Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2/05.0GAAND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: BUSCA
APREENSÃO
ARMA BRANCA
PONTA E MOLA
BORBOLETA
Data do Acordão: 01/09/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 118º,174º, 1,178º, 5,269º,1, A), 6º 1-L 22/97
Sumário: 1. A circunstância de não ter sido encontrado, no decurso da busca, produto estupefaciente, não significa que não existissem previamente indícios fundados da prática de tráfico a justificarem plenamente a decisão judicial de se proceder à realização da busca.
2. O prazo máximo de 72 horas reporta-se à sujeição das apreensões efectuadas por órgão de polícia criminal posterior à validação pela autoridade judiciária, ou seja, refere-se à apresentação ao Ministério Público das apreensões realizadas e não ao prazo máximo em que esta autoridade judiciária terá de proferir o despacho de validação.
3. Esta é a interpretação mais conforme ao próprio texto legal (as 72 horas referem-se à sujeição a validação e não à própria validação), bem como a que é imposta pela sua ratio: o que se pretende é que as apreensões efectuadas por iniciativa dos órgãos de polícia criminal sejam submetidas, em prazo curto, à apreciação da autoridade judiciária, saindo da mera órbita do conhecimento policial, de forma a que a autoridade judiciária, sendo caso disso, as valide.
4. A mera caracterização de uma navalha como sendo de ponta e mola não determina, de modo automático, que se considere arma branca com disfarce.
5. A Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, no seu esforço de apresentação de definições legais, veio clarificar (e ajudar na compreensão de conceitos que já eram utilizados pela jurisprudência, no domínio do regime legal anterior) que uma navalha de ponta e mola ou, por exemplo, uma navalha de borboleta, não são, necessariamente e por definição, armas com disfarce.
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:


I – Relatório
1. Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 2/05.0GAAND, do Tribunal Judicial da Comarca de Anadia, foi deduzida acusação contra A… e B…, ambos melhor identificados nos autos, pela prática dos seguintes crimes: ao primeiro foi imputada, em autoria material, a prática de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artigo 6.º, n.º1, da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2.º, da Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto; ao segundo foi imputada, em autoria material, a prática de um crime de detenção de armas proibidas, p. e p. pelos artigos 275.º, n.º2, do Código Penal, e 3.º, n.º1, alíneas a) e f), do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril.

2. Realizada a audiência de julgamento, veio o arguido A...a ser condenado pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artigo 6.º, n.º1, da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2.º, da Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto, na pena de 1 (um) ano de prisão. Por sua vez, o arguido B… foi condenado pela prática de um crime de detenção de armas proibidas, p. e p. pelo artigo 275.º, n.º1, do Código Penal, por referência ao artigo 3.º, n.º1, alíneas a) e f), do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão.
3. Inconformados com tal sentença, os mencionados arguidos interpuseram o presente recurso, formulando, na motivação, as seguintes conclusões (transcrição):
«1. O arguido A... foi condenado pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelo artigo 6°, n.º 1, da Lei 22/97 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2.°, da Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto, na pena de 1 ano de prisão e,
2. O arguido B... pela prática de um crime de detenção de armas proibidas, previsto e punido pelo artigo 275.°, n.º 1 do Código Penal, por referência ao artigo 3.°, n.º 1, alíneas a) e f), do DL n.º 207-A/75, de 17 de Abril, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão.
3. Foi ordenada e realizada uma busca domiciliária aos arguidos no dia 9 de Abril de 2005.
4. Porém, face aos elementos constantes nos Autos consideram os arguidos recorrentes que não existiam nem existem quaisquer indícios sérios e relevantes que permitissem no Inquérito concluir pela existência na residência dos arguidos de objectos relacionáveis com um crime ou que pudessem servir como prova.
5. Designadamente, droga ou produto estupefaciente, que era no Inquérito o que as autoridades policiais pretendiam encontrar.
6. O Sr. Juiz do Tribunal “a quo” ordenou as buscas sem que para o efeito tivesse informação suficiente que lhe permitisse concluir que os arguidos se dedicavam ao tráfico de droga.
7. O legislador penal pretendeu com o artigo 174.° do CPP limitar a realização das buscas e revistas às situações em que existam indícios sérios e fundados, a fim de se proteger o direito à inviolabilidade do domicílio constitucionalmente consagrado no artigo 34.° da CRP.
8. A decisão judicial que decidiu ordenar as buscas violou o domicílio dos arguidos.
9. Pelo que, a interpretação do n.º1 e n.º 2 do artigo 174.° do CPP no sentido de ser ordenada busca ao domicílio quando não existem indícios de que alguém oculta na sua residência quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova é inconstitucional, por violação do n.º 1 e n.° 2 do artigo 174.° do CPP e do artigo 34.º da Constituição da Republica Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
10. Os mandados de busca ordenados nos presentes Autos ao acampamento dos
arguidos foram cumpridos no dia 09.04.2005.
11. Só no dia 13.04.2005 (folhas 32 dos Autos) foram validadas as apreensões, decorridas que estavam 96 horas após a efectivação das mesmas pelos órgãos de polícia criminal.
12. Pelo que as apreensões foram realizadas fora dos pressupostos de validação das mesmas previstos no artigo 178.° do CPP.
13. Realizadas fora das condições acima referidas, as apreensões são inválidas (interpretação a contrário do n.º 5 do artigo 178.º do CPP), pelo que não podem ser consideradas, o que desde já se requer.
14. A interpretação do n.º 5 do artigo 178.° no sentido de se considerarem válidas as apreensões validadas pela autoridade judiciária em prazo diverso do previsto no n.º 5 do artigo 178.° do CPP e designadamente no prazo de 96 horas é inconstitucional por violação do artigo 62.° da CRP .
15. O arguido B… foi condenado na pena de 2 anos e 3 meses de prisão por lhe terem sido apreendidas três armas - uma pistola de defesa pessoal, de calibre 9mm - uma navalha de ponta e mola com uma lâmina de 10 cm de comprimento e, - uma catana com uma folha de ferro com cerca de 50 cm de comprimento.
16. Ora, ao contrário do que entendeu o Tribunal “a quo” o arguido não pode ser condenado pela posse da navalha e da catana.
17. É que, face ao conjunto dos factos considerados provados nos Autos verifica-se não estarem reunidos todos os pressupostos legais que permitam condenar o arguido.
18. É que "Só as armas brancas com disfarce cabem na previsão de armas proibidas, elencadas no art. 3.° do DL 207-A/75" - cf. designadamente Acórdão STJ, de 12/03/97; BMJ, 465, p. 313.
19. Doutrina essa mantida pelo Acórdão para Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2004, de 21/04/2004, do STJ (D.R. IS-A de 13-05-2004). Acórdão onde se decidiu: "Para efeito do disposto no art. 275.° n.º3 do Código Penal, uma navalha com 8,5 cm ou 9,5 cm de lâmina só poderá considerar-se como arma branca proibida, nos termos do art. 3.°, n.1, alínea f) do D.L. 207-A/75, de 17 de Abril, se possuir disfarce e o portador não justificar a sua posse.
20. Portanto, são elementos objectivos do tipo a existência de disfarce e a não justificação por parte do portador da sua posse, elementos que no caso "sub judice" não se encontram preenchidos.
21. Na verdade, o Tribunal" a quo" não deu como provada a existência de disfarce quanto às armas, bem como também não deu como provada a ausência de justificação por parte do arguido quanto à posse das mesmas.
22. Pelo que, deverá o arguido B… ser absolvido pela posse da navalha de ponta e mola com uma lâmina de 10 cm de comprimento e da catana com uma folha de ferro com cerca de 50 cm de comprimento.
23. O Tribunal “a quo” aplicou quanto ao arguido B… (cf. folhas 6) o regime jurídico que classificou como sendo o mais favorável, tendo procedido ao enquadramento da sua conduta no disposto no artigo 275.º, n° 1, do Código Penal, e 3.°, n.º 1, alíneas a) e f), do DL n.º 207-A/75, de 17 de Abril.
24. O artigo 275.°, n.º 1, do Código Penal e 3.º, n.º 1, alíneas a) e f), do DL n° 207- A/75, de 17 de Abril, pune o crime de detenção de armas proibidas com a pena de 2 a 5 anos de prisão.
25. E, a recente Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro pune a detenção da arma da classe B (designadamente pistola de 9 mm) com a pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.
26. Ora permitindo a actual lei a condenação do crime em questão quanto ao arguido B...na pena de multa (o que não acontece quanto ao regime jurídico anterior) é este o regime jurídico mais favorável ao arguido, ao contrário do que entendeu o Tribunal “a quo”.
27. Na verdade, o regime jurídico previsto no artigo 275°, n.º 1, do Código Penal e 3.°, n.º 1, alíneas a) e f), do DL n.º 207-A/75, de 17 de Abril não permite a condenação na pena de multa, pelo que este é o menos favorável ao arguido (porque a pena de prisão é mais grave do que uma eventual pena patrimonial).
28. Ao aplicar o regime menos favorável ao arguido, o Tribunal “a quo” violou o disposto no n.º 4 do artigo 2.° do CP.
29. Assim, a interpretação do regime jurídico estatuído no artigo 275.°, n.º 1, do Código Penal e 3.°, n.º 1, alíneas a) e f), do DL n.º 207-A/75, de 17 de Abril como sendo o mais favorável, no caso dos Autos quanto ao arguido B...é inconstitucional por violar o disposto no n.º 4 do artigo 29.° da CRP e no n.º 4 do artigo 2.° do CP, inconstitucionalidade que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
30. Quanto à medida da pena entendem os arguidos que a pena de prisão que lhes foi aplicada deve ser substituída por pena de multa ou pena de prisão suspensa na sua execução.
31. Devem ser atendidas assim as questões anteriormente alegadas pelos arguidos recorrentes, designadamente o facto de ao arguido B...M. não ter sido aplicado o regime mais favorável e ainda o facto de quanto a este arguido para efeitos de condenação só poder ser considerada uma arma, das três que possuía, por ausência dos pressupostos legais quanto às armas brancas.
32. A pena de prisão efectiva aplicada aos arguidos, não se conforma com a lei, não se revelando justa, nem adequada às circunstâncias do caso.
33. Deve designadamente para o efeito atender-se também ao grau da sua culpa dos arguidos que é diminuto; o arguido A... tem um agregado familiar vasto (mulher e nove filhos) sendo possível concluir face às regras da experiência comum que é o arguido quem os sustenta, quem por isso garante a sua sobrevivência; o arguido B...é ainda muito jovem, nunca esteve preso, acrescendo que não tem antecedentes criminais no tipo de crime que aqui lhe é imputado.
34. Aplicar aos arguidos uma pena privativa de liberdade viola o chamado princípio da proporcionalidade e, portanto, o artigo 18.° CRP.
35. Na determinação da medida concreta da pena não pode ser considerada, (ao contrário do que aconteceu) a circunstância agravante de ao arguido B...terem sido apreendidas na totalidade três armas proibidas.
36. Também, entendem os arguidos recorrentes que as condições pessoais e a situação profissional, social e económica do arguido A..., nomeadamente o facto de ser cesteiro e de não possuir rendimentos em montante fixo devem ser consideradas em beneficio do arguido, devendo assim entender-se que o facto do agregado familiar do arguido ser vasto (tem 9 filhos) deveria ser um factor que permitisse aplicar uma pena de multa ao arguido, ou suspender-lhe a pena.
37. Também, ao contrário do que foi alegado não é verdade que o arguido A... tenha sido condenado, pela prática, em 10.02.2001, de um ilícito criminal de igual natureza, na pena de prisão de 5 anos e 4 meses.
38. A pena de prisão referida não corresponde exclusivamente ao crime de detenção ilegal de arma, dizendo respeito a outro crime também.
39. Esta circunstância deverá também ser excluída da fundamentação da escolha da medida da pena.
40. Relativamente ao arguido B...deve ser considerada a idade que tinha quando praticou os factos, tinha 19 anos, pelo que sendo primário relativamente ao crime que lhe é imputado nos presentes Autos deverá ser aplicado quanto a ele o regime especial para jovens. »

4. O recurso interposto pelos arguidos foi admitido, tendo respondido o Ministério Público junto do tribunal a quo, nos termos constantes de fls. 298 e seguintes, concluindo no sentido do provimento parcial, do seguinte modo (transcrição):
«1.° - A busca domiciliária ordenada e efectuada ao acampamento cigano, onde residem os arguidos, cumpriu todos os requisitos impostos por lei (artigos 174. °, n.º 1 e n.º 2, 176. °, 177. °, 269. °, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal), sendo certo que existiam nos autos indícios fortes da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, independentemente do resultado obtido com a busca, não se verificando, em consequência, qualquer ilegalidade ou violação do domicílio dos arguidos, nem tão-pouco qualquer inconstitucionalidade por violação do disposto artigo 34.°, da Constituição a República Portuguesa.
2.° - No decurso dessa busca domiciliária foram encontradas e apreendidas armas proibidas aos arguidos, tendo a validação de tal apreensão pela autoridade judiciária ocorrido após as setenta e duas horas, não se cumprindo, assim, o disposto no artigo 178.°, n.º 5, do Código de Processo Penal.
3.° - Ora, essa validação extemporânea constitui, tão-somente, uma irregularidade não uma nulidade, logo, não tendo os interessados arguido a mesma no prazo legal, ficou sanada (artigos 118.° e 123.°, do Código de Processo Penal) .
4.° - A sentença padece de insuficiência na matéria de facto provada, pelo que não tendo sido provada a não justificação da posse pelo arguido B...relativamente à navalha de ponta e mola e catana apreendidas na sua residência, não se preencheram os elementos do tipo legal de crime de detenção de arma proibida, previsto no artigo 275.°, n.º 1 e n.º 3, do Código Penal e 3.°, n.º 1, alínea f), Decreto-Lei n.° 207-A/75, de 17 de Abril, devendo este ser absolvido da sua prática.
5.° - Optando o tribunal a quo pela aplicação de uma pena de prisão ao arguido B…, a qual nos parece a mais adequada atentos os factos provados, o regime mais favorável, em concreto, é o previsto nos artigos 2.°, n.° 1, alíneas o), p), ab), e as), 3°, n.° 4 e 86.°, n.° 1, alínea c), da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro, e não o previsto no artigo 275.º, n.º1, do Código Penal e 3.°, n.1, alínea f), Decreto-Lei n.° 207-A/75, de 17 de Abril, na medida em que, sendo o limite máximo da pena de prisão idêntico - 5 anos - o limite mínimo é inferior, ou seja, é apenas um mês, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 41.º, n.º1, 2.º, n.º1 e 4, do Código Penal.
6.º -No que concerne à escolha e determinação da medida da pena considerando-se, como bem se considerou na douta sentença, que a ilicitude os factos e a culpa dos arguidos se situam num grau elevado, assim como as necessidades de prevenção geral e especial, só a pena de prisão efectiva, respeitando-se o disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, do Código Penal, é proporcional e adequada ao caso concreto.»

5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pronunciando-se, a fls. 318 e 319, no sentido de que o recurso merece provimento parcial, entendendo verificar-se a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º1, al. c), do Código de Processo Penal, pela circunstância de o tribunal não se ter pronunciado sobre a aplicação ao arguido B...do regime penal especial para jovens.

6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos e teve lugar a audiência.

II – Fundamentação
1. Conforme jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Assim, as questões a decidir, face às conclusões apresentadas, são, em síntese:
- a validade das buscas domiciliárias realizadas nas residências dos arguidos e das apreensões então efectuadas;
- a verificação dos pressupostos legais que permitam a condenação do arguido B...pela posse da navalha e da catana;
- a determinação do regime penal concretamente mais favorável;
- a determinação da medida das penas concretas.
E deverá ser também conhecida a questão de omissão de pronúncia suscitada pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer.

2. A sentença da 1.ª instância
2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

a) No dia 9 de Abril de 2005, no lugar da Póvoa do Salgueiro, Sangalhos, comarca de Anadia, pelas 08h30m, o núcleo de investigação criminal da GNR de Anadia procedeu a uma busca domiciliária ao acampamento de etnia cigana, sito na Póvoa do Salgueiro.
b) Na sequência da busca referida em a), foi encontrada e apreendida na barraca do arguido A…, por detrás de um armário, uma arma de caça, calibre 12 mm, marca Armi Sabatti Gardone, com o n.º 158847.
c) A arma de caça identificada em b) não se encontrava manifestada, nem registada, em nome do arguido A…, nem este possuía licença de uso e porte de arma.
d) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em a), foi encontrada e apreendida na barraca do arguido B..., por debaixo da cama deste, uma pistola de defesa pessoal, de calibre 9 mm, sem número, com as inscrições Star Espanha, bem como uma navalha de ponta e mola com uma lâmina de 10 cm de comprimento e uma catana com uma folha de ferro com cerca de 50 cm de comprimento.
e) Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, conhecendo as características das armas apreendidas, sabendo que a posse das armas nas condições referidas constituía crime, e que para deter as armas de fogo era necessário obter previamente as respectivas licenças, bem como proceder ao registo e manifesto das mesmas.
f) O arguido B...sabia ainda que a pistola que detinha era de calibre proibido e que, por esse motivo, a sua detenção era proibida e punida pela lei penal.
g) Os arguidos sabiam que praticavam actos proibidos e punidos pela lei penal.
h) O arguido A...vive num acampamento sito na Póvoa do Salgueiro, com a mulher e 9 filhos.
i) É cesteiro e aufere mensalmente, pelo menos, entre € 75 e € 100.
j) Frequentou a escola primária até ao l.º ano de escolaridade.
l) Pela prática, em 10/02/2001, de um crime de detenção de arma proibida, um crime de tráfico de estupefacientes, um crime de detenção ilegal de arma e um crime de falsidade de depoimento ou declaração, foi o arguido A...condenado, por acórdão transitado em julgado em 28/08/2002, na pena única de 5 anos e 4 meses de prisão, tendo-lhe sido concedida, em 03/08/2004, liberdade condicional pelo tempo de prisão que lhe faltava cumprir, ou seja, até 25/11/2006, mediante o cumprimento de várias obrigações.
m) Pela prática, em 15/10/2002, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, foi o arguido B...condenado, por acórdão transitado em julgado em 26/01/2004, na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.

2.2. O tribunal a quo fundamentou, do seguinte modo, a sua convicção quanto à matéria de facto provada:
«Em audiência de discussão e julgamento, os arguidos A...e B...não pretenderam prestar declarações.
Não obstante, foi possível a este Tribunal, com base na valoração conjunta da prova produzida nos autos e em audiência de discussão e julgamento, conjugada com as regras da lógica e da experiência, reunir elementos probatórios que permitissem formar a convicção nos termos supra expostos.
Com efeito, sustentaram a convicção deste Tribunal os seguintes documentos juntos aos autos:
- O termo de apreensão dos objectos identificados nos factos provados (fls. 26 a 30);
- Os autos de exame e avaliação de objectos de fIs. 46 e 47;
- Os exames directos de fls. 69 e 70;
- A informação emitida pela Direcção Nacional da PSP, segundo a qual o arguido A...não é titular de licença de uso e porte de arma (fls. 85);
- Cópia do livrete de manifesto de armas relativo à caçadeira supra identificada em b), propriedade de ….. (fls. 58) e termo de entrega dessa arma ao respectivo proprietário (fIs. 84); e
- O relatório de exame pericial feito à pistola supra identificada em d) (fls. 146 a 148).
O Tribunal valorou, ainda, porquanto sérias, espontâneas e desinteressadas, as declarações prestadas em audiência de julgamento pelas testemunhas …., …. e …., todos militares da GNR, em exercício de funções no posto territorial de Anadia à data dos factos em apreço, os quais tiveram deles conhecimento directo, uma vez que procederam à busca domiciliária ao acampamento da Póvoa do Salgueiro, designadamente ao interior das barracas dos arguidos A... e B..., confirmando nelas terem encontrado e apreendido todos os objectos identificados nos factos provados.
Confrontado com o auto de apreensão de fIs. 22 e o termo de apreensão de fls. 26 a 30, o militar …. confirmou a autoria da respectiva elaboração e reconheceu neles a sua assinatura.
Por todos os militares foi, ainda, afirmado não terem dúvidas que os objectos apreendidos eram detidos, no dia em apreço, pelos arguidos A...e B...(que as testemunhas reconheceram em audiência de julgamento), não só porque se encontravam escondidos no interior das respectivas habitações, mas também porque os próprios arguidos admitiram à data e perante esses militares que as armas eram suas e que as haviam adquirido a indivíduos de identidade desconhecida.
Os factos referentes às condições pessoais, profissionais e económicas do arguido A...ficaram provados com base nas declarações que prestou em audiência de julgamento.
O disposto quanto aos antecedentes criminais dos arguidos A...e B...resulta do teor dos CRC juntos aos autos a fls. 155 a 157. »

3. O recurso
3.1. Da sentença de que acabamos de transcrever as partes respeitantes aos factos provados e à sua motivação, extrai-se que o tribunal a quo fundou a sua convicção, além do mais, nas apreensões efectuadas na sequência das buscas nas residências dos arguidos.
Invocam os recorrentes que a decisão judicial que ordenou as buscas violou os seus domicílios sem que existissem indícios de que se encontravam nas residências dos arguidos objectos relacionáveis com um crime ou que pudessem servir como prova.
Mais alegam que a validação das apreensões ocorreu para além do prazo de 72 horas fixado no artigo 178.º, n.º5, do Código de Processo Penal (diploma que passamos a designar de C.P.P. ou de C.P.Penal).
Concluem, assim, que buscas e apreensões estão feridas de invalidade e que a interpretação dos artigos 174.º, n.º1 e 2 e 178.º, n.º5, do C.P.P., no sentido da validade daqueles actos, é inconstitucional.
Os recorrentes carecem de razão, como se passa a demonstrar.
Compulsados os autos, verifica-se que os mesmos tiveram início com um auto elaborado pelo Núcleo de Investigação Criminal da G.N.R. de Anadia, no qual se dava conta de que, no acampamento cigano situado em Póvoa do Salgueiro, S. João da Azenha, em Anadia, no qual residia o arguido A…, se estaria a proceder ao tráfico e à venda de produtos estupefacientes, sendo este suspeito de gerir pessoalmente tal tráfico. Estas suspeitas apoiavam-se em informações e alegadas denúncias da população civil, mas desencadearam a realização de diligências externas de acompanhamento (vigilâncias) pela G.N.R. que se encontram documentadas nos autos e sustentaram o fundado da suspeição em função das movimentações que foi possível observar.
Perante os elementos recolhidos, o Ministério Público promoveu à M.ma Juíza de Instrução Criminal que fosse autorizada a realização de busca domiciliária às residências e anexos do acampamento.
E, efectivamente, a M.ma Juíza, entendendo estarem reunidos os respectivos pressupostos legais e considerando que tal diligência era «absolutamente imprescindível para a descoberta da verdade material», determinou a realização de busca a todas as residências e anexos do acampamento, como se infere do despacho que consta de fls. 9 e 10.
A busca foi realizada, no cumprimento do despacho judicial, sem que haja sido suscitada qualquer questão quanto à respectiva validade.
Dispõe o artigo 174.°, n.º 2, do C.P.P., que é ordenada busca quando houver indícios de que os objectos referidos no número anterior (relacionados com um crime ou que possam servir de prova), ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público.
A circunstância de não ter sido encontrado, no decurso da busca, produto estupefaciente, não significa que não existissem previamente indícios fundados da prática de tráfico a justificarem plenamente a decisão judicial de se proceder à realização da busca.
Como salienta a Ex.ma magistrada do M.P. no tribunal a quo, tratando-se de uma investigação complexa de um crime especialmente grave, em que é difícil a obtenção de prova, que causa muito alarme e perturbação social, em particular no presente caso em que a própria população deu conta dos acontecimentos à G.N.R., acentuando-se o facto de, segundo os elementos então disponíveis nos autos, existir uma escola primária a escassos cem metros do local, justificava-se a realização da busca, o que não é contrariado pelo facto dos indícios existentes (e não certezas, como é óbvio) não terem sido corroborados pelos resultados obtidos, o que conduziu ao arquivamento do inquérito nessa parte.
Foram, assim, cumpridos todos os requisitos impostos por lei para a efectivação de uma busca domiciliária (artigos 174. °, n.º 1 e n.º 2, 176. °, 177. ° e 269. °, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal), independentemente do resultado obtido com a mesma, não se verificando, por conseguinte, qualquer ilegalidade ou violação do domicílio dos arguidos, nem qualquer inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 34.°, da Constituição da República Portuguesa. Nem se vislumbra que a busca haja sido ordenada na base de uma interpretação normativa segundo a qual tal diligência fosse admissível independentemente da existência dos indícios a que se reporta o artigo 174.º, n.º1 e 2.
Quanto à validação das apreensões:
No decurso da busca domiciliária, que teve lugar no dia 9 de Abril de 2005, foram apreendidas pelos agentes da G.N.R. uma arma de caça, calibre 12 mm, marca Armi Sabatti Gardone, com o n° 158847, que se encontrava por detrás de um armário na barraca do arguido A…; uma pistola de defesa pessoal, de calibre 9 mm, sem número, com as inscrições Star Espanha, uma navalha de ponta e mola com uma lâmina de 10 cm de comprimento e uma catana, que estavam por debaixo da cama do arguido B..., na barraca deste.
O cumprimento dos mandados de busca teve início no dia 9 de Abril de 2005, às 8h 30m, sendo os arguidos detidos por posse ilegal de arma. Conforme documentam os autos, o Ministério Público de turno foi contactado de imediato, tendo sido informado da situação (cfr. fls. 14 e 15). O despacho de validação das apreensões acabou por ser proferido no dia 14 de Abril.
O artigo 178º, n.º 5, do C.P.P., dispõe que «as apreensões efectuadas por órgão de polícia criminal são sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de setenta e duas horas».
Caso se trate de um prazo máximo para proferir a decisão de validação, teremos de concluir que, no caso em análise, tal prazo foi excedido
Porém, entendemos que o prazo máximo de 72 horas se reporta à sujeição das apreensões efectuadas por órgão de polícia criminal à posterior validação pela autoridade judiciária, ou seja, refere-se à apresentação ao Ministério Público das apreensões realizadas e não ao prazo máximo em que esta autoridade judiciária terá de proferir o despacho de validação.
Esta é a interpretação mais conforme ao próprio texto legal (as 72 horas referem-se à sujeição a validação e não à própria validação), bem como a que é imposta pela sua ratio: o que se pretende é que as apreensões efectuadas por iniciativa dos órgãos de polícia criminal sejam submetidas, em prazo curto, à apreciação da autoridade judiciária, saindo da mera órbita do conhecimento policial, de forma a que a autoridade judiciária, sendo caso disso, as valide. É este o entendimento, que merece a nossa concordância, da Relação do Porto nos Acórdãos de 17 de Janeiro de 2007, Proc. n.º 0644955 e de 7 de Novembro de 2007, Proc. n.º 0745888 (disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
No primeiro dos assinalados acórdãos salienta-se que se fosse outro o sentido da norma, certamente que a lei não deixaria de ter uma redacção diferente, qual seja a de que assentasse que a validação pela autoridade judiciária das apreensões efectuadas por órgão de polícia criminal devia ser proferida no prazo máximo de setenta e duas horas.
No caso em análise, a circunstância de o despacho do Ministério Público ter sido proferido mais de 72 horas após a realização das apreensões (e no dia posterior ao da conclusão que, para o efeito, lhe foi aberta) não significou que a apresentação destas para validação só nesse momento tenha sido feita, sendo certo que, como já se salientou, a situação foi comunicada ao Ministério Público no próprio dia em que a busca foi efectuada.
Admitamos, porém, como simples hipótese, que o prazo de 72 horas prescrito no artigo 178.º, n.º5, se reporta à decisão de validação, caso em que, como já se disse, tal prazo teria sido excedido. Nessa hipótese, a validação pela autoridade judiciária para além das 72 horas só poderia configurar uma irregularidade processual, tendo em vista o princípio da legalidade no domínio das nulidades dos actos processuais, constante do artigo 118.º do C.P.Penal. Ora, há muito que estaria já ultrapassado (largamente!) o prazo para arguir essa irregularidade processual, tendo em vista o disposto no artigo 123.º, n.º1, do C.P.Penal.
Não se diga que a interpretação supra exposta é inconstitucional. Os recorrentes não especificam, minimamente, em que termos é que este entendimento viola garantias de defesa do arguido em processo penal. Como refere o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 410/01, de 28 de Setembro de 2001 (www.tribunalconstitucional.pt), num caso em que também foi arguida a inconstitucionalidade do artigo 178.º, n.º5: “Não basta, com efeito, acusar uma norma de violar um preceito constitucional para se considerar justificada tal alegação (…)”.
Na verdade, os recorrentes não concretizam que garantias de defesa dos arguidos são lesadas por esta interpretação normativa – o que lhes seria difícil porque, realmente, não se vislumbra qualquer violação dessas garantias.
Conclui-se que, no que toca à busca e apreensões, os recorrentes carecem inteiramente de razão.

3.2. Ao arguido A...foi imputada, em autoria material, a prática de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artigo 6°, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2°, da Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto, punível com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
Por sua vez, ao arguido B...foi imputada, em autoria material, a prática de um crime de detenção de armas proibidas, p. e p. pelo artigo 275°, n.º 1, do Código Penal (a referência na acusação ao n.º2 dever-se-á a mero lapso de escrita) e 3.°, n.º 1, alíneas a) e f), do DL n.º 207-A/75, de 17 de Abril, punível com pena de prisão de 2 a 5 anos.
Relativamente ao primeiro, provou-se nos autos que, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas nos factos provados, detinha uma arma de caça, calibre 12 mm, marca Armi Sabatti Gardone, com o n.º 158847, não manifestada, nem registada, sem que o arguido possuísse licença de uso e porte de arma.
Quanto ao arguido B..., provou-se que, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas nos factos provados, detinha uma pistola de defesa pessoal, de calibre 9 mm, sem número, com as inscrições Star Espanha, bem como um navalha de ponta e mola e uma catana.
Os factos reportam-se a 9 de Abril de 2005. Posteriormente, entrou em vigor a Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, que passou a reger esta matéria.
Dispõe o artigo 2.°, n.º 2, do Código Penal, que «as penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem». Por seu turno, preceitua o n.º 4 do mesmo artigo que, quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado (redacção que, quanto à ressalva do caso julgado, foi alterada pela revisão operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto).
No que concerne ao arguido A…., o tribunal a quo considerou concretamente mais favorável a aplicação do regime constante do artigo 6.º, n.º1, da Lei n.º 22/97, de 27 de Agosto, na redacção dada pelo artigo 2.º, da Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto, que punia quem detivesse, usasse ou trouxesse consigo arma de defesa ou de fogo de caça não manifestada ou registada, ou sem a necessária licença nos termos legais, com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
Realmente, nos termos do artigo 86.°, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, ( ... ), usar ou trouxer consigo:
- Arma da classe C [classe a que pertence a espingarda de caça tipo caçadeira de 12 mm, por referência aos artigos 2°, n.º 1, alíneas o), r), ab), 3°, n.º 5, alínea a)], passou a ser punido com pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.
Não merece, pois, qualquer reparo, a subsunção legal dos factos apurados quanto ao arguido A…. nem a determinação do regime penal concretamente mais favorável – questões que, aliás, não foram, sequer, postas em causa no recurso.
No tocante ao arguido B..., o tribunal “a quo”, dando como provados os factos da acusação, considerou ser concretamente mais favorável – e, consequentemente, aplicável ao caso - o regime constante do artigo 275.º, n.º1, do Código Penal e 3.º, n.º1, alíneas a) e f), do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril.
Vejamos:
Dispunha o artigo 275.º, n.º1, do Código Penal: «Quem importar, fabricar ou obtiver por transformação, guardar, comprar, vender, ceder ou adquirir a qualquer título ou por qualquer meio, transportar, distribuir, detiver, usar ou trouxer consigo arma classificada como material de guerra, arma proibida de fogo ou destinada a projectar substâncias tóxicas, asfixiantes, radioactivas ou corrosivas, ou engenho ou substância explosiva, radioactiva ou própria para fabricação de gases tóxicos ou asfixiantes, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, é punido com prisão de 2 a 5 anos».
E nos termos do nº 3, preceituava-se: «Se as condutas referidas no n.º 1 disserem respeito a armas proibidas não incluídas nesse número, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias».
Por sua vez, estabelecia o artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril:
«É proibida, salvo nos casos previstos neste diploma, a detenção, uso e porte das seguintes armas, engenhos ou matérias explosivas: (…)
a) Pistolas de calibre superior a 6,35 mm.; (…)
f) Armas brancas ou de fogo com disfarce ou ainda outros instrumentos sem aplicação definida, que possam ser usados como arma letal de agressão, não justificando o portador a sua posse.»
O artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15/03, por seu turno, consagrou que «para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim».
Como bem se salienta no Acórdão desta Relação de 6 de Dezembro de 2006 (Proc. 1393/05.9TACBR, disponível em www.dgsi.pt), o que se estabeleceu no mencionado artigo 4.º não foi a definição típica do crime de detenção de arma proibida, mas antes e tão-somente um conceito genérico de arma utilizado em outros tipos de crime. Nem o Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, que aprovou o Código Penal de 1982, nem o Decreto-Lei n.º 48/95, de 21 de Março que procedeu à sua revisão revogaram o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, que define o que sejam as armas proibidas. Tal normativo só veio a ser revogado pelo artigo 118.º, alínea c) da já citada Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro.
Assim, tendo em vista a data da prática dos factos, é face ao citado artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 207-A/75 que deverá ser procurada a delimitação típica do conceito de armas proibidas.
Se quaisquer dúvidas não se oferecem quanto à pistola de 9 mm, o mesmo não ocorre no que concerne à navalha de ponta e mola e à catana.
É sabido que muito se discutiu, a propósito da supra citada alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 207-A/75, sobre se a menção ao disfarce se reportava ou não às armas brancas.
A referida alínea apresentava dois conceitos: de um lado, as armas brancas e de fogo com disfarce; e, de outro, os demais instrumentos sem aplicação definida, que possam ser usados como arma letal de agressão. Exigindo-se, em ambos os casos, que o agente não justificasse a sua posse.
O Acórdão para Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2004 (D.R. n.º 112, Série I-A de 2004-05-13) decidiu: «Para efeito do disposto no artigo 275.º n.º3 do Código Penal, uma navalha com 8,5 cm ou 9,5 cm de lâmina só poderá considerar-se como arma branca proibida, nos termos do artigo 3.º, n.º1, alínea f) do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, se possuir disfarce e o portador não justificar a sua posse.»
Saliente-se que este acórdão uniformizador não tomou posição sobre o “comprimento da lâmina”, pois a questão a decidir era apenas a de saber se a arma branca, para efeito do crime em questão, tinha ou não que ter “disfarce”. Como se lê no acórdão em causa, «nem o conceito de armas brancas se esgota numa simples navalha ou faca e nem em relação ao comprimento da lâmina se pode estabelecer um mínimo ou um máximo a partir do qual é ou deixa de ser arma branca. Disso cuidará o legislador (e já há muito o devia ter feito), como atrás se anunciou.»
Assim, a referência a “8,5 cm ou 9,5 cm de lâmina” foi apenas circunstancial, em resultado de serem aquelas as dimensões das lâminas nos casos decididos pelos acórdãos fundamento.
Conclui-se que para que os factos integrassem o referido crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 275.º n.ºs 1 e 3 do C.P., por referência à alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril (e é só desta alínea que agora cuidamos), ou teríamos que estar perante uma arma branca com um qualquer disfarce dissimulador da sua natureza, ou então perante um qualquer instrumento sem aplicação definida, mas apto a ser usado como arma letal de agressão, sem que o portador justificasse a sua posse.
Disfarce é “uma dissimulação da arma a tal ponto que até poderá confundir-se com qualquer outro objecto ou instrumento de todo inócuo em termos de perigosidade! E é dissimulação que, por regra, se leva a cabo de forma deliberada e com a exclusiva finalidade de aumentar a perigosidade e agressividade da arma (branca).” – cfr. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2004.
Ora, no caso em análise, a navalha de ponta e mola apreendida ao arguido B..., sendo inequivocamente uma “arma branca”, - expressão que abrange todo um vasto conjunto de objectos ou instrumentos cortantes ou perfurantes, normalmente de aço - não é – pelo menos não está provado que o seja – uma arma com disfarce.
Não se ignora que a ideia geral que se tem quando se fala de uma navalha de ponta e mola é que se trata de uma arma que tem uma lâmina dissimulada que se faz saltar por acção de uma mola. Seria, para alguns, o exemplo mais flagrante de arma branca com disfarce.
Porém, afigura-se-nos que a mera caracterização de uma navalha como sendo de ponta e mola não determina, de modo automático, que se considere arma branca com disfarce.
A este propósito, a Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, no seu esforço de apresentação de definições legais, veio clarificar (e ajudar na compreensão de conceitos que já eram utilizados pela jurisprudência, no domínio do regime legal anterior) que uma navalha de ponta e mola ou, por exemplo, uma navalha de borboleta, não são, necessariamente e por definição, armas com disfarce.
Com efeito, no art. 86.º, n.º 1, alínea d), daquele diploma legal, faz-se a distinção entre “arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto” - que corresponde, a nosso ver, à anteriormente designada de “arma branca com disfarce” -, a “faca de abertura automática” - que é a ponta e mola de acordo com a definição do artigo 2.º, 1, alínea ar) da mesma Lei - e, por exemplo, a “faca de borboleta”, criminalizando-se, nos termos aí descritos, a detenção de todas elas, o que parece inculcar que o legislador nunca terá considerado que a ponta e mola ou a faca de borboleta fossem, por mera definição e sem necessidade de mais indicações, armas dissimuladas, ou seja, com disfarce.
Também o artigo 3.º, n.º2, do mencionado diploma de 2006, ao indicar as armas, munições e acessórios da classe A, distingue, na alínea d), as “armas brancas ou de fogo dissimuladas sob a forma de outro objecto”, das “facas de abertura automática” – que são as ponta e mola -, que surgem indicadas, tal como as facas de borboleta, entre outras, na alínea e) do mesmo normativo.
A nosso ver, a dissimulação sob a forma de outro objecto corresponde (numa definição descritiva) ao que antes se designava de “disfarce”, quando a alínea f) do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 207-A/75 se referia a “armas brancas ou de fogo com disfarce”.
Para que a arma branca em questão pudesse ser considerada uma arma com disfarce seria necessário que da matéria de facto provada resultasse que a navalha estava apetrechada com qualquer artifício ou mecanismo que a dissimulasse sob a forma de objecto distinto ou com diferente utilização. O mero facto de se dizer que se trata de uma navalha de ponta e mola é, por conseguinte, insuficiente para esse efeito, sendo certo que, nem da acusação, nem dos factos provados consta a descrição de quaisquer características aparentes da arma em questão, para além da indicação de se tratar de uma ponta e mola e do comprimento da respectiva lâmina (Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 24.05.2004, Proc. n.º 751/04-1; Acórdão da Relação do Porto, de 5.01.2005, Proc. n.º 0445075; mais recentemente, consulte-se o sumário do Acórdão da Relação de Lisboa, de 12.09.2007, Proc. n.º 80/2007-3. Todos se encontram disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
No que concerne à catana, termo normalmente utilizado para referir um facalhão com lâmina curvada, utilizado originariamente para desbastar mato e pequeno arvoredo, mas que também pode ser um instrumento objectivamente perigoso e letal, integrando-se no conceito de armas brancas clássicas (como o punhal, o sabre, a espada, etc.), igualmente nada se prova quanto à existência de disfarce.
Mesmo que se considerasse tal instrumento, por hipótese, não como arma branca, mas como um objecto de aplicação indefinida, a verdade é que não foi dado como provado na sentença que o arguido B...não haja justificado a sua posse, como exigia o mencionado artigo 3.º, n.º1, alínea f), do Decreto-Lei n.º 207-A/75.
Afigura-se-nos, pois, assistir razão ao recurso no que toca à alegação de que, quanto à navalha de ponta e mola e à catana, não estão provados todos os elementos típicos do crime previsto e punido pelos artigos 275.º, n.º1 e 3, do Código Penal, e 3.º, n.º1, alínea f), do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, regime vigente à data da prática dos factos.

3.3. Resta, quanto ao arguido B..., a detenção de uma pistola de calibre 9 mm, sem número, com as inscrições Star Espanha, em que o preenchimento do tipo de ilícito não suscita quaisquer dúvidas, quer face à lei então vigente, quer face ao regime posterior, não sendo, por isso, matéria questionada, colocando-se, porém, o problema da determinação do regime concretamente mais favorável.
O tribunal a quo considerou que o regime mais favorável era o do artigo 275.º, n.º1, do Código Penal e 3.º, n.º1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, cuja moldura penal abstracta era de pena de 2 a 5 anos de prisão.
Ora, nos termos do artigo 86.º, n.º1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, em razão de estarmos perante uma arma da classe B, a sua detenção, por quem não se encontrar autorizado, é punida com pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias (artigos 2.º, n.º1, alíneas o), p) ab) e as), 3.º, n.º3, do mencionado diploma).
Quer isto dizer que o regime da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, contendo uma moldura que prevê prisão ou multa e que, no caso da primeira, tem o limite mínimo de um mês (cfr. o artigo 41.º, n.º1, do Código Penal), em confronto com o regime aplicado pelo tribunal a quo que não admitia a multa e que, quanto à prisão, estabelecia o mínimo de 2 anos, é, com toda a certeza, o regime concretamente mais favorável.

3.4. Quanto à questão da determinação das penas, é óbvio que, relativamente ao arguido B..., sendo mais favorável o regime instituído pela Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro e havendo que ponderar, tão-só, a detenção da pistola de 9 mm e não as armas brancas, importará proceder à reponderação da pena a aplicar.
No que toca ao arguido A…, o regime penal aplicável é, por ser o mais favorável, o vigente à data da prática dos factos, tal como foi entendido pelo tribunal a quo.
A determinação da pena envolve diversos tipos de operações. O julgador, perante um tipo legal que prevê, em alternativa, como penas principais, as penas de prisão ou multa, deve ter em conta o disposto no artigo 70.º do Código Penal que consagra o princípio da preferência pela pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Tais finalidades, nos termos do artigo 40.º do mesmo diploma, reconduzem-se à protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente da sociedade (prevenção especial).
Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina, em seguida, a medida concreta da pena que vai aplicar, para depois escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida.
Assim, o tribunal, perante a previsão abstracta de uma pena compósita alternativa, deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, preterindo-a a favor da prisão na hipótese inversa. Neste momento do procedimento de determinação da pena, o único critério a atender é o da prevenção.
O artigo 70.º opera, precisamente, como regra de escolha da pena principal, nos casos em que se prevê pena de prisão ou multa.
Porém, a escolha da pena principal de prisão em detrimento da multa não significa que desde logo se opte pela execução ou cumprimento da pena privativa da liberdade, pois entretanto haverá que ponderar a aplicação das penas de substituição que apenas são aplicáveis depois de escolhida a pena de prisão e de concretamente determinado, nos termos do artigo 71.º, o seu quantum.
No caso vertente, constata-se pelo relatório da sentença que o arguido B...nasceu no dia 25 de Outubro de 1985, ou seja, tinha 19 anos à data da prática dos factos, encontrando-se, por conseguinte, abrangido pelo regime previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, que instituiu o regime aplicável em matéria penal aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, correspondendo ao imperativo decorrente do artigo 9.º do Código Penal.
Estatui o artigo 4.º do citado Decreto-Lei que «se for aplicável pena de prisão deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal [A referência é hoje, após a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, para os artigos 72.º e 73.º do Código Penal] quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado».
O artigo 5.º prevê, para os jovens com menos de dezoito anos, a possibilidade de aplicação subsidiária da legislação relativa a menores, sempre que ao caso corresponda pena de prisão inferior a dois anos, na consideração da personalidade do arguido e das circunstâncias do caso.
O artigo 6.º, por sua vez, prescreve que «quando, das circunstâncias do caso e considerada a personalidade do jovem maior de dezoito anos e menor de vinte e um anos, resulte que a pena de prisão até dois anos não é necessária nem conveniente à sua reinserção social, poderá o juiz impor-lhe medidas de correcção».
Não oferece dúvida o facto de não ser obrigatória a aplicação do regime instituído no Decreto-Lei n.º 401/82. A atenuação especial da pena prevista no artigo 4.º não opera automaticamente: é necessário que se estabeleça positivamente que há sérias razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem delinquente. Mesmo a substituição da pena de prisão até dois anos por medidas de correcção também não opera de modo automático, sendo necessário que das circunstâncias do caso e considerada a personalidade do arguido resulte que a pena de prisão não se mostra necessária nem conveniente à sua reinserção social.
Porém, o tribunal não está dispensado do dever de apreciar, tratando-se de arguido com menos de 21 anos à data da prática dos factos e se for aplicável pena de prisão, a verificação dos pressupostos de facto de que depende a aplicação daquele regime penal especial e de se pronunciar, positiva ou negativamente, sobre a sua aplicação no caso concreto.
Ora, o tribunal a quo nada disse a esse respeito, muito embora tenha decidido condenar o arguido B...em pena de prisão, que não suspendeu na sua execução.
Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Dezembro de 1999 (Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Tomo III, 1999, pp. 234-239), a propósito da não consideração, pelo tribunal, na determinação da medida da pena, do disposto nos artigos 9.º do Código Penal e 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, ao tribunal «incumbe o poder-dever de averiguar se estão ou não verificados os pressupostos de facto de que depende a aplicação daquele diploma».
Nada dizendo, em sentido positivo ou negativo, sobre a aplicação do regime penal especial para jovens, quando era aplicável pena de prisão, o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questão que devia apreciar, o que determina a nulidade da sentença, nessa parte, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), primeiro segmento, do C.P.Penal (seguem-se, de perto, no texto antecedente, algumas das observações constantes do Ac. da Relação do Porto de 4.10.2006, Proc. n.º 0643243, que pode ser consultado em www.dgsi.pt).
Assim, quanto ao arguido B..., haverá não só que ter em conta que o regime penal mais favorável é o constante da Lei n.º 5/2006, nos termos já descritos, mas ainda: que o crime em causa se reporta apenas à detenção da arma de fogo; que, em função da idade, há que ponderar, concretamente, sobre a aplicação ou não do regime penal especial para jovens, matéria em que a sentença recorrida é omissa; finalmente, face à entrada em vigor, entretanto, da revisão do Código Penal, operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, haverá que, face à pena fixada, se for de prisão, ponderar a aplicação das penas de substituição aí previstas.

3.5. O arguido A...foi condenado na pena de um ano de prisão, que o tribunal entendeu não suspender na sua execução.
Para o efeito, ponderou-se, na sentença recorrida: o modo de execução dos factos, a especial perigosidade do objecto em causa; o grau de violação dos deveres impostos; a intensidade do dolo, na sua forma directa; as condições pessoais e a situação profissional, social e económica do arguido, nomeadamente o facto de ser cesteiro e de não possuir rendimentos em montante fixo; o facto de o arguido A...ter sido condenado, pela prática, em 10/02/2001, de um ilícito criminal de igual natureza, na pena de prisão de 5 anos e 4 meses; e ter cometido o ilícito ora em apreço durante o período de liberdade condicional que lhe fora concedido em 3 de Agosto de 2004.
Diga-se, desde já, que a menção de que o arguido em questão fora condenado, anteriormente, na pena de prisão de 5 anos e 4 meses, por “um ilícito criminal de igual natureza” enferma de um vício, pois tal pena não corresponderá exclusivamente a um crime de detenção ilegal de arma, mas ao cúmulo de diversas penas por diversos crimes de diferentes naturezas.
A moldura abstracta aplicável é a de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
Como se disse supra, o tribunal, perante a previsão abstracta de uma pena compósita alternativa, deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, preterindo-a a favor da prisão na hipótese inversa. Nesta fase, o critério a atender é o da prevenção.
O tribunal a quo escolheu a prisão em detrimento da multa e fixou aquela em 1 ano.
Julga-se adequada a opção pela prisão em detrimento da multa, atentas as circunstâncias do caso, pois a pena pecuniária mostra-se insuficiente para realizar as finalidades da punição: protecção dos bens jurídicos (com reafirmação das expectativas comunitárias) e reintegração do agente na sociedade.
Também a fixação do quantum de pena de prisão em 1 ano se mostra ajustada, face aos parâmetros de determinação da pena que se reportam aos dois grandes vectores enunciados no artigo 71.º, n.º1, do Código Penal: a culpa do agente e as exigências de prevenção, estas particularmente intensas, tendo em vista o passado criminal do arguido e a circunstância de os factos terem sido praticados quando se encontrava em liberdade condicional.
Pode acontecer, porém, que o tribunal, atento o preceituado no artigo 70.º, opte pela prisão como pena principal, por entender que a multa não satisfaz de forma adequada e suficiente todas as finalidades da punição, mas que, num segundo momento, uma vez fixada a prisão em certa medida, deva proceder à sua substituição, por tal lhe ser legalmente imposto se a execução da prisão não for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (anterior artigo 44.º, agora artigo 43.º), ou porque, face às penas de substituição legalmente previstas, acaba por concluir que uma dessas penas satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, 1993, p. 364).
No caso em apreço, a sentença recorrida entendeu não ser de suspender a execução a pena de prisão, argumentado do seguinte modo:
«Na base da decisão de suspensão de execução da pena deve estar uma prognose social favorável ao arguido, isto é, dever ele compreender, por um lado, a advertência que lhe é feita e, por outro, conformar no futuro a sua conduta à ordem jurídica vigente, abstendo de praticar crimes.
No caso concreto inexistem nos autos quaisquer elementos que permitam formular o referido juízo de prognose favorável aos arguidos. Pelo contrário, apontam em desfavor de ambos a elevada ilicitude das condutas, a modalidade mais intensa da vontade dirigida ao cometimento dos factos (dolo directo), a especial perigosidade dos objectos detidos pelos arguidos, o modo de execução dos ilícitos e os respectivos antecedentes criminais».
Tal decisão de não suspensão, face às circunstâncias apuradas (ilicitude dos factos - perigosidade da arma em questão, dolo directo e os antecedentes criminais do arguido), mostra-se adequadamente sustentada, não sendo contrariada pela circunstância de o arguido em questão ter uma vasta família e ser cesteiro.
Entretanto, porém, o Código Penal foi revisto pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, que veio alargar o campo de aplicabilidade das penas de substituição já antes previstas e, simultaneamente, introduzir no sistema penal novas penas de substituição. A sucessão de regimes penais impõe a ponderação de qual o regime concretamente mais favorável, até porque para a pena de prisão de 1 ano surgiram novas penas substitutivas antes não contempladas e alargou-se a aplicabilidade de penas de substituição que antes lhe estavam vedadas (por exemplo, admite-se que a pena de prisão não superior a 1 ano seja cumprida por dias livres, em regime de semidetenção ou mesmo domiciliariamente, o que não acontecia anteriormente).
Ora, muito embora ao tribunal de recurso não esteja vedada a ponderação do regime concretamente mais favorável, se estiver na posse dos elementos necessários a efectuar tal ponderação, sempre haverá que ter em conta se estará em condições de o fazer ou se deverá caber tal encargo ao tribunal de 1.ª instância.
No caso, afigura-se-nos que será o tribunal de 1.ª instância o que se encontrará nas melhores condições para ponderar, com recurso às diligências suplementares que julgar necessárias, a aplicação do regime saído da revisão operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, designadamente, da aplicação ao arguido B...de alguma das penas de substituição introduzidas ou alargadas no seu âmbito de aplicação pelo mencionado diploma.



III – Dispositivo

Nestes termos, acordam em audiência os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em, no provimento parcial do recurso:

a) Julgar os factos cometidos pelo arguido B...como integrando, com referência à detenção da pistola de calibre 9 mm, um crime p. e p. pelo artigo 86.º, n.º1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, por ser o regime penal concretamente mais favorável, absolvendo-o quanto à navalha e à catana;

b) Anular parcialmente a sentença recorrida no que respeita ao arguido B..., por omissão de pronúncia, na parte em que não foi ponderada a aplicabilidade ao mesmo do regime penal especial para jovens, para que o tribunal de 1.ª instância se pronuncie sobre tal questão, determine a pena na consideração do que consta da alínea anterior, e pondere a aplicabilidade das diversas penas de substituição legalmente previstas, saídas da revisão operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro;

c) Manter a condenação do arguido A…, nos termos da sentença recorrida, quanto ao crime e à pena principal aplicada, mas ordenando-se que o tribunal de 1.ª instância, em face da entrada em vigor do novo regime instituído pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, proceda à avaliação da possibilidade de aplicação em concreto da Lei Nova.

Custas pelos recorrentes, com a taxa de justiça de 3 Ucs para o arguido B...e de 4 Ucs para o arguido A...(artigos 513º do CPP e 87º, nº 1 al. c) do CCJ.

Coimbra,

(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)


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(Jorge Gonçalves)

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(Jorge Raposo)

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(Fernando Ventura)