Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3824/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: CITAÇÃO EDITAL
RÉU RESIDENTE NO ESTRANGEIRO
Data do Acordão: 01/17/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 247º DO CPC
Sumário: I – Um réu residente no estrangeiro deve ser citado de harmonia com o que estiver estipulado em tratados ou convenções. Caso não existam estes convénios, a citação deverá ser feita por carta registada com aviso de recepção. Se se não conseguir a citação por esta via (postal), sendo o réu estrangeiro, ouvido o autor realizar-se-á a citação por carta rogatória .
II – O dispositivo do nº 4 do artº 247ºdo CPC está vocacionado para réus portugueses, embora nada exclua a sua aplicação a réus estrangeiros residentes fora de Portugal, pelo que deve ser efectuada a citação edital de réu estrangeiro não residente em Portugal quando não seja possível a sua citação por via postal e por carta rogatória .
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- Nos autos de acção sumária nº 627/04.1TBACB-A que corre seus termos no Tribunal Judicial de Alcobaça e em que é A. a A..., com sede na Charneca do Carvalhal, Estrada Nacional nº 1, Km 88, 2460- Turquel e R. a B..., com sede na Avenida Rebullon nº 84, 36415 - Mos, Pontevedra, Espanha, foi tentado citar a R. através de carta registada com aviso de recepção, não se tendo logrado realizar tal acto, tendo a carta sido devolvida sem cumprimento.
Foi depois enviada uma carta rogatória para citação da R., mas por meio desta, igualmente, não se logrou realizar a pretendida diligência.
Notificada da devolução da carta rogatória sem que se lograsse a citação da R., a A. requereu que se ordenasse “o cumprimento disposto no nº 4 do art. 247º do Código de Processo Civil”.
O Mº Juiz, com o fundamento de que o estabelecido no art. 247º do C.P.Civil se aplicava apenas às pessoas singulares, indeferiu o requerido, ordenando que os autos ficassem a aguardar que o A. viesse a requerer o que tivesse por conveniente, sem prejuízo do disposto no art. 285º do C.P.Civil.
O A. requereu, então, a citação edital da R.
Na sequência deste requerimento, o Mº Juiz proferiu o seguinte despacho:
A citação de residente no estrangeiro processa-se nos termos do preceituado no art. 247º do C.P.Civil. Quando se mostre necessário desencadear a citação edital, a mesma só será possível depois de se averiguar da última residência do réu em território português, já que aquela se faz por referência a esta morada. Assim sendo, in casu não tendo a ré sede em Portugal, não se mostra possível a sua citação edital, pelo que se indefere a pretensão da autora. Notifique devendo os autos continuarem a aguardar nos termos ordenados no despacho preferido a fls. 42”.
1-2- Não se conformando com este despacho, dele recorreu a A., recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
1-3- A agravante alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões úteis:
1ª- Resulta que tudo foi feito para que se procedesse à citação pessoal da R., mostrando-se totalmente infrutíferas todas as diligências que, para o efeito, foram realizadas.
2ª- Assim, esgotados os meios de citação pessoal da R., estão reunidas as condições para se proceder à citação edital, ao abrigo do nº 4 do art. 247º do C.P.Civil.
3ª- Não é condição para a realização da citação edital prevista neste normativo o facto de o R. ser português e/ou ter residência/sede em Portugal, antes pelo contrário, uma interpretação global desse artigo faz-nos chegar à conclusão, por via da referência que no nº 3 se faz aos estrangeiros, que se aplica indistintamente a nacionais ou estrangeiros e independentemente de terem tido ou residência em Portugal.
4ª- O entendimento contrário perfilhado pelo tribunal recorrido, levará à paralisação dos autos ou a sua remessa à conta, uma vez que a ora recorrente não tem outra forma de os impulsionar.
5ª- Ao decidir como decidiu, o Mº Juiz violou o correcto entendimento do nº 4 do art. 247º do C.P.Civil., na medida em que deveria ter considerado que a citação edital não deixará de ter lugar se tiverem esgotadas os meios para citação pessoal da R. e, sendo esta estrangeira e sem residência/sede em Portugal, sem necessidade de haver lugar às diligências a que alude a parte final deste normativo e do art. 244º do C.P.Civil.
Termos que em que deverá ser revogado a despacho recorrido e substituído por outro que defira o requerimento em questão.
1-4- A parte contrária não respondeu a estas alegações.
1-5- O Mº Juiz recorrido sustentou a sua decisão.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- A decisão recorrida e as circunstâncias que determinaram a sua prolacção, já acima se mencionaram.
A questão que se coloca é a de saber se é, ou não, possível a citação edital em relação a um R. residente no estrangeiro.
Estabelece o art. 247º do C.P.Civil, em relação à citação de R. residente fora do país:
1. Quando o réu resida no estrangeiro, observar-se-á o que tiver estipulado nos tratados e convenções internacionais.
2. Na falta de tratado ou convenção, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais.
3. Se não for possível ou se frustrar a citação por via postal, proceder-se-á à citação por intermédio do consulado português mais próximo, se o réu for português; sendo estrangeiro, ou não sendo viável o recurso ao consulado, realizar-se-á a citação por carta rogatória, ouvido o autor.
4. Estando o citando ausente em parte incerta, proceder-se-á à sua citação edital, averiguando-se previamente a última residência daquele em território português e procedendo-se às diligências a que se refere o artigo 244º”.
Quer isto dizer e para o que aqui importa, que um réu residente no estrangeiro, deve ser citado, de harmonia com o que estiver estipulado em tratados ou convenções. Caso não existam estes convénios, a citação deverá ser feita por carta registada com aviso de recepção. Se se não conseguir a citação por esta via ( postal ), sendo o réu estrangeiro, ouvido o autor, realizar-se-á a citação por carta rogatória.
No caso vertente, parece ter-se entendido, implicitamente, que Portugal não tem qualquer convénio com a Espanha ( onde está sediada a R. ) em matéria de citação (1 Não será muito correcto este entendimento, visto que o Regulamento de CE nº 1348/2000 do Conselho de 20 de Maio de 2000, que entrou em vigor em 31 de Maio de 2001, qualquer Estado-Membro da União Europeia tem a faculdade de proceder directamente por via postal à citação de actos judiciais destinada a pessoas residentes em outro Estado-Membro, salvo se se tiver oposto, por via declaração prévia, às citações por esse meio no seu território, não se conhecendo que a Espanha tenha feito qualquer declaração prévia. De qualquer forma, este regime ( que estabelece a citação por via postal ), é idêntico ao estabelecido pelo nº 2 do art. 247º, para os casos em que não existe tratado ou convenção sobre a matéria).. Daí o ter-se ordenado, logo num primeiro momento, a citação da R. por carta registada com aviso de recepção. Como não se logrou a citação por esta forma, considerando-se, tacitamente, que a R. era estrangeira (1a Se se tivesse considerado que a R. era portuguesa e não estrangeira, então dever-se-ia ter ordenado a citação através de consulado português.)a, ouvida a A., ordenou-se a sua citação por carta rogatória.
Todos estes procedimentos foram correctos, face à disposição legal evidenciada.
Sucede, porém, que, através da carta rogatória, também se não conseguiu a citação da R..
O que fazer, então ?
É esta a questão que nos é colocada para apreciação e decisão.
Como dissémos acima, notificada a A. da devolução da carta rogatória sem que se tivesse feito a citação da R., aquela requereu que se ordenasse “o cumprimento disposto no nº 4 do art. 247º do Código de Processo Civil”, isto é, se diligenciasse pela citação edital da R.
O Mº Juiz, com o fundamento de que o estabelecido no art. 247º do C.P.Civil se aplicava apenas às pessoas singulares, indeferiu o requerido, ordenando que os autos ficassem a aguardar que a A. viesse a requerer o que tivesse por conveniente, sem prejuízo do disposto no art. 285º do C.P.Civil.
Notificado deste despacho, veio então a A. requerer, directa e expressamente, a citação edital da R.
O Mº Juiz indeferiu a requerida citação edital, através do despacho recorrido, com o fundamento de que a citação edital só seria possível, depois de se averiguar da última residência do réu em território português, já que tal forma de citação se faz por referência a esta morada, pelo que não tendo a R. sede em Portugal, não se mostra possível tal forma de citação edital.
Em relação a este entendimento, observa a recorrente com evidente pertinência, que tal levará à paralisação dos autos ou a sua remessa à conta, uma vez que ela, demandante, não tem outra forma de os impulsionar. Este argumento parece-nos consistente, levando-nos a concluir que não foi isso, certamente, que o legislador pretendeu, ao lavrar o nº 4 do art. 247º.
Somos em crer que esta disposição, está, principalmente, vocacionada para réus portugueses. Por isso se compreende a averiguação prévia da sua residência em território português, com a realização das diligências a que se refere o art. 244º. Mas, a nosso ver, não exclui, o dispositivo, a sua aplicação a réus estrangeiros residentes fora de Portugal. Com efeito, a disposição é o corolário lógico e seguinte das hipóteses contempladas nos números anteriores do artigo, não excluindo da sua previsão a circunstância de o citando ser estrangeiro e não ter residência em Portugal. Assim, a aplicação do disposto do mencionado nº 4, ou seja a citação edital do réu, dever-se-á efectuar, quando não seja possível a citação de réu estrangeiro residente fora de Portugal, por esta via postal e por carta rogatória (2 Note-se que a citação edital é, como é sabido, determinada pela impossibilidade prática de se conseguir contactar directamente o réu)..
Claro que sendo o réu residente no estrangeiro ( e de nacionalidade estrangeira ), a não ser que tenha tido, alguma vez, residência/sede em Portugal, ficam inviabilizadas as averiguações referidas no nº 4 do art. 247º e no art. 244º. Mas, nem por isso, se poderá concluir pela não realização da citação edital. O que, a nosso ver, será lícito determinar, é a dispensa das averiguações mencionadas nessas disposições e as demais formalidades ( da citação edital ) relacionadas com a última residência do R. no país ( art. 248º ). Sublinhe-se ainda que, a não se entender assim, constituindo a citação edital, a última e derradeira hipótese de se poder dar conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele, determinada acção(3 Como se sabe, é função da citação dar conhecimento ao réu de que foi proposta contra si determinada acção, chamando-se ao processo para se defender ( art. 228º nº 1 do C.P.Civil )).
, negando-se esse acto, não só se inviabilizará, formalmente, essa comunicação a ele, como se impedirá o demandante de fazer prosseguir os autos ( visto que estes não podem seguir sem a citação do réu ), o que nos parece absolutamente inadequado e incongruente.
O recurso procederá, sem prejuízo de, antes de se ordenar a citação edital da R., se notificar o A. para esclarecer se a R., alguma vez, teve sede ou filial em Portugal e, em caso afirmativo, em que morada. Isto para se avaliar a possibilidade de se proceder às indicadas averiguações.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, dá-se provimento ao recurso, revoga-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro em que se ordene a citação edital da R., sem prejuízo de antes, se notificar o A. para esclarecer se a R., alguma vez, teve sede ou filial em Portugal e, em caso afirmativo, em que morada.
Sem custas.