Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7535/15.9T8VIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: REQUERIMENTO PROBATÓRIO
ALTERAÇÃO
Data do Acordão: 02/20/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.508, 598 Nº2, 603 CPC
Sumário: A norma do n.º 2 do artigo 598.º (Alteração do requerimento probatório e aditamento ou alteração ao rol de testemunhas) do Código de Processo Civil, onde se determina que «O rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final» deve ser interpretada no sentido de que esses 20 dias se contam impreterivelmente até à audiência que dá efetivamente início à discussão da causa, não se aplicando aos casos em que a audiência designada para um certo dia acaba por ser adiada, como ocorre quando existe impedimento do tribunal ou falta algum advogado (n.º 1 do artigo 603.º do CPC) ou a instância é suspensa.
Decisão Texto Integral:






I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto do despacho proferido em 8 de novembro de 2018, através do qual foi admitido o aditamento ao rol de testemunhas do Autor, ora recorrido.

As conclusões do recurso são as seguintes:

«A. Por despacho proferido em 8 de novembro de 2018 o tribunal “a quo” admitiu o aditamento ao rol de testemunhas do A., ora Recorrido

B. Tal admissão não é possível.

Com efeito,

C. Em 20 de abril de 2018, a Recorrente, interpôs recurso do despacho proferido pelo tribunal “a quo”, que admitiu junção aos autos dos documentos apresentados pelo Recorrido no dia da audiência final.

D. Em 12 de junho de 2018, foi proferida decisão singular, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, nos termos da qual se conclui o seguinte: “revoga-se o despacho recorrido e não se admite a junção de documentos sobre o qual versou tal despacho, o que importará a consequente anulação do processado posterior à admissão de tais documentos…” (bold e sublinhado nosso).

E. O despacho proferido pelo tribunal “a quo” de admissão de aditamento ao rol de testemunhas da A. resulta de uma resulta de uma errónea interpretação da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

F. Na audiência de julgamento realizada no dia 5 de abril de 2018, antes da prolação do despacho da admissão de documentos (que veio a ser revogado pelo Tribunal da Relação de Coimbra):

i) o Mandatário do Recorrido ditou requerimento para a ata, no qual, essencialmente, “advertiu os colegas e o tribunal da junção aos autos dos documentos com entrada nos autos no dia de hoje. Mais disse que prescinde do depoimento da testemunha por ele arrolada e admitida”;

ii) a Mandatária da Recorrente ditou requerimento para a ata, no qual, essencialmente se opôs à junção de documento, tendo prescindido do depoimento da testemunha (…) (cfr. ata da audiência de julgamento realizada no dia 5 de abril de 2018).

G. Após a prolação do despacho (que veio a ser revogado pelo Tribunal da Relação de Coimbra) deu-se início à produção de prova testemunhal, tendo sido apenas ouvidas as testemunhas indicadas pela Recorrente, uma vez que o Recorrido prescindiu da única testemunha por si arrolada.

H. Em cumprimento da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, apenas deverá ser anulado e, por isso, repetido, o processado posterior à admissão dos documentos.

I. Em respeito pela decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, a audiência de julgamento designada para o dia 29 de novembro de 2018 deverá destinar-se apenas (i) à produção da prova testemunhal arrolada pela Recorrente (com exceção da testemunha (…) uma vez que a Recorrente prescindiu da sua inquirição antes da prolação do despacho de admissão de documentos), e (ii) à apresentação de alegações pelas partes, uma vez que foi este o processado posterior ao despacho de admissão de documentos.

J. Uma vez que o Recorrido prescindiu da única testemunha por si arrolada, antes da prolação do despacho revogado, andou mal o tribunal “a quo”, ao admitir o aditamento ao rol de testemunhas que o Recorrido validamente prescindiu.

K. Face à decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, e atento o disposto no artigo 598.º, n.º 2 do CPC,

L. o despacho proferido pelo tribunal “a quo” deverá ser revogado e substituído por outro que não admita o aditamento ao rol de testemunhas do Recorrido.

(…)

Termos em que se requer a V. Exas. que considerem o presente recurso como procedente, revogando-se a decisão recorrida e, consequentemente, substituída por outra que não admita o adimento ao rol de testemunhas do A., ora Recorrido, fazendo deste modo a costumada JUSTIÇA!«».

b) O recorrido não contra-alegou.

II. Objeto do recurso

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o recurso coloca apenas esta questão:

Saber se é admissível o aditamento do rol de testemunhas requerido em 25 de outubro de 2018, depois de:

A audiência ter sido iniciada em 5 de abril de 2018, com inquirição de duas testemunhas e admissão de documentos;

Ter sido interrompida por alguns dias para a contraparte exercer o contraditório quanto aos documentos juntos;

Ter sido interposto recurso do despacho que admitiu os documentos;

Ter sido provido o recurso e declarada a inadmissibilidade da junção dos documentos e a anulação do processado posterior influenciado pelos documentos.

III. Fundamentação

a) Matéria processual relevante

A audiência teve início em 5 de abril de 2018, com inquirição de duas testemunhas e admissão de documentos.

Foi interposto recurso do despacho que admitiu os documentos e o resultado do recurso consistiu na revogação do despacho e rejeição da admissão dos documentos, com anulação do processado posterior influenciado pela junção dos documentos.

Foi designada continuação da audiência de julgamento para o dia 29 de novembro de 2018.

Em 25 de outubro de 2018 o autor apresentou um requerimento a aditar uma testemunha ao rol.

b) Apreciação da questão

A norma do Código de Processo Civil que disciplina a questão colocada consta do n.º 2 do artigo 598.º (Alteração do requerimento probatório e aditamento ou alteração ao rol de testemunhas), onde se determina que «O rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias».

A questão a resolver, como se disse, consiste em saber se estes 20 dias se contam tendo como referência qualquer uma das sessões em que a audiência se possa desdobrar ou se tem como referência a sessão da audiência que dá efetivamente início à discussão da causa, ficando de fora casos como aqueles que ocorrem quando a audiência designada para um certo dia acaba por ser adiada, como ocorre quando existe impedimento do tribunal ou falta algum advogado nos casos em que a data da audiência foi designada sem prévio acordo com esse advogado (n.º 1 do artigo 603.º do CPC).

A resposta à questão consiste em afirmar que o rol de testemunhas só pode ser aditado ou alterado impreterivelmente até 20 dias antes da data em que se realiza a sessão da audiência que dá efetivamente início à discussão da causa, salvo se nesta data a audiência vier a ser adiada, caso em que o prazo de 20 dias se referirá à nova data designada, pelas seguintes razões:

 (I) Quando o advogado prepara os fundamentos factuais da ação ou da contestação e articulados complementares, têm acesso através da parte ou por investigações que sejam feitas, à identidade das testemunhas que poderão ser indicadas para inquirição em audiência de julgamento.

Existirão casos em que só mais tarde se vem a constatar que existiu uma testemunha dos factos, cuja identidade era desconhecida até então, mas estes casos são excecionais.

E mais excecionais se tornam quando esse conhecimento só vem a ocorrer nos 20 dias anteriores à data da audiência de julgamento.

Quando esse conhecimento vem a ocorrer durante a audiência de julgamento, a lei processual permite que a testemunha possa ser inquirida, nestas circunstâncias:

«Quando, no decurso da ação, haja razões para presumir que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, deve o juiz ordenar que seja notificada para depor» - n.º 1 do artigo 526.º (Inquirição por iniciativa do tribunal) do Código de Processo Civil.

Por conseguinte, os casos em que possa existir uma testemunha desconhecida, sabedora de factos importantes para a decisão da causa e cuja identidade só venha a ser conhecida no período compreendido nos 20 dias anteriores à audiência, são excecionais e mesmo assim alguns ainda poderão ser remediados através do mecanismo processual do referido n.º 1 do artigo 526.º do Código de Processo Civil.

(II) Sendo o número de testemunhas limitado, poderá ocorrer que alguma testemunha não compareça na audiência e neste caso justificar-se-ia a inquirição de novas testemunhas.

Assim é.

Para estes casos a lei processual prevê a substituição de testemunhas no artigo 508.º do Código de Processo Civil, onde no seu n.º 3 se dispõe:

«3. No caso de a parte não prescindir de alguma testemunha faltosa, observa-se o seguinte:

a) Se ocorrer impossibilidade definitiva para depor, posterior à sua indicação, a parte tem a faculdade de a substituir;

b) Se a impossibilidade for meramente temporária ou a testemunha tiver mudado de residência depois de oferecida, bem como se não tiver sido notificada, devendo tê-lo sido, ou se deixar de comparecer por outro impedimento legítimo, a parte pode substituí-la ou requerer o adiamento da inquirição pelo prazo que se afigure indispensável, nunca excedente a 30 dias;

c) Se faltar sem motivo justificado e não for encontrada para vir depor nos termos do número seguinte, pode ser substituída».

Por conseguinte, estas situações estão acauteladas.

(III) A possibilidade de acrescentar testemunhas ao rol depois de iniciada a audiência, ainda que interrompida para continuar após período superior a 20 dias, criaria perturbação indesejável no andamento do processo em questão e no conjunto dos restantes processos pendentes no tribunal, pois implicaria despender mais tempo com aquele processo sem que previamente o tribunal estivesse a contar com isso, o que poderia implicar o adiamento de diligência já marcadas noutros processos, inclusive, já há alguns meses.

Neste sentido, referiu-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de novembro de 2012, no processo n.º 76/11.5TBCSC-A.L1-2 (Farinha Alves) ([1]) que o «pretendido alargamento do prazo para indicação de novos meios de prova, supostamente até vinte dias antes da última sessão da audiência de julgamento, seria um factor de perturbação do processo, numa fase muito sensível como se julga ser a do julgamento, designadamente no que respeita ao respectivo agendamento, numa única ou em várias sessões, separadas, ou não por mais de vinte dias, ou ainda ao agendamento da continuação não prevista de uma audiência que, com mais ou menos fundamento, não seja concluída na data prevista. Poderiam ser suscitadas muitas questões, tendo por referência o decurso do referido prazo de vinte dias, como condição da admissão de um novo meio de prova. E, como já se referiu, sem evidente vantagem, uma vez que um depoimento importante para a boa decisão da causa é sempre admissível nos termos já referidos do art. 645.º do CPC.

Ou seja, julga-se que a possibilidade de o rol de testemunhas ser aditado até vinte dias antes de qualquer sessão da audiência de julgamento seria uma causa de instabilidade e de perturbação processual, que o interesse tutelado não justifica».

(IV) O sentido da interpretação do referido preceito (n.º 2 do artigo 598.º do CPC) acima indicado será quase consensual na jurisprudência.

Assim:

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12 de maio de 2015, no processo n.º 7724/10.2TBMTS-B.P1 (Henrique Araújo) O rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final sendo a data a considerar a que designa dia para julgamento, independentemente de este se realizar ou não e de terem sido agendadas mais sessões em função do volume de prova a produzir

Acórdão da Relação de Lisboa de 15.11.2012, no processo n.º 76/11.5TBCSC-A.L1-2.

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 28 de junho de 2018, no processo nº 922/15.4T8PTM-A.E1 (Manuel Bargado), «I - O prazo de 20 dias previsto no nº 2 do artigo 598º do CPC, para aditamento ou alteração do rolde testemunhas, deve ser contado tendo como referência a realização efetiva da audiência final e não a simples abertura desta.

II – Tendo os réus requerido o aditamento ao rol de testemunha no próprio dia em que se iniciou a audiência final, não sofre a mínima discussão que o fizeram fora de prazo, não relevando aqui o facto da audiência se ter prolongado por mais sessões, nem podendo invocar-se a este propósito, como fazem os recorridos, o princípio da adequação formal para permitir um aditamento ao rol de testemunhas apresentado claramente fora do prazo legal».

Acórdão do TRC de 14-12-2016 (Vitor Amaral), no processo 3669/14.5T8VIS.C1, «O prazo de vinte dias, previsto no art.º 598.º, n.º 2, do NCPCiv., para aditamento ao rol de testemunhas tem como referência a efetiva realização do julgamento, ainda que, anteriormente, tenha ocorrido abertura da audiência final, com tentativa de conciliação, seguida de suspensão, sem produção de quaisquer provas, para conclusão das negociações entre as partes e designação de nova data para realização da audiência».

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08 de Setembro de 2015, no processo nº 2035/09.9TBPMS-A.C1 (Isabel Silva), «O prazo de 20 dias a que alude o art. 598º, nº 2 do CPC refere-se à data da efetiva realização da audiência de discussão e julgamento, pelo que a possibilidade de alteração ou aditamento do rol de testemunhas como que se “renova” relativamente a cada uma das novas marcações que venham a ter lugar» ([2]).

(V) Também tem apoio na doutrina.

O Prof. Lebre de Freitas, sustentou, face ao preceito semelhante constante do artigo 512.º-A, do CPC anterior, que «A art. 512.º-A permite a alteração e o aditamento do rol de testemunhas até 20 dias antes em que efectivamente se realize a audiência de discussão e julgamento. A fixação duma primeira data, havendo depois adiamento da audiência, ainda que depois de aberta, nos termos do art. 155-4 ou do art. 651-1, ou a suspensão da instância, nos termos do art. 276 não releva para o efeito, uma vez verificado o adiamento ou a suspensão» ([3])


*

Cumpre, pelo exposto julgar o recurso procedente e revogar o despacho que admitiu a inquirição, o que implica que os atos posteriores em que se repercutiu tal inquirição fiquem sem efeito, tarefa que cumpre ao tribunal a quo identificar, porquanto este tribunal não tem modo de o fazer.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso procedente e revoga-se o despacho que admitiu a inquirição, ficando sem efeito os atos posteriores em que se repercutiu tal inquirição, cumprindo ao tribunal a quo identificar quais são.

Custas pelo Recorrido.


*

Coimbra, 20 de fevereiro de 2019

Alberto Ruço ( Relator )

Vítor Amaral

Luís Cravo



[1] Acessível no site da DGSI.
[2] Acessíveis no site da DGSI.
[3] Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2.ª edição, pág. 420.