acção improcedente.
Os autores não se conformam e apelam da decisão, concluindo:
1ª. O Julgamento da Matéria de Facto (que, neste caso, resulta apenas da conjugação dos articulados) mostra-se feito ao arrepio do alegado e admitido quanto às alíneas P) e Q) da epígrafe “Matéria de Facto Assente - cuja redacção deverá, por isso, ser alterada nos termos indicados sob o precedente parágrafo 8 -, bem como omisso quanto à matéria indicada sob o precedente parágrafo 9 - que a tal epígrafe deverá ser aditada
2ª. A conjugação dos artigos 392.º e 58.º do CSC com o artigo 334.º do CC obsta a que possa ser designado para Administrador de uma sociedade, ao abrigo do primeiro daqueles preceitos, quem, em observância do mesmo, haja sido eleito para Administrador na lista que fez vencimento e que, por isso, deva ser substituído por aquele outro - vd. supra parágrafos 11 a 23 -.
3ª. Nessa conformidade, ao eleger para Administrador da sociedade, por designação minoritária, a mesma pessoa que para tal acabara de ser eleito, por votação maioritária, quem votou favoravelmente a deliberação impugnada não visou realizar a substituição de Administradores prevista pelo Ano 392.º, n.º 7 do CSC, mas antes conseguir a manutenção do Administrador que deveria ser substituído, impedindo, assim, que para Administrador da sociedade fosse eleito o proposto pelos accionistas que acabaram derrotados nessa votação, o que constitui um manifesto, evidente e lamentável Abuso de Direito - vd. supra parágrafos 24 a 28 -.
4ª. As vantagens e desvantagens emergentes desse Abuso de Direito não têm que se revestir de carácter patrimonial, podendo, antes, consistir na manutenção ou alteração da “posição jurídico-corporativa, o que, no concreto caso “sub judice, se traduziu na manutenção do Administrador proposto e eleito pela maioria, mas também pela minoria deliberadamente formada para o manter no cargo, com consequente privação do exercício, pelos Autores, do direito à designação de um Administrador - vd. supra parágrafos 29 a 37-.
5ª. O facto de a deliberação impugnada poder vir a ser repetida eivada da mesma viciação, ainda que por comprovar, não permite que o Tribunal pactue antecipadamente com essa eventual ilegalidade, abdicando de decretar a anulação - vd. supra parágrafo 39 -.
6ª. Assim sendo, salvo o respeito devido à Meritíssima Juiz "a quo" e a entendimento diverso, a douta Sentença recorrida procedeu a deficiente apreciação da matéria de facto, incorrendo, ademais, por errada interpretação, em violação do preceituado nos artigos 392.º e 58.º do CSC e no artigo 334.º do CC.

4. A ré contra-alegou, no sentido da confirmação do julgado. Estão colhidos os vistos legais. Cumpre conhecer e decidir.
Entretanto vejamos os factos que foram dados por assentes na 1.ª instância:
A) Pelo DL n° 101/97, de 26/04, foi constituída a sociedade "B..." - De futuro, será designada apenas por B..., a qual, nos termos do n° 2 do art. 2° do mesmo DL n° 101/97, se rege "pelo presente diploma, pelos seus estatutos e pela lei comercial".
B) Titulares originários das acções da B... foram os Municípios de Águeda, Albergaria-a-Velha, Aveiro, Estarreja, Ílhavo, Mira, Murtosa, Oliveira do Bairro, Ovar e Vagos, com um total de 25,53% do capital social com direito a voto, a "IPE - Águas de Portugal, Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA", com 51 % do capital social com direito a voto, e a "IPE Capital - Sociedade de Capital de Risco, SA", com um fundo por si gerido de 23,47% do capital social com direito a voto.
C) A "IPE - Águas de Portugal, SA", adoptou, depois, a denominação de "AdP - Águas de Portugal, SGPS, SA", e a "IPE - Capital, SA" adoptou a denominação de "API Capital - Sociedade de Capital de Risco, SA" - Serão designados, de futuro, respectivamente, por AdP e API..
D) O capital social da B... foi aumentado, posteriormente, e é, actualmente, de € 13.238.120,00, integralmente subscrito e realizado, representado por 2.647.624 acções com o valor de € 5,00, cada uma.
E) O Município de Espinho tornou-se, depois, accionista e subscreveu, no aumento de capital referido antes, acções no valor de € 360.810,45 - doc. de fls. 19.
F) O Conselho de Administração da B... é composto por cinco administradores, os quais são eleitos, tal como os demais órgãos sociais, em Assembleia Geral, por períodos de três anos, podendo ser reconduzidos uma ou mais vezes - art. 12°/2 dos Estatutos - Serão referidos, de futuro, por Estatutos. anexos ao DL n° 101/97, de 26/04.
G) Nos termos do art. 13°/1 dos Estatutos, "uma minoria de accionistas que tenha votado contra a proposta que fez vencimento na eleição dos administradores tem direito a designar um administrador, desde que essa minoria represente pelo menos 10% do capital social".
H) Nos termos do art. 14°/1 dos Estatutos, "os accionistas com direito a voto poderão participar nas assembleias gerais, desde que as suas acções estejam registadas ou, no caso de acções ao portador não registadas, depositadas numa instituição de crédito ou na sociedade até 10 dias antes daquele em que a assembleia geral deva reunir em primeira convocatória".
I) Devidamente convocada, reuniu, a 14 de Março de 2003, a Assembleia Geral da B..., constando da alínea d) da respectiva Ordem do Dia a "Eleição dos Órgãos Sociais da B... para o triénio 2003/2004/2005" - Não interessa transcrever aqui os restantes pontos, que podem ver-se a fls. 24..
J) O Presidente da Mesa propôs, antes de entrar na Ordem do Dia, que fosse retirado desta o ponto constante da alínea d), antes transcrito, o que mereceu o acordo de todos os accionistas presentes e que representava 98,13% do capital social- fls. 24.
L) Devidamente convocada, reuniu, a 29 de Abril de 2003, a Assembleia Geral da B... com um único ponto da Ordem do Dia: "Eleição dos Órgãos Sociais da B... para o triénio de 2003/2004/2005" - fls. 29.
M) Estiveram presentes e devidamente representados todos os accionistas.
N) O representante da AdP propôs uma lista de titulares dos Orgãos Sociais, sendo que para o Conselho de Administração incluía os seguintes:
- Presidente – Engº António Manuel dos Santos Silva;
- Vogais – Engº Manuel Maria Pereira Fernandes Thomaz, Arnaldo Manuel Dinis Vieira, Dr. Manuel Antunes de Almeida e C... - Acta, a fls. 30.
O) Os Administradores, nos triénios anteriores, haviam sido eleitos sempre por consenso da Assembleia Geral em lista única previamente acordada entre os accionistas.
P) Para o triénio de 2003/2005 tal consenso não foi possível por os Municípios de Aveiro, Espinho e Ovar, de maioria Socialista, pretenderem eleger um administrador indicado pelo Município de Aveiro.
Q) O que não foi aceite pelos Municípios de Águeda, Albergaria-a-Velha, Estarreja, Ílhavo, Mira, Murtosa e Vagos, de maioria PSD, nem pelo Município de Oliveira do Bairro, de maioria CDS.
R) Na votação a que, na Assembleia Geral de 29/05/2003, se procedeu, a lista proposta pela AdP para os titulares dos cargos sociais da B... para o triénio de 2003/2005 foi aprovada por maioria, com os votos favoráveis da AdP, detentora de 67,72% do capital social - fls. 31.
S) Votaram contra todos os restantes accionistas, detentores, no conjunto, do capital social de 32,28% - fls. 31.
T) Após breve suspensão, a pedido do accionista Município de Ovar, foram retomados os trabalhos com a comunicação do representante do Município de Ílhavo de que o accionista que representava e os accionistas Municípios de Águeda, Albergaria-a-Velha, Estarreja, Mira, Murtosa, Oliveira do Bairro e Vagos desejavam exercer o direito previsto no art. 13°/1 dos Estatutos da sociedade - fls. 32.
U) Pelo representante do accionista Município de Aveiro foi declarado que os accionistas Municípios de Aveiro, Espinho e Ovar designavam, ao abrigo do art. 13°/1 dos Estatutos, o Eng.º D... para Administrador da sociedade - fls. 32.
V) O Presidente da Mesa da Assembleia Geral declarou que, nos termos do art. 392°/7 do CSC, a eleição deveria ser feita por votação entre os accionistas da minoria que votaram contra a proposta que fez vencimento na eleição dos Administradores feita antes.
X) Pelos accionistas Municípios referidos em T) foi proposto, para ser eleito Administrador designado nos termos do art. 13°/1 dos Estatutos, C....
Z) Feita a votação, na qual apenas intervieram os accionistas Municípios, foi declarado eleito C..., com os votos favoráveis dos Municípios referidos em T) - 435.194 - e os votos contra dos Municípios referidos em U) - 419.541- favoráveis ao Eng.º D... - fls. 32.
AA) No final da eleição, o representante do Município de Aveiro fez uma declaração de voto no sentido de que havia votado no Eng.º Augusto Leite por considerar que o Conselho de Administração devia reflectir a diversidade política e que, além disso, considerava que as três Câmaras de Aveiro, Espinho e Ovar, por representarem, pelo menos, 10% do capital social, tinham direito a designar um administrador nos termos do art. 13°/1 dos Estatutos, direito esse que tinham exercido ao designar, para o efeito, o Eng.º Augusto Leite.
BB) Esta declaração foi subscrita pelo representante do Município de Ovar.
CC) A 14/03/2003, os Municípios de Aveiro, Espinho e Ovar detinham, no conjunto, o capital social de 15,8459% com direito a voto.
DD) E os Municípios de Águeda Albergaria-a-Velha, Estarreja, Ílhavo, Mira, Murtosa, Oliveira do Bairro e Vagos detinham, no conjunto, o capital social de 14,5623% com direito a voto.
EE) O accionista Município de Albergaria-a-Velha detinha, ainda, na mesma data, 14.878 acções no valor de € 74.390,00, correspondentes ao capital social de 0,5620%, acções estas que havia adquirido em Janeiro de 2003, mas que não registara nem depositara.
FF) A 29/04/2003, os três Municípios referidos em CC) continuavam a deter, no seu conjunto, a percentagem de 15,8459% do capital social com direito a voto e os oito Municípios referidos em DD) detinham, no seu conjunto, a percentagern de capital social com direito a voto de 16,4372%.
GG) A diferença de capital social com direito a voto destes oito Municípios da primeira para a segunda Assembleia Geral resultou dos factos de o Município de Albergaria-a-Velha ter registado as acções referidas em EE) e de o Município de Ílhavo ter adquirido, à API, 34.760 acções, no valor de € 173.800,00, correspondentes à percentagem de 1,3129%, acções estas que registara.
HH) Em qualquer das Assembleias Gerais, a AdP era titular de acções correspondentes a 67,7169% do capital social.

5. Por uma questão de método, recapitulemos a questão. Na Assembleia Geral da B..., de 29/04/2003, foi apresentada, pela accionista AdP-Águas de Portugal, com 67,7169% das acções, uma lista para eleição dos cinco administradores, que saiu vencedora só com os seus votos, por representar a maioria do capital social.
Acontece que os estatutos, por determinação legal, prevêem que uma minoria de accionistas que tenha votado contra a proposta que fez vencimento na eleição dos administradores, tem direito a designar um administrador, desde que essa minoria represente pelo menos 10% do capital social.
Uma vez que os municípios associados, representantes do restante capital, à data da Assembleia Geral, não aprovaram a proposta da maioria representada pela AdP, ficaram com o direito a designar um administrador em substituição do último da lista apresentada.
Como não reuniram um consenso sobre a pessoa a designar, os accionistas minoritários apresentaram entre si dois nomes a sufrágio, tendo vencido a maioria (dentro da minoria) formada pelos municípios de Águeda, Albergaria-a-Velha, Estarreja, Ílhavo, Mira, Murtosa, Oliveira do Bairro e Vagos (que no seu conjunto reuniam 16,4372% do capital social) contra a minoria (dentro da minoria) formada pelos municípios de Aveiro, Espinho e Ovar (que no seu conjunto reuniam 15,8459% do capital social).
Até aqui tudo bem. O problema surge quando se verifica que o nome designado pelo grupo de municípios da “maioria minoritária”, alegadamente afectos ao Partido Social Democrata (PSD) e Centro Democrático Social (CDS) era precisamente o último da lista apresentada e já eleita pela maioria. Então os municípios alegadamente afectos ao Partido Socialista (PS) – os autores e o município de Espinho – argumentam que tal só foi feito para obstar a que pudessem designar um administrador afecto ao seu partido, uma vez que aqueles designaram uma pessoa que já estaria eleita pela maioria e estes, que tinham apresentado uma pessoa diferente, não a puderam designar, apesar de também eles, no seu conjunto, representarem mais de 10% do capital social.
E é, alegadamente, este procedimento - aliado ao facto de aqueles municípios (da coligação PSD/CDS) terem passado à posição maioritária dentro da minoria, pela aquisição das acções da “API Capital” entre a Assembleia Geral de 14/03/2003 (que foi adiada) e a de 29/04/2003 e pela adição das acções já adquiridas pelo município de Albergaria-a-Velha e agora já registadas, que veio a permitir que este grupo passasse de 14,5623% para os actuais 16,4372% e assim passasse é frente do grupo de municípios afectos ao PS (que antes detinha 15,8459%)- que leva os autores a considerar que se tratou de uma manobra daqueles municípios configurativa de um exercício do direito abusivo por parte daqueles municípios afectos à coligação PSD/CDS e consequentemente anulável a deliberação que designou C... em preterição do Eng.º D..., indicado por eles, autores, e pelo município de Espinho, face ao disposto no artigo 58.º, 1, b) e 392.º, 1, 6 e 7 do Código das Sociedades Comerciais.
Na sentença recorrida a sra. Juiz entendeu não estarem verificados os requisitos da anulabilidade da deliberação e julgou a acção improcedente.
Agora em recurso, cujo âmbito é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, volta a ser colocada a mesma questão, para além da questão de facto levantada na conclusão 1.ª, adjuvante do entendimento dos apelantes.

6. Assim equacionados os problemas, vamos às soluções. No âmbito da questão de facto não existe qualquer tipo de dificuldade. Apesar de considerarem irrelevantes os factos referidos nos pontos P) e Q) da matéria de facto assente, os apelados não se opõem a que tenham a redacção proposta pelos apelantes no ponto 8 da sua alegação, bem como sejam ainda considerados os factos ditos omissos e referidos no ponto 9. Deste modo serão igualmente considerados factos assentes por acordo das partes, nos precisos termos propostos e para onde remetemos.
Resta a questão de direito.
A sentença recorrida faz uma análise exaustiva da questão da anulabilidade, quer na interpretação da norma do n.º 2 do artigo 58.º do Código das Sociedades Comerciais, quer na apreciação da matéria de facto pertinente, para chegar à conclusão que o exercício do direito de voto dos municípios afectos à coligação PSD/CDS não se traduziu num prejuízo relevante para a sociedade ou outros sócios, assim fundamentando a decisão de não julgar anulável a deliberação.
Também estamos de acordo com tais fundamentos, mesmo depois de considerarmos a matéria de facto com a clarificação e acrescentos propostos pelos apelantes; e estamos de acordo quanto à decisão final, não só pelos fundamentos expressos na douta sentença recorrida, mas também porque entendemos que os argumentos esgrimidos em favor do carácter abusivo do exercício do direito de voto não procedem.
Na verdade, a deliberação seria anulável – no dizer dos apelantes – pelo exercício abusivo do direito de voto dos restantes municípios, porque envolvido numa manobra política que teve em vista afastar do Conselho de Administração da B... qualquer representante de municípios afectos ao PS.
Podemos admitir que assim tenha sido, já que parece também não custar a admitir que os factos até podem apontar nesse sentido. Mas ainda que tivéssemos esse dado por assente, seguramente que não seria de alterar a decisão, uma vez que o espírito da lei aponta claramente no sentido da garantia dos direitos da minoria na gestão da empresa, como sociedade comercial que é, e só isso.
Não está em causa o controlo dum órgão do poder político, naturalmente disciplinado por diplomas legais convenientemente vocacionados para tal, mas sim e tão só o controlo de um órgão de uma sociedade comercial. Por isso a norma do Código das Sociedades Comerciais em apreço não foi pensada para garantir o exercício dos direitos dos partidos políticos no exercício dos poderes de gestão e administração das sociedades comerciais. A lei foi aqui pensada para os accionistas como tais e não em qualquer outra veste, designadamente político-partidária.
Parece que não é esse o entendimento dos apelantes, a avaliar pelo ponto BB dos factos provados e que passamos a citar: “no final da eleição, o representante do Município de Aveiro fez uma declaração de voto no sentido de que havia votado no Eng.º Augusto Leite por considerar que o Conselho de Administração devia reflectir a diversidade política e que, além disso, considerava que as três Câmaras de Aveiro, Espinho e Ovar, por representarem, pelo menos, 10% do capital social, tinham direito a designar um administrador nos termos do art. 13°/1 dos Estatutos, direito esse que tinham exercido ao designar, para o efeito, o Eng.º Augusto Leite”.
Com o devido respeito, não é verdade que seja isto a resultar da lei, no que concerne ao entendimento de que o Conselho de Administração deve reflectir a “diversidade política”. Pode até ser aconselhável que os interesses dos municípios passe pelo controlo político da administração duma empresa desta natureza, mas o certo é que, no quadro legal, onde necessariamente nos temos de movimentar, não se colhe tal entendimento.
O ponto da discórdia está no facto de o administrador eleito pela minoria, nos termos do n.º 7 do artigo 392.º do Código das Sociedades Comerciais e do artigo 13.º, n.º 1 dos Estatutos da B..., ser a mesma pessoa que já havia sido eleita na lista apresentada e aprovada pela maioria, uma vez que a lei diz que “… o administrador assim eleito substitui automaticamente a pessoa menos votada da lista vencedora ou, em caso de igualdade de votos, aquela que figurar em último lugar na mesma lista” e os apelantes entendem que não ocorreu qualquer substituição, uma vez que o eleito C... era precisamente o último da lista da maioria.
Tal como foi entendido na sentença recorrida, também se nos afigura que o preceito não impõe a substituição física do último da lista, impedindo a sua eleição mesmo que votada pela minoria. É que o facto de a lei se exprimir nesses termos, aludindo à substituição automática, não tem em conta a pessoa visada, mas sim os poderes de que fica investida com a eleição, ou o estatuto com que figurará no Conselho de Administração.
Na verdade, resulta da lei (n.º 6 e 7 do artigo 392.º citado) que quando a proposta que fez vencimento é aprovada com a oposição duma minoria representativa de pelo menos 10% do capital social, um dos administradores da lista vencedora (o menos votado ou o último) fica automaticamente excluído com o exercício do direito dessa minoria; consequentemente, não sendo inelegível a pessoa assim afastada, nada impede que possa ser eleita pela minoria, passando a ocupar o cargo no Conselho de Administração com os poderes recebidos da minoria, em vez de ser mais um da maioria. Ou seja, de administrador afastado, passa a ter um estatuto diferente do que teria se não tivesse sido eleito pela minoria.
Podemos, pois, concluir que a substituição automática do administrador, nos termos do n.º 7 do artigo 392.º do Código das Sociedades Comerciais, se refere à consequência do exercício do direito da minoria representativa de pelo menos 10% do capital social, que tenha votado contra a proposta que fez vencimento na eleição dos administradores, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo. Por isso nada impede que a pessoa a substituir venha a ser eleita por essa minoria.
E assim sendo concluiremos que não resultaram violadas, pela sentença recorrida, as normas dos artigos 392.º e 58.º do Código das Sociedades Comerciais e 334.º do Código Civil, devendo improceder as doutas conclusões dos apelantes.

7. Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, para confirmarem, como confirmam, a sentença recorrida.
Sem custas, por delas estarem isentos os apelantes.
Coimbra,