Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
169/03.2JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: TITULARES DE CARGOS POLÍTICOS
CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA
CRIME DE ABUSO DE PODER
CRIME DE FINANCIAMENTO PARTIDÁRIO ILÍCITO
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIAS
Data do Acordão: 09/28/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA DE COMPETÊNCIA MISTA E JUÍZOS CRIMINAIS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 3º, 56º A 64º DA LEI 169/99 DE 18/9, 16º Nº 1 DA LEI 34/87 NA REDACÇÃO DADA PELA LEI 108/2001 DE 28/11, 372 E 374º CP / ART. 26°, N.° L, DA LEI N.° 34/87, DE 16/07, COM REFERÊNCIA AOS ARTS. 3°, N.° 1, AL. I), DO MESMO DIPLOMA LEGAL E 4°ALS. B) E C) (REDACÇÃO DA L 52-A/2005, DE 10.10.), DO ESTATUTO DOS ELEITO LOCAIS, APROVADO PELA LEI N.° 29/87, DE 30/06 / ARTºS 7º, 8º E 28º NºS 1, 3 E 4 POR REFERÊNCIA AOS ARTºS 7º E 8º DA LEI 19/2003 DE 20/6 / ARTIGO 335°, N.° 1, AL. B), DO C. PENAL (REDACÇÃO DA LEI 108/2001 DE 28.11.
Sumário: 1. - No crime de corrupção o bem jurídico objecto de protecção reconduz-se ao prestígio e à dignidade do Estado, como pressupostos da sua eficácia ou operacionalidade na prossecução legítima dos interesses que lhe estão adstritos.
2. - Para o preenchimento do crime de corrupção passiva basta a aceitação da vantagem patrimonial indevida por parte do titular do cargo
3. -Ao aceitar a quantia (vantagem patrimonial) como compensação pela sua intervenção nas deliberações do executivo . a que foram sujeitos os actos em que tinha interesse o arguido, com a consciência da dádiva e da finalidade com que ela foi feita, mercadejou/transaccionou com o cargo, colocando os poderes funcionais ao serviço dos seus privados interesses pessoais, ao assumir e aceitar vantagem que não lhe era pessoalmente devida pelo exercício das suas funções.
4. - No crime de abuso de poder o bem jurídico protegido com a incriminação é a autoridade e credibilidade da administração do Estado, ao ser afectada a imparcialidade e eficácia dos seus serviços.
5. - Para o seu preenchimento exige-se:
a) um acto ( ou acção típica) de abuso de poderes ou de violação de deveres, que não tendo de referir-se a um acto administrativo concreto corresponda a um acto idóneo a produzir efeitos jurídicos enquanto manifestação da vontade do Estado, ou por outras palavras, acto que se manifeste exteriormente através da lesão do bom andamento e imparcialidade da administração;
b) que o acto seja praticado com a intenção de obter uma vantagem ilícita ou prejudicar alguém, sendo que “O funcionário que abusou das suas funções, ou que violou deveres, pode no limite, até ter actuado com fins caritativos ou altruístas”, contudo desde que lesado o bom andamento e/ou a imparcialidade da administração, terá de ter-se como ilegítimo o benefício.
6.- Para efeitos de consumação do crime mostra-se irrelevante a efectiva verificação do dano ou da vantagem prosseguida, bastando a prática do acto ou do facto abusivo por parte do agente.
7.- Em matéria de financiamento de campanhas eleitorais os donativos obtidos mediante o recurso a angariação de fundos são obrigatoriamente titulados por cheque ou por outro meio bancário que permita a identificação do montante e da sua origem. Assim, qualquer receita obtida através de recurso a angariação de fundos que não o seja os indicados constitui uma ilegalidade e portanto, uma receita proibida.
8.- O bem jurídico protegido no crime de tráfico de influência é a autonomia intencional do Estado, procurando-se evitar que o agente, contra a entrega ou promessa de uma vantagem, abuse da sua influência junto de um decisor público, de forma a obter dele uma decisão, criando assim o perigo de que a influência abusiva venha a ser exercida e, consequentemente, de que o decisor venha a colocar os seus poderes funcionais ao serviço de interesses diversos do interesse público.
9.—Neste crime a punição da conduta visa aquele que negoceia com terceiro a sua influência sobre uma entidade pública para dela vir a obter uma qualquer decisão lícita (na anterior redacção do preceito em análise a obtenção de decisão lícita não era punida) ou ilícita, favorável aos interesses do terceiro.
10.- A contrapartida da vantagem é o abuso de influência, por parte do agente, sobre entidade pública, para dela obter decisão lícita ou ilícita desfavorável. A vantagem é dada ou prometida para que o traficante abuse da sua influência sobre o decisor, dando-se a consumação do crime pelo acordo entre o traficante e o comprador, não sendo elemento indispensável à sua verificação o exercício efectivo da influência.
11.- Tal como sucede com o crime de corrupção, não é necessário para a consumação do crime que a influência seja exercida, que seja obtida uma decisão (lícita) favorável.
Decisão Texto Integral:

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I.

Depois de realizada a audiência de discussão e julgamento, pelo Tribunal Colectivo, com exercício pleno do contraditório, foi proferido acórdão, no qual o tribunal de 1ª instância decidiu:
1. Julgar parcialmente procedente, por provada, a pronúncia deduzida, e, em consequência, condenar o arguido AA... como autor imediato, na forma consumada e em concurso real pela prática de um crime de corrupção passiva para acto lícito, p. e p. pelo artigo 17º n.1 da Lei 34/87 de 16 de Julho na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 108/2001 de 28 de Novembro), na pena de 22 (vinte e dois) meses de prisão (sit. 2.), absolvendo-se do mais que lhe vinha imputado quanto a este ponto; pela prática de um crime de abuso de poderes, p. e p. pelo artigo 26º n.1 da Lei 34/87 de 16 de Julho, com referência aos artigos 3º n.1 al.i) do mesmo diploma legal e 4º 2 als. b) e c) redacção da Lei 52 -A/2005 de 10.10, do Estatuto dos Eleitos Locais aprovado pela Lei nº 29/87 de 30.06, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão (sit.4.); pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 28º n.s 1, 3 e 4 da Lei 19/2003 de 20.06 com referência ao art. 16º n.1 al. d) e 3 do mesmo diploma, na pena de 14 meses de prisão (ponto 5.) e pela prática de um crime de tráfico de influência, p. e p. pelo art. 335°, n.° 1, al. b), do C. Penal (redacção da Lei 108/2001 de 28.11), na pena de 3 (três) meses de prisão (sit. 6.).
2. Absolver ainda o arguido AA... da prática do crime de abuso de poderes, p. e p. pelo artigo 26º n.1 com referência ao art. 3º n.1 al. i) ambos da Lei nº 34/87 de 16.07, na redacção da Lei nº 108/2001 de 28.11, com referência ao art. 4º, nº 2 als. c) e f), do Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei 29/87 de 30.06, que lhe havia sido imputado na pronúncia, relativamente ao Ponto 3.
3. Condenar o arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova através do cumprimento de um plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio durante o tempo de suspensão, pelos serviços de reinserção social e ainda sob a condição de o arguido entregar e comprovar nos autos, no prazo de 1 (um) ano, a quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros, dividido em partes iguais, às Instituições de Solidariedade Social “Casa dos Pobres de Y...” e “Casa do Gaiato”.
4. Julgar parcialmente procedente a liquidação efectuada no valor € 338.618,24 (trezentos e trinta e oito mil seiscentos e dezoito euros e vinte e quatro cêntimos) em consequência do que se condena o arguido AA... no pagamento de tal quantia, absolvendo-o do demais peticionado.
5. Decretar, para garantir o pagamento de tal quantia, o arresto de bens que sejam encontrados em poder do arguido AA....
6. Absolver o arguido CC... do crime de corrupção activa para acto ilícito que lhe vinha imputado p. e p. pelo artigo 18º nº 1 da Lei 34/87 de 16.07, na redacção da Lei 108/2001 de 28.11, e se declara extinto por prescrição o procedimento criminal relativamente à prática do crime de corrupção activa para acto lícito, p. e p. pelo artigo 18º n.2 da Lei 34/87 de 16.07 na redacção da Lei 108/2001 de 28.11, que consideramos provado relativamente ao arguido CC..., nos termos dos artigos 118º n.1. al. d) e 119º, 1, do Código Penal.
*
Inconformado com tal decisão, dela recorre o arguido AA....
Na respectiva motivação, formula as seguintes CONCLUSÕES:

I - Crime de corrupção passiva para acto licito

1.1. Cumpria ao Tribunal a quo ter adquirido, sem qualquer dúvida razoável, a certeza de que o valor recebido pelo arguido constituía a oferta de quem tinha ou viria a ter qualquer pretensão dependente do exercício das suas funções.


1.2. O Tribunal a quo sob a capa e o fundamento dos critérios de razoabilidade, da experiência comum e do simples bom senso, subverte a aquisição da prova, a qual não permite, no rigor da conduta do homem médio, admitir a corrupção titulada por meio de cheques.


1.3. Como resulta unanimemente das declarações das testemunhas ouvidas o voto de AA... era inútil às questões administrativas que constavam da acusação/pronuncia enquanto procedimentos nos quais a X... tinha interesse, adquirindo-se, sem qualquer duvida que AA... não interveio nem no interior do ZZ... nem na U...a favor da X... – AA... alinhava com a maioria, o mesmo é dizer, votava em conformidade com o voto dos demais elementos do ZZ..., sendo que resultou claramente demonstrado que o deferimento das pretensões da X... não estava dependente das funções exercidas por AA…, antes representava uma iniciativa presidencial e de decisões técnicas nas quais o ... não tinha e nem podia ter qualquer intervenção ou influência – veja-se a propósito o que consta das declarações de DD... – e de EE... – .


1.4. A solicitação e no caso a contrapartida constitui parte integrante da essência do tipo quer na redacção anterior quer na redacção da norma em vigor, pelo que quanto ao preenchimento dos elementos do tipo legal de crime previsto no art. 17º da Lei n.º 34/87, que dispõe que “O titular de cargo político que no exercício das suas funções, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão não contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 300 dias”, comprovando-se que o bem jurídico protegido pelo tipo de ilícito é o constante da previsão normativa citada o legislador pune o recebimento de qualquer contrapartida independentemente da natureza da actividade a troco da qual é solicitada ou recebida.


1.5. O arguido não solicitou qualquer quantia enquanto contrapartida do que quer que fosse, acto ou não acto, pediu a CC... um empréstimo, que liquidou.


1.6. Cumpria ainda, quanto à verificação dos elementos do tipo subjectivo, a demonstração fáctica do dolo, o que não sucedeu.


1.7. Da materialidade provada não resulta que o arguido quis obter vantagem patrimonial indevida, por meio de cheques, nem que tinha consciência de que praticava um acto ilícito ao pedir um empréstimo a pessoa das suas relações, menos ainda o que se extrai afirmativamente do douto acórdão, que o arguido AA… tenha assumido a sua conduta como ilícita – e contrariamente ao afirmado, nisso residindo também o erro na apreciação da prova, que arguido CC... tenha assumido ter concedido .


1.8. Ao contrário do alegado no douto acórdão e enunciado nos itens 20 a 24 e 28, 29, 30, 31 supra, o enquadramento dos factos dados como provados, no crime de corrupção passiva para acto lícito, é incorrecto, dado que se alicerça numa interpretação errada do preceito constante do art. 17º, nº 1, da Lei 34/87, de 16.07. Tais factos não integram o crime de corrupção passiva para acto lícito pela impossibilidade lógica da conclusão – verificação típica do crime de corrupção que se mostra verificado na sua tipicidade.


1.9. Isto porque a Lei exige a verificação de uma de três condições: ou a pessoa já teve no passado uma pretensão sua submetida à decisão do funcionário; ou a pessoa tem no presente (isto é, no momento do suborno) uma pretensão submetida à decisão do funcionário; ou a pessoa pode vir a ter uma pretensão submetida à decisão do funcionário. De realçar a nota comum a estas três condições é a de existir uma pretensão submetida (sem qualquer momento) à decisão do funcionário.


1.14. Acresce que no douto acórdão recorrido, dá-se como facto não provado que “ a vantagem patrimonial entregue ao arguido AA..., nos termos descritos no ponto 2.14. da factualidade provada, havia motivado e norteado as aludidas intervenções descritas nos pontos 2.9 a 2.11, da factualidade provada.”


1.15. A alegada peita foi entregue em 2002, e não se reportando, como provado em sede de audiência de julgamento, a acto do passado, teria que se reportar a pretensão presente ou futura, do Senhor CC... na U....

1.16 . Ora o recorrente passou a exercer o mandato como ... da oposição, sem qualquer pelouro atribuído, até às eleições para as autarquias locais a partir de 21 de Janeiro de 2002. Mesmo enquanto ... em regime de permanência coordenava as áreas de salubridade pública e abastecimento, não tendo nenhuma ligação com o pelouro do Planeamento do Urbanismo, que estava ao cargo do Presidente da U......, DD..., e votou em conformidade com a maioria.
1.17 . Enquanto ... sem pelouro, o arguido não tinha qualquer poder de decisão nas alegadas pretensões que a X... ainda teria ao tempo (em 2002).
1.18 . Para existir corrupção passiva para acto lícito, a pessoa tem que ter uma pretensão submetida à decisão do funcionário, o que não era o caso, nenhum dos actos a praticar no procedimento findo e no pendente dependiam de decisão que fosse submetida à decisão de AA…, pelo que os alegados actos do arguido não são susceptíveis de preencher o ilícito típico.
1.19 . De facto não ficou demonstrado o nexo subjacente do acto do arguido CC... consistente na oferta ou o pedido dessa oferta patrimonial pelo arguido AA..., pois para que este pratique um determinado acto impõe-se que esse acto esteja compreendido na sua esfera de competências enquanto ... da U....
1.20 . AA..., como todos afirmaram, enquanto ..., limita-se a usar do direito de voto mas não intervém, não participa na construção da decisão, era estranho ao licenciamento das construções da responsabilidade de departamentos, estranhos à sua esfera de competência, ou dito de outra forma, aos poderes do cargo exercido, pelo que não foram reunidos os elementos de facto concretos e relativos ao conteúdo funcional do cargo de ... de AA... que permitissem a afirmação de que o acto em causa na deliberação da U...... de Fevereiro e Julho de 2000 fazia parte da esfera dos seus poderes.
1.21 . Os 50 mil euros disponibilizados por CC... ao ora recorrente, consistiram apenas e tão só num empréstimo, como o confirmaram os arguidos, contrariamente ao que se mostra assumido quer na factualidade provada quer na fundamentação, sendo que o mesmo foi corroborado por várias testemunhas entre as quais FF..., amigo de CC... por intermédio de GG... que referiu que se encontravam várias vezes no ... para beber café e que “numa dessas alturas parámos lá com o doutor FF..., e então apareceu o senhor AA..., que eu conhecia. E sentou-se, e conversou connosco e estávamos a conversar e nessa altura, nessa altura, ele de facto pediu ao senhor CC... cinquenta mil euros emprestados. Falou que tinha, estava em negociações, ou ia entrar num negócio ligado ao ambiente, mas não pormenorizou muito. E o senhor CC... disse-lhe que sim, que ia ver.”-, também H..., Director Financeiro das empresas do Senhor CC... afirmou em sede de audiência que CC... “ligou-me a pedir um favor, para ver se eu me podia deslocar a Y... … que havia uma pessoa que era para lhe entregar … um envelope”; “apercebi-me do que é que tinha o envelope, através da textura (..) achei que tinha dinheiro” o senhor CC...disse-lhe “ pois ele tinha um dinheiro para me pagar”; “mais tarde soube que eram cerca de 10.000,00€” –, assim como II.., Contabilista da ... em ..., que emitiu os dois cheques de 25.000,00€ a favor de AA..., o Senhor CC... disse que se tratava de “um empréstimo ao senhor AA...”, mas não ficou de todo surpreendida porque “o senhor CC... empresta muitas vezes dinheiro”-, referindo ainda que a última entrega do reembolso do empréstimo foi-lhe feita pessoalmente e recorda porque foi “no dia do meu aniversário, portanto, foi no dia ….”; “O senhor CC...ligou-me na altura a dizer que ia lá um senhor doutor, que ia entregar uns valores para ele (…) o senhor CC...disse-me que era o último e eu, entretanto eu já tinha os três valores”; não tem dúvida que o dinheiro dos cheques que pagou foi integralmente devolvido – .
1.22 Da prova não resulta a certeza de que o empréstimo concedido por CC... a AA... tenha sido contrapartida de acto ou omissão do arguido no exercício do seu cargo. Estranho aliás seria, se se tratasse de “contrapartida” – o que a razoabilidade e o bom senso não admitem – que tivesse sido objecto do saque de dois cheques!
1.23 Além de que os factos em causa nos presentes autos ocorreram entre 1998 e 2000 (factos provados – 2.1. a 2.11.) - (sendo certo que o acto de homologação a que se reporta o item 2.11. constitui um acto pelo qual um órgão administrativo com competência decisória declara concordar com o parecer de outro órgão, o mesmo é dizer que constitui um acto de mera declaração em que o voto do arguido não é elemento decisivo).
1.24 Ora o quadro factual base que serviu à acusação/pronúncia para o suporte da imputação do crime de corrupção para acto ilícito foi toda aquele que respeita ao Programa Base/Estudo Prévio para o Arranjo Urbano da Praça do ... (item 2.), e procedimento da hasta publica, sendo que o referida em 2.11. mais não é do que um facto instrumental ou um segmento fáctico acessório daquela concreta imputação e que em si mesmo não constitui conduta típica, ou coadjuvante, ou permite sequer a configuração de acto relativo à esfera de competências do arguido AA… .
1.25 Desta feita, a norma constante do art. 17º, nº 1, da Lei 34/87, de 16.07, na redacção que lhe foi conferida pela Lei 108/2001, não é aplicável ao caso, porquanto o regime jurídico anterior é mais favorável ao arguido (cfr. arts. 29º, nº 4, da C.R.P. e 2º, nº 4, do C.P. de 1995).
1.26 A caracterização da sucessão de leis penais strictu sensu é pressuposto e condição da aplicação (retroactiva) da lei penal mais favorável (CRP, art. 29.º, n.º 4-2ª parte, CP; art. 2º, n.º4). Assim é conditio sine qua non da delimitação do âmbito de intervenção do n.º2 (despenalização do facto) e do n.º4 (atenuação da responsabilidade penal: aplicação retroactiva da lex mitior).
1.27 O regime decorrente da Lei n.º 108/2001, introduzido no n.º 2 do art. 373º do Código Penal, tem um carácter inovador relativamente ao anterior no que respeita ao crime de corrupção passiva para acto lícito. Tal inovação consubstancia um manifesto alargamento do tipo ilícito objectivo: agora, criminaliza-se também aquelas situações em que o mercadejar do cargo de funcionário não tem em vista um acto ou omissão concreta do funcionário mas uma relação funcional, privilegiada entre ele e determinada pessoa.
1.28 Em razão do referido alargamento do tipo de ilícito em causa, insta entender que o tipo de ilícito previsto no n.º 2 do artigo 373º do Código Penal só é aplicável relativamente a condutas ocorridas após a entrada em vigor da referida Lei n.º108/2001, sob pena de violação do princípio da legalidade.
1.29 Assim, às condutas ocorridas até Janeiro de 2002 é necessário que se indique concretamente que a alegada vantagem patrimonial tenha sido aceite pelo arguido em contrapartida de acto concreto, licito, próprio da sua função pública e, que o arguido tenha assim procedido de forma consciente e voluntária.
1.30 Não basta, como se refere na fundamentação do douto acórdão, “a aceitação da vantagem patrimonial indevida por parte do titular do cargo político” (fls.107), uma vez que as deliberações a que se refere respectivamente de 28/02/2000 e 17/01/2000, para além de serem anteriores à entrega e aceitação da peita, e que sempre enquadrariam em corrupção subsequente, são também elas anteriores ao regime aplicável a partir de 1 de Janeiro de 2002, a Lei n.º 108/2001.
1.31 Tanto mais que quanto às referidas deliberações e conforme se extrai da factualidade dada como não provada “não se logrou apurar que fora a peita que motivou e norteou as suas aludidas intervenções nos procedimentos descritos acima e nos quais votou favoravelmente as pretensões levadas ao executivo, não havendo outrossim prova da existência de um qualquer acordo entre os arguidos anterior à deliberação referida no ponto 2.9 e 2.10 (…)” – cfr fls. 109 do douto acórdão recorrido.
1.32 Mesmo na corrupção para facto lícito é sempre necessário que se apure uma conexão directa entre a vantagem auferida pelo corrupto e um acto cometido por este no exercício do seu cargo, conexão essa que não está demonstrada.
1.33 Evidenciado o erro de julgamento quanto à factualidade integrante do elemento objectivo, o mesmo sucede na aquisição do elemento subjectivo, desde logo no facto de se dar como provado algo que o arguido AA... nunca afirmou, e que o decidido fez constar em 2.14 Tal montante, como era intenção do arguido CC... e assumido pelo arguido AA..., visava compensar materialmente a intervenção deste último nos aludidos procedimentos, vantagem patrimonial a que ambos sabiam que o arguido AA... não tinha legitimamente direito no exercício do mandato popular, sendo certo que na alínea f) dos factos não provados do ponto 2. fez constar que a vantagem patrimonial entregue ao arguido AA..., nos termos descritos no ponto 2.14 da factualidade provada, havia motivado e norteado as aludidas intervenções descritas nos pontos 2.9. a 2.11 da factualidade provada.
1.34 Não existindo a causalidade directa entre a vantagem do prevaricador e a prática de determinado acto ou omissão, mas mais do que isso não ficou demonstrado que o arguido AA... tivesse aceite o empréstimo como contrapartida de um acto concreto e que uma tal actuação seja tradutora de um acto livre, consciente, deliberado, de aceitação de vantagem patrimonial indevida.

II - Crime de abuso de poder
2.1. O tipo legal de crime de abuso de poderes – crime de mera actividade - está preenchido apenas quando um funcionário/titular de cargo político abusar dos poderes ou violar os deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, um benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outrem, e esse abuso ou essa violação integrarem também a ilicitude administrativa.
2.2. Na verdade, o circunstancialismo do caso não permite afirmar que o recorrente - titular de cargo político nos termos do art. 3.º da Lei 34/87 de 16.07, na redacção da Lei n.º 108/2001 de 28.11 – tenha abusado dos seus poderes ou violado os deveres inerentes às funções que exercia.
2.3. Foi no âmbito das atribuições que lhe são reconhecidas enquanto ... da U..., que votou na deliberação de 09.01.2006, o que afasta o vício de incompetência, pressuposto na expressão “abuso de poderes” – sob pena de não ter sentido a autonomização das expressões “abuso de poderes” e “violação dos deveres inerentes às funções”, devemos ver a primeira como coincidindo com o vício de incompetência.
2.4. E foi no cumprimento dos deveres inerentes às funções que “na reunião ordinária da U... de 09/01/2006, no âmbito da discussão do ponto VII – Planeamento, VII.1. Plano de Pormenor da Quinta …, o arguido AA..., considerando não se aplicar à sua situação o regime de qualquer conflito de interesses, defendeu a solução proposta, isto é, de autorizar a elaboração do referido plano, nos termos da sua intervenção, extratada na acta cuja cópia consta de fls. 1017 (…)”, tanto mais que “a deliberação relativa a tal pedido foi aprovada por maioria (…)”.
2.5. O douto acórdão deu como provado que “(…)visou o arguido AA... alcançar proveitos económicos para si próprio e vantagens para a aludida pessoa colectiva (…)”, mas não é menos certo que não ficou provado que o recorrente ao agir como agiu, na esfera dos seus poderes discricionários, prosseguiu exclusiva ou primacialmente o fim ilegal de obter os referidos benefícios para si ou para terceiro.
2.6. Seria sempre impossível ou, pelo menos, difícil a demonstração de que o fim principalmente determinante da actuação do arguido foi o interesse particular, o que em processo penal equivaleria, em caso de dúvida, à conclusão no sentido de ao arguido não ser imputável o vício de “desvio de poder”, por força do princípio processual penal in dúbio pro reo.
2.7. Segundo o acórdão o recorrente desenvolveu diversas iniciativas destinadas a obter o deferimento por parte da autarquia das pretensões subjacentes ao acordo social, quer informando os demais associados dos elementos que, por força do exercício do mandato popular ia obtendo, visando desta forma alcançar proveitos económicos para si próprio e vantagens para a aludida pessoa colectiva.
2.8. Ora, atento o Estatuto dos Eleitos Locais, cumpre salientar as grandes diferenças do eleito local, consoante seja aplicável ou não o regime de permanência no Município.
2.9. As incompatibilidades significam a impossibilidade de exercício simultâneo de dois cargos ou funções – Dec. Lei n.º 413/93, de 23 de Dezembro (reforça as garantias de isenção da Administração Pública).
2.10. Diferente da situação de incompatibilidade, em que não é possível a acumulação de cargos ou de funções, está o impedimento, em que está em causa a garantia de imparcialidade.
2.11. Acresce que em 2005 o arguido AA... não tinha qualquer contrato de prestação de serviços com a ... nem directa nem indirectamente porquanto deixou de ser gerente da ... em 30 … .
2.12. O alegado Acordo Social foi assinado pela Direcção da associação à qual o arguido não pertencia.
2.13. A acusação no que concerne a este crime partiu de um pressuposto errado, ou seja que a deliberação de aprovação de elaboração de um plano pormenor foi em 9.12.2006 altura em que o arguido já seria Presidente da Associação, erradamente pois a deliberação que aprova a elaboração do plano pormenor foi de 09.01.2006, data em que AA... era apenas um mero associado.
2.14. E enquanto ... o recorrente integrava um órgão colegial – o executivo – não tendo participado nas deliberações no uso de poderes discricionários, que não tinha, participou na votação do órgão colegial e nessa votação o arguido não adoptou conduta distinta daquela que adoptaria caso não fosse membro da Associação ..., sendo que um tal facto em nada influenciou a votação, isto é, não interferiu no seu sentido de voto
2.15. O recorrente enquanto associado e no interesse da ... apenas demonstrou, e sempre, preocupação em relação às rendas de elevado montante que estavam a ser pagas e que resulta desde logo do teor das escutas nas quais AA... só fala das rendas e não das áreas de construção.
2.16. Como foi assegurado em audiência de Julgamento pelos ...es intervenientes na deliberação de aprovação de elaboração de um plano de pormenor para a área da Quinta de …, o arguido AA... não pressionou os ... da U...... a votar favoravelmente aquela concreta deliberação.
2.17. O processo de elaboração do Plano Pormenor é complexo e sujeito a múltiplas tramitações, nem sequer estava apenas dependente de votação favorável da U....
2.18. De salientar que apenas dois ... votaram contra a aprovação de elaboração deste plano de pormenor, entre os quais o K..., eleito na lista do ..., mas não pelos motivos imputados ao recorrente mas apenas e tão só pelo facto de ter “visão de desenvolvimento da cidade que não passava pelo crescimento daquela zona (…)” e também referiu que naquela zona “houve um crescimento urbano grande e disse até (…) já que vão fazer um plano pormenor , então, alarguem os limites e englobem toda aquela zona limítrofe que está a crescer imenso” – .
2.19. A testemunha K... apenas manifestou a sua discordância por entender que havia uma orientação da U...incorrecta na sua definição de crescimento, e também porque “os condicionantes que esse plano de pormenor punha ao promotor para fazer esse plano de pormenor eram tais que a pessoa ia gastar dinheiro e não chegava a conclusão nenhuma”-.
2.20. Mais, disse ainda que “um promotor seria louco, gastar dinheiro, não sei quanto, mas algum para fazer um plano pormenor que tinha tantas condicionantes que não lhes dava nenhuma garantia de sucesso económico que normalmente os promotores neste caso procuram ter” -.
2.21. A testemunha EE..., ... do planeamento, obras particulares, obras municipais, administração geral e nos últimos três anos como vice-presidente questionado sobre a mensagem que AA... lhe enviou telefonicamente e sobre se o abordou questionando o caso da Quinta de … disse que sim, com naturalidade, e que da sua parte houve sempre atitude de falar com qualquer dos ...es que o contactavam para saber do “ponto de situação” dos processos pendentes – .
2.22. O Engenheiro EE... diz que inclusive é com alguma frequência que os ... lhe perguntam sobre processos, e sempre entendeu como seu dever de dar conhecimento da situação de cada um dos processos - .
2.23. Refere terminantemente que não houve nem nunca sentiu qualquer pressão, qualquer posição, no sentido de favorecer a Associação, disse ainda ser normal o facto de vários ...es, sobre várias matérias, lhe perguntarem e lhe pedirem se o processo demorava muito e se era possível o processo ser rapidamente apreciado… nunca isso pesou na sua decisão -.
2.24. Tanto mais que foi aprovada a elaboração do Plano Pormenor e a Associação ... não o elaborou porque não tinha interesse, uma vez que não acautelava a situação dos equipamentos, questão essa suscitada pelo senhor AA... na deliberação de aprovação.
2.25. Importa, no que ao direito se respeita, em primeiro lugar, referir que os impedimentos são um corolário do princípio constitucional da imparcialidade inserido no artigo 266 º, nº 2 da CRP, e que traduzem a proibição para os órgãos e agentes da administração de tomarem decisões sobre assuntos em que estejam pessoalmente interessados, de forma directa ou indirecta, bem como de celebrarem ou tomarem parte em contratos celebrados com a administração.
2.26. Com os impedimentos o titular do órgão fica impedido de actuar não por razões abstractas que se prendam ao próprio cargo mas por razões concretas que respeitam à própria pessoa que ocupa um determinado cargo e aos interesses que ele possa ter naquela decisão.
2.27. Os impedimentos estão taxativamente elencados no artigo 44 º do CPA, estando o caso presente incluído na alínea a) do n º 1 por ser mero associado de uma Associação sem fins lucrativos em relação à qual foi sujeita à apreciação do executivo camarário a proposta de elaboração de estudos de um Plano Pormenor.
2.28. Em que o único interesse da ... era o de lhe ver diminuído o montante das rendas.
2.29. Acresce que o acto não foi impugnado, nos termos da Lei.

III - Crime de financiamento partidário ilícito
3.1. O douto Acórdão recorrido condenou o Recorrente pela prática do crime previsto no art. 28º, nºs 3 e 4 por referência ao art. 16º, nº 1, d) e nº 3 da Lei 19/2003, de 20.06, pela obtenção para a campanha eleitoral de receitas proibidas ou por formas não previstas nessa legislação.
3.2. Do nº 1 do artigo 16º da Lei 19/2003 consta que “As actividades da campanha eleitoral só podem ser financiadas por: d) Produto de actividades de angariação de fundos para a campanha eleitoral” e do nº 3 consta que “Os donativos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 podem ser obtidos mediante o recurso a angariação de fundos, estando sujeitos ao limite de 60 vezes o valor do IAS por doador, e são obrigatoriamente titulados por cheque ou por outro meio bancário que permita a identificação do montante e da sua origem.”
3.3. Ora se, contrariamente ao que consta do decidido, a Lei não impõe, expressamente, nem de forma indirecta, a identificação do titular da doação, ou como além consta, que os donativos sejam nominados pelo verdadeiro doador, não pode o julgador ir mais longe do que a própria letra da lei permite, ou seja a exigência da titulação por meio bancário, com identificação do montante e origem.
3.4. No crime em causa se o legislador tivesse pretendido, em nome do dito princípio da transparência, a identificação nominativa do doador tê-lo-ia dito, em previsão expressa, não deixando margem a dúvida, menos ainda criando caminhos interpretativos em nome dos princípios gerais.
3.5. A actuação do Recorrente, no rigor da letra da Lei, afigura-se inteiramente lícita e conforme às regras previstas para o financiamento partidário. Isto porque, por um lado, o donativo de LL... foi obtido através de angariação de fundos promovida pelo Recorrente, tal como previsto na alínea d) do nº 1 do art. 16º da Lei 19/2003, por outro, o seu montante respeitava o limite quantitativo previsto no nº 3 da Lei 19/2003 e, por último, tal donativo foi titulado por cheque, mecanismo bancário que permitiu a identificação do montante e da sua origem.
3.6. Do ponto de vista subjectivo, não pode afirmar-se a existência do dolo do tipo, porquanto o Recorrente não actuou como actuou com intenção consciente de subverter as regras legalmente impostas para o financiamento da campanha eleitoral, antes e tão só no estrito cumprimento das regras legais e em respeito pela solicitação pessoal de LL... no sentido de não ser tornada pública a sua contribuição financeira.

IV - Crime de Tráfico de influências
4.1. O Tribunal a quo condenou o Recorrente pela prática de um crime de tráfico de influências previsto e punido pelo artigo 335º, nº 1, b), normativo que dispõe que “Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para abusar da sua influência, real ou suposta, junto de qualquer entidade pública, é punido: b). Com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, se o fim for o de obter uma qualquer decisão lícita favorável.”
4.2. Em face da prova produzida em sede de audiência de julgamento, não pode concluir-se ter ocorrido qualquer promessa, solicitação ou aceitação de qualquer vantagem patrimonial ou de qualquer outra espécie entre o ora Recorrente e LL..., constituindo a entrega de montantes realizada por LL... um simples contributo económico destinado ao financiamento da campanha eleitoral do ZZ... de Y... nas autárquicas de Outubro de 2005, e, posteriormente, para auxiliar o ora Recorrente a solver compromissos bancários que havia assumido por conta dessas mesmas eleições, no cumprimento do compromisso que o empresário havido assumido nesse sentido.
4.3. Ademais não pode afirmar-se que o ora Recorrente tenha abusado de influência junto de uma entidade pública, ou pudesse vir a fazê-lo posteriormente, desde logo pela simples razão de não possuir uma tal influência na U......, pois, por um lado, pertencia à oposição e não ao partido que estava no poder, por outro, isoladamente, o seu voto não seria apto a determinar ou condicionar qualquer decisão, sendo igualmente certo que, tal como resultou (quase em uníssono) dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento pelos demais ...es, nunca o ora Recorrente tentou influenciar o sentido de voto a adoptar.
4.4. Ainda com referência ao tipo objectivo de ilícito previsto na alínea b) do nº 1 do art. 335º do CP, não se vislumbra, salvo o devido respeito, como pode o Colectivo dar como provado o “fim de obter uma decisão lícita favorável”, quando o ora Recorrente votou favoravelmente o decretar dos dois embargos erigidos ao empreendimento ... e, como tal, num sentido que se revelava desfavorável aos interesses de LL... (cfr. declarações do arguido na acta da WWW... bem como o despacho do Presidente da U......
4.5. Com efeito, resulta à saciedade em face da prova produzida em audiência que o voto do ora Recorrente traduziu sempre a expressão clara do sentido da defesa do interesse público e não dos interesses do empresário, interesse público esse assumido na expressão do depoimento do Presidente da U......, à data, MM... –.
4.6. Em face da prova produzida, não se mostra preenchido o dolo do tipo, por ausência de consciência e vontade da prática de qualquer ilícito, inexistindo qualquer correlação entre os montantes disponibilizados por LL... ao ora Recorrente e a sua actuação no âmbito da U...... em especial com referência à questão dos “...”, actuação essa que se mostrou até contrária aos interesses do empresário.




V. Liquidação

5.1. Para efeitos do sistema especial de perda, a lei (Lei nº 5/2002, de 11.01) prevê uma repartição do ónus da prova, de tal forma que a diferença entre o património efectivo do arguido e aquele que corresponderia ao seu rendimento lícito é considerado como uma vantagem proveniente de actividade criminosa (art. 7º, nº 1), presunção que pode ser afastada pelo arguido, no caso de apresentar prova contrária.
5.2. O que cumpria ao Tribunal a quo ter apurado, num quadro de estrita legalidade, era esse concreto valor considerando a liquidação constante da acusação, a qual, nesta matéria, fixa o objecto do processo e é por ela delimitado.
5.3. E depois de efectuada a liquidação, esta pode ser alterada, dentro dos prazos fixados no art. 8º, n.º 2, "se houver conhecimento superveniente da inexactidão do valor antes determinado" (art. 8º, n.º 3).
5.4. O regime legalmente previsto não foi respeitado, porquanto o Ministério Público, conhecido o resultado das perícias efectuadas por peritos da Administração Tributária não alterou o valor, no prazo previsto no nº 3 do art. 8º, sendo como é certo que a razão de ser do nº 1 do mesmo normativo é precisamente a de dar a conhecer ao arguido o valor exacto da quantia que se pretende perdida a favor do Estado e cuja inexactidão veio a ser discutida em julgamento, obstando a um verdadeiro exercício do contraditório em face duma nova realidade apurada. A falta de alteração da liquidação, dentro do prazo legal, constitui não apenas uma omissão essencial que compromete a descoberta da verdade de forma irremediável, mas também a preterição de formalidade impeditiva do exercício do contraditório o que importa a nulidade prevista no art. 120º, n.º 2, al. d) do CPP.
5.5. Assim, em audiência, em verdadeira instrução acusatória, o Tribunal a quo substituindo-se ao Ministério Público contrariou a própria prova pericial, organizou um novo formato probatório, destituiu de sentido o rigor da analise fiscal da perícia e “classificou” novos actos patrimoniais que integrou na diferença que assim encontrou para efeitos do disposto no art. 7º, nº 1, da Lei 5/2002, de 11.01,
5.6. Certo é que e pese embora partindo da liquidação inicial, as testemunhas – técnicos de contabilidade - sublinharam e esclareceram as dúvidas quanto ao rigor e correcção dos resultados apurados pelos Senhores Peritos da Administração Fiscal.
5.7. Entende-se por isso que numa evidente proibição do exercício do contraditório e secundados na opinião dos contabilistas ouvidos em audiência, atentos os esclarecimentos prestados, que é indevida a qualificação e imputação do ilícito base da liquidação e que só esta permitiu que erroneamente se mantivesse.
5.8. De facto, nessa senda, o Tribunal a quo ignorou em itens particularmente relevantes a perícia por si ordenada, sendo como era prova vinculada, já que dispõe o art. 163º, nº 2, do CPP que Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência, a qual não é fundamentada antes e apenas efectuada.
5.9. Vejamos. Refere o douto acórdão que “ O tribunal deu credibilidade à referida perícia para além do mais, por a mesma ter sido elaborada por peritos nomeados pelo próprio tribunal, que por isso, necessariamente apresenta isenção e rigor. Além do mais, da análise da mesma conjugada com os documentos acima referidos, não se evidenciam incongruências ou erros que lhe retirem credibilidade, antes pelo contrário entendemos estar a mesma devidamente fundamentada, coligindo todos os elementos documentais, contabilísticos, fiscais e bancários que estavam disponíveis nos autos”.
5.10. Assim como refere que “A convicção do tribunal atinente ao valor das entradas nas contas do arguido referidas em 4., resultou da conjugação entre a perícia elaborada nos autos a fls. 3181 e segs., e os elementos bancários juntos aos autos nos apensos 1 a 7 e que nos permitiu concluir que para além do valor já corrigido das entradas no relatório pericial em questão a fls. 3239, (…) também deverão ser descontadas as quantias referentes (…)” – sublinhado nosso.
5.11. Assim apesar de considerar que a perícia “apresenta rigor e isenção”, o tribunal corrige e desconta inúmeras quantias que não foram consideradas quer na 1ª, quer na 2ª perícias efectuadas, designadamente
a) No que concerne à conta do Banco Santander com o n.º … “ e no qual relativamente ao ano de 2001 foi descontado o valor de 138,12€, relativo a um estorno de 27.690$00, movimento de 22.02.2001, também deverão ser descontadas as quantias referentes aos movimentos do dia 1.02.2001, por se tratarem de valores referentes a estornos e que por isso não foram por nós consideradas como entradas a crédito, conforme resulta do extracto de fls. 19 do apenso 6., tendo sido efectuada a respectiva dedução.”
b) O ano de 2002 “foram considerados os valores constantes da perícia a fls. 3241, sendo que o valor de 1.076,99€, de 24.06.2002, por se tratar de movimento anulado também por nós não foi considerado como valor a crédito no quadro referido em 4.”
c) “Porém, contrariamente ao quadro de fls. 3241, do Relatório de Perícia, o valor de 2.594,00€ por ser uma transferência a crédito, embora entre contas, terá que se considerar que efectivamente entrou na conta em causa, sendo expressamente referido no ponto 5.1 al. b) para posterior aferição da sua eventual dedução (...)”.
d) No ano de 2004 “também o valor de 5.563,88 referente ao movimento de 26.01.2004, a que alude o quadro de fls. 3243, por constituir uma transferência a crédito, embora entre contas, terá de se considerar que efectivamente entrou na conta em causa.
e) Quanto à conta do Banco Santander com o n.º …, e no que respeita ao ano de 2002 “foi considerado o valor de 50.243,09 referente ao movimento de 11.09.2002, a que alude o quadro de fls. 3246, por constituir uma transferência a crédito, embora entre contas, que terá de se considerar que efectivamente entrou na conta em causa.”
f) No que tange à conta do Banco Santander com o n.º … “foram considerados como entradas todas as transferências entre contas no sentido já acima referido.
g) Relativamente à conta do Banco Santander com o n.º … “foram considerados os valores efectivamente entrados em conta através de depósitos em numerário efectuados por AA...(conforme se extrai da respectiva assinatura) na conta em apreço, que pese embora dos elementos disponíveis nos autos seria titulada pelo seu filho BB..., mas era dominada e utilizada pelo pai em seu benefício. O ora arguido AA..., à semelhança do que sucedia com as contas por si co-tituladas, conforme se extrai da própria alegação do arguido, na contestação que apresentou, de que as quantias aì depositadas faziam parte de um empréstimo concedido ao arguido ... (cfr.fls.2809-art.52º e 53º), e nas justificações que apresentou em audiência para ilidir a presunção quanto à proveniência ilícita das quantias nesta depositadas e que não lograram a credibilidade do tribunal, por não se mostrar assente em qualquer meio consistente e credível a sua licitude.”
h) No que se refere à conta da Caixa Geral de Depósitos n.º … “o tribunal entendeu considerar como entradas quer o valor das entradas dos sócios, dos alegados empréstimos e do depósito em numerário no valor de 16.5000,00€ e ainda o valor referente à avença, por se tratar de valores que efectivamente deram entrada na conta em causa”.
i) Com referência à conta da Caixa Geral de Depósitos n.º … “mais uma vez o tribunal considerou como entradas em conta os valores relativos a transferências entre contas, proveitos e prestações suplementares, por se tratar de valores entrados a crédito nas contas, conforme se extrai de fls. 246 a 248 do apenso 1, sem prejuízo da sua consignação no ponto 5.5., para posterior aferição da sua contabilização.
j) Quanto à conta do BCP com o n.º … “foram os valores referidos no ponto 5.6. considerados como entradas a crédito no quadro descrito em 4., uma vez que todos eles deram entrada na conta e por tal facto se têm de considerar valores entrados, conforme se extraí do teor de fls.79 a 105 do apenso 2”.

5.12. Sem prejuízo dos valores constantes da Contestação e que o arguido demonstrou e que deveriam ter sido considerados nas correcções/alterações, de forma detalhada:
a) Na conta n.º … do Banco Santander, no ano de 2001 e por referência ao ponto 5.1. a) foi deduzido 198.52€;
b) Na conta n.º … do Banco Santander, no ano de 2002 e por referência ao ponto 5.1.b) foi deduzido o valor de 2,594.00€;
c) Na conta n.º … do Banco Santander, no ano de 2004 e por referência ao ponto 5.1. c) foi deduzido o valor de 5,563.88€;
d) Na conta n.º5 … do Banco Santander, no ano de 2002 e por referência ao ponto 5.2. a) foi deduzido o valor de 75,243.09€;
e) Na conta n.º … do Banco Santander, no ano de 2002 e por referência ao ponto 5.3. a) foi deduzido o valor de 3,198.98€;
f) Na conta n.º … do Banco Santander, no ano de 2003 e por referência ao ponto 5.3. b) foi deduzido o valor de 890.00€;
g) Na conta n.º … do Banco Santander, no ano de 2004 e por referência ao ponto 5.3. c) foi deduzido o valor de 6,485.26€;
h) Na conta n.º … do Banco Caixa Geral de Depósitos, no ano de 2003 e por referência ao ponto 5.4. a) foi deduzido o valor de 32,130.00€;
i) Na conta n.º … do Banco Caixa Geral de Depósitos, no ano de 2004 e por referência ao ponto 5.4. b) foi deduzido o valor de 42,840.00€;
j) Na conta n.º … do Banco Caixa Geral de Depósitos, no ano de 2005 e por referência ao ponto 5.4. c) foi deduzido o valor de 32,310.00€;
k) Na conta n.º … do Banco Caixa Geral de Depósitos, no ano de 2003 e por referência ao ponto 5.5. a) foi deduzido o valor de 15,000.00€;
l) Na conta n.º … do Banco Caixa Geral de Depósitos, no ano de 2004 e por referência ao ponto 5.5. b) foi deduzido o valor de 13,500.00€;
m) Na conta n.º … do Banco BCP, no ano de 2002 e por referência ao ponto 5.6. a) foi deduzido o valor de 4,000.00€;
n) Na conta n.º … do Banco BCP, no ano de 2003 e por referência ao ponto 5.6. b) foi deduzido o valor de 12,000.00€;
o) Na conta n.º … do Banco BCP, no ano de 2004 e por referência ao ponto 5.6. c) foi deduzido o valor de 10,000.00 €;
p) Na conta n.º … do Banco BCP, no ano de 2005 e por referência ao ponto 5.6. d) foi deduzido o valor de 2,680.00€;
q) A que acresceu: na conta n.º … do Banco Caixa Geral de Depósitos no ano de 2003 5.000,00€ e na conta n.º … do mesmo banco referente ao ano de 2004 13.500,00€.

5.13. Do que resulta que o Tribunal a quo fez uma 1ª operação: teve em consideração os rendimentos líquidos constantes das declarações fiscais do recorrente. Rendimentos que têm por base a primeira perícia efectuada e não “na sequência de inspecção tributária” como afirmam no ponto 2 de fls. 20 do douto acórdão.
5.14. Numa 2ª operação, apurou todas as entradas nas contas da esfera ou domínio de AA..., representadas no quadro 4, fls. 22 do douto acórdão.
5.15. Na 3ª operação justificou e corrigiu uma série de movimentos documentados nos autos baseado nas perícias e na contestação à liquidação apresentada pelo arguido e deduziu-os a estas importâncias (ou seja deduziu-os à diferença encontrada entre a primeira e a segunda operações).
5.16. De notar que todas estas operações de adição e subtracção incluem movimentos das contas da empresa ... – mesmo da altura em de que AA... já não fazia parte – ou seja nenhum dos movimentos ou operações realizados pela ... não deveriam ser aqui considerados uma vez que estão incluídos na contabilidade e fluxo financeiro da empresa.
5.17. Não obstante, são alvos de correcção os pontos 5.4 e 5.5 que correspondem ao capital social de constituição da ... e prestações suplementares dos sócios à ....
5.18. Ainda assim o tribunal dá como não provado que “o depósito de 30.000,00€ em numerário, efectuado em 31/03/2003, na conta bancária nº … no Banco Millenium/BCP, Titulada por AA... e por BB... é um depósito em dinheiro para pagamento parcial de um empréstimo que foi concedido ao arguido pelo Sr. …, empréstimo esse do montante global de 75,000.00€” – cfr. al. a) de fls. 32 do douto acórdão.
5.19. A verdade é que aquando da inspecção tributária que AA... foi alvo em 2008, esse depósito foi questionado pelo Senhor Inspector Tributário, a justificação foi a apresentada e a considerada aceite, ou seja fiscalmente este depósito está justificado, como consta do relatório junto aos autos.
5.20. Também assim é em relação ao “depósito de 16.500,00€ em numerário, efectuado em 4/04/2003 na conta n.º … na CGD/Leiria, em nome da ..., Lda resulta de um empréstimo da sócia NN..., que o realizou por meio de depósito em dinheiro no dia 4/42003, com vista à satisfazer dificuldades de falta de liquidez na tesouraria da dita sociedade, que a sociedade restituiu à credora e que tal operação foi devidamente registada na contabilidade” – cfr. al. b) de fls 32 do douto acórdão
5.21. Também este depósito foi sujeito a procedimento inspectivo no âmbito da inspecção tributária e aí considerado justificado.
5.22. Na verdade o depósito em causa foi feito quando a ..., Lda atravessava uma grave crise financeira, e para que desta forma pudesse suportar os compromissos assumidos, designadamente com impostos, segurança social e fornecedores. Tal operação ficou devidamente registada na contabilidade pelo Documento 04040004, com data de 30.04.2003.
5.23. No que respeita aos montantes recebidos pela ..., estamos perante uma omissão de pronúncia porquanto as importâncias recebidas para pagamento de despesas não foram corrigidas, foram ignoradas, assim
5.24. Do cheque n.º 844312 de 05.07.2002 do Banco Santander, do montante global de 906.80€ apenas 380.00€ correspondem a rendimento, sendo que 526.80€ dizem respeito a reembolso de despesas feitas por conta e à ordem da sociedade ..., constituindo despesas que não podem ser incluídas na categoria de rendimentos.
5.25. Do cheque n.º 760301 de 05.08.2002 do Banco Santander Totta, do montante global de 971.50€ apenas 280.00€ constituem rendimento e 691.50€ dizem respeito a reembolso de despesas feitas por conta e à ordem da sociedade ..., constituindo despesas que não podem ser incluídas na categoria de rendimentos.
5.26. Do cheque n.º 760318 de 05.09.2002 do Banco Millenium BCP, do montante global de 979.55€ apenas 500.00€ constituem rendimento e 479.55€ dizem respeito a reembolso de despesas feitas por conta e à ordem da sociedade ..., constituindo despesas que não podem ser incluídas na categoria de rendimentos.
5.27. Do cheque n.º 760356 de 26.11.2002, do montante global de 851.75€ apenas constituem rendimento 600.00€ e 251.25€ dizem respeito a reembolso de despesas feitas por conta e à ordem da sociedade ..., constituindo despesas que não podem ser incluídas na categoria de rendimentos.
5.28. Adquirindo como exemplo o total das entradas na conta do BCP do ano de 2002 que totaliza 11.031,30€ conforme representado no quadro 4 a fls. 22 e que inclui (entre outros) oi depósito de dois cheques emitidos pela ... que reembolsou despesas efectuadas por conta e nome da ... que embora não sejam rendimentos está claramente identificada a sua proveniência e consequente licitude, pelo que não se percebe o critério usado pelo Tribunal.
5.29. No ponto 5.6. no que tange à conta n.º …do Banco BCP no ano de 2004, titulada pelo filho do arguido AA..., BB..., o Tribunal considera e justifica alguns montantes como vencimentos de BB... e outros não. Ora, todos os valores depositados correspondiam, na sua integralidade, a remunerações daquele, pelo que também aqui não se percebe o critério de especificação e de admissibilidade quanto a valores justificados e não justificados.
5.30. No quadro 2, relativo aos rendimentos líquidos, não foram considerados os rendimentos isentos, ou seja os rendimentos que, NOS TERMOS DA LEI, não são objecto de declaração, porque isentos, designadamente subsídios de alimentação, os quais não foram somados neste quadro.

5.31. Apesar das inúmeras correcções e alterações cumpriria ainda corrigir:
5.32. O movimento em 06.02.2003 no montante de 6,000.00€ que consubstancia um empréstimo concedido à sociedade ..., em 06.02.2003, por uma sócia, lançado na conta 255101 – Sócios c/empréstimos – NN…, e reembolsado em 01.10.2003, tratando-se de uma mera operação financeira entre sócio e sociedade, que nada tem a ver com o arguido.
5.33. O depósito de 30.000,00€ em numerário, supra referido, efectuado em 31.03.2003 na conta n.º … no Banco Millenium/BCP, titulada por AA... e por BB... que constitui um depósito em dinheiro para pagamento parcial de um empréstimo que foi concedido ao arguido pelo Senhor …, empréstimo esse do montante global de 75,000.00€
5.34. O também supra mencionado depósito de 16,500.00€ em numerário, efectuado em 04.04.2003 na conta n. … no Banco Caixa Geral de Depósitos em Leiria, em nome da ..., Lda que resulta de um empréstimo da sócia NN..., que o realizou por meio de depósito em dinheiro no dia 04.04.2003, com vista a satisfazer dificuldades de falta de liquidez na tesouraria da dita sociedade e que a sociedade restituiu à credora.
5.35. Como já referido esta operação foi devidamente registada na contabilidade da empresa.
5.36. Os depósitos em numerário da conta n.º …, no Banco Santander Totta, titulada por BB...:
k) Em 24.01.2005 o montante de 5,100.00€;
l) Em 25.01.2005 o montante de 6,000.00€;
m) Em 27.01.2005 o montante de 6,000.00€;
n) Em 03.02.2005 o montante de 5,000.00€;
o) Em 01.03.2005 o montante de 32,000.00€.

5.37. Os depósitos referidos em a), b) e c), respectivamente de 5,100.00€, 6,000.00€ e 32,000.00€ fazem parte do empréstimo concedido ao arguido pelo Senhor …
5.38. Quanto ao depósito de 10,000.00€ em numerário, efectuado em 02.09.2005, na conta … no Banco Santander Totta, Balcão de Y..., que deste montante a quantia de 5.000,00€ é uma contribuição recebida pelo arguido destinada ao ZZ..., estando a mesma devidamente documentada e justificada na contabilidade do referido Partido Politico.
5.39. Os restantes 5.000,00€ constituem um donativo em dinheiro recebido da irmã do arguido, Senhora Dra. NN....
5.40. Na conta n.º … do Banco Santander Totta no ano de 2002 pagamento de cheque do montante de 303,85€.
5.41. Na conta n.º … do Banco Santander Totta no ano de 2002 cheque no valor de 25,000.00€ que constitui entrada em simultâneo com o movimento anterior, é um movimento meramente financeiro, não é rendimento.
5.42. Na conta n.º … do Banco Santander Totta no ano de 2002 depósito de cheque n.º 655919 no valor de 250.00€; cheque n.º592574 no valor de 12,500.00€; cheque n.º 251106 no valor de 20,000.00€; cheque n.º353384 no valor de 250.00€ que perfaz o valor global de 33,000.00€, são todos cheques do Senhor Dr. FG... e que resultam de importâncias doadas à ex-mulher que era familiar e herdeira.
5.43. Constatada fica a contradição insanável entre os factos provados e os não provados, o erro notório na apreciação da prova por violação do disposto no art.º 163º do CPP.
5.44. Isto porque o juízo técnico é ignorado para o efeito das correcções admitidas no decidido e violado no seu próprio princípio, nas correcções não admitidas mas que obedeciam ao critério subjacente à perícia.
5.45. Este juízo dos peritos é um juízo técnico/científico e foi postergado pelo Tribunal que procedeu a inúmeras alterações e correcções daquele relatório pericial, as quais, na sua maioria decorrem da prova produzida pelo arguido.
5.46. O tribunal para não acatar tal juízo teria de ou partir duma base factual diversa daquela em que se basearam os peritos (o que não aconteceu), ou renovar a perícia (ordenando uma terceira perícia) por outros peritos se esta divergisse do juízo pericial anterior. O que o tribunal não pode fazer é contrariar o juízo pericial na base duma argumentação puramente técnico/jurídica.
5.47. Como refere o Prof. Germano Marques da Silva [Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, 1999, pp. 178/179] só na base de argumentos da mesma natureza, ou seja, só na base doutros argumentos periciais poderia o tribunal divergir do juízo técnico/pericial. O julgador só poderia arredar a conclusão inscrita no parecer técnico com fundamento noutra crítica material da mesma natureza.
5.48. Violou-se a regra da prova constante do art. 163º do CPP, ou seja, uma «lex artis» –, o que configura erro notório na apreciação da prova (art.º 410º/2 alínea c) do CP)].


VI – os vícios

A nulidade da sentença (em razão da não valoração das declarações do arguido e da valoração em sentido contrario ao declarado e ao que resulta dos documentos das declarações de CC...

Nulidade que igualmente se invoca por violação ao disposto no art. 379º, 1 – c), do CPP por não observar e omitir os elementos de prova relevantes à garantia de defesa dos direitos do arguido, as suas declarações, desconsiderar as provas apresentadas, não conferindo qualquer valor ao que em seu favor resultava da prova produzida, desvalorizando a prova oferecida e omitindo elementos de prova e subvertendo a prova pericial o acórdão contraria o principio estruturante de todo o processo penal – presunção da inocência.

O Tribunal a quo omite decisão quando valora a prova pericial por ser favorável ao juízo condenatório e quando a altera nos seus princípios ser favorável ao arguido.

Quanto à matéria de facto - Erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no art. 410º, nº 2, alínea c) do CPP, porquanto, alterado o pressuposto fáctico ilícito em que assentava a acusação/pronuncia a apreciação da prova foi feita mediante um pré-juizo concreto construído a partir daquela realidade e que a fundamentação, na sua ratio, não abandona.

Só a manifesta vinculação ao pressuposto decidido justifica que se recorra a argumentos como a corrupção sem acto quando a mesma partia dum procedimento concreto.

O erro de julgamento conduz ao erro de direito e à violação do principio da legalidade quanto à sucessão de leis.

Omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art. 410º, nº 1, do CPP, desde logo nas consequências da destituição do juízo pericial profunda e substancialmente modificado pelo decidido, sem que se tenha procedido, nos termos da Lei à alteração da Liquidação.

O rigor da perícia é posto em causa, desde logo, pela diversidade de alterações por falta de juízo técnico, de pessoas cientificamente credenciadas, com a mesma razão cientifica.

Suscita-se a violação do direito de defesa do arguido porquanto a prova pericial, constituída por 2 perícias dos mesmos peritos foi ainda posteriormente alterada pelo Tribunal.

Alteraram-se os pressupostos da liquidação e não permitiriam contraprova na concepção judicatória do Tribunal a quo, sendo que o art. 32.º da Constituição impõe que se assegurem ao arguido os direitos de audiência e de defesa.

Tanto mais que o principio da legalidade impõe o estrito cumprimento das formalidades e o erro nos pressupostos da conclusão pericial, consistente na deficiente interpretação dos resultados obtidos e na veracidade destes, impõe que se reafirmem os princípios gerais do ordenamento jurídico - os factos que sirvam de causa do evento devem ser sempre verdadeiros.

A que acresce a inconstitucionalidade da interpretação da norma contida no preceito do art. 163º, nº 1 do CPP por violação do principio do contraditório e do direito de defesa, enquanto garantia constitucional – art. 32º da CRP, que tudo põe em crise direitos liberdades e garantias que a Constituição consagra e a lei confere.




Normas Jurídicas Violadas: Arts. 17º, nº 1 da Lei 34/87, de 16 de Julho , na redacção que lhe foi conferida pela Lei 108/2001de 28 de Novembro; art. 26º, nº 1, da Lei 34/87, de 16 de Julho, com referencia aos arts. 3º, nº 1, alínea i) do mesmo diploma legal e art. 4º, nº 2, alíneas b) e c), redacção da Lei 52-A/2005, de 10.10, do Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei nº 29/87, de 30.06, art. 28º, nºs 1, 3 e 4 da Lei 19/2003, de 20.06, com referência ao art. 16º, nº 1, aliena d) e 3 do mesmo diploma e art. 335º, nº 1, alínea b) do CP (redacção da Lei 108/2001, de 28.11), arts. 372º e 373º do CP, arts. 2º, nº 4 e arts. 4º e 14º, art. 31º, nº 1, do CP; arts. 56º a 64º e 90º, nº 6, da Lei 169/99, de 18.09; art. 19º da LOSTA, arts. 24º, 32º e 266º, nº 2, da C.R.P.; Arts. 125º, 163º, nº 1 e 2, 379º, nº 1, alínea c) do C.P.P.; arts. 44º e 51º, nº 1 e 136º do CPA, e arts. 7º e 8º da Lei 5/2002.

Princípios Jurídicos Violados: Princípio da legalidade, Princípio da legalidade da prova, Principio das garantias de defesa do arguido, Princípio in dubio pro reo

Pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados - Art. 412º, n.º3 a) do CPP
Dos factos provados

Pontos: 2.13; 2.14 – (matéria – Crime de Corrupção Passiva para Acto Licito) relativos à quantia entregue por CC... a AA...

Pontos: 4.1; 4.2; 4.3; 4.5; 4.6; 4.14; 4.15; 4.19; 4.20 – (matéria – Crime de Abuso de Poder/“Acordo Social”)

Pontos: 5.3; 5.4 – (matéria - Crime de Financiamento Partidário Ilícito)

Pontos: 6.1; 6.2; 6.3; 6.5 – (matéria – Crime de Tráfico de Influências)

Pontos: 1; 2; 3; 4; 5.1., 5.2., 5.3., 5.4., 5.5., 5.6., 6., 6.1., 6.2., 7., 7.1., 7.2., 7.3., 7.4., 7.5., 7.6., 7.7., 7.8., 8., 8.1., 8.2., 8.3., 8.4. – (matéria relativa à liquidação).

Dos factos não provados

Ponto: 2 e) - (matéria – Crime de Corrupção Passiva para Acto Licito)

Ponto: 4 a) - (matéria – Crime de Abuso de Poder/“Acordo Social”)

Da Liquidação: a); b); c); d); e); f); g); h)

Em cumprimento do disposto no art. 412º, n.º3 b), do CPP, indicam-se as concretas provas que impõem decisão diversa:

Quanto ao Crime de Corrupção Passiva para Acto Licito
Cópia dos cheques de fls. 1491 a 1494; Declarações de AA... –; Declarações de CC...; Depoimento de GG... –; Depoimento de FF... –; Depoimento de H... –; Depoimento de II… –.

Escutas telefónicas de fls. 21,22,27,28,41,42 a 44, 46,47,49,79 do Apenso A.

Docs. de fls. 152 a 160 (compra do carro na ... pela irmã do arguido)

Quanto ao Crime de Abuso de Poder/“Acordo Social”

Fls. 1040 a 1043 (“Acordo Social”); fls. 1055 (Contrato promessa); Transcrições constantes do Apenso B de 24/11/2005 a fls. 108 e ainda de 04/11/2005 a fls. 307; Depoimento de FF... -; Declarações de AA... -; Acta n.º 28 da Assembleia Geral da Associação ... fls. 3474 a 3487 e de acta n.º26 de 09/09/2005 fls. 3550 a 3561; Docs. fls. 1220 a 1226 (protocolo e contrato promessa de compra e venda fls.1227 (commitment letter) e fls. 1236 a 1240, 1244 a 1246 – cópias simples sem assinaturas).

Quanto às escutas: Conversa entre AA... a OP... a fls. 92 e 93 e acta de fls. 3558 a 3561; dia 04/11/2005 (garantia das rendas) e “commitment letter a fls. 3 a 7; dia 16/11/2005 e 24/11/2005 a fls 54 a 56 e 86 a 88 e contrato a fls. 1222; dia 24/11/2005 a fls. 105 a 113 do apenso A; dia 07/01/2006 a fls. 12 a 30.

Docs. a fls 1773 e 1774; docs. a fls. 1046 a 1050 (acordo de prestação de serviços; docs. a fls 2505 a 2572 (relatório da inspecção tributária ); docs a fls. 192 e 193; docs. a fls. 178 a 180 e fls 1169 a 1171 (conservatória do registo comercial); fls. 2535 a 2537 (gerência de BB… após a saída de AA...).

Escutas telefónicas com transcrição no apenso A – a fls. 18 a 62 do apenso B e ainda o teor dos docs. a fls. 1093 a 1095.

Docs. a fls. 1060 a 1064 (anexo ao balanço e à demonstração de resultados); fls. 2505 s 2580 (relatório das finanças); Depoimento da testemunha KK... .

Docs. a fls. 187 a 192, 197 do apenso 1 (relativo a extractos e documentação bancária da C.G.D. titulada pela “...”); fls. 1046 a 1050 (acordo de prestação de serviços ...); Depoimento da testemunha QQ...; doc. a fls. 1044 a 1045; doc. a fls. 1648 a 1669 e de fls. 1241 a 1243 (documentos camarários); Depoimento de EE... –.

Escutas telefónicas: fls. 65, 130 a 132, 133 a 143, mensagem a fls. 144 a 150 Apenso A, de fls. 6 a 9, 38 do Apenso B; fls. 124 a 137 do Apenso A; coc. A fls. 1220 a 1226 e 1236 a 1040; fls. 68 a 70, 77 a 79, 90 a 95, 123 a 126, 130 a 143, 148 a 150 Apenso A; fls. 6 a 9, 10 a 19, 39 a 47 do Apenso B.

Doc. a fls. 1016 a 1017 (acta da reunião ordinária da CMC); fls. 1016 e 1017; fls. 1668 e 3456-A; Depoimento da testemunha K... ; escuta telefónica a fls. 30 a 37 do Apenso B; o depoimento da testemunha RR... ; escutas telefónicas a fls. 26 a 30 do Apenso B.

Quanto ao Crime de Financiamento Partidário Ilícito

Depoimento de LL... –; docs. a fls. 1886 a 1888; escutas telefónicas a fls. 14 a 15, 20 a 21, 29 a 30, 37 a 39, 44 a 45, 59 a 64, 71 a 73, 79 a 80, 82 a 84, 146 a 147 do Apenso A e fls. 4, 5, 69 do Apenso B.

Quanto ao Crime de Tráfico de Influências - ...

Depoimento de LL... –

Depoimento da testemunha SS... a fls. 3585; escutas telefónicas a fls. 14 a 15, 20 a 21, 29 a 30, 37, 38 a 39, 44 a 45, 59 a 64, 71 a 73, 76, 79 a 80, 82 a 84, 146 a 148 do Apenso A e fls, 4, 5, 58 e 59, 69 a 70 do Apenso B; Depoimento da testemunha TT... , Depoimento de MM... –docs. fls. 2176 a 2194.

Quanto à Liquidação

Perícia corrigida a fls. 3191; fls 3181;fls. 3239; fls. 19 do apenso 6;fls. 3241; quadro de fls. 3246; fls. 2809 – art. 52º e 53º da contestação); mapa da perícia a fls. 3251; docs. 1071 a 1075; fls. 246 a 248 do apenso 1; fls. 79 a 105 do apenso 2; fls. 1746 a 1754; extracto de fls. 25 do apenso 6; extracto de fls. 30 e talões de fls. 78 e 79 do apenso 6; extracto de fls. 64 do apenso 6; extracto de fls. 305 e dos talões de 326 do apenso 6; depoimento da testemunha …; docs. a fls. 1694 e 1695; mapas de fls. 3249 e 32450 e extractos de fls. 143, 150, 151, 154 a 162 e 164 e 165, 167, 168, 169, 171, 172, 173 e de fls. 175 a 179, do apenso 6; fls. 3252 e guia de depósito de fls. 207 do apenso 1; docs. a fls. 364 a 368; quadro de fls. 3254; extractos bancários de fls. 356 e de fls. 246; perícia e mapa de fls. 3254; docs. a fls. 248, 250 e 215; prestações suplementares a fls. 2833; fls. 3254 e fls. 249 do apenso 1; fls. 3255 a 3257; fls. 134 do apenso 2: docs. a fls. 152, 156, 178 e 196 do apenso 1 e fls. 145, 146, 154, 163, 164, 166, 172 do apenso 2; fls. 1780 e 1781; fls. 138, 140, 163, 170, 171, 172, 166, 168, 167 e 169, 1036, 1063 e fls. 3114 e 2532 (contrato de locação financeira; fls. 1783, 1785, 1786, 1787, 1788, 1789 a 1793; docs. a fls. 1035 e 1063; fls. 107 do apenso 2, fls. 3208, fls. 118 do apenso 6 e fls. 3202; fls. 301 e 302 do apenso 6; fls. 3199 e 31200; fls. 4 e 5 do apenso 6; fls. 3196 e 3197; extractos de fls. 1071 a 1074 e 1705 a 1718; fls. 3210 e fls. 706,58 a 1754; fls. 245 do apenso 1; fls. 3204; fls. 152 do apenso 2; docs. a fls. 2830 a 2832; fls. 2198 a 2205; fls. 3093; fls. 362; extracto de fls. 37 e talão de depósito de fls. 88; depoimento de UU... –; doc. de fls. 334 do apenso 6; quadro de fls. 3248; extracto de fls. 356 do apenso 6;

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência revogar-se o acórdão proferido substituindo-se por outro que em conformidade com o exposto no reconhecimento dos vícios invocados, da inconstitucionalidade normativa resultante da interpretação dada à norma constante do preceito contido no art. 163º do CPP, por desconforme à norma constante do preceito contido no art. 32º, nº 5 da Constituição da Republica Portuguesa , absolva o arguido dos ilícitos imputados.
**

Na resposta apresentada (fls. 3785 a 3827), para cujas conclusões se remete, a digna magistrada do MºPº junto do tribunal recorrido impugna e rebate, ponto por ponto, a motivação do recurso, concluindo pela sua total improcedência.
No visto a que se reporta o art. 416º do CPP, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual sufraga e desenvolve a argumentação aduzida na resposta apresentada em 1ª instância, concluindo no sentido da total improcedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP.
Corridos os vistos e realizado o julgamento, em conferência, com observância do formalismo legal, cumpre decidir.

***



II.
1. Tendo por referência o dever de motivação do recurso decorrente do disposto no art. 412º do CPP, constitui entendimento pacífico que, sem prejuízo dos casos em que resulte da lei o dever de conhecimento oficioso de determinadas questões, o âmbito do recurso e o consequente poder de cognição do tribunal de recurso, é definido pelas respectivas conclusões – cfr., designadamente, Germano Marques as Silva, Curso de processo Penal, 2ª ed., III, 335; Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., p. 74; Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196.
Atenta a estrutura do acórdão recorrido e da motivação do recurso, por uma questão de funcionalidade, proceder-se-á à apreciação das questões relativamente a cada crime/matéria de facto correspondente.
Dentro dos fundamentos do recurso relativos a cada crime/matéria de facto correspondente, as questões serão analisadas pela ordem de precedência lógica indicada nos artigos 368º/369º do CPP, por remissão do art. 424º, n.º2 do mesmo diploma, independentemente da ordem pela qual as questões suscitadas: nulidades da sentença, vícios do art. 410º, n.º2; matéria de facto; pressupostos do tipo objectivo e subjectivo dos crimes.


2. Nulidades da sentença
Sob o ponto “VI – os vícios” das conclusões, o recorrente invoca a nulidade da sentença.

Postula o art. 379º do CPP:
1. É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no artigo 374º, n.º 2 e na alínea b) do n.º3.
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstas nos artigos 358º e 359º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
O recorrente argui a nulidade da sentença com fundamento na “não valoração das declarações do arguido e da valoração em sentido contrario ao declarado (…) omitir os elementos de prova relevantes à garantia de defesa dos direitos do arguido, as suas declarações, desconsiderar as provas apresentadas, não conferindo qualquer valor ao que em seu favor resultava da prova produzida, desvalorizando a prova oferecida e omitindo elementos de prova e subvertendo a prova pericial (…) omite decisão quando valora a prova pericial por ser favorável ao juízo condenatório e quando a altera nos seus princípios… destituição do juízo pericial profunda e substancialmente modificado”.
Resulta da reprodução efectuada (valoração em sentido contrario… desconsiderar as provas…, não conferindo qualquer valordesvalorizando a prova … subvertendo a prova pericial… omite decisão quando valora a prova… destituição do juízo pericial”) que os fundamentos invocados pelo recorrente não se reportam a falta de pronúncia ou ausência de fundamentação, mas antes na crítica à valoração da prova efectuada pelo tribunal recorrido.
O recorrente não identifica matéria que o tribunal tivesse o dever conhecer e que não tenha sido apreciada. Criticando antes a valoração/apreciação efectuada pelo tribunal.
Por outro lado o acórdão recorrido conhece de toda a matéria da acusação e da defesa, de forma minuciosa e exaustiva
Assim, situando-se os fundamentos invocados no quadro da valoração intrínseca da prova e não da sua ausência e conhecendo o acórdão recorrido, exaustivamente, de toda a matéria de que lhe competia conhecer, improcede a arguição de nulidade.

Para a apreciação das restantes questões suscitadas, importa ter presente a decisão do tribunal recorrido em matéria de facto, com a motivação que a suporta.
***
3. A decisão do tribunal recorrido em matéria de facto é a seguinte:

MATÉRIA DE FACTO PROVADA:
-I-
A)
1.
1.1. O arguido AA... foi eleito pela primeira vez nas eleições para a autarquia de Y... em Dezembro de 1997, mandato que exerceu desde a tomada de posse ocorrida em …e até …, tendo-lhe sido atribuído em tal período, como ... em regime de permanência (a tempo inteiro), a coordenação das áreas do … e sido ainda delegadas as diversas competências referidas no despacho n.° …, de …, constante de fls. 31 e seguintes, aqui dado por reproduzido, alterado pelo despacho n.º … , nos termos do qual passaria a coordenar as áreas da …, com as competências delegadas e subdelegadas constantes do mesmo despacho, de que se encontra cópia a fls. 42 e seguintes.
1.2. A partir daquela data, …, passou a exercer o mandato para que veio a ser de novo eleito a …, como ... da oposição, sem qualquer pelouro atribuído, até às eleições para as autarquias locais que tiveram lugar a 09/10/2005, escrutínio em que voltou a ser eleito, mandatos que cumpriu até Abril de 2009, exceptuado período de suspensão voluntária ocorrido entre 24 de Abril de 2006 e 30 de Abril de 2007.

2.

2.1. Na sequência da deliberação camarária de …e autorização da WWW... de …, no âmbito do denominado “Programa Base/Estudo Prévio para o Arranjo Urbano da Praça do ...”, da autoria do Arquitecto …, coadjuvado tecnicamente pela Assessoria de Planeamento da U..., em 24/06/1999, esta procedeu à venda em hasta pública, devidamente regulamentada, de 2 lotes com as seguintes características e condicionamento:

• Lote 1:

Área – 4.662 m2;

Estacionamento – 13.911 m2 (mínima)

Comércio - 2.041 m2 (máxima)

Habitação – 1.825 m2 (máxima)

- Lote 2

Área – 701 m2;

Serviços – 527 m2

Habitação – 1.534 m2.

2.2. O primeiro dos lotes foi adquirido pela sociedade “ÇX..., Lda” e o segundo pela “X... SA” a cujo Conselho de Administração pertencia o arguido CC....

2.3. Nos termos do regulamento da citada venda, estabelecia-se, no respectivo ponto 2.5., que: “Os lotes adquiridos, ao abrigo deste regulamento, são inalienáveis até à concessão da licença de utilização pela U...l”.

2.4. Após a venda e antes da emissão da referida licença de utilização, as referidas empresas viriam a celebrar acordo entre si no sentido de unificar os referidos lotes com vista à construção de um parque de estacionamento subterrâneo de maiores dimensões, com rampas de acesso regulamentares, pela X..., SA.

2.5. O Plano Director . (PDM), no seu art. …classifica a área como zona central (C2) a sujeitar a plano de pormenor. Todavia, o referido estudo, que privilegiou o uso pedonal do espaço à superfície, acabou por ser aprovado como estudo de conjunto, tendo no âmbito do referido estudo sido considerado que o estacionamento previsto para o lote 1 cumpria as necessidades do conjunto.

2.6. No local passava uma estrutura de drenagem natural das águas, denominada runa, que se prolonga entre o Parque …e suas nascentes, passando ao longo do vale da Avª … , em direcção ao rio, tendo sido perspectivada no âmbito do citado estudo a sua deslocação no subsolo do lote 1, por forma a ficar a passar entre os dois lotes referidos.

2.7. Para que fosse possível a junção dos lotes em subsolo e construção de estacionamento subterrâneo no subsolo dos lotes 1 e 2, era necessário desafectar o subsolo de duas parcelas do domínio público ., parcelas A e B, com respectivamente 702 m2 e 320m2, com as confrontações descritas na acta nº 97, de 28.02.2000, junta a fls. 2407 a 2410, cujo teor e conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido.

2.8. A empresa “X..., SA” de acordo com a empresa “ ÇX..., Ldª” requereu ao executivo ., em 22.02.2000, autorização para a referida junção em subsolo dos dois lotes (1 e 2) por forma a poder realizar a sua unificação para construção de estacionamento, proposta discutida na reunião de U...de 28/02/2000.

2.9. Em tal assembleia o arguido AA..., no seguimento de semelhantes posições anteriormente por si assumidas relativamente ao projecto em causa, que defendeu, manifestou-se favorável ao deferimento da requerida unificação dos lotes, sendo secundado por outros ... e pelo então presidente da U…, proposta esta que veio a ser submetida à WWW....

2.10. Aliás, já se manifestara favorável à aprovação, em 17/07/2000, da proposta apresentada pelo então Presidente da U......, relativa à transacção alcançada com a aludida “X...” tendo votado favoravelmente a deliberação n.° …, que veio a decidir pela venda das parcelas desanexadas do domínio público ..

2.11. Também no âmbito do projecto de “Concepção, Construção e Exploração …”, aberto por deliberação …, a que a “X..., SA” se apresentou a concorrer, o arguido se manifestou favorável à aprovação das propostas apresentadas pela empresa, votando em conformidade a deliberação n.° …, que homologou o relatório do júri constituído para o efeito e aprovou o estudo prévio apresentado pela empresa.

2.12. O arguido AA... conheceu o arguido CC... em 1985, tendo os contactos posteriormente ocorridos entre ambos cimentado uma relação de maior proximidade.

2.13. No ano 2002 o arguido CC... concedeu ao arguido AA..., e este aceitou, a quantia de 50.000,00€, representada em dois cheques, datados de 13/03/2002 e 08/04/2002, cujas cópias constam a fls. 1491 a 1494, aqui dadas por reproduzidas, que o último veio a depositar na conta bancária de que é titular no Banco Santander Totta com o n.º … .

2.14. Tal montante, como era intenção do arguido CC... e assumido pelo arguido AA..., visava compensar materialmente a intervenção deste último nos aludidos procedimentos, vantagem patrimonial a que ambos sabiam que o arguido AA... não tinha legitimamente direito no exercício do mandato popular.

2.15. Agiram ambos livre e conscientemente, sabendo que praticavam acto proibido por lei.

*

B)

3.

3.1. Em meados do ano 2002, o arguido AA... acordou com VV..., melhor identificado a fls. 1325, sócio-gerente da sociedade “..., Lda”, com sede na …, pessoa e empresa que conhecia desde o tempo em que desenvolvia a actividade na …, como trabalhador dependente, mediante remuneração e pagamento de despesas de deslocação, passar a desenvolver actividade de consultadoria em áreas que interessassem economicamente à empresa, relacionadas com a área do ambiente, pelouro anteriormente desenvolvido pelo primeiro na U..., bem como a apresentar a empresa a interessados na aquisição das máquinas que aquela comercializava, nomeadamente junto de outras U......s municipais, para o efeito beneficiando dos conhecimentos e contactos resultantes do exercício da aludida vereação e funções autárquicas.

3.2. Tal relação desenvolveu-se efectivamente até ao final do mesmo ano, cessando então, acabando o arguido AA... por auferir um proveito total de 5.060,00€.

3.3. Ao desenvolver a sua actividade na empresa, visou o arguido obter proveitos económicos para si próprio e vantagens económicas para a aludida empresa, o que logrou alcançar, para tanto beneficiando dos conhecimentos e contactos obtidos no exercício da aludida vereação e funções autárquicas.

C)

4.

4.1. Em 09/09/2005 o arguido AA... outorgou o denominado “Acordo Social”, cuja cópia consta de fls. 1040 a 1043, aqui dado por integralmente reproduzido, destinado a estruturar, de forma articulada, as relações de cooperação e parceria que os nele intervenientes já vinham mantendo.

4.2. Nele outorgaram também FF... e OP..., todos associados desde aquela data da “Associação ...”, com sede na Quinta …, nos termos do qual se comprometiam, além do mais, a transformar aquela associação numa sociedade comercial por quotas, obrigando-se o arguido e outro a titular uma quota de, no mínimo, 6% do capital social da nova sociedade, que transferiria sucessivamente para outra sociedade, a “... –, Lda”, relativamente à qual todos se vincularam a ser sócios, à excepção do arguido AA..., cuja quota, para esse efeito, seria detida pela sociedade “... - Lda”, conforme contrato-promessa celebrado na mesma data, cuja cópia também consta a fls. 1055 a 1059, aqui dada por inteiramente reproduzida.

4.3 Em tal “Acordo Social” dois dos outorgantes obrigaram-se a acordar a atribuição ao arguido AA... e ao ali terceiro outorgante de uma verba destinada a retribuir o trabalho desenvolvido na assessoria à gestão e na implementação de projectos no interesse da “Associação ” e das sociedades envolvidas.

4.4. A “Associação ... ”, instituidora da Universidade …, cuja presidência o arguido AA... veio a assumir a partir de Outubro de … e da qual foi presidente do Conselho …desde …até à data em que foi eleito presidente da Associação, é arrendatária de um prédio pertencente à “ … ”, com sede no …, cujos sócios eram os membros fundadores daquela associação, prédio esse com uma área total de 376.400 m2, onde a referida unidade de ensino desenvolve a sua actividade e explora uma clínica de veterinária.

4.5. Esta última empresa celebrou com a “... –, S.A.”, com sede no … , com a intervenção da arrendatária, um protocolo com contrato-promessa de compra e venda do referido prédio com vista à sua urbanização, pretendida pela primeira. Nos termos das negociações havidas, a aludida associação beneficiaria, nos termos do aditamento constante de fls. 1236 a 1240, de vantagens consistentes no recebimento de valores proporcionais à área que fosse permitido edificar no local.

4.6. Para além do interesse que resultava, assim, da posição contratual da associação, o arguido AA... tinha interesse no desenvolvimento da aludida relação contratual visto que, segundo negociações havidas entre a “..., S.A.” e OP..., FF... e o arguido, havia sido acordada a distribuição de uma verba correspondente à diferença entre o valor do financiamento obtido para aquisição do referido prédio e o valor da sua aquisição.

4.7. Por outro lado, o arguido AA... havia assinado com a “..., S.A.”, a 2 de Dezembro de 2002, o denominado “Acordo de Prestação de Serviços de Consultoria”, constante de fls. 1046 a 1050, segundo o qual, entre outras obrigações, o mesmo se vinculava a prestar à aludida sociedade “com todo o seu zelo e empenho, serviços de assessoria e de consultoria na busca activa de bens imóveis e de projectos de promoção imobiliária, com o objectivo de angariar e assegurar a identificação de oportunidades de negócio no âmbito da actividade desta última, bem como serviços de assistência em todos os contactos com as entidades administrativas competentes, no sentido de assegurar o melhor procedimento para a obtenção e do deferimento de todos os actos e títulos de licenciamento, desde a viabilidade de todos os projectos até à utilização final das suas execuções’.

4.8. Em tais serviços, incluir-se-iam, “nomeadamente, todos os contactos preliminares com entidades administrativas, a entrega de pedidos de informação prévia, a entrega para aprovação de estudos prévios e anteprojectos de qualquer natureza, a solicitação de licenças e emissão de seus alvarás e todas as demais actividades necessárias à utilização legal de superfícies e edificações (…)”.

4.9. Por tais serviços, a sociedade pagaria ao arguido um valor correspondente a 5% do investimento realizado em cada projecto imobiliário por si desenvolvido e acompanhado, no momento da sua efectivação, ou do valor do património adquirido, por conta do que se previu um pagamento de 3.000,00€ mensais.

4.10. Por força da cláusula terceira, n.° 3, o arguido AA... transmitiu à sociedade “... –Lda” a sua posição, o que foi aceite pela outra contratante a partir de Março de 2003.

4.11. A “... –Lda”, com sede na …, em Y..., foi registada em 21/01/2003, tendo como sócios familiares do arguido AA..., a saber, NN..., BB..., XV... e YV... .

4.12. O mesmo arguido, juntamente com seu filho BB..., foram designados gerentes para o primeiro mandato de 3 anos, embora a vinculação da sociedade apenas pudesse ocorrer validamente com a assinatura do primeiro.

4.13. Por declaração registada a … , o arguido AA... renunciou à gerência, o que coincidiu com a assunção de funções a tempo permanente na direcção da ….

4.14. Pese embora a sua intencional não inclusão na estrutura societária da “..., Lda”, foi sempre o arguido AA... o principal interlocutor da sociedade com terceiros, antes e após a renúncia, utilizando a empresa para fins exclusivamente pessoais, apenas fazendo intervir o seu filho, então único gerente, na formalização dos actos para que não detivesse já legitimidade, isto é, após a renúncia, acto que também perspectivou na preparação da sua intervenção no “Acordo Social” descrito supra.

4.15. Com efeito, o arguido pretendia que a sua conduta como autarca não fosse relacionada com o interesse das empresas intervenientes em tal acordo.

4.16. A “..., Lda” nunca prestou qualquer serviço de consultadoria a quem quer que seja, apenas tendo sido feito inscrever contabilisticamente no ano 2004 o recebimento dos valores resultantes do referido acordo de prestação de serviços de consultadoria de fls. 1046 a 1050, tendo sido concebida para ser apenas o centro de imputação desses proveitos, sua única receita, e custos com a aquisição de veículos, único imobilizado, além de 1.915,00€ de material informático, tendo apresentado desde sempre resultados líquidos negativos.

4.17. Em 23/01/2003, o arguido AA... celebrou com sua irmã o contrato-promessa de cessão da quota de 4.000,00€, correspondente a 80% do capital social, que a mesma detinha nesta sociedade a título gratuito.

4.18. A “..., S.A.” viria a ceder a posição contratual assumida nos aludidos instrumentos negociais à “ …” que passou a dirigir todo o processo visando alcançar o fim nele prosseguido, designadamente, solicitando à U... autorização para dar início ao processo de elaboração do Plano de Pormenor para o local. O mesmo já o havia feito a “Associação ... ”, solicitando em Abril de 2000, a possibilidade de, no âmbito da revisão do PDM local, ser reconhecida a aptidão construtiva em “baixa densidade”.

4.19. Após a referida solicitação à U..., pela “ …” o arguido AA... passou a abordar o Engenheiro EE..., ... competente, com o pelouro do planeamento, no sentido de o procurar sensibilizar para a necessidade de ser assumida uma urgente decisão relativa a tal questão, invocando a importância do projecto da unidade de ensino para a cidade, chegando também a contactar para o mesmo efeito o ... QQ... , esperando a sua influência no sentido preconizado no grupo parlamentar autárquico a que pertence.

4.20. Para além disso, o arguido AA... transmitia aos demais associados, designadamente ao referido sócio Dr. OP... , informações sobre a evolução do procedimento administrativo em que todos estavam interessados.

4.21. Na reunião ordinária da U... de …, no âmbito da discussão do ponto VII – Planeamento, VII.l. Plano de Pormenor da …, o arguido AA..., considerando não se aplicar à sua situação o regime de qualquer conflito de interesses, defendeu a solução proposta, isto é, de autorizar a elaboração do referido plano, nos termos da sua intervenção, extratada na acta cuja cópia consta de fls. 1017, aqui dada por integralmente reproduzida.

4.22. A deliberação relativa a tal pedido foi aprovada por maioria, tendo o arguido AA... votado favoravelmente a autorização para se proceder à elaboração do Plano de Pormenor da … .

4.23. Agindo da forma descrita, desenvolvendo diversas iniciativas destinadas a obter o deferimento por parte da autarquia das pretensões subjacentes ao referido acordo social, quer informando os demais associados dos elementos que, por força do exercício do mandato popular ia obtendo, visou o arguido AA... alcançar proveitos económicos para si próprio e vantagens para a aludida pessoa colectiva, bem sabendo que assim violava os mais elementares deveres de probidade, isenção e de prevalência do interesse público em detrimento do seu próprio interesse e da associação que são pressupostos pela outorga daquela representação popular resultante das eleições para a autarquia de Y....

4.24. Agiu livre, voluntária a conscientemente.

D)

5.

5.1. O arguido AA... tem vindo sucessivamente a ser eleito presidente da Comissão …ZZ... desde …, datando o último escrutínio de …, o que sucedeu até ao início do ano de 2008.

5.2. No âmbito dessa actividade desenvolveu acções de angariação e obtenção de fundos destinados a custear a actividade da secção e as acções de campanha eleitoral locais.

5.3. Na preparação da campanha eleitoral para as eleições para as autarquias locais de Outubro de 2005, o arguido em causa contactou o empresário LL..., melhor identificado a fls. 1484, pessoa com quem travara conhecimento alguns anos antes e com quem vinha mantendo contactos regulares, pelo que conheciam reciprocamente as actividades profissionais que cada um desenvolvia, a fim de que este contribuísse para aquele efeito com fundos em numerário, o que, ao cabo de algumas abordagens, em data não concretamente determinada de meados do ano 2005, anterior a Outubro desse ano, logrou obter, tendo o referido empresário entregue então a quantia de pelo menos, 5.000,00€.

5.4. Todavia, não pretendendo o LL... figurar como doador de tal quantia, com o propósito de ocultar a proveniência concreta de tal donativo e seu valor, o arguido AA... não tendo entregue ao referido empresário qualquer recibo, que, por isso, não veio a figurar em tal processo, oportunamente apresentado, tendo antes entregue, para nele figurar, o valor de 5.000,00 euros em cheque de uma conta de sua titularidade, de que cobrou o respectivo recibo em nome pessoal.

5.5. Agiu livre e conscientemente, sabendo que praticava acto proibido por lei.

E)

6.

6.1. Após o referido acto eleitoral, o mesmo arguido, que nele obtivera novo mandato popular, invocando obrigações financeiras ainda a solver, no valor de 100.000,00 euros, continuou a contactar o referido LL... instando-o a entregar-lhe outros valores monetários.

6.2. Na sequência de diversas abordagens nesse sentido, em contactos telefónicos estabelecidos entre ambos sempre por iniciativa do arguido AA..., que se concentraram no mês de Novembro de 2005, pouco tempo depois da tomada de posse dos eleitos locais na autarquia de Y..., entre os quais a sua deslocação no dia 24 daquele mês e ano, ao …, propriedade do mesmo empresário, o arguido AA..., veio a obter a entrega de um montante não apurado (não inferior a 3.000,00€), proveniente do referido LL....

6.3. Os contactos entre o arguido AA... e o LL... a este propósito vieram a prolongar-se, pelo menos, até Fevereiro do ano seguinte.

6.4. O empresário LL... desenvolve diversas actividades económicas, designadamente na área da construção civil, tendo interesses em tal âmbito na cidade de Y..., nomeadamente a construção do empreendimento “...”, o qual, à data dos factos descritos, constituía o cerne de um diferendo que o opunha à autarquia de Y..., facto que era do conhecimento do arguido AA....

6.5. Sem se referirem expressamente à questão, ambos sabiam que, atenta a posição que o arguido AA... detinha na estrutura política local do ZZ... e, em consequência, a supremacia que daí resultava em termos de poder influir decisivamente na orientação da acção dos eleitos locais nas listas do referido partido político, a solicitação e a entrega de valores pelo referido empresário teria por fim a intervenção daquele em assuntos do seu interesse no sentido de influenciar decisões a assumir nos diversos órgãos autárquicos competentes, ainda que lícitas.

6.6. Agiu da forma descrita, livre e conscientemente, e sabendo que incorria em responsabilidade criminal.

F)
7.
7.1. Os arguidos não têm antecedentes criminais.
7.2. Actualmente o arguido AA... é membro da Direcção …e Presidente da Associação ... .
7.3. O arguido AA... é casado, vive numa casa de propriedade da esposa, aufere de rendimentos, mensalmente, cerca de 2.200,00€ a 2.300,00€, sendo cerca de 1.200,00€ da sua pensão de …, e o restante de senhas de presença nas demais actividades que exerce referidas em 7.2.
7.4. Tem como habilitações literárias o ….
7.5. O arguido CC... é casado e vive em casa própria, tendo como habilitações literárias a 4ª classe.
7.6. É administrador de várias empresas (cerca de 30) e aufere dessa actividade profissional, mensalmente, um rendimento de cerca de 16.000,00€.
7.8. O arguido AA... é pessoa bem considerada por aqueles que com ele privam pessoalmente, considerada pessoa de convívio fácil, amistoso, empenhado nas actividades que desenvolve e voluntarioso.
7.9. O arguido CC... é também pessoa bem considerada pelas pessoas que com ele privam, pessoa respeita e tida como respeitadora e solidária.

-II-
Liquidação
Da prova produzida mostram-se apurados com relevância para a decisão a proferir sobre a liquidação, os seguintes factos relativos à liquidação feita na acusação e contestação apresentada pelo arguido, excluindo-se os de natureza meramente conclusiva:
1.
1- Para efeitos fiscais, o arguido AA... declarou os seguintes rendimentos ilíquidos:

Ano Rendimento
2001 52.239,35€
2002 19.143,76 €
2003 49.503,31 €
2004 49.516,34 €
2005 63.522,58 €
Total 233.925,34€

2.
2- Na sequência de inspecção tributária, veio a apurar-se que o arguido AA... obteve os seguintes rendimentos líquidos, totais, anuais:

AnoRendimento
200136.501,03 €
200218.846,32 €
200398.032,65 €
200439.325,25 €
200546.738,56 €
Total239.443,81 €

3.
3 – Em Abril de 2006, no momento da concretização da apreensão ordenada judicialmente no âmbito deste autos, o arguido detinha, em várias instituições financeiras, em contas de que era titular ou co-titular ou tituladas por uma sociedade de que tinha o controlo gestionário e numa conta titulada pelo seu filho da qual tinha o controlo e proveito tendo os valores ali depositados sido em seu benefício e por sua vontade, diversas quantias monetárias, no valor total de 107.311,56€, sendo:

ContaBancoTitular ou co-titularValor
Millenium BCP AA…22.004,93€
Santander Totta AA... 23.931,74€
Santander Totta AA... 2,78€
Santander Totta AA... 3.879,22€
Santander Totta AA... 28.010,13€
Banco Santander BB…16.825,57€
BES AA... 1.349,22€
BSCH AA...62,24€
CGD ..., Lda 2.136,45€
CGD..., Lda9.109,28€
Total107.311,56€
4.
4- Nas contas bancárias aludidas em 3º, a), b), c), e), f), h), i) e j), no período de cinco anos que antecedeu a constituição como arguido de AA..., existiram os seguintes movimentos globais a crédito:
AnoBanco
Santander
Banco
Santander
Banco SantanderBanco Santander
200151.876,68€---
2002155.676,20€133.643,09€3.198,98€-
200330.268,09 €150,00€890,00€-
200422.168,77€14.507,85€6485,26€-
200514.331,35€43.196,89€-54.100,00 €
Total274.321,09€191.497,83€10.574,24 €54.100,00€
AnoCaixa Geral de DepósitosCaixa Geral de Depósitos BCPBSCH
2001-- -------- ------
2002--11.031,30€ ------
200359.630,00€15.000,00€49.501,50€ ------
200442.840,00€26.590,00€20.192,10€ -------
2005 32.310,00€-12.390,22€54.807,50€
total 134.780,00€ 41.590,00€93.115,12€54.807,50€
*
*
*
5.
Contudo, nessas entradas nas contas do arguido referidas em 4º, para além dos rendimentos declarados fiscalmente e de outros sem justificação de origem, estão contabilizados os seguintes movimentos:

5.1. do Banco Santander, conta nº …, as quantias de:

a) relativamente ao ano de 2001:
· 39.800$00 –de 14.08.2001- reembolso de despesas de saúde – pelo Sindicato … .

b) relativamente ao ano de 2002:
· 2.594,00€ - de 31-01-2002- Transferência entre contas do arguido

c) relativamente ao ano de 2004:
· 5.563,88€ - de 26.07.2004 – Transferência entre contas do arguido
*



5.2. do Banco Santander, conta nº …, as quantias de:

a) relativamente ao ano de 2002:
· 50.243,09 € – de 11.09.2002 - transferência entre contas do arguido
· 25.000,00€ - de 28.11.2002 – relativo ao reembolso de um empréstimo feito pelo arguido .

5.3. do Banco Santander, conta nº …, as quantias de:
a) relativamente ao ano de 2002:
· 2.594,98 € - de 30.01.2002 – resgate de uma aplicação financeira do arguido;
· 400,00€; 134,00€ e 70,00€ - de, respectivamente, 05-08-2002, 11-09-2002 e 31-12-2002 – constituem transferências entre contas do arguido;
b) relativamente ao ano de 2003:
· 80,00€, 50,00€, 70,00€, 70,00€, 75,00€, 70,00€, 75,00€, 200,00€, 100,00€, 100,00€, de respectivamente, 29-01-2003 27-02-2003 27-03-2003 30-04-2003 28-05-2003 27-06-2003 28-07-2003 27-08-2003 28-10-2003 26-11-2003 – constituem transferências entre contas do arguido;
c) relativamente ao ano de 2004:
· 100,00€, 100,00€, 100,00€, 100,00€, 100,00€, 5.518,38€, 100,00€, 100,00€, 60,00€, 150.00€, de respectivamente, 29-01-2004, 25-02-2004, 30-03-2004, 28-05-2004, 29-06-2004, 26-07-2004, 27-07-2004, 29-09-2004, 28-10-2004, 30-11-2004– constituem transferências entre contas do arguido;
· 56,88€, de 26-07-2004 - constitui o pagamento de juros de uma aplicação financeira.

5.4. da Caixa Geral de Depósitos, conta nº … , as quantias de:
a) relativamente ao ano de 2003:
· 5.000,00€ - de 21-01-2003- Entradas dos sócios para a constituição do capital social;
· 3.570,00 € - de 08-04-2003 Avença ...
· 3.570,00 € - de 03-06-2003 Avença ...
· 3.570,00 € - de 07-07-2003 Avença ...
· 3.570,00 € - de 20-08-2003 Avença ...
· 3.570,00 € - de 01-09-2003 Avença ...
· 3.570,00 € - de 30-09-2003 Avença ...
· 3.570,00 € - de 31-10-2003 Avença ...
· 3.570,00 € - de 28-11-2003 Avença ...
· 3.570,00 € - de 30-12-2003 Avença ...
b) relativamente ao ano de 2004:
· o valor total de 42.840,00€ referente a 12 entradas de 3.570,00€ cada uma entre os dias 3.02.2004 e 30.12.2004, é relativo a Avenças da ....
c) relativamente ao ano de 2005:
· o valor total de 32.310,00€ referente a 6 entradas de 3.570,00€ cada uma entre os dias 27.01 e 06.07.2005 e a 6 entradas no valor de 1.815,00€ cada uma, entre os dias 2.08.2005 e 30.12, são relativos a Avença .... .

5.5. da Caixa Geral de Depósitos, conta nº …, as quantias de:
a) relativamente ao ano de 2003:
· 15.000,00€ - movimento de 19.09.2003, referente a transferência entre as contas do arguido, sendo a conta origem a nº 394699982230;
b) relativamente ao ano de 2004:
· 13.090,00€, de 30-01-2004, referente a proveitos declarados na ....
· 1.500,00 € - de 29-12-2004 – Prestação suplementar na ... por ordem de BB... ;
· 12.000,00 € – de 29-12-2004 - Prestação suplementar na ... por ordem de …. .

5.6. do B.C.P., conta nº … , as quantias de:
a) relativamente ao ano de 2002:
· 4.000,00 - movimento de 11-09-2002, referente a transferência entre as contas do arguido, sendo a conta origem a nº …
b) relativamente ao ano de 2003:
· 12.000,00 - movimento de 27.08.2003, referente a transferência entre as contas do arguido, sendo a conta origem a nº …;
c) relativamente ao ano de 2004:
· 3.000,00 € -de 16-01-2004 – referente a transferência entre as contas do arguido, sendo a conta origem a nº …;
· 2.000,00 € - de 01-03-2004 - referente a transferência entre as contas do arguido, sendo a conta origem a nº …;
· 500,00 € - de 01-06-2004 - referente a valor de cheque emitido para o outro titular da conta, cheque da ... para BB...;
· 1.000,00 € - 01-07-2004 - referente a valor de cheques emitidos para o outro titular da conta, um de 500,00€ da ... para BB... e outro de 500,00€ de …para BB... ;
· 1.500,00 € - 26-07-2004 - referente a transferência entre as contas do arguido, sendo a conta origem a nº …
· 500,00 € - 01-09-2004 - referente a valor de cheque emitido pela ... para o outro titular da conta, BB...;
· 1.250,00 € - 25-10-2004 - referente a valor de cheque emitido pela ... para o outro titular da conta, BB...;
· 250,00 € - 29-12-2004 referente a valor de cheques emitidos para o outro titular da conta, um de 150,00€ de … para BB... e cheque de 100,00 € de …para BB... .
d) relativamente ao ano de 2005:
· 2.680,00 €- de 3-03-2005- referente a transferência entre as contas do arguido, sendo a conta origem a nº … .

6.
6.1. Com data de 20/12/2002, o arguido emitiu o cheque de fls. 332 do Apenso 6, à ordem de “ …, SA”, no valor de 28.000,00€, para pagamento de dois automóveis usados, com as matrículas …, o primeiro registado a favor de familiar do arguido.
6.2. No âmbito de um contrato de locação financeira celebrado em 28/03/2003, relativo ao veículo marca …, no valor de 50.000,000€, adquirido pela firma “...”, para pagamento da quantia de 25.500,00€ o arguido emitiu dois cheques, um no valor de 15.000,00€ e outro no valor de 10.500,00€ sacados sob uma conta titulada pela referida “..., Lda” na CGD nº …
6.3. No âmbito de um contrato de locação financeira celebrado em Maio de 2003, relativo ao veículo marca …, no valor de 44.000,000€, adquirido pela firma “...”, para pagamento da quantia de 34.000,00€ o arguido endossou dois cheques no valor respectivamente de 15.000,00€ e de 5.000,00€, sacou da sua conta no C.P.P. um cheque no valor de 3.000,00€ e endossou um cheque ao portador no valor de 11.000,00€.

7.
7.1. Da conta n° … do Banco Millenium BCP são titulares AA... e BB....
7.2. Da conta n° … do Santander Totta são titulares AA... e BZ....
7.3. Da conta n° … no Santander Totta, são titulares AA... e BZ....
7.4. Da conta n° … no Santander Totta são titulares AA... e BB… .
7.5. Da conta n.° …no Banco Santander é titular BB....
7.6. Da conta n.° 2 … no BSCH é titular AA... e BB....
7.7. A conta n° … na Caixa Geral de Depósitos de que é titular “..., Lda”, e pessoa autorizada para a sua movimentação AA..., desde a data da sua abertura.
7.8. A conta n° … na Caixa Geral de Depósitos de que é titular “..., Lda” no valor de 9.109,28€, em que o primeiro movimentador autorizado é AA... e o segundo, BB....
8.
8.1. Entre 21 de Janeiro de 2003 e l de Outubro de 2004, o arguido exerceu funções de gerência na sociedade ...- …, Lda.
8.2. As contas n°s …foram abertas, em nome da sociedade supra referida respectivamente, a 19.09.2003 e 21.01.2003.
8.3. A quantia de 5.000,00€ referida em –I- D-5.4 dos factos provados, foi depositada na conta nº … do Banco Santander Totta em 2.09.2005.
8.4. O património que o arguido adquiriu nos cinco anos anteriores à data da sua constituição como arguido em 04.03.2006, não proveio apenas do salário que lhe era pago enquanto autarca, da sua pensão de reforma e das restantes actividades profissionais que desempenhou nesse período.
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MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA:
Foram os factos acima elencados em -I- os factos dados como provados e mais nenhum outro se provou com relevância para a decisão da causa, designadamente, não se provou:
Do ponto 2.

a) Que contra os termos do aludido regulamento, respectivo ponto 2.5, as referidas empresas celebraram o acordo referido em 2.4.

b) Que a junção dos lotes para construção de mais área de estacionamento prejudicava o trajecto da denominada runa, estrutura de drenagem natural das águas a que alude o ponto 2.5. dos factos provados e que a runa havia estado na origem da separação dos lotes.

c) Que o estacionamento previsto para o Lote 1, ultrapassava as necessidades previstas para o conjunto.

d) Que para o efeito pretendido em 2.7. era necessário desafectar o subsolo das parcelas em causa, ou seja, dos lotes 1 e 2, do domínio público ..

e) Que o arguido AA... e o arguido CC... tinham cimentado uma relação de amizade.

f) Que a vantagem patrimonial entregue ao arguido AA..., nos termos descritos no ponto 2.14. da factualidade provada, havia motivado e norteado as suas aludidas intervenções descritas nos pontos 2.9 a 2.11, da factualidade provada.

g)) Que o arguido CC... era vogal do Conselho de Administração …, à data dos factos.

Do ponto 3.

a) Que o arguido AA... na situação descrita em 3.1., promovia a venda das máquinas junto de outras U......s municipais e fez uso de informações obtidas do exercício do mandato popular.

b) Que o arguido na situação descrita em 3.1. a 3.3., violou os mais elementares deveres de probidade, isenção e de prevalência do interesse público que são pressupostos pela outorga daquela representação popular resultante das eleições para a autarquia de Y....

Do ponto 4.

a) Que quando o arguido AA... transmitiu a sua posição referida no ponto 4.10 da factualidade provada, o mesmo não figurasse, do ponto de vista formal, no registo como representante legal da “...”, como se exigia na cláusula 3ª do contrato celebrado com a “...”.

b) Que ainda antes da formalização do pedido para o processo relativo ao Plano de Pormenor para o local ser retomado, o arguido AA... abordou o ... competente, Eng. EE..., no sentido de ser necessária a elaboração do referido plano como uma exigência da autarquia, sem necessidade de intervenção de terceiros, o que foi negado por aquele, que aludiu para o efeito aos antecedentes da questão.

c) Que na situação descrita no ponto 4.13., o cargo assumido foi o de vogal na … .

d) Que a reunião ordinária da U..., a que alude o ponto 4.21., ocorreu em 09.12.2006.

Do ponto 5.

a) Que o LL... na situação referida em 5.2 entregou no mês de Julho de 2005 ao arguido AA..., a quantia de 10.000,00€.

b) Que o arguido AA... omitiu ao mandatário financeiro da campanha eleitoral responsável pela elaboração do processo de prestação de contas à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, a obtenção do montante referido em 5.3.
Do ponto 6.

a) Que o arguido AA... sabia não corresponder à verdade, haver obrigações financeiras ainda por solver após o acto eleitoral referido em 6.1.
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Factos não provados da liquidação e contestação do arguido, com pertinência para a factualidade que se mostra em causa na liquidação:

a) Que o depósito de 30.000,00 € em numerário, efectuado em 31/03/2003, na conta bancária nº … no Banco Millennium/BCP, Titulada por AA... e por BB... é um depósito em dinheiro para pagamento parcial de um empréstimo que foi concedido ao arguido pelo Sr. …, empréstimo esse do montante global de 75.000,00 €.
b) Que o depósito de 16.500,00 € em numerário, efectuado em 4/04/2003 na conta n°. … na CGD/Leiria, em nome da ..., Lda resulta de um empréstimo da sócia NN..., que o realizou por meio de depósito em dinheiro no dia 4/4/2003, com vista à satisfazer dificuldades de falta de liquidez na tesouraria da dita sociedade, que a sociedade restituiu à credora e que tal operação foi devidamente registada na contabilidade.
c) Que o arguido AA... movimentava as referidas contas bancárias exclusivamente enquanto gerente da sociedade titular/não detendo pessoalmente nem o domínio nem auferindo pessoalmente quaisquer benefícios das referidas contas.
d) Que a conta n° … na Caixa Geral de Depósitos de que é titular ..., Lda, também pudesse ser movimentada por outrem para além do arguido AA....
e) Que o movimento no montante de 6.000,00€ efectuado em 6.02.2003, na conta … da Caixa Geral de Depósitos, consubstancia um empréstimo concedido à sociedade ... pela sócia NN…, e tenha sido reembolsado em 1.10.2003.
f) Que do valor de 10.000,00€ depositado em numerário em 2.09.2005, na conta nº … do Banco Santander Totta, a quantia de 5.000,00€ constitui um donativo em dinheiro proveniente de NN....
g) Que as demais quantias referidas nos quadros 7., 10.,11.,12., 13., 16.,17., 20.,23., 24.e 27., da contestação do arguido AA..., para além das já consideradas no ponto 5., tenham a origem que o arguido ali refere, designadamente constituam prendas de familiares, reembolsos de empréstimos feitos por si, importâncias doadas à ex-mulher, ou movimentos meramente financeiros que não tenham efectivamente entrado na sua conta.
h) Que o valor global das entradas nas contas bancárias tituladas pelo arguido ascenda, no período de cinco anos que antecedeu a sua constituição como arguido, ao valor de 907.810,32€

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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Por uma questão de melhor explicitação passará a motivar-se a convicção do tribunal, ponto por ponto, quer quanto aos factos provados, quer relativamente aos factos que foram consignados como não provados relativamente à pronúncia e posteriormente a sua especificação no que se refere à liquidação efectuada nos autos.
A convicção do tribunal para dar os factos acima elencados como provados, alicerçou-se na ponderada conjugação e análise crítica da toda a prova produzida, tendo em conta a conjugação efectuada entre a prova testemunhal, documental, mormente, a relativa aos actos e deliberações camarárias em apreciação nos autos, a apreendida nos autos de busca a fls.1033 a 1098, 1134 a 1137, 1215 a 1246, declarações fiscais e relatórios das finanças, designadamente a fls. 2504 a2581 e pericial junta aos autos, aliada esta às regras da experiência comum e normalidade das coisas na inferência que de factos objectivos provados se extrai para a indução dos factos probandos, nos termos que infra serão escalpelizados.
Assim e especificamente no que tange aos pontos 1.1. e 1.2., foi essencialmente relevante o teor objectivo dos documentos juntos aos autos a fls. 31 a 52 dos autos e de fls. 2147/ 3576 (relativos às funções e respectivo período, desempenhadas pelo arguido AA... como ... na U...), conjugados estes com as declarações prestadas pelo arguido AA..., que confirmou o seu teor, esclarecendo sobre as funções por si desempenhadas na U..., desde o momento em que foi eleito pela primeira vez para a edilidade em Dezembro de 1997 (com tomada de posse em Janeiro de 1998) e até à sua saída em 2009.
Relativamente ao ponto 2.1., o tribunal alicerçou-se no teor dos documentos juntos aos autos de fls. 56 a 62 (referentes às deliberações tomadas relativamente ao arranjo urbanístico da praça do … ) e de fls. 67 (esta última relativa à deliberação nº … - e não conforme consta da pronúncia relativa à aprovação da venda em hasta pública dos dois lotes de terreno situados no “…”, nas condições do Regulamento que também nessa deliberação se aprovou). Valorados, também, o Regulamento da Hasta Pública, de fls. 1890 a 1894, aprovado na sequência da deliberação acima referida, ao qual esteve sujeita a referida venda, mormente no que se refere à factualidade consignada no ponto 2.3. e ainda o teor de fls. 26 a 30 (fls. 2405 a 2410) - acta nº 97/2000 de 28.02.2000 relativa à deliberação 2944/2000 que foi tomada na sequência do pedido de junção dos Lotes 1 e 2 -, após a respectiva venda em hasta pública.
No que ao ponto 2.2. se refere, foram valorados para além do teor dos documentos de fls. 70 (acta nº 66, de 28.06.1999 - informação da venda realizada em hasta pública-), os documentos de fls. 2405 a 2410 (certidão da acta 97/2000 da U…. de 28.02.200), as declarações prestadas pelo arguido CC... e pela testemunha …, sócio das “ÇX... , Ldª”, quanto à aquisição dos Lotes.
Relativamente ao ponto 2.4., foi essencialmente relevante o depoimento prestado pela testemunha …, sócio das “ÇX... , Ldª” o qual explicitou, de forma objectiva e credível, os termos em que se deu a aquisição do Lote 1 na hasta pública realizada e os posteriores contactos e acordo estabelecido com o arguido CC..., o qual refere conhecer desde essa data, esclarecendo que no âmbito de contactos que ocorreram entre as duas partes, após a venda, chegaram a um acordo de permuta mediante o qual a “X...” ficaria com a totalidade do subsolo em troca de fracções à superfície, tendo todo o processo sido liderado por esta empresa, mantendo-se formalmente o lote 1 em nome da “…”, vindo após a emissão da licença de utilização, a ser celebrada escritura pública de venda, mediante a qual a “X...” acabou por ficar com a totalidade do prédio, face a posterior acordo nesse sentido. No essencial, tal acordo, seus termos e evolução, veio a ser confirmado pelo arguido CC..., nas declarações que prestou. Valorado, ainda, o teor dos documentos de fls. 26 a 30 (acta acima referida, da qual consta o circunstancialismo do pedido de autorização para junção dos Lotes 1 e 2) e ainda o teor do requerimento apresentado nesse sentido pela “X...”, com cópia a fls. 1473 e 1474 dos autos (o que permitiu também o esclarecimento do ponto 2.8).
Relativamente aos pontos 2.5. e 2.6., da factualidade provada e ainda no que tange à consignação como não provados dos factos referidos em a), b) e c), a motivação do tribunal assentou no depoimento prestado pela testemunha …, engenheiro civil, a exercer funções na U... desde 1987, no Departamento de Planeamento…, o qual acompanhou os estudos mandados elaborar ao Arquitecto … para a zona do designado “…”. Esta testemunha explicou as condicionantes e preocupações que estiveram na base do estudo elaborado para aquela zona, explicitando a existência da runa (canal de transporte de águas) e a possibilidade aventada do seu desvio, que seria, segundo o estudo, interrompida na sua passagem no lote 1, e desviada por forma a passar entre os lotes 1 e 2 (segundo a configuração que foi pensada naquele e no qual a runa se apresentou na equação do problema), explicitando, todavia, que poderia ser admissível outra solução técnica, já que a solução proposta não era a única viável, não vendo qualquer problema no afastamento da runa. Esclareceu ainda sobre o conceito pensado para o lote 2 (como lote de remate e articulação, para o qual não havia sido previsto no estudo estacionamento, sendo que o lote 1 estava pensado para estacionamento em profundidade), sendo seu entendimento que essa solução não violava o PDM (embora essa questão fosse alvo de discussão na U......). Esta testemunha esclareceu ainda que as condições fixadas foram as mínimas, uma vez que se estava perante um estudo e não um projecto, de forma a deixar margem de manobra posterior.
Extrai-se, assim, do depoimento desta testemunha, por um lado, que embora a runa tivesse sido ponderada na solução alcançada quanto à definição dos lotes, não foi esta que esteve na origem da respectiva separação e por outro, que pese embora o seu entendimento quanto ao cumprimento do PDM do plano elaborado e à controvérsia que tal questão suscita, como veremos, não se poder ter como assente que a junção dos lotes prejudicava o trajecto da runa, já que seriam admissíveis outras soluções técnicas, que terão sido alcançadas no projecto posteriormente encontrado para o local (nada resultando dos autos, em termos probatórios, no sentido de que a runa não esteja a funcionar devidamente com a solução alcançada após a junção das parcelas em subsolo e construção do estacionamento). Sobre a questão da “runa”, o arguido CC... referiu, nas declarações prestadas, o necessário estudo técnico que a mesma envolveu e que sempre envolveria, mesmo que não houvesse construção no sub-solo do lote 2, já que a construção à superfície da edificação prevista para aquele lote, sempre imporia intervenção na “runa”.
A testemunha …, arquitecto a exercer funções na U......, na área ligada ao planeamento, que acompanhou um primeiro estudo mais genérico da zona e, posteriormente, o estudo do Arq. …e desenvolvimento deste na parte urbanística, explicitou sobre as razões do estacionamento previsto no plano – que se configurava como um mínimo para o conjunto - (não tendo participado nos procedimentos posteriores à venda dos lotes) sufragando o entendimento de que a inexistência de estacionamento no Lote 2 não violava o PDM, por caber na excepção prevista no art. 37º do PDM, face às condicionantes do local.
Por seu turno, a testemunha …, Professor na .., o qual desempenhou funções de … na área do planeamento do urbanismo nos dois primeiros mandatos do Presidente DD... na U...... (que ocorreram até final de 1997), e esteve ligado ao lançamento do concurso na parte da concepção técnica, explicitou o seu entendimento quanto à fixação do estacionamento no plano, não tendo já acompanhado o momento da fixação das condições da venda em hasta pública, por ter entretanto cessado funções.
Relativamente a esta questão foi também valorado o depoimento da testemunha NN..., engenheira civil na U......., Divisão de Estruturação e Renovação Urbana, responsável pela elaboração do regulamento da hasta pública (condições de venda) e posterior parecer favorável à junção dos lotes no subsolo (e que consta a fls. 2411 a 2414), a qual explicitou de forma coerente e consistente o seu entendimento (e interpretação, que refere corrente na U......) de que a inexistência de estacionamento no lote 2 poderia consubstanciar a violação do art. 37º do PDM, situação da qual não se apercebeu na altura da hasta pública (e cuja sindicância não lhe competia então efectuar). Explicou que o que estava em causa no requerimento efectuado pelas empresas quanto à junção dos lotes (os quais mantinham e mantiveram a sua autonomia), era a sua junção funcional no subsolo, para efeito de poder ser construído estacionamento em ambos com acessibilidade conjunta, tendo explicitado as razões que estiveram na base do parecer favorável elaborado (o cumprimento do PDM, que se sobrepõe ao plano de conjunto e não pode ser inviabilizado pelas regras fixadas no regulamento de hasta pública).
Relativamente à consignação como não provada da matéria constante da alínea a), e pese embora a sua natureza conclusiva, teve-se em consideração o que vem referido pela testemunha Engª. …, acima identificada, a qual permitiu esclarecer o que estava em causa na avaliação pela U...... do acordo entre as empresas e na junção das parcelas em subsolo, aquilo que designou de “junção funcional” e que se encontra explicitado na proposta que elaborou, junta a fls. 2411 a 2414. Ainda a tal propósito a testemunha DD..., Presidente da U... à data dos factos, o qual detinha a área do planeamento, referiu que a cláusula 2.5 do regulamento, era uma norma tipificada aposta em todas as vendas desta natureza como modo de evitar (face a anterior experiência negativa) que houvesse transacção dos lotes antes da edificação, referindo que o que estava em causa na situação proposta pelas empresas era uma junção dos lotes no subsolo para obtenção de maior área de estacionamento, factor determinante na sua admissão após se constatar da possibilidade técnica de construção no subsolo do lote2, e por se entender ser no interesse do município.
De salientar, relativamente a esta questão, que conforme se extrai dos depoimentos das testemunhas …(... à data da venda e deliberação em causa), que as questões e dúvidas suscitadas sobre o pedido efectuado, eram essencialmente questões de divergência quanto ao processo, condições de venda pela U...e tipo de exploração do local (aliás, já manifestadas em anteriores deliberações-vide fls. 67), bem como relativas à alteração das circunstâncias de venda com o surgimento de novas questões (mormente, a necessidade de desafectação de parcelas de domínio público) não previstas à data da venda e não, propriamente, sobre a questão da ilegalidade do pedido de junção. Apenas o ..., referiu as dúvidas que lhe suscitou o acordo de permuta entre as empresas face à cláusula do regulamento que proibia a alienação.
A testemunha …, sócio da empresa “ÇX...” adquirente do lote 1, explicou de forma clara e objectiva o acordo celebrado com a X..., referindo sobre o interesse desta empresa em ficar com o subsolo de ambas as parcelas para construção de um único parque subterrâneo e da sua condução do processo. Esclareceu que a venda da sua parcela só ocorre após a emissão da licença de utilização e que até esse momento ambas as empresas se mantiveram como titulares dos lotes, embora fosse a X... que liderava o processo. No essencial esta versão foi também carreada pelo arguido CC....
Cumprirá referir quanto a esta questão, que o pedido de junção dos lotes efectuado à U...... pelas empresas em questão (e que foi objecto da deliberação em causa nos autos- deliberação 2944-, visava nos termos que vêm consignados no requerimento apresentado pela “X...” à U...(fls. 1473 e 1474) e que constam da acta de 28.02.2000, apenas a obtenção de autorização para a junção em subsolo das duas parcelas adquiridas por proprietários distintos (não estando em causa a alienação das parcelas, a sua autonomia ou domínio) porquanto, existindo entre os dois lotes parcelas do domínio público, aquela junção em subsolo ( reitera-se subsolo, já que apenas este estava em causa na unificação requerida à U......) apenas seria viável com a desafectação do domínio público do subsolo das parcelas que se interpunham entre os lotes, vindo a U...a deliberar nesse sentido, após a análise pelos respectivos serviços (dando origem à informação nº 145) sendo ainda sujeita a deliberação da WWW....
Feita uma súmula conclusiva da prova produzida no que a este conspecto respeita, entendemos, que pese embora a junção requerida implicasse a apreciação de questões novas não previstas nos pressupostos da hasta pública (mormente, a necessária desafectação de outras parcelas do domínio público - não previstas inicialmente - para permitir a junção em subsolo dos lotes 1 e 2 e estacionamento em ambos, quando este estava previsto para o lote 1 e bem assim de uma eventual valorização que tal situação poderia trazer ao lote 2), não se poder concluir da análise da mesma o facto referido na alínea a) dos factos assentes, qual seja, o de que o acordo efectuado pelas empresas adquirentes dos lotes 1 e 2. se apresentava contrário aos termos do regulamento ao proibir a sua venda antes da emissão da licença de utilização. Concretizando, não resulta da prova produzida que as empresas adquirentes dos Lotes 1 e 2 tenham efectuado a alienação dos lotes (escritura de compra e venda), antes da emissão da licença de utilização e, portanto, antes do momento estabelecido no regulamento, sendo que o que estava em causa no pedido sujeito a deliberação da U...., era a junção das parcelas em subsolo feito pelas empresas adquirentes, mantendo as parcelas a sua autonomia quanto à respectiva titularidade (pese embora a condução do processo pela X...), pedido esse sujeito a análise da U...., quer em sede dos respectivos serviços (tendo sido emitido respectivo parecer), quer em sede de posteriores deliberações da vereação (no âmbito das quais foi tal questão sujeita a análise e debate) e da WWW..., as quais não resulta terem sido impugnadas, nem sindicadas noutra sede.
Por outro lado, a própria questão do estacionamento previsto no plano e condições em que foi apresentado em hasta pública se torna controvertida em função dos diversos entendimentos perfilhados sobre tal questão, porquanto e para além da questão da sua conformidade ao PDM, se as testemunhas que acompanharam o plano referiram no essencial que o estabelecimento previsto foi o que foi considerado adequado/necessário para o projectado, já no regulamento da hasta pública não surge qualquer referência a estacionamento (para o conjunto), mas tão só um mínimo de estacionamento para o Lote 1.
Todavia, independentemente da questão da conformidade ou não ao PDM da solução apresentada no plano e colocada em praça, afigura-se-nos que face ao que ficou exposto, a avaliação efectuada de toda a prova produzida não permite a conclusão da desconformidade do acordo efectuado pelas empresas (naquilo que foi sujeito a deliberação da U...., relativamente à junção das parcelas em subsolo-) aos termos do regulamento, e mormente à cláusula que proibição a sua alienação antes da emissão da licença de utilização, razão pela qual veio tal matéria a ser consignada como não provada.
Quanto às alíneas b) e c) da factualidade não provada, não resultou da prova produzida e acima escalpelizada a sua confirmação, mais não restando que a sua consignação como não provados.
No que tange aos pontos 2.7. a 2.8., para além do depoimento do arguido CC..., foi valorado o depoimento prestado pela Engª NN..., à data dos factos Chefe …., acima identificada, que explicitou essa situação. Foi também valorado objectivamente o teor da acta nº …, de fls. 26 a 30/ fls. 2407 a 2410, o documento de fls. 1473/1474 (requerimento da X... já acima referido), o teor da informação nº 145 de 23.02.2000, emitida pela Divisão de Solos e Projectos- subscrito pela Engª NN... - referente à análise do pedido de autorização da junção dos dois lotes no subsolo e necessidade de desafectação de parcelas do domínio público (fls. 2411 a 2414), e ainda no teor de fls. 76 a 79, referente às deliberações relativas à venda aos proprietários dos lotes 1 e 2, das parcelas de subsolo desafectadas do domínio público. De tais documentos extrai-se também a razão pela qual foi dado como não provado o facto referido na alínea d), já que o subsolo que era necessário desafectar do domínio público era não o das parcelas em causa ( Lotes 1 e 2 ), mas sim o subsolo de outras parcelas ( que identificámos no ponto 2.7.) que se interpunham entre aquelas.
Relativamente aos pontos 2.9. e 2.10., mostra-se junta aos autos a proposta e deliberação atinente à matéria factual em questão, a fls. 26 a 30 (repetida a fls. 73 a 79 e 2405 a 2414), da qual se extrai a factualidade respectiva, o que também sucede com a documentação junta aos autos a fls. 76 a 79, referente, especificamente, ao ponto 2.10., a qual se reporta às actas n.112 e 123, deliberações de 17.07.2000 e de 23.10.2000 (esta última a deliberação nº 3571/2000, que revogou a anterior), ambas votadas favoravelmente pelo arguido AA....
Relativamente a anteriores posições assumidas pelo arguido AA... relativamente ao projecto em causa, extrai-se a factualidade provada do teor das actas já referidas e bem assim do teor de fls. 67 e 68. Cumprirá referir que pese embora tenha havido uma anterior deliberação (deliberação nº 7603/97 de 19.12.1997) para venda em hasta pública dos lotes em apreciação (numa altura em que o arguido AA... ainda não era ... da U.......), veio a ser novamente colocado o processo a deliberação de U...face a ajustamentos/reformulações do regulamento de venda, conforme se extrai da documentação junta aos autos a fls. 61/62 e fls. 67 dos autos, esta ultima relativa à aprovação da venda em hasta pública que veio a ser efectuada dos lotes numa altura em que o arguido AA... já era ... e na qual votou favoravelmente.
A prova dos factos aludidos no ponto 2.11. resultou da análise do teor dos documentos de fls. 1992 a 2006 dos autos.
Relativamente ao ponto 2.12. salientam-se as declarações do arguido AA... que confirmou a data em que conheceu o arguido CC... e bem assim referiu sobre os contactos que posteriormente foram estabelecidos entre ambos, sobretudo a partir do ano de 1999. Tal conhecimento e maior proximidade vieram também a ser confirmadas pelo arguido CC..., nas declarações que prestou.
Já relativamente à não prova do facto referido na alínea e), a sua consignação como tal resulta do facto de não ter resultado da prova produzida em termos consistentes a existência de uma relação de amizade entre ambos os arguidos, mas tão só de alguns contactos entre ambos que vieram a cimentar uma maior proximidade, decorrente também do facto de terem amigos comuns, conforme expressamente salientado pelo arguido CC.... Sendo a tal propósito, também relevante, o depoimento prestado pela testemunha …, pessoa próxima do arguido CC..., conforme veremos infra e amigo do arguido AA..., que descreveu o relacionamento entre os dois arguidos, como não sendo um relacionamento muito próximo, mas decorrente de alguns contactos que mantiveram. A forma de relacionamento entre os dois arguidos é também percepcionada nas escutas telefónicas com transcrição nos apensos A e B, das quais se extrai um relacionamento algo formal e circunstancial.
Por seu turno, a factualidade descrita nos pontos 2.13, 2.14. e 2.15., resultou da análise conjugada, crítica e ponderada da prova produzida nos autos, na sua conjugação com as regras da experiência comum e normalidade das coisas, assente para além do mais que objectivamente da prova se extrai, na inferência lógica dos factos decorrente do percurso trilhado através da análise do circunstancialismo concreto em que se dá a entrega de tais valores, relacionamento existente entre os arguidos e concreto modo de actuação destes, na indução que assente naquelas regras, permite a inferência dos factos probandos.
Por um lado, resultou a mesma da análise objectiva dos documentos juntos aos autos a fls. 1491 a 1494, cópias dos cheques entregues ao arguido AA... pelo CC..., no valor total de 50.000,00€ e de fls. 32 e 33 do apenso 6 (extracto da conta nº 2840556), conjugados estes com o teor das declarações de ambos os arguidos, na parte atinente a tal entrega e na medida em que as mesmas se mostraram credíveis e consonantes com a demais prova produzida e a cuja análise se passará de seguida. Na verdade, o arguido CC... admite ter entregue ao arguido AA... a quantia acima referida, titulada pelos citados cheques, e o arguido AA..., admitiu tê-la recebido daquele outro.
Concretizemos, se por um lado a entrega de tal quantia é um facto assumido por ambos os arguidos, já a subjacente motivação vem afirmada por estes em termos diversos daqueles que lhes vêm imputados na pronúncia e que vieram a ser dados como provados, porquanto, na versão por estes carreada aos autos nas declarações prestadas, a entrega de tal quantia teve unicamente por base um empréstimo, sem juros e sem prazo de devolução fixado, solicitado pelo arguido AA... para um eventual negócio que tinha em mente, pedido a que CC... acedeu, não visando qualquer outra finalidade.
Tal versão dos factos, todavia, não mereceu a credibilidade do tribunal pela sua inconsistência e incoerência, quer no relato do modo como os factos ocorreram, quer no contexto situacional e relacional, dos mesmos.
Vejamos, a inconsistência de um empréstimo surge-nos desde logo evidenciada no que se reporta ao alegado momento do pedido deste. Na verdade, segundo as declarações dos arguidos este pedido foi feito num café (...), onde se encontraram casualmente, e onde estavam presentes também as testemunhas … e FF (ambos amigos do arguido CC…). Esta última testemunha, não negando o encontro, pese embora não consiga concretizar o ano, refere claramente não ter ouvido qualquer pedido de empréstimo por parte do AA... ao CC..., referindo, é certo, que sendo aquele o café que frequenta habitualmente, poderia ter sido interpelado por algum aluno e não ter ouvido o que foi dito. Refere ainda que a questão do empréstimo apenas lhe foi referida, muito mais tarde, pelo arguido CC…, quando os factos vieram a público. Por seu turno, a testemunha …(“compadre” do arguido CC..., com o qual tem grande proximidade decorrente da amizade existente entre ambos e de ter sido seu “braço direito” nas empresas durante largos anos), veio confirmar ter ouvido o AA... a fazer um pedido de empréstimo ao CC… no Café ..., onde se encontravam as pessoas acima elencadas (AA..., CC…, FF... e o próprio).
Cumprirá referir, sobre tal conspecto, antes de avançarmos numa apreciação mais concretizada do que se nos oferece a apreciação da prova produzida que, desde logo, o momento e circunstâncias de um pedido desta natureza nos surge, em termos de normalidade das coisas, inusitado (quer face à ocasionalidade do encontro, ao tipo de pedido, relacionamento entre as pessoas e mesmo presença de terceiros).
Em complemento do que vem exposto, não poderá deixar de se salientar que a explicação aventada para a necessidade do empréstimo da quantia em apreço também se apresenta sem alicerce credível que a sustente. O arguido AA... declara que a motivação do pedido de empréstimo assentou num eventual negócio (aterro industrial) que tinha em mente poder vir a realizar. Do que se extrai do seu depoimento tal negócio era apenas uma possibilidade (que não foi sequer sustentada em qualquer outro meio de prova) e a quantia pedida foi um cálculo que fez na eventualidade de entrar com 20% do negócio, que aliás refere, não se chegou a concretizar. Por outro, o arguido afirma que ao longo dos anos foram-lhe feitas doações de quantias por familiares, não apresentando justificação para que no caso em apreço fosse necessário recorrer a alguém cuja proximidade era tão só a que lhe advinha da amizade próxima com amigos comuns (vide declarações do arguido CC...). Por outro lado, e quanto à necessidade, parece algo incompreensível que a quantia em questão tenha sido (alguns dias após a sua entrega, em 17.04.2002) transferida para uma conta –Crédito Predial Aforro- aberta no mesmo Banco no dia do depósito com o nº …. ( do Crédito Predial Português)- tendo aí sido creditados juros três meses depois ( no valor de € 303,85), conforme se extrai de fls. 296 a 298 do apenso 6. (sendo consabido que este tipo de aplicações implicam algum tempo de permanência para que seja obtido rendimento), quantia essa, que em Setembro ainda se mantinha na conta e foi daí transferida para uma nova conta bancária do arguido AA... (fls. 305 do apenso 6.), apesar de por este ter sido referido que no Verão desse ano já sabia que este negócio não se iria realizar! (não tendo efectuado então a sua devolução). Acresce, ainda, que entre os meses de Março e Abril de 2002 na conta do arguido AA... foi igualmente depositada a quantia de 61.000,00€ em numerário (relativamente ao qual não conseguiu explicar de forma consistente a respectiva origem), o que parece não se compaginar com a alegada necessidade de um empréstimo de valor que utilizou para aforrar.
Por outro lado, também as declarações do arguido CC... no que se refere ao contexto do alegado empréstimo, sua aceitação, condições e entrega dos cheques nos surgem desprovidas de sentido e justificação em termos de razoabilidade e normalidade das coisas. Explicou que o encontro no café foi casual e o AA... lhe disse “Ó pá preciso de 50mil euros, vou-me meter aí num negócio e preciso de estar preparado…” ao que lhe respondeu que iria ver da sua disponibilidade. Voltaram a falar posteriormente sobre o assunto para combinar. A sua explicação para a entrega parcelar de dois cheques deveu-se ao facto de, nas suas palavras: “não querer facilitar”, “para ver que as coisas não são fáceis”, “para não tornar fácil a entrega do dinheiro”, “podia ser que lhe servisse só 25.000” “faço o mesmo aos meus filhos”… justificando que não recusou o pedido pela envolvência que o arguido AA... tinha com os seus amigos FF... e …. E pese embora, segundo as suas palavras, não pretendesse mostrar facilidades, referiu de modo algo incongruente, que não lhe estabeleceu quaisquer condições quanto à devolução!
Também a explicação do arguido AA..., no que tange à devolução da quantia alegadamente mutuada e concreto modo desta, se mostra a nosso ver inconsistente e carecida de credibilidade. Com efeito, invoca o arguido que a mesma se deu por várias entregas em numerário, que já não se recorda se levantou ou não do Banco, pois tem muitas vezes dinheiro consigo; explicou que não utilizava cheques devido a alegado problema bancário e que uma transferência bancária apresentava custos elevados. A inconsistência e falta de sustentabilidade dos argumentos usados pelo arguido para a entrega em numerário de quantias tão avultadas, surpreende-se desde logo, da análise da documentação junta aos autos, mormente de fls. 167, 169, 1090,1789 dos autos, e bem assim da documentação constante dos apensos 1 a 6 atinente às contas tituladas pelo arguido, da qual resulta a emissão de inúmeros cheques pelo arguido AA... nos anos em apreço e bem assim, do facto de que em termos de normalidade (e independentemente do relacionamento existente), numa situação desta natureza a pessoa que restitui uma determinada quantia, para além do mais faseadamente, e nestes valores, fica normalmente com uma prova dessa restituição, muitas vezes a cópia do cheque entregue. Por outro lado, as circunstâncias em que invoca ter feito a sua devolução, apresentam-se sem razoabilidade ou normalidade no contexto do alegado acordo entre os arguidos, já que ao não lhe ter sido fixado um prazo para a sua devolução pelo arguido CC... (pese embora este refira que o AA... lhe disse que lhe pagaria dentro de um ano, o que mesmo na versão dos arguidos não teria sido cumprido apesar da disponibilidade do dinheiro) deslocando-se o arguido CC..., conforme resulta das suas declarações bem como do depoimento da testemunha …, diversas vezes a Y... encontrando-se por vezes com o arguido AA..., não se vislumbra justificação plausível ou coerente para que as duas últimas alegadas entregas tenham sido efectuadas a funcionários das empresas do arguido CC..., uma das quais em .... Se é certo que duas testemunhas, ambas funcionários do arguido CC..., depuseram em tribunal ter-lhes sido entregue nos anos de 2002 a 2004 um envelope pelo arguido AA..., tais depoimentos, só por si, não se mostram susceptíveis de confirmar a versão dos arguidos quanto à natureza e origem da entrega do valor em apreço. Expliquemos:
Invoca o arguido AA... que o empréstimo da quantia referida lhe foi feito sem a obrigação de restituição em prazo determinado (refere aliás, a dada altura do seu depoimento “até podia se calhar não o ter pago…”). Os arguidos referem que as duas primeiras quantias devolvidas foram entregues ao CC..., já a terceira e ultima prestações teriam sido entregues a funcionários das empresas do arguido CC..., uma entrega em Y... e outra em ... na “...” ( empresa do arguido CC...), numa deslocação que o arguido AA... efectuou ao norte do país.
A tal propósito constatamos que a testemunha II.., funcionária (contabilista) da empresa “...”, propriedade do arguido CC..., referiu ter preenchido os cheques que foram entregues ao arguido AA..., tendo-lhe sido referido na altura, pelo arguido CC..., que se tratava de um empréstimo e que sendo a testemunha que controla as contas pessoais deste arguido, ia anotando nos talões de depósito as entregas que iam sendo feitas relativas ao mesmo (referindo 4 depósitos ( 1º em 3.03.2003 no valor de 12.000,00€ embora a entrega fosse de 15.000,00€, o 2º em 15.07.2003 no valor de 7.700,00€, embora a entrega fosse de 10.000,00€, o 3º em 20.01.2004 no valor de 8.450,00€ embora a entrega fosse de 10.000,00€ e o 4º. em 25.08.2004, no valor de 12.000,00, embora a entrega fosse de 15.000,00, explicando que a diferença de valores se deve ao facto de o montante em falta ter ficado na posse do CC... para as suas despesas pessoais), sendo que descreve a última entrega como tendo sido efectuada na sua pessoa no dia 12.08.2004 –dia dos seus anos- (guardando o dinheiro na empresa e depositando-o no Banco no dia 25.08.04). Que a entrega foi feita na empresa em ... pelo arguido AA... que aí se deslocou, entregando-lhe um envelope com 15.000,00€ que contou.
Por seu turno, a testemunha H..., Director Financeiro da X..., referiu em síntese que no final do ano de 2002 ou início de 2003, o arguido CC... lhe pediu que se encontrasse com o arguido AA... em Y... (já que era habitual vir passar o fim de semana a Anadia) para que este lhe entregasse “uns documentos, uns papeis, um envelope”, o que fez, tendo-lhe sido entregue um envelope por aquele, que ao tacto percebeu conter notas. Referiu que nenhum dos dois lhe disse na altura o que continha o envelope, vindo o arguido CC... a referir-lhe após a sua entrega, que o AA... tinha um dinheiro para lhe pagar. Saliente-se que esta testemunha para além de um depoimento que nos pareceu pouco seguro e consistente na parte atinente aos pormenores relativos à entrega e posterior tomada de conhecimento sobre valores e sua natureza, apresentou um período temporal para a situação relatada que não coincide com o indicado nem pelo arguido AA..., nem pela testemunha … .
Analisando os depoimentos prestados pelas referidas testemunhas necessariamente próximas e dependentes do arguido AA..., face à relação laboral que ocupam nas empresas daquele e consequente vinculo profissional que perante ele detêm, entendemos não terem os mesmos a virtualidade de confirmar a alegada natureza de um empréstimo das quantias em causa nestes autos.
Na verdade e se por um lado o facto de estarmos perante quantias entregues em cheques do arguido CC..., preenchidos por uma sua funcionária, não permite por si só carrear qualquer conclusão no sentido pretendido, pois tal actuação face a todo o contexto que explicitaremos infra é perfeitamente compaginável com uma forma de tornar aparentemente lícita e justificada uma entrega que efectivamente se apresenta com outros fins. Por outro lado, o facto de existirem depósitos nos montantes referidos pela testemunha …, não significa que estes digam respeito a entregas do arguido AA... e mais ainda relativos ao alegado empréstimo, aliás discrepantes entre si quanto aos montantes indicados da devolução, pois, pese embora a justificação apresentada pela testemunha para a razão dessa discrepância, não nos mereceu o seu depoimento, eivado de afirmações de duvidosa espontaneidade, conforme se pode aquilatar do respectivo registo magnético, credibilidade e consistência de molde a confirmar a factualidade em questão.
É de referir, a tal propósito, que se extrai da prova produzida (mormente das declarações dos arguidos) a existência de outros contactos entre ambos, mormente para eventuais negócios (de que é exemplo os contactos relativos à venda do terreno junto à segurança social, relatada pela testemunha …e evidenciada nas escutas telefónicas juntas aos autos a fls. 21,22, 27, 28,41, 42 a 44, 46,47,49,74, do apenso –A- a propósito do qual a dado passo estes estabelecem a seguinte conversação:
“ …AA... – Tá bom… Olhe! Eu ammm… tenho aquilo pra si….
D – (suspira profundamente) Tem isso ai pra mim, ora bem. Como é que vamos fazer? Eu vou… eu vou ligar com o… tá bem? Eu também em principio vou passar ai amanhã…
AA... – Sim senhora…
D – Mas eu vou já ligar com o …
AA... – Sim Senhora…
D – Para o … ligar consigo… e pegar nisso, tá bem?
AA... – Tá bem.
D – (imperceptível)
AA... – Depois diga-me qualquer coi… Veja se meee… se coisa… daquilo… se não se esquece de mim.
D – Não. Não. Já estou a pensar isso, tá bem?
AA... – Tá bem. Obrigadíssimo.
Não sendo também despiciendo referir, que conforme se extrai de fls. 152 a 160 dos autos, também a irmã do arguido, NN..., sócia da “...” (sociedade familiar analisada infra), com quem o arguido AA... mantinha um relacionamento estreito, conforme se extrai da prova produzida, adquiriu nessa mesma empresa “...” uma viatura …, em Fevereiro de 2003.
Feita a análise e valoração probatória da prova produzida, entendemos não merecer credibilidade a versão apresentada pelos arguidos quanto à natureza de tal entrega e quanto à alegada restituição, sendo que os depoimentos prestados por … (cuja incidência aponta para um momento concreto que não aquele, ao que o próprio referiu, que definiu os termos da entrega da quantia em apreço – ele apenas refere o pedido não o acordo e os termos deste que teria sido efectuado em momento ulterior), H... e de II.., ou não se referem concretamente a esta atribuição patrimonial, mas eventualmente a outras situações que tenham ocorrido entre ambos os arguidos ou procuram apenas servir particulares interesses dos arguidos.
Aqui chegados, impõe-se ainda explicitar que também não se mostra lógica a afirmação do arguido CC... quando declara o seu desconhecimento da qualidade de ... do arguido AA..., no período reportado à entrega da quantia em apreciação, justificando tal afirmação no facto de o ... ter perdido as eleições à U......, no final de 2001. Com efeito, tratando-se o arguido CC... de um homem de negócios, perspicaz, interessado e conhecedor de todos os assuntos de algum modo atinentes à sua actividade (como aliás ficou demonstrado nas suas declarações), com interesses, à data, amplamente conhecidos e pendentes na U......., à qual se deslocava para tratar de assuntos ligados aos processos, tendo amigos comuns com o arguido AA..., com quem mantinha contactos e por vezes se encontrava (conforme por ambos reconhecido), resulta incoerente e sem fundamento lógico a dita afirmação. O próprio contexto da entrega de tal quantia, conforme veremos, torna irrazoável a referida afirmação.
Na verdade, não se vislumbra da prova produzida, traduzida na factualidade provada, uma relação de amizade entre os arguidos, antes se mostra verificada uma relação de proximidade cimentada por contactos que se vieram a verificar entre ambos e pelo elo do relacionamento com amigos comuns. Por outro lado, não foi elencada e provada qualquer justificação plausível que de modo coerente e sustentável pudesse justificar a atribuição patrimonial em causa, a qual não poderá deixar de se considerar de elevado valor e entregue num contexto de interesses do arguido CC... na U..., como foi o processo do “...” (em cujas deliberações teve participação o arguido AA... - sendo estas sempre favoráveis às suas pretensões - algumas das quais, como foi o caso do “...” com contornos de alguma polémica) e com outros processos ainda por resolver, com decisões para serem tomadas pelo executivo da U...(e nas quais em termos de normalidade teria participação, nessa mesma qualidade, o arguido AA..., ainda que como ... da “oposição”), como sucede com as deliberações do Parque de Estacionamento da … .
Feita a análise e ponderação de todos os factores descritos, contexto pessoal (atenta a pessoa de quem provém e a quem se destina), temporal (após a resolução de um processo camarário de inegável valor para a “X...” e no decurso de outro), relacional e situacional (face à posição ocupada por cada um dos arguidos, o arguido CC... no interesse que detém e deteve na U...... e o arguido AA... na sua qualidade de ...) em que ocorre aquela dotação e respectivo valor, entendemos não se mostrar justificável de qualquer outro modo aquela atribuição ao arguido AA... que não seja, por um lado, a de compensar materialmente a intervenção por este havida nos processos em que detinha interesse o arguido CC... e do mesmo modo manter um clima de permeabilidade para quaisquer outras deliberações que nos processos em curso houvessem de ser tomadas.
São sabidas as dificuldades atinentes à prova deste tipo de factualidade, a qual possui características que na maioria dos casos dificultam a sua percepção e prova, atenta a complexidade das condutas que lhe estão subjacentes e seu circulo restrito a um número limitado de participantes (normalmente quem dá e quem recebe), ao conflito inerente à inexistência de vítima, que na maioria dos casos aparece como aliado do agente na comunhão de interesses, obstaculizando ao cabal esclarecimento dos factos, face à circunstância de que também ela aparece na maioria dos casos, na veste de arguido, o que transpõe para sede probatória a dificuldade da verificação de uma prova directa sobre os factos em apreciação. Tal, todavia, não impediu o tribunal de formar uma convicção segura, objectiva e sobretudo, necessariamente desvendável, através da fundamentação do percurso que trilhou para a convicção sem margem para qualquer dúvida razoável a que chegou, pois que em nosso entender a avaliação critica e ponderada de tudo o que vem exposto na presença do circunstancialismo objectivo descrito, não pôde em termos de motivação fáctica deixar de nos levar a concluir pela idoneidade e concludência necessárias a revelar a factualidade que acima se consignou como provada, no que tange aos descritos pontos.
Relativamente ao ponto f) dos factos dados como não provados a sua consignação como tal assentou na circunstância de não ter sido produzida qualquer prova que permita a convicção segura e consistente de que nas deliberações camarárias em que interveio o arguido AA… e que se mostram descritas na factualidade provada, o seu sentido de voto e actuação tenham sido condicionadas e ou motivadas pelo montante entregue pelo arguido CC.... Na verdade, extrai-se dos depoimentos prestados em audiência e também das declarações do arguido, na altura do Processo do “...”, ... do ... e portanto, do partido que liderava a U....... na altura, que o Presidente de U...apoiava a solução posta em apreciação na reunião, que era considerada de interesse público atentas as necessidades de estacionamento no local. A tal propósito mostram-se relevantes os depoimentos prestados pelo Presidente de U...à data dos factos, DD... e também pelos ... …(coordenador dos 4 ... do ZZ...), …...a, …, que referiram também sobre a actuação do arguido AA... no âmbito das citadas deliberações sem que se surpreendesse no seu comportamento um papel destacado ou diferenciado dos demais, tendo o arguido referido nas suas declarações que era impensável que qualquer ... da maioria pudesse estar contra uma proposta que vinha com parecer da divisão de solos e era apresentada pelo Presidente da U......, sendo uma opção política da maioria. Escalpelizada toda a prova produzida sobre tal conspecto, entendemos não resultar da mesma de forma segura e consistente a possibilidade de se concluir que o arguido agiu da forma descrita ao votar favoravelmente nas deliberações em causa nos autos condicionado ou motivado pela peita que posteriormente veio a receber do arguido CC..., inexistindo também, qualquer prova segura e consistente que permita concluir ter existido um acordo, ainda que tácito, entre o arguido AA... e o arguido CC..., antes das deliberações referidas no que toca ao designado processo do “...”, não havendo outrossim prova nos autos, de que o arguido, mesmo relativamente à deliberação a que se refere o ponto 2.11. dos factos provados, relativa à Praça … e que ocorreu posteriormente àquela entrega, tenha actuado de modo diverso e portanto votado em sentido diferente, em função da entrega daquela quantia em numerário, daquele que votaria caso não tivesse existido tal atribuição.
No que se refere à alínea g) dos factos dados como não provados, a sua consignação como tal resultou da ausência de prova esclarecedora sobre essa questão, já que para além das declarações do arguido CC..., nenhuma outra prova produzida se mostra susceptível de a esclarecer, sendo que o arguido refere não se recordar se na data dos factos era vogal ou presidente do conselho de administração da empresa, sabendo-se é certo conforme dado como provado, conforme aliás resulta do teor do documento de fls. 1473/1474, que este pertencia à sua administração.
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- Ponto 3 – B -
Relativamente ao ponto 3.1 e 3.3.., a convicção do tribunal para que fosse consignada tal factualidade como provada, assentou, essencialmente, na valoração conjugada do depoimento prestado pela testemunha VV..., proprietário da empresa “... -, Ldª” , o qual esclareceu as circunstâncias em que o arguido AA... foi prestar serviços na sua empresa e actividade nesta desenvolvida.
Na sequência do depoimento prestado pela testemunha e face a algumas divergências face a depoimento anteriormente prestado nos autos, após cumprimento das respectivas formalidades legais, foram-lhe lidas as declarações prestadas em sede de inquérito (constantes de fls. 1325/1327), tendo-as a testemunha confirmado, pretendendo no entanto esclarecer que o facto de o arguido AA... ter sido ... na área do ambiente (não foi essencial) mas ajudava ao desempenho das suas funções na empresa (face ao conhecimento que tinha do sector, facilidade de comunicação e conhecimento de pessoas nas U......s municipais), referindo ainda que no período pós eleitoral e em que exerceu funções na empresa, as funções do arguido eram essencialmente importantes na área de cobrança junto das U......s municipais. Referiu ainda sobre o papel de representação da empresa, mormente junto de outras U...... (que não a de Y...), desenvolvidos pelo arguido AA....
Em conjugação com o depoimento prestado foi valorado objectivamente o teor do documento junto aos autos, subscrito pela empresa “…”, a fls.1356 a 1358.
Por último, valoradas também as declarações prestadas pelo arguido AA..., o qual confirmou as circunstâncias da prestação de serviços que efectuou na empresa em apreço, a prestação de serviços de consultadoria a esta empresa, aproveitando para o efeito os conhecimentos que detinha do exercício das suas funções, referindo ainda sobre a inexistência de qualquer impedimento legal ao exercício de tais funções já que era ... da “oposição” sem qualquer tempo atribuído ( não era ... nem a tempo inteiro, nem a tempo parcial), não tendo praticado qualquer intervenção nesse período na U... em relação à empresa “...”.
A conjugação da prova produzida e a que acima fizemos referência, apenas permitiu o esclarecimento da matéria factual acima dada como provada, e tão só, na medida indicada, não logrando ir além do que aí se consignou. Concretamente, e no que tange às conclusões ínsitas nas alíneas a) e b) dos factos consignados como não provados, não logrou a prova produzida nos autos esclarecer essa matéria, não permitindo a sua confirmação, mormente quanto ao uso de informações que lhe tivessem sido prestadas no uso do mandato popular (que informações e em que circunstâncias?) nem teve a mesma a virtualidade de permitir a ilação naqueles aposta quanto à violação pelo arguido, no exercício do mandato popular, dos indicados deveres no âmbito da prestação de serviços que desenvolveu para a empresa “...”. Com efeito, a factualidade provada quanto à prestação de serviços pelo arguido na referida empresa e ainda que para a sua consecução beneficiasse da experiência e conhecimentos gerais que detinha e que lhe advieram do facto de em anos anteriores ter sido ... com o pelouro do ambiente (o que já não sucedia na altura em que os prestou) e dos contactos que naturalmente tinha do exercício das funções de ..., não permite a conclusão segura e consistente da violação de tais deveres.
Também a análise da documentação junta aos autos (a fls. 1359 a 1366) e que veio a ser solicitada à C.M.C. no decurso da audiência, relativa às aquisições efectuadas pela empresa “...” à U..., no ano de 2002 e anos anteriores, constante de dois dossiers apensos aos autos e de fls. 3577 destes, nada aduz que permita extrair qualquer outra conclusão probatória no que tange aos factos referidos.
No que concerne ao ponto 3.2. dos factos provados, assentou na análise do teor dos documentos de fls. 1356 a 1358 e 1367 a 1379, recibos de pagamentos e cheques relativos à prestação de serviços e despesas, entregues ao arguido.

- Ponto 4 – C –
Reportando aos pontos 4.1. a 4.3, o tribunal alicerçou a sua convicção para consignar tal factualidade como provada, no teor dos documentos juntos aos autos a fls. 1040 a 1043, cópia do denominado “Acordo Social” e do contrato-promessa, com cópia junta a fls. 1055 a 1059, os quais foram assinados pelos nele intervenientes, e de cuja análise resulta a atinente factualidade. A celebração do dito “acordo social” resulta também das declarações prestadas pelo arguido AA..., pese embora o modo confuso, desarticulado e sem um fio de raciocínio linear como as prestou (conforme se pode aquilatar da respectiva audição), assentando a justificação na aquisição dos 6% aí referenciados a factores estranhos aos aí indicados e referindo que o mesmo não teve concretização quer pela sua impossibilidade (quanto à alteração do estatuto da associação), quer face à situação financeira da “ …”. A questão dos 6% vem referenciada nas escutas telefónicas juntas aos autos, nas extensas conversações telefónicas mantidas entre o arguido AA... e OP... sobre o negócio de venda do prédio arrendado à “Associação ...” e sobre as questões surgidas com o atraso na apresentação pela U...do processo relativo ao Plano de Pormenor a deliberação, mormente nas transcrições constantes no Apenso B- de 24.11.2005-a fls. 108, onde, a dado passo, o arguido AA... refere: “E eu falo…amanhã com toda a calma…Agora aaa…, eu disse logo ao …o, porra que eu não me esqueço que também já tenho seis por cento nessa merda, e não quero ficar cá entalado disse logo: meu caro amigo, nós vamos respeitar o contrato tal… tal… tal…, informando a …”, e ainda a de 4.11.2005 (fls. 3 a 7).
Também a testemunha FF..., o qual era professor na … e que também entrou como associado da Associação ..., assumindo as funções de presidente da Assembleia Geral daquela associação (cfr. acta junta a fls. 3558 a 3561), referiu sobre a celebração daquele acordo social e sobre a sua não concretização, já que alguns meses depois se teve conhecimento da má situação financeira da … .
No que tange ao facto referido no ponto 4.4., a respectiva factualidade resulta da valoração das declarações prestadas pelo arguido AA... que explicitou a matéria factual aí indicada, mormente quanto às funções que desempenhava na “Associação ...” e momento a partir do qual assumiu a presidência da instituição, conjugadas estas com o teor da acta nº28 da Assembleia Geral da Associação ... , junta aos autos a fls. 3474 a 3489 e da acta nº26 de 9.09.2005, junta aos autos a fls. 3550 a 3561, conjugado ainda com o teor dos documentos referidos no que tange ao ponto 4.5.
Relativamente ao ponto 4.5. e 4.6, a sua consignação na factualidade apurada assentou na análise objectiva do teor dos documentos de fls. 1220 a 1226 (protocolo e contrato promessa de compra e venda, fls. 1227 (commitment letter) e fls. 1236 a 1240, 1244 a 1246, documentos que pese embora não estejam assinados, já que foram encontrados no âmbito da busca realizada às instalações da “..., SA”, encontrando-se no conteúdo de uma pen, foram os mesmos amplamente referenciados no âmbito da prova produzida em audiência de julgamento.
Assim, foram valoradas as declarações prestadas pelo arguido AA..., relativamente à celebração do contrato, intervenção da arrendatária “Associação ... ” com o necessário declínio do exercício de preferência e vantagens que a celebração de tal contrato lhe permitiria adquirir, com a aquisição do prédio ao fim de vinte anos. No que tange concretamente à “commitment letter” e ao aí consignado, é esta expressamente referida, mormente quanto às vantagens que a venda do imóvel implicaria para os nela indicados (e concretamente, no caso, para o arguido AA...) nas escutas telefónicas efectuadas no âmbito destes autos e devidamente autorizadas, cuja transcrição se mostra junta no apenso B, conversações mantidas entre o arguido AA... e OP... (veja-se fls.92 e 93 apenso A, conjugado com o teor da acta de fls. 3558 a 3561), e das quais se extrai também diversas referências aos contratos celebrados e benefícios nestes acordados que seriam auferidas em função da possibilidade de construção no prédio e sua dependência do acto de venda deste, e designadamente, as escutas relativas aos dias 4.11.2005 (fls.3 a 7), onde é feita referência à letra de garantia das rendas que necessita de ser assinada (designadamente pelo AA...) para a concretização do negócio (veja-se o teor da comittment letter a fls. 1228), e às demais “mais valias” decorrentes do contrato; e bem assim as escutas dos dias 16.11.2005 e 24.11.2005 ( fls. 54 a 56 e 86 a 88) onde se refere a procuração necessária à efectivação da escritura- cfr. cláusula 2ª do contrato a fls.1222; de 24.11.2005 (fls. 105 a 113), do apenso A, conversações mantidas entre o arguido AA..., OP... ( extraindo-se do teor das conversações ser … da “...”); no dia 7.01.2006 (fls.12 a 30), das quais se extrai a preocupação do arguido AA... e OP... … relativamente ao recebimento dos proventos acordados com a celebração da venda, e onde é feita referência expressa à commitment letter e aos pagamentos e respectiva data, na mesma previstos.
Refere também a testemunha FF... no seu depoimento, ter tido conhecimento da existência de uma commitment letter relacionada com o facto de a “...” pretender que associados assinassem uma letra para garantia do pagamento das rendas, referindo no entanto nunca a ter visto.
A conjugação de toda a prova produzida no que a tal conspecto respeita, permitiu, na forma indicada, dar como provada a factualidade consignada nos pontos supra indicados, relativamente aos acordos que haviam sido celebrados entre os vários intervenientes indicados. Por outro lado, permitiu esclarecer o tribunal sobre os diversos interesses que se apresentavam em jogo, que não apenas aqueles que o arguido AA... expressou nas declarações prestadas (circunscritos à questão do pagamento das rendas pela Associação).
Valorado ainda o teor objectivo de fls. 1773, 1774.
No que tange aos pontos 4.7. a 4.10., a sua consideração como provados resultou da análise objectiva do teor do documento junto aos autos a fls. 1046 a 1050 (acordo de prestação de serviços de consultoria celebrado entre a “...-, SA” e o arguido AA...), e pelos outorgantes assinado, do qual se extrai o teor do acordo celebrado entre os subscritores relativamente à prestação de serviços que o arguido AA... se vinculava a prestar à sociedade e que este arguido confirmou nas declarações por si prestadas.
Foi ainda valorado o teor dos documentos de fls. 2505 a 2572, relatório de inspecção tributária do qual se extrai que a partir de Março de 2003 a facturação da mensalidade relativa à prestação de serviços acordada entre a “...” e o arguido AA... passou a ser facturada pela firma ... , Ldª e o valor daquele pagamento a entrar nas contas bancárias desta – vide fls.357 a 368 do apenso1 e a ser esta empresa a declará-los para efeitos fiscais.
Vide ainda os documentos de fls. 192 a193.
O arguido AA... nas declarações que prestou referiu também sobre a transferência da sua posição no acordo celebrado com a “...” para a “...”.
Já quanto ao facto não provado referido em a) deste ponto 4., a sua consignação como tal resultou da análise da certidão da Conservatória de Registo Comercial da sociedade “...-, Ldª”, da qual se extrai que na data em questão o arguido AA... era representante legal da referida sociedade, tendo apenas renunciado à gerência em 1.10.2004, infirmando o facto naquela alínea referido.
A factualidade constante dos Pontos 4.11. a 4.13., assentou na análise do teor da certidão da Conservatória de Registo Comercial relativa à sociedade em questão “... - Ldª”, a qual se mostra junta aos autos a fls. 178 a 180 e fls. 1169 a 1171, e da qual se extrai a atinente factualidade, conjugada esta com as declarações do arguido AA..., que confirmou a factualidade descrita, mormente quanto à renuncia à gerência, referindo como motivo a sua entrada a tempo permanente como vice presidente …, extraindo-se do teor dos documentos de fls. 2538 a 2540 que o arguido AA... já era Vogal da …desde …, o que levou também à consignação como não provada da factualidade referida na alínea c) dos factos não provados.
A consignação da factualidade dada como provada nos Pontos 4.14. a 4.16., resultou da análise da globalidade da prova produzida em audiência de julgamento e sua conjugação e análise crítica com as regras da experiência comum e normalidade das coisas.
Assim, se por um lado, as próprias declarações do arguido (na forma como se refere à sua constituição e objectivos) nos ajudam a percepcionar a finalidade da constituição da sociedade “...”, por outro, todo o circunstancialismo fáctico e temporal que se apurou sobre os negócios em que era parte o arguido AA... e que iam sendo transmitidos para aquela sociedade (veja-se a situação da ... e posteriormente do “acordo social”), conduz-nos à confirmação da factualidade aí descrita.
Com efeito, analisando a composição da referida sociedade –fls. 1171-, constituída em 21.01.2003, verificamos que os únicos sócios desta, são as duas irmãs do arguido, um sobrinho e o filho deste, também designado gerente ( as relações familiares foram confirmadas pelo arguido). O arguido AA... não entrou como sócio desta sociedade, mas foi nomeado gerente, juntamente com o seu filho, pese embora a forma de obrigar a sociedade estivesse exclusivamente reservada à assinatura do gerente AA....
O arguido AA... nas declarações prestadas, pese embora negue qualquer relação com a ... após Setembro de 2004, acaba por nos trazer uma visão dos objectivos, domínio e actividade da sociedade que claramente infirmam a sua declaração. Concretizemos, resulta das suas declarações que seu filho BB... (gerente, após a sua saída - cf. fls.2535 a2537) era no decurso dos anos de 2004/2005 estudante, as suas irmãs reformadas e o seu sobrinho, também estudante; era o arguido que, segundo refere, assessorava o filho, após a sua saída da gerência. Verifica-se, outrossim, que o tipo de contrato celebrado com a “...” (nitidamente pessoal e ligado à pessoa, qualidades e capacidades do arguido AA..., mormente como consultor- aliás, veja-se o teor do próprio contrato) e o tipo de serviços que o arguido aí se obrigava a prestar e pelas quais foi estabelecida uma remuneração, que continuou a ser paga no decurso dos anos seguintes através da “...”, pressupunha a continuação da prestação daqueles serviços. Conforme se pode extrair da prova produzida, o arguido continuou depois da sua saída a intervir em negociações de imóveis, aliás por este referidos nas suas declarações. Veja-se, para além do mais, os contactos com CC... e a testemunha … - depoimento por este prestado em audiência, quanto a um terreno da Segurança Social- e bem assim as escutas telefónicas, com transcrição no apenso A- a fls. 18 e 62 do apenso B, onde é feita a referência a outros negócios com o …, e ainda o teor dos documentos apreendidos ao arguido AA... a fls. 1093 a 1095.
Analisando a própria actividade da sociedade, extrai-se, que esta não apresentou qualquer outra actividade para além dos serviços prestados à “...”, conforme análise dos documentos juntos aos autos, mormente no teor do “Anexo ao balanço e à demonstração de resultados” junto a fls. 1060 a 1064, relatório de finanças de fls. 2505 a 2580, extraindo-se da análise das declarações prestadas pelo arguido AA…, que o mesmo não consegue identificar concretamente quaisquer outras empresas para quem a “...” tenha prestado serviços, para além daqueles que resultaram do contrato de prestação de serviços que o arguido AA... havia celebrado com a “...”, e que para a “...” transferiu (explicando que não existiam outras empresas, uma vez que as oportunidades de negócio tinham que ser dadas primeiro à “...”) .
Também do depoimento da testemunha KK..., T.O.C., responsável pelo escritório da empresa (“…, Ldª”), onde a contabilidade da “...” foi feita entre 2003 a 2006, e cujas declarações prestadas em inquérito de fls. 1397/1398, foram lidas em audiência, após cumprido o devido formalismo legal, se extrai, que a única cliente da “...” era a “...”, e que pese embora desvinculado formalmente da gerência, o arguido AA... continuava a gerir e tratar dos interesses e questões atinentes à “...”, referindo ainda esta testemunha sobre os resultados apresentados pela sociedade e seu activo.
Pese embora a testemunha em audiência, de forma hesitante e nervosa, conforme se aquilata do respectivo registo magnético, procurasse dizer, sem qualquer credibilidade ou consistência, que afinal contrariamente ao que disse no inquérito, não conhecia o arguido AA... e que apenas tratou dos assuntos da “...” com o filho daquele, justificando as declarações anteriormente prestadas, como um equívoco!, não lograram tais justificações o convencimento do tribunal, merecendo outrossim relevância, pelos pormenores então explicitados e conhecimento que a testemunha necessariamente detinha, atentas as funções que exercia, credibilidade, aquilo que pela mesma foi referido nas declarações prestadas em inquérito.
Verificamos assim da prova produzida, que desde o início ( como sucedeu com a transferência da sua posição na “...” para a “...”), e mesmo depois da sua renuncia à gerência na “...”, era o arguido quem decidia sobre questões essenciais atinentes à mesma, como se vislumbra na questão da entrada nos 6% na ... (Acordo Social) situação para a qual em audiência referiu “ter eu os 6% ou a família era igual, na sua família é assim, não quis os 6% porque estava a desempenhar funções”, “a ... era uma coisa de família, combinada a quatro da família, não havia um estranho”.
Não será despiciendo referir o que o arguido AA... refere a propósito de uma outra sociedade a “ …” na qual formalmente foi o filho que entrou de sócio, mas como o próprio referiu, era o arguido quem efectivamente estava à frente dessa situação, representando-o, participando e gerindo as questões que lhe diziam respeito, evidenciando a forma de actuação daquele.
Por outro lado, extrai-se da análise do apenso -1-, relativo aos extractos e documentação bancária da conta na C.G.D., titulada pela “...”, que o arguido AA..., pese embora formalmente tenha cessado a sua qualidade de gerente daquela sociedade, continuou a passar cheques da conta bancária em questão, conforme se extrai de fls. 187 a 192, 197, daquele apenso.
A análise de toda a prova produzida faz-nos percepcionar de forma clara e sem margem para dúvidas qual o desiderato da existência da firma “...” a qual é constituída (Janeiro de 2003) logo após a assinatura do acordo de prestação de serviços de consultadoria entre o arguido AA... e a “...” (em 2 de Dezembro de 2002-fls. 1046/1050), vislumbrando-se claramente que esta serviu os interesses próprios do arguido AA..., quando pretendendo não ser associado a determinadas actividades (face a incompatibilidades que o próprio admitiu poderem existir) as transferia para esta sociedade familiar, cujos destinos em última instância controlava e geria.
Sobre o interesse do arguido em não ser relacionado com os interesses das empresas intervenientes no Acordo Social acima referido, foi ainda importante na conjugação com a demais prova produzida, o depoimento prestado pela testemunha QQ..., o qual entre 2005 e 2009, era simultaneamente ... na U....... e funcionário da “...”, e referiu sobre as negociações que esta empresa tinha em curso num negócio em Y... (projecto relativo a …) relativamente ao qual lhe foi dito pelo responsável da empresa …, que não devia ter qualquer intervenção ou conhecimento sobre o mesmo, e bem assim do interesse que os neste intervenientes (pessoas de Y...) tinham em que a testemunha não tivesse conhecimento da respectiva identidade, extraindo a testemunha a ilação, posteriormente, que uma dessas pessoas poderia ser, entre outras, o AA..., referindo ainda que não tinha conhecimento, à data, que este trabalhasse para a empresa, mas só do seu relacionamento pessoal com o … .
A conjugação de toda a prova produzida e acima analisada, bem como o que infra irá ser referido sobre os interesses do arguido AA... na celebração do contrato de compra e venda da Quinta pela “...” e actuação deste para que o Plano de Pormenor fosse levado rapidamente a deliberação, permite esclarecer o interesse do arguido AA... em que a sua conduta como autarca não fosse relacionada com o interesse das empresas intervenientes em tal acordo.
Ponto 4.17., a matéria relativa a este ponto que foi consignada como provada, assentou na consideração do teor objectivo do documento junto aos autos a fls. 1044 a 1045, apreendidos em casa do arguido AA... (cfr. fls. 1033 e 1034), subscrito por ambos os outorgantes.
Ponto 4.18. Resulta da conjugação da análise do teor, quer dos documentos camarários juntos aos autos a fls. 1648 a 1669 e de fls. 1241 a 1243, e bem assim do depoimento prestados por FF... FF..., que referiu sobre a cessão da posição contratual à …, bem como da análise das escutas telefónicas que fazem referência a essa questão (veja-se as conversações mantidas entre AA.../OP... e …) apensos A e B.
Quanto às anteriores solicitações relativas ao plano de pormenor, feitas pela “Associação ...” à U..., para além da documentação acima referida, foram estas referidas no depoimento prestado por EE..., o qual foi ... com o pelouro do planeamento e vice presidente da C.M.C.
Ponto 4.19. No que tange à factualidade considerada como provada neste ponto, o tribunal alicerçou a sua convicção, na conjugação do depoimento prestado pela testemunha Eng. EE..., engenheiro civil, o qual exerceu funções na U... entre 2002 e 2009 (... com os pelouros do planeamento, obras particulares, e num determinado período obras municipais e administração geral, e nos últimos anos como vice-presidente) e que referiu sobre a existência de alguns contactos por parte do AA... e bem assim no teor das escutas telefónicas, com transcrição a fls. 65, 130 a 132, 133 a 143, mensagem a fls. 144 a 150 (apenso A), de fls. 6 a 9, 38 (apenso B), donde se extrai a existência dos mesmos, bem como o teor das escutas telefónicas com transcrição a fls. 124 a 137 (Apenso A), cuja sequência e teor das conversações nos esclarecem sobre a pessoa de quem se fala, “M”, o ... QQ..., ... na U...... pelo ZZ..., no período em questão e que à data também trabalhava na “...”, o qual pese embora tenha referido em audiência não se recordar da existência de contactos por parte do AA... nesta matéria, a existência destes contactos vem-nos expressamente referida pelo arguido nas transcrições acima aludidas -veja-se fls. 130,133 e 134, do apenso A.
Conforme referimos, a testemunha EE..., confirmou ter ideia dos contactos que lhe foram feitos por parte do arguido AA... no sentido de saber sobre o andamento do processo, referindo, no entanto, não ter sentido qualquer pressão por parte daquele ou ter qualquer ideia sobre o relacionamento do arguido AA... com a “Associação ...”, ambas as situações relativamente às quais, diremos, serem dificilmente explicáveis e compreensíveis, face ao teor das escutas telefónicas acima referidas, das quais se extrai, a forma insistente e impressiva dos contactos feitos pelo arguido junto do Eng. EE..., para que o processo fosse levado à sessão de U....... Esta testemunha referiu ainda que a questão do plano de pormenor para aquele local não era uma questão nova, uma vez que o estudo urbanístico daquela zona era uma questão que já se encontrava a ser ponderada há alguns anos.
Por seu turno, o arguido AA... nas declarações por si prestadas afirmou que estava a ser “apertado” por um elemento da direcção da Associação e que, por via disso, falou com o Eng EE..., vice Presidente da U..., no sentido de acelerar a deliberação relativa ao plano de pormenor, referindo, contudo, que o que estava em causa era apenas o facto de a Associação estar a pagar 40.000,00€ de renda e ter interesse em que fosse efectuada a escritura de compra e venda que a “...” pretendia realizar com vista à aquisição da “Quinta de …”. Referiu ainda, sobre os contactos que também manteve com a testemunha …, da ..., porque aquela era interessada em comprar e a Associação tinha interesse na celebração do negócio (veja-se os contornos do negócio de aquisição a que alude o documento de fls. 1220/1226 e 1236/1040 e que permitiria, em determinadas condições, a futura aquisição da propriedade do terreno pela Associação).
Já quanto à matéria consignada na alínea b) dos factos não provados, quanto a este ponto, a sua consignação como tal, resultou de nenhuma prova ter sido efectuada que os permitisse confirmar.
Ponto 4.20., a consignação como provada da factualidade aí descrita resulta claramente evidenciada do teor das escutas cuja transcrição se mostra junta aos autos e das quais se extrai as inúmeras conversações telefónicas mantidas entre o arguido AA... e outros associados da “Associação ... de …”, designadamente, com o Dr. OP... e bem assim com o … da “...”, sobre a evolução do procedimento administrativo em curso na U......., de que são exemplo as conversações telefónicas constantes das transcrições dos apensos A e B, designadamente de fls. 68 a 70,77 a 79, 90 a 95, 123 a 126, 130 a 143, 148 a 150 (todas do apenso A) e fls. 6 a 9, 10 a 19, 39 a 47 (apenso B), e que permitem de forma evidenciada espelhar os contactos e natureza das conversações entre aqueles intervenientes e os interesses em causa.
No que tange à factualidade dada como provada e constante dos Pontos 4.21. e 4.22., para além da análise objectiva do teor do documento junto aos autos a fls. 1016 a 1017, acta da reunião ordinária da U..., na parte atinente à discussão do Ponto VII, relativo ao Plano de Pormenor da Quinta de …, a qual ocorreu em 9.01.2006 e não na data indicada na pronúncia (9.12.2006), uma vez que se extrai do teor da própria acta (a fls. 1016/1017) a data da sessão (pese embora na mesma acta a deliberação apareça com a data de 9.12.2006, veja-se ainda as cópias de um jornal da altura –junto a fls. 894 a 896/fls. 943- que refere a aprovação pela U...da elaboração do Plano de Pormenor em questão, que têm data de 12.01.2006 e 2.02.2006, e o teor dos documentos da U...... de fls. 1668 e 3456-A, onde se faz referência à data da deliberação, constatando-se assim que a data correcta é aquela que veio a ser dada como provada. A incorrecção da data consignada na pronuncia quanto à deliberação em causa foi também explicitada em audiência pelo arguido AA..., levando tudo o que vem exposto à não prova do facto referido na alínea d) dos factos dados como não provados.
Relativamente aos pontos acima referidos e respectiva factualidade, foram ainda valoradas as declarações prestadas pelo arguido AA..., o qual referiu que no seu entender não existia qualquer conflito de interesses na sua intervenção na votação em questão, porquanto, segundo justificou, a mera qualidade que tinha de associado da Associação ..., não o impedia de participar.
A tal propósito foi ainda valorado o depoimento prestado pela testemunha K..., oficial do exército e à data ... pelo ... na U....... ( 2005/2006), conjugadas estas com o registo da conversação telefónica mantido entre esta testemunha e o arguido AA..., cuja transcrição se mostra efectuada no apenso B a fls. 30 a 37, no decurso da qual foi abordada a questão de eventual conflito de interesses na participação do arguido AA... na deliberação em questão, questionando-o a referida testemunha a tal propósito ( explicando que o fez porque poderia ser mal interpretada a intervenção do arguido AA...). A testemunha K... explicitou ainda as razões pelas quais votou contra o referido Plano de Pormenor, explicando as suas objecções contra o crescimento urbanístico daquela zona, pois entendia que havia área prioritárias relativamente às quais a U...devia fazer planos de pormenor e não aquela.
Sobre a questão da compatibilidade/incompatibilidade na presença do arguido AA... na votação em apreço, foi ainda referido pela testemunha …, que o arguido na reunião de U...havia feito referência à inexistência de qualquer relação com a “Associação” que o impedisse de votar, já que segundo aquele referiu era mero associado.
Relativamente à factualidade dada como provada nos pontos 4.23. e 4.24., a convicção do tribunal assentou na valoração da globalidade da prova produzida sobre tal conspecto e que acima foi sendo escalpelizada relativamente a cada um dos pontos discriminados (atinentes ao ponto 4.) na sua conjugação e articulação com a lógica das coisas e as regras da experiência comum, na inferência que os factos objectivos resultantes da prova produzida aliada àquelas regras nos permite concluir pela verificação dos factos que vieram a ser consignados como provados.
Concretizando, da factualidade que vem descrita nos pontos 4.1 a 4.22, extrai-se a confluência de diversos interesses (particulares e societários) que se mostravam em causa na deliberação sobre o plano de pormenor da Quinta de …, facto a que não é alheia a circunstância evidenciada, mormente nas transcrições telefónicas descritas, da urgência e insistência com que esse assunto era abordado entre os intervenientes no período em questão e na preocupação, e por vezes algum desespero, claramente evidenciados pelos intervenientes (entre os quais o arguido AA... –veja-se a título de exemplo as conversações a fls. 26 a 30 do Apenso B) sobre a concretização dos acordos celebrados quanto às mais valias a auferir com a celebração de tal contrato.
Os procedimentos, contactos e transferência de informações advindas da U......., levados a cabo pelo arguido AA... para alguns dos intervenientes e interessados no contrato de compra e venda da propriedade Quinta de …, mostram-se claramente evidenciados da prova produzida, a qual também elucida, que para além dos interesses da própria associação, eram os particulares interesses que o arguido detinha no desenrolar de todo o processo e mormente, na deliberação camarária em questão, que o motivavam na sua actuação. Situação a que não são alheios, quer os proventos auferíveis com a sua concretização, quer a própria relação que detinha com a associação ... de …, que contrariamente ao que quis fazer crer aquando da sua intervenção na deliberação do executivo, não era tão só a de um associado comum de uma qualquer associação de utilidade pública, já que claramente se apreende da prova produzida, a sua intensa e activa envolvência com a referida associação, a partir de 9 de Setembro de 2005, altura em que passou a ser presidente do seu conselho fiscal, quer pela sua envolvência claramente retratada nos contratos celebrados nessa mesma data e a que supra se fez referência, quer mesmo pela assunção da presidência desta associação poucos meses depois (Outubro de 2006).
Participando no acto deliberativo do executivo em que intervêm como ... e votando favoravelmente a propósito do Plano de Pormenor no exercício do mandato popular, mas, sobretudo, extravasando-o pela sua actuação evidenciada nos vários factos acima escalpelizados, naquilo que se assume a vertente de toda a plêiade dos demais deveres violados pela afronta inequívoca dos deveres que no exercício de tal mandato lhe estavam reservados, entendemos verificada a prova segura e consistente da violação dos deveres de probidade, isenção e prevalência do interesse público, pressuposto da outorga de tal mandato popular.
A consciência e voluntariedade da conduta aparecem-nos perfeitamente percepcionados pela lógica e experiência comum decorrente da análise dos vários procedimentos encetados pelo arguido nas condutas encetadas e nas cautelas que foi procurando ter em cada uma delas, de que é exemplo todos os procedimentos para associar outrem (no caso, a “...”) aos negócios encetados relativamente ao “acordo social” e prestação de serviços da “...”, quer mesmo às explicações que necessitou de apresentar aquando da votação no executivo, para “legitimar”a sua intervenção (veja-se ainda o teor da sua conversação com a testemunha K..., acima referida).
Ponto 5 – D -
No que tange ao ponto 5.1. dos factos provados, a sua consignação como tal resultou desde logo das declarações do arguido AA..., que confirmou a atinente factualidade, explicitando o respectivo período temporal.
Relativamente ao ponto 5.2. a 5.5. foram valoradas as declarações prestadas pelo arguido AA... na parte em que as mesmas se mostraram credíveis e consonantes com as regras da lógica e experiência comum, pois conforme se extrai da respectiva audição, o mesmo apresentou um depoimento confuso e sem coerência lógica, referindo, não obstante, sobre o conhecimento que tinha do empresário LL... (que à data tinha em curso, em Y..., o empreendimento ...), e com o qual estreitou relações por via da AC… (a cujos jogos ambos assistiam) admitindo ter contactado e recebido da testemunha LL... uma quantia para a campanha eleitoral (pese embora, conforme se pode aquilatar da audição do respectivo registo magnético, a forma confusa e inconstante como se referiu ao longo das suas declarações ao montante entregue pelo LL..., referindo-se inicialmente a valores entre 5.000€/6.000/ 7.000€ não sabendo se chegou aos 10.000€, fixando-se no final das suas declarações em 5.000,00€, declarando que foi apenas este o valor entregue para a campanha, referindo que foi em dinheiro, o qual depositou numa conta sua e que entregou tal quantia como donativo ou ao mandatário financeiro ou ao candidato a Presidente da U...através de cheque seu, ficando com o recibo de 5.000,00€, em seu nome, já que o LL... não queria o nome dele envolvido. Por seu turno, pese embora o depoimento também hesitante e impreciso, quanto a tal questão, da testemunha LL..., esta referiu os contactos estabelecidos pelo arguido AA... para que colaborasse com quantias monetárias, quer para a campanha eleitoral, quer para a resolução de uma responsabilidade bancária, não conseguindo esclarecer os montantes, mas admitindo como válidos os referidos pelo arguido AA....
Extrai-se, por outro lado, da informação prestada a fls. 1886 a 1888 pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (lista de todos os donativos/ referente ao produto de actividades de angariação de fundos para a campanha das eleições autárquicas de 2005), a natureza e âmbito de tal doação e bem assim a confirmação da entrega de um cheque no montante em apreço (no âmbito de actividade de angariação de fundos), em nome do AA....
Conjugada a prova produzida em audiência e tendo ainda em conta o que resulta da normalidade da vida e da experiência comum, entendemos mostrar-se totalmente incongruente a versão apresentada pela testemunha LL..., quanto ao alegado desconhecimento de que o arguido era presidente da Comissão … do ZZ..., pese embora o admitido conhecimento do exercício das suas funções como .... A inconsistência de tal alegado desconhecimento evidencia-se, quer pelos interesses que a testemunha detinha na cidade de Y..., com o projecto comummente conhecido pelos “...”, à data, com problemas sérios de licenciamento e outros (com embargo de obra a que estava sujeito) na U... onde o arguido AA... era ..., quer pelo teor de todos os factos objectivos que se mostram apurados quanto à actuação do arguido AA... na angariação de fundos para a campanha autárquica, designadamente junto daquele empresário, o que em termos de lógica implica a explicitação do âmbito de actividade em que o faz e que se mostram consubstanciados desde logo no pedido que é efectuado ao LL..., empresário conhecido e com quem o arguido AA... mantinha contactos regulares, conforme se extrai, por um lado das escutas telefónicas efectuadas nos autos, e que pese embora se refiram a um período temporal posterior ao dos factos ora em apreciação e que serão objecto de análise concretizada no ponto seguinte, são reveladoras da natureza dos contactos estabelecidos entre ambos, cuja transcrição se mostra junta a fls. 14 a 15, 20 a 21, 29 a 30, 37 a 39, 44 a 45, 59 a 64, 71 a 73, 79 a 80, 82 a 84, 146 a 147 (todas do apenso A) e fls. 4 /5, 69 (ApensoB), quer, por outro, das próprias declarações do arguido AA..., que referiu o conhecimento que tinha deste empresário, pernoitando sempre que se dirigia a Lisboa, no Hotel …, propriedade do mesmo.
Por outro lado e a nível do factos referentes à motivação e consciência da actuação, não colhe um alegado desconhecimento do arguido relativamente às regras impostas sobre a forma de financiamento e responsabilidade deste, já que a factualidade apurada se revela a tal nível, quer pela própria actuação do arguido ao entregar um cheque em seu nome, quer na solicitação do recibo correspondente, branqueando através de um cumprimento aparentemente formal das regras do financiamento o verdadeiro doador da quantia, regras essas que não se concebe, em termos de normalidade e experiência comum, que um dirigente partidário como era o arguido, com responsabilidades a nível local, mormente pela sua qualidade de Presidente da Comissão ... do ..., não conhecesse claramente.
No que se refere à consignação como não provados dos factos referidos nas alíneas a) e b), deveu-se a mesma à ausência de prova segura e consistente que lograsse a sua sustentação. Com efeito, no que tange ao valor efectivamente entregue, o arguido não admitiu a entrega pela testemunha LL... para a campanha eleitoral do valor de 10.000,00€ (referiu no início das declarações não ter a certeza do valor, aventando vários valores, para depois referir que foram apenas 5.000,00€). Por seu turno a testemunha LL... no depoimento que prestou, conforme referimos supra, não logrou esclarecer o montante que entregou ao arguido AA... para a campanha, referindo ao longo do seu depoimento que apenas entregou ao arguido AA... 2 a 3 mil euros, no total, em numerário, dizendo no entanto, conforme já referido, que se o arguido refere outros valores, esses estarão correctos.
Da análise da prova produzida, da qual não se consegue extrair a data exacta da entrega ao arguido AA... da quantia em causa, não se logra apurar de forma consistente a entrega do valor de 10.000,00€, mas apenas o valor de, pelo menos, 5.000,00€, a que não é alheia a circunstância de estarmos perante valores em numerário, sem que o acto tenha sido testemunhado por outras pessoas. Não permitiu, de igual modo, a mesma esclarecer sobre os factos referidos na alínea b), já que os mesmos não se mostram sustentados em qualquer prova produzida, tendo sido negados pelo arguido AA....
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Relativamente ao ponto 6. e, concretamente, aos factos consignados nos pontos 6.1 a 6.6., a sua consignação como provados assentou na análise conjugada e crítica da prova produzida, aliada esta às regras da experiência comum e normalidade das coisas, tendo por base, por um lado, as declarações prestadas pelo arguido AA..., na parte em que as mesmas se mostraram consonantes e credíveis face à demais prova produzida. Com efeito, o arguido admitiu ter contactado a testemunha LL..., por várias vezes (algumas das quais telefonicamente – conforme aliás se pode constatar claramente das escutas telefónicas efectuadas nos autos, às quais nos voltaremos a referir infra -) com vista a que este lhe entregasse uma quantia monetária, segundo a explicação que deu, para ajudar no pagamento de uma livrança do candidato SS...(de 100.000€) referente às dívidas da campanha, admitindo que lhe terão sido entregues, 3 a 4 mil euros pelo LL..., a tal título.
A testemunha SS…, no depoimento apresentado por escrito nos autos a fls. 3585, referiu sobre a existência da supra referida livrança e sobre a entrega de parte do valor da mesma para as despesas da campanha, pese embora refira que a mesma veio a ser integralmente paga por si.
Por seu turno, a testemunha LL..., pese embora, conforme vimos a propósito do ponto 5., tenha apresentado um depoimento confuso e pouco congruente ou esclarecedor, admitiu os contactos feitos pelo arguido AA... após a campanha eleitoral (aliás, claramente evidenciados nas escutas telefónicas), por causa de uma “despesa em Banco” para uma “letra”, que necessitaria de ser paga, admitindo ter entregue a quantia referida pelo arguido AA.... Inquirido sobre a razão de tal “doação”, a testemunha não logrou apresentar uma justificação consistente ou mesmo razoável, invocando várias doações que regularmente faz a instituições como os bombeiros, ou outras. Instado sobre o prolongamento dos contactos a que aludem as escutas telefónicas e a razão pela qual não disse que não ao pedido que lhe estava a ser efectuado, pese embora fosse adiando a situação, referiu que na altura “estava chateado com a situação que se passava no país e principalmente consigo…, adiou o problema porque não queria estar a alimentar mais nada”, “porque não tinha a solução para isso”, “era-me feito um pedido… e se estava naquela altura pensando em não fazer mais nada neste pais pelas dificuldades que tinha porque é que eu tenho que estar a alimentar a ilusão ou a dar dinheiro seja para o que for”, ( expressões que indiciam as finalidades da atribuição) acabando por referir que deu porque provavelmente já teria assumido o compromisso de lho dar. Refere conversas com o arguido AA... sobre os “...” e o seu desagrado como as coisas corriam, sendo que nessa altura a obra já se encontrava embargada.
Compulsadas as escutas telefónicas com transcrição junta aos autos a fls.14 a 15, 20 a 21, 29 a 30, 37, 38 a 39, 44 a 45, 59 a 64, 71 a 73, 76,79 a 80, 82 a 84, 146 a 148 Apenso A e fls. 4 a 5, 58 a 59, 69 a 70, do apenso B, extrai-se os inúmeros e insistentes contactos feitos pelo arguido AA... à testemunha LL... no sentido e com o fim (explicitado nas suas declarações e no próprio conteúdo das transcrições) de que este lhe entregasse quantia /quantias em dinheiro.
Decorre, outrossim, do depoimento prestado pela testemunha TT..., Professor Universitário na ..., o qual foi ... na U..., pelo ..., no 1º mandato exercido por MM... ( 2002 a 2005), numa altura em que também era ... o arguido AA..., e que explicitou a forma como se processavam as reuniões na U......, o papel relevante que pode assumir o ... da “oposição”, sobretudo nas decisões que exigem a maioria qualificada, tendo o mesmo explicado o relacionamento existente na vereação do ..., designadamente a existência de situações em que havia orientações de voto, indicadas pelo arguido AA..., que à data era Presidente da Concelhia do ..., e o incómodo que isso gerou em algumas situações, concretizando o que ocorreu quando a testemunha transmitiu aos colegas da vereação que iria falar na reunião de U...sobre os “...”, tendo-lhe sido dito pelo arguido AA..., que não deveria falar nesse assunto por questões decorrentes de financiamento do partido por parte da pessoa que estava à frente do empreendimento, a não ser que o ... da … falasse primeiro (esclareceu ainda que essa situação ocorreu antes do embargo dos ...).
É da conjugação de toda a prova produzida no que a este conspecto respeita e que acima ficou escalpelizada, aliada a um juízo de normalidade das coisas na inferência que dos factos objectivos que daquela prova resultam, tendo em conta o contexto situacional, relacional e temporal em que os contactos e subsequente atribuição patrimonial ocorrem, que nos permite extrair a convicção segura da realidade dos factos probandos que vêm descritos nos pontos acima referidos, mormente quanto à motivação da entrega das quantias dadas ao arguido AA... (sem que outra justificação plausível, coerente ou lógica se surpreenda da prova produzida e que permita justificar tais atribuições patrimoniais, -veja-se a tal propósito as explicações dadas pela testemunha LL...-), e ao conhecimento que ambos tinham e partilhavam da mesma, face às funções desempenhadas pelo arguido AA... na U...como ... e na estrutura política local do ZZ... e à consabida supremacia que daí resultava em termos de poder influir na orientação da acção dos eleitos locais (aliás evidenciada no depoimento da testemunha TT..., acima referida), e a todos os problemas que decorriam, à data, com o empreendimento “...”, cujo processo estava pendente na U....... (com diversas questões pendentes relativamente ao licenciamento, embargos decretados e eventual demolição, etc., conforme se extrai de fls. 2176 a 2194,), sendo que conforme salientámos a propósito da motivação consignada no ponto 5., não apresenta qualquer credibilidade a versão trazida pela testemunha LL... de que desconhecia qual a posição do arguido AA... nas estruturas locais do ..., atento o relacionamento existente entre ambos, mormente no que tange ao financiamento do partido e que resultam claramente quer das razões acima invocadas para as quais nos remetemos, quer ainda do depoimento acima referido da testemunha TT....
A inferência lógica na presença do circunstancialismo objectivo que resulta de toda a prova referida, impõe-nos a concludência necessária quanto à consciência e voluntariedade da conduta do arguido na actuação perpetrada.
Relativamente ao facto não provado referido em 6.a) não resultou a sua confirmação da prova produzida.
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No que se refere à situação sócio económica e profissional dos arguidos alicerçou-se nas declarações por si prestadas e quanto à sua personalidade no depoimento prestado pelas testemunhas …, Professor Aposentado … de Y..., …, Professor Universitário …, …, médico, …, médico, os quais mantém, desde há vários anos, um relacionamento de amizade com o arguido AA... e que nos depoimentos prestados expressaram a opinião pessoal que têm sobre a pessoa daquele. Também … referiu sobre a pessoa do arguido CC....
Valorados por último os certificados de registo criminal dos arguidos juntos aos autos.
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No que se refere à convicção do tribunal relativamente à liquidação que vem deduzida nos autos:
O tribunal considerou os quadros 1 e 2 da liquidação e valores nestes constantes, tendo por base a perícia corrigida e subscrita em conjunto pelos peritos que a elaboraram e que se mostra junta a fls. 3191 e segs, na qual foram sanadas algumas imprecisões e incorrecções que se evidenciavam na primeira perícia efectuada, conjugados estes com as declarações fiscais juntas aos autos, quer as iniciais, quer as corrigidas e com a demais documentação junta, designadamente extractos de contas bancárias, cópias de cheques, talões de depósito, fichas de abertura de conta e informações bancárias.
O tribunal deu credibilidade à referida perícia para além do mais, por a mesma ter sido elaborada por peritos nomeados pelo próprio tribunal, que por isso, necessariamente apresenta maior isenção e rigor. Além do mais, da análise da mesma conjugada com os documentos acima referidos, não se evidenciam incongruências ou erros que lhe retirem credibilidade, antes pelo contrário entendemos estar a mesma devidamente fundamentada, coligindo todos os elementos documentais, contabilísticos, fiscais e bancários que estavam disponíveis nos autos. A perícia deu resposta às questões que nesta se suscitavam, designadamente às questões que o arguido colocou, sobre eventuais incorrecções na consideração de alguns valores de património na liquidação apresentada nos autos pelo Ministério Público, aliás, sufragando o seu entendimento relativamente a algumas dessas questões, na medida em que, em sede pericial e de acordo com a documentação disponível, tais questões poderiam ser apreciadas, já que algumas das questões colocadas pelo arguido pressupunham uma questão de prova, na infirmação da natureza ilícita dos valores considerados, sobre o qual impedia o respectivo ónus, tudo sem prejuízo das considerações que o tribunal abaixo irá fazer a algumas das conclusões a que tal perícia chegou.
O tribunal considerou apenas no quadro 4. as contas que o Ministério Público discrimina/identifica na sua liquidação, quadro 2 desta, já que apenas dessas poderia o arguido defender-se por terem sido expressamente invocadas ( razão pela qual neste quadro não se faz referência à conta nº … do Banco Santander).
A convicção do tribunal atinente ao valor das entradas nas contas do arguido referidas em 4., resultou da conjugação entre a perícia elaborada nos autos a fls. 3181 e segs., e os elementos bancários juntos aos autos nos apensos 1 a 7 e que nos permitiu concluir que para além do valor já corrigido das entradas no relatório pericial em questão a fls. 3239, especificamente no que se refere à conta do Banco Santander com o nº … e no qual relativamente ao ano de 2001 foi descontado o valor de 138,12€, relativo a um estorno de 27.690$00, movimento de 22.08.2001, também deverão ser descontadas as quantias referentes aos movimentos do dia 1.02.2001, por se tratarem de valores referentes a estornos e que por isso não foram por nós consideradas como entradas a crédito, conforme resulta do extracto de fls. 19 do apenso 6., tendo sido efectuada a respectiva dedução.
Quanto ao ano de 2002, foram considerados os valores constantes da perícia a fls. 3241, sendo que o valor de 1.076,99€, de 24.06.2002, por se tratar de movimento anulado também por nós não foi considerado como valor a crédito no quadro referido em 4.
Porém, contrariamente ao quadro de fls. 3241, do Relatório de Perícia, o valor de 2.594,00€ por ser uma transferência a crédito, embora entre contas, terá de se considerar que efectivamente entrou na conta em causa, sendo expressamente referido no ponto 5.1. al.b) para posterior aferição da sua eventual dedução, conforme veremos infra.
Quanto ao ano de 2004, também o valor de 5.563,88 referente ao movimento de 26.07.2004, a que alude o quadro de fls. 3243, por constituir uma transferência a crédito, embora entre contas, terá de se considerar que efectivamente entrou na conta em causa.
Relativamente à conta do Banco Santander com o nº …, e no que tange ao ano de 2002, foi considerado o valor de 50.243,09 referente ao movimento de 11.09.2002, a que alude o quadro de fls. 3246, por constituir uma transferência a crédito, embora entre contas, que terá de se considerar que efectivamente entrou na conta em causa.
Relativamente à conta do Banco Santander com o nº …, foram considerados como entradas todas as transferências entre contas no sentido já acima referido.
No que se refere à conta do Banco Santander com o nº … foram considerados os valores efectivamente entrados em conta através de depósitos em numerário efectuados por AA...(conforme se extrai da respectiva assinatura) na conta em apreço, que pese embora dos elementos disponíveis nos autos seria titulada pelo filho BB..., mas era dominada e utilizada pelo pai em seu benefício, o ora arguido AA..., à semelhança do que sucedia com as demais contas por si co-tituladas, conforme aliás se extrai da própria alegação do arguido, na contestação que apresentou, de que as quantias aí depositadas faziam parte de um empréstimo concedido ao arguido pelo … (cfr.fls.2809-art.52º e 53º), e nas justificações que apresentou em audiência para ilidir a presunção quanto à proveniência ilícita das quantias nesta depositadas e que não lograram a credibilidade do tribunal, por não se mostrar assente em qualquer meio consistente e credível a sua licitude. A realização dos depósitos extrai-se da perícia, mapa de fls.3251 e da documentação junta aos autos a fls.1071 a 1075 dos autos, apreendida ao arguido na busca que lhe foi realizada.
Relativamente à conta da Caixa Geral de Depósitos nº …, o tribunal entendeu considerar como entradas quer o valor das entradas dos sócios, dos alegados empréstimos e do depósito em numerário no valor de 16.500,00€ e ainda o valor referente à avença, por se tratar de valores que efectivamente deram entrada na conta em causa.
No que tange à conta da Caixa Geral de Depósitos nº …, mais uma vez o tribunal considerou como entradas em conta os valores relativos a transferências entre contas, proveitos e prestações suplementares, por se tratar de valores entrados a crédito nas contas, conforme se extrai de fls. 246 a 248 do apenso1, sem prejuízo da sua consignação no ponto 5.5, para posterior aferição da sua contabilização.
Relativamente à conta do BCP com o nº …, foram os valores referidos no ponto 5.6. considerados como entradas a crédito no quadro descrito em 4., uma vez que todos eles deram entrada na conta e por tal facto se têm de considerar valores entrados, conforme se extrai do teor de fls. 79 a 105 do apenso 2.
Cumpre referir que da prova produzida quanto aos factos da pronúncia e que acima ficou escalpelizada, resultou de forma evidenciada, remetendo-nos para as considerações então tecidas, que pese embora o arguido tenha cessado formalmente a sua qualidade de gerente, era ele quem detinha o domínio e a gestão efectiva da sociedade familiar “...” para seus fins pessoais (veja-se a transferência da posição no contrato com a “...” e dos proventos relativamente à avença contratualizada), o mesmo sucedendo relativamente às contas tituladas por aquela sociedade, relativamente às quais continuou a deter o domínio e gestão, sendo certo que relativamente a uma delas, a … era o arguido o seu único movimentador autorizado, resultando da análise da documentação junta aos autos e mormente ao apenso 1, que o arguido continuava a movimentar as contas em questão, mesmo após ter formalmente cessado a sua qualidade de gerente da ....
No que se refere à conta do BSCH com o nº …, todos os valores entraram em conta a crédito, conforme se extrai da documentação junta aos autos a fls. 1746 a 1754, não resultando infirmada a presunção da sua natureza por parte do arguido, que não logrou apresentar prova consistente e credível da natureza lícita de do recebimento de tais elevadas quantias.
Por outro lado o provado em 5. 1. alínea a) resultou da análise do extracto de fls. 25 do apenso 6, já que o que dali resulta se mostra verosímil com a alegação do arguido na sua contestação.
Quanto ao provado em 5.1. alínea b) resultou da análise do extracto de fls. 30 e dos talões de fls. 78 e 79, do apenso 6.
Quanto ao provado em 5. 1. alínea c) resultou da análise do extracto de fls. 64, do apenso 6.
Quanto ao provado em 5.2. alínea a) resultou da análise do extracto de fls. 305 e dos talões de fls. 326, do apenso 6, conjugado com o depoimento prestado pela testemunha …, arquitecto, o qual esclareceu sobre a razão da entrega ao arguido AA... do montante em apreciação, através de cheque, na sequência de acertos de contas relativos a uma sociedade “ …” da qual foram sócios, conjugado este com a documentação de fls. 1694/1695 e as declarações do próprio arguido quanto a tal questão.
Quanto ao provado em 5.3. resulta da análise do relatório pericial já referido e concretamente dos mapas de fls. 3249 a 3250, conjugado com os extractos de fls. 143, 150, 151,154 a 162 e 164 e 165, 167,168,169,171,172,173 e de fls. 175 a 179, do apenso 6.
Quanto ao facto 5.4. resultou provado da análise do quadro de fls. 3252, e da guia de depósito de fls. 207, apenso 1 a atinente factualidade quanto à natureza de tal depósito na conta em questão.
No que se refere aos diversos montantes, de 3.570,00€, respeitantes à avença da ..., resultam dos elementos constantes da perícia e ainda dos documentos juntos no apenso1, vide fls. 364 a 368.
Quanto ao facto constante do ponto 5.5, a) resultou provado da análise do quadro de fls. 3254, conjugado com os extractos bancários juntos aos autos a fls. 356 e de fls. 246, das quais se extrai a transferência existente de tal valor entre as citadas contas.
Por outro lado, o ponto 5.5 alínea b), no que se refere aos valores de 1.500,00€ e 12.000,00€, resultou da perícia e mapa de fls. 3254, e da análise dos documentos de fls. 248, 250 e 251 dos autos. Também se extrai da acta da sociedade, cuja cópia se mostra junta a fls. 2833, a deliberação sobre as aludidas prestações suplementares.
Relativamente ao valor de 13.090,00, foi considerado o teor de perícia a fls. 3254, da qual se extrai que o valor foi declarado na ... e bem assim o documento de fls. 249 apenso 1.
No que tange ao ponto 5.6. als. a) e b), c) e d) da conta do B.C.P., nº …, foi essencialmente considerado o teor de perícia a fls. 3255 a 3257, na qual se indica a natureza de tais créditos e a conta origem de onde foi transferido o respectivo valor, descrevendo a natureza dos demais actos aí indicados. Considerou-se ainda no que se refere à alínea b), o teor de fls. 134 do apenso 2, do qual também se extrai o facto ali referido e no que se refere à alínea c), a o teor dos documentos de fls. 152, 156 , 178 e 196 do apenso 1, fls. 145, 146, 154, 163,164,166, 172 , apenso 2.
No que se refere à factualidade consignada nas várias alíneas do ponto 6. foi valorado o teor objectivo de cada um dos documentos juntos aos autos, no que aos mesmos respeita, tendo ainda em consideração o teor da perícia a que vimos de fazer referência e os documentos que passaremos a indicar.
Assim, relativamente ao ponto 6.1 foi também valorado o documento de fls. 1780 emitido pela Auto Industrial SA do qual resulta a emissão pelo arguido do cheques acima referido no valor de 28.000,00€ para aquisição das viaturas aludidas em 6.1., conjugado com o teor de fls. 1781.
Relativamente ao ponto 6.2., foi valorado o teor objectivo dos documentos de fls. 138, 140, 163 (factura emitida pela …, Ldª a favor da …, SA, referente à aquisição da viatura com a matricula …, pelo preço de 50.000,00€, em 31.03.2003; recibo a fls. 170 emitido em 3.04.2003, pela …à …, relativamente ao pagamento da quantia de 15.000,00€, paga por transferência bancária com documento a fls. 171 e fls. 172; os recibos juntos a fls. 166, 168, emitidos em 1.04.2003 e 17.04.2003, pela … à ..., relativamente ao pagamento das quantias de 10.500,00€ e 15.000,00€, pagas através de cheques cujas cópias se encontram a fls. 167 e 169, a favor da … pelo arguido AA.... Valorado ainda o teor conjugado dos documentos de fls. 1036, 1063 e fls. 3114 e fls. 2532 contrato de locação financeira.
Já quanto ao ponto 6.3, teve-se em consideração, também, fls. 1783 – factura emitida pela …, Ldª a favor da …, SA, referente à aquisição da viatura com a matricula … pelo preço de 44.000,00€; recibo emitido em 14.05.2003, pela …à …, relativamente ao pagamento da quantia de 10.000,00€, paga por transferência bancária com documento a fls. 1785, conjugado com o teor de fls. 1786, recibo emitido pela “ …” à ... no valor de 15.000,00€ com data de 13.05.2003, o qual conforme se extrai de fls. 1787, havia sido pago com um cheque à ordem de BZ... e endossado por esta e pelo arguido AA...; recibo de fls. 1788, de 13.05.2003, da … à ..., emitido em 13.05.2003, relativo ao cheque emitido pelo arguido sob uma conta sua do Crédito Predial Português no valor de 3.000,00€, conforme resulta de fls. 1789; recibo de fls. 1790, de 13.05.2003, da ... à ..., emitido em 13.05.2003, relativo a um cheque à ordem de BZ... e endossado por esta e pelo arguido AA..., no valor de 5.000,00€, conforme resulta de fls. 1791; recibo de fls. 1792, de 13.05.2003, da ... à ..., emitido em 13.05.2003, relativo a um cheque ao portador e endossado pelo arguido AA..., no valor de 11.000,00€, conforme resulta de fls. 1793.
Valorado ainda o teor conjugado dos documentos juntos a fls. 1035 e 1063.
Relativamente ao teor do ponto 7. e, concretamente, ao ponto 7.1., resulta da análise do teor da ficha de abertura de conta, documento de fls. 107 do apenso 2, e de fls. 3208; os pontos 7.2 e 7.3 e 7.4, resultam do teor das fichas de abertura de conta respectivas, que se mostram juntas a fls. 118 do apenso 6 /e fls. 3202 conta indicada em 7.3; de fls. 301 e 302 do apenso 6/ e fls. 3199 e 3200 relativamente à conta indicada em 7.4; de fls. 4 e 5 do apenso 6/ e fls. 3196/3197, relativa à conta referida em 7.2. ; no que se refere ao ponto 7.5. resultou do teor dos extractos de fls. 1071 a 1074 e 1705 a 1718; o ponto 7.6 resulta do teor do documento de fls. 3210 e ainda fls. 706,58 ha 1754; os pontos 7.7 e 7.8., resultam do teor de fls. 245 e vs., do Apenso 1, no que se refere à conta referida em 7.7, e de fls. 3204 no que se refere à conta referida em 7.8.
Relativamente ao facto provado em 8.1. já acima se mostra elencada a motivação quanto aos factos da pronúncia e no que ao 8.2. se refere, resulta da mesma motivação já expressa no ponto anterior, relativamente a tais contas.
O ponto 8.3., resulta do teor das declarações do arguido, conjugado com o que acima ficou referido quanto à motivação do ponto referido neste facto.
O ponto 8.4. resulta da conjugação de toda a prova acima referida.
No que concerne aos factos dados como não provados, a sua consignação como tal assentou na falta de prova consistente e credível sobre a sua verificação.
Concretamente, relativamente à alínea a), depósito de 30.000,00€ em numerário, efectuado em 31/03/2003, no B.C.P., na conta bancária n°. …, e para além de podermos concluir de fls. 152 apenso 2, que se trata de uma quantia entrada na conta do arguido por depósito em numerário, já não logrou o arguido fazer prova de que tal quantia foi ai depositada a título de empréstimo ao arguido por ..., já que nenhuma prova consistente e segura foi produzida sobre tal questão.
No que se refere à alínea b) a factualidade aí descrita não se logrou apurar da prova produzida, já que para além de nenhuma das testemunhas ouvidas ter feito referência a tal facto, também o mesmo não se pode extrair por si só do teor dos documentos de fls. 2830 a 2832, dos quais apenas resulta que foi efectuado um depósito em tal montante na conta em apreço por uma das sócias. Aliás não será demais referir, que no próprio relatório junto pelo arguido a fls. 2198 a 2205, elaborado por …, consta tal valor como montante a apurar.
Relativamente à alínea d) não resultou provado que para além do arguido, qualquer outra pessoa pudesse movimentar tal conta, já que da ficha de abertura da referida conta a fls.3093 dos autos, apenas consta como autorizado a movimentar AA....
A alínea e) foi consignada como não provada em virtude de não resultar da prova produzida quer documental, quer testemunhal a sua corroboração. Com efeito, a fls. 362, apenas consta um depósito em numerário do valor em causa.
No que tange às alínea f) e g) a sua consignação como tal resultou da ausência de prova sobre a realidade dos mesmos, já que para além da documentação bancária junta aos autos, da qual não se extrai a natureza e razão de ser da entrada de tais quantias nas contas em apreciação, nenhuma outra prova foi produzida, capaz de lograr a sua sustentação.
Designadamente, no que se refere aos valores que o arguido invoca terem resultado de prendas de familiares, relativamente aos quais não foi produzida qualquer prova que lograsse sustentar a sua confirmação.
Relativamente à conta nº … do Banco Santander, do ano de 2002, deposito em numerário de 4.07.2002 o qual resulta provado pela conjugação do extracto de fls. 37 e talão de depósito de fls. 88, não logrou o arguido provar motivo para a sua eliminação.
Também não logrou o arguido provar a proveniência do depósito no valor de 33.000,00, de 18.12.2002, na conta nº … do Santander, nos valores de 250,00€, 12.500,00€, 20.000,00€ e 250,00€, já que o arguido na sua contestação alegara que os mesmos foram doações do Dr. FG...,... à sua ex-mulher, todavia da prova que produziu atinente ao cheque de 20.000,00€ a testemunha UU..., veio dizer em audiência que foi ele próprio que lhe fez um empréstimo nesse valor. Para além da contradição existente entre o alegado pelo arguido e o testemunhado, não logrou o arguido produzir qualquer outra prova relativamente a tais cheques. Ora, o tribunal nem sequer ficou convencido que tenha existido de facto tal empréstimo, pois que o depoimento da testemunha se mostrou vago e pouco consistente.
Relativamente ao ano de 2004, da mesma conta nº 5036455001, também não logrou o arguido provar a proveniência do montante de 2.500,00€ que depositou em numerário, conforme se extrai do documento de fls. 334 do apenso 6.
No que tange ao ano de 2005, da conta em apreciação nº …, mantemos integralmente o valor das entradas considerado no quadro de fls. 3248, elaborado na peritagem supra aludida, porquanto não logrou o arguido apresentar qualquer prova justificativa da proveniência dos valores efectivamente entrados na sua conta nas datas de 9.06.2005, no valor de 750,00€ depositado em cheque, de 2.09.2005; depósito em numerário no valor de 10.000,00€ (conforme extracto bancário de fls. 356 do apenso 6), de 12.10.2005, depósito em cheque no valor de 399,04€; de 19.12.2005, depósito em cheque de 500,00€; de 22.12.2005, depósitos em cheque no valor de 230,00€ e de 250,00€.
Assim, não logrou o arguido provar, como lhe competia, que para além daquilo que o tribunal já considerou no ponto 5. da liquidação como valores com natureza e origem determinada e que, oportunamente serão considerados para efeitos de apuramento da vantagem da sua actividade criminosa, como sendo rendimentos de origem lícita, existam outros que devam ser para esse efeito considerados.
No que se refere à alínea h) a sua não prova extrai-se de toda a motivação já efectuada quanto aos valores e contas a considerar no mapa 4.
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4. Apreciação de mérito

4.1. Recurso da matéria de facto
Com incidência em matéria de facto o recorrente questiona o acórdão recorrido numa dupla vertente: - invocando os vícios previstos no art. 410º, n.º2 do CPP; e - fazendo apelo a excertos de depoimentos prestados em audiência que em seu entender foram valorados incorrectamente.
Neste contexto, importa tecer algumas considerações preliminares sobre a natureza do recurso e ónus que recaem sobre o recorrente; vícios do art. 410º, n.º2; reapreciação da prova pelo tribunal de recurso. No sentido de enquadrar a apreciação das questões suscitadas.
Como é sabido, os tribunais da relação conhecem de facto e de direito – art. 428º do CPP. Podendo a decisão da matéria de facto ser sindicada com fundamento nos vícios do art. 410º, n.º2 do CPP e ainda com base na efectiva reapreciação dos meios de prova produzidos em audiência, nos termos previstos nos artigos 431ºdo CPP.
Os vícios do art. 410º têm como campo de aplicação privilegiado os casos em que o tribunal de recurso carece de competência para a reapreciação da matéria de facto (“nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito” diz o corpo do n.º2 do preceito). Tendo em vista os casos em que, na versão originária do CPP, havia recurso “per saltum” da decisão do tribunal colectivo para o Supremo Tribunal, no regime da chamada “revista alargada”.
Com efeito, nos vícios do n.º2 do art. 410º, não existe reapreciação da prova produzida. Trata-se antes de vícios que emergem da própria estrutura da decisão recorrida ou do mero confronto dessa decisão com as regras da experiência comum, sem necessidade de análise ou reapreciação dos meios de prova produzidos.
Constituindo “vícios ao nível da lógica jurídica da matéria de facto, da confecção técnica do decidido, apreensíveis a partir do seu texto, a denunciar incoerência interna com os termos da decisão” – cfr. Ac. STJ de 07.12.2005, CJ-STJ, tomo III/2005, p. 224.
Daí que sejam de conhecimento oficioso – cfr. Acórdão do STJ de para fixação de jurisprudência 19.10.1995, publicado no DR, I-A Série de 28.12.95.
Poderá dizer-se, até, que o recurso com fundamento nos aludidos vícios constituirá uma inutilidade quando o recorrente tem ao seu alcance um verdadeiro recurso com base na reapreciação de toda a prova, incorporada nos autos ou gravada, no caso da prova produzida oralmente em audiência.
Os vícios do art. 410º, n.º2, previstos na redacção originária do CPP como “revista alargada” para o STJ - quando não havia recurso da matéria de facto do tribunal colectivo e não estava implementado o registo da prova, imprescindível para o verdadeiro recurso em matéria de facto - foram mantidos na reforma de 1995, não só para a situação de “revista alargada” para que inicialmente foram configurados, mas ainda, paralela e cumulativamente, para os casos em que passou a haver institucionalização do recurso da matéria de facto com possibilidade de reapreciação de toda a prova gravada e em quem, como tal, o tribunal de recurso, tem todas as condições para reapreciar todos os fundamentos materiais, probatórios, da decisão recorrida. Podendo fazê-lo de forma muito mais profunda e densa do que no caso da mera revista alargada com base nos vícios do art. 410º. Com efeito, dispondo o tribunal de recurso de competência em matéria de facto pode sindicar, em toda a sua amplitude, a apreciação da prova efectuada pelo tribunal recorrido, dispondo assim de todos os meios (para além dos que emergem do texto da decisão e regras da experiência) para sindicar, em toda a sua amplitude a decisão de facto não se vê como não possa/deva alterá-la quando se mostre inquinada de vícios tão evidentes como o “erro notório” ou a “contradição insanável”.
Se o tribunal de recurso dispõe de todos os meios para sindicar/alterar a decisão recorrida muito mais poderá fazê-lo caso padeça de erros de apreciação tão evidentes como o erro “notório” ou a “contradição insanável” - tendo acesso e podendo reavaliar todo o reportório probatório em que assenta.
E o vício de “insuficiência da matéria de facto” apurada, relevante para a decisão, cairia no âmbito da (mera) nulidade da sentença por falta/omissão de apreciação de matéria (de facto) de que lhe competia conhecer, prevista no art. 379º, n.º1, al. c) do CPP. Ou porque se trata de matéria alegada na acusação ou na defesa ou, ou ainda porque devia ter sido aditada por se revelar essencial à criteriosa decisão do caso submetido a juízo.
O erro notório na apreciação da prova constitui “um vício de raciocínio na apreciação das provas evidenciado pela simples leitura da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio” – cfr. Ac. STJ de 03.06.1998, processo n.º 272/98, citado por SIMAS SANTOS / LEAL HENRIQUES, Recursos em Processo Penal, Ed. Rei dos Livros, 5ª ed., p. 68.
Devendo tal conceito, como decidiu o Ac. STJ de 06.04.1994, na CJ/STJ, t.2/1994, p. 186 “ser interpretado como o tem sido o conceito de facto notório em processo civil, ou seja, de que todos se apercebem directamente, ou que, observados pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório”.
Verificando-se, por ex., quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica do homem médio, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena não arguidos de falsos – cfr. Ac. STJ 10-03.99, SASTJ n.º 29, p. 73. Ou quando se dão como provados factos que face às regras da experiência comum e à lógica corrente não se podiam ter verificado Ac. STJ 02.06.99, proc. 354/99, citado por Maia Gonçalves, em anotação ao art. 41º do seu C. Anotado, 13ª ed..

No que toca ao recurso com base na reapreciação da prova, postula o art. 431º do CPP: Sem prejuízo do disposto no art. 410º, a decisão do tribunal e 1ªinstância sobre matéria de facto pode ser alterada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do art. 412º n.º3 do CPP.
Aqui (recurso com base na reapreciação dos meios de prova), ao contrário do que sucede com os vícios do art. 410º (aparentes, manifestos, de conhecimento oficioso) incide sobre o recorrente o ónus de identificar o erro apontado á decisão recorrida, como ainda o de o comprovar, especificando o conteúdo dos meios de prova tido por não valorado ou valorado erradamente pela decisão posta em crise, capaz de, numa apreciação conforme aos critérios legais em vigor, “impor” a revogação e/ou a substituição da decisão recorrida em conformidade com a pretensão formulada.
Com efeito, sobre a motivação do recurso com base na reapreciação da prova, dispõe o art. 412º do CPP (redacção introduzida pela Lei 48/2007 de 29.08):
(…)
3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em acta, nos termos do disposto no n.º2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
O recurso não se confunde, como sucede na praxis diária, com um novo ou segundo julgamento da mesma coisa. Constituindo antes o instrumento para obter a correcção de erros de procedimento ou de julgamento – concretos, identificados e comprovados na motivação do recurso – cometidos na decisão recorrida.
Com efeito, parafraseando Cunha Rodrigues (Jornadas de Direito Processual Penal, Centro de Estudos Judiciários, p. 387) “Como remédios jurídicos os recursos não podem ser utilizados com o único objectivo de melhor justiça. O recorrente tem que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida. A motivação dos recursos consiste exactamente na indicação daqueles vícios que se traduzem em erros in operando ou in judicando. A pretensa injustiça imputada a um vício de julgamento só releva quando resulta de violação de direito material. Esta natureza dos recursos justifica, por outro lado, que se lhes aplique o princípio dispositivo e que se reconheça às partes um importante papel conformador”.
O recurso com base no disposto no art. 431º do CPP pode ter como fundamento:
- a violação de critérios legais de valoração e apreciação da prova (incorporada nos autos ou produzida oralmente em audiência): - pela valoração de meios de prova ilegais ou nulos; - pela violação de critérios de apreciação da prova vinculada (vg. prova documental e pericial) - pela violação de princípios gerais de apreciação da prova, designadamente o princípio da livre apreciação previsto no art. 127º do CPP e o princípio in dubio pro reo.
- a atribuição, pelo tribunal recorrido, aos meios de prova convocados como suporte da decisão, de conteúdo diverso daquele que efectivamente têm ou daquele que foi realmente produzido em audiência - vg. porque a prova documental, pericial, por declarações incorporadas nos autos (vg. carta precatória ou rogatória, declarações para memória futura).
A reprodução da gravação dos depoimentos, no tribunal de recurso – instrumento de garantia/comprovação da genuinidade dos mesmos e da eventual divergência entre o conteúdo material do depoimento prestado em audiência e o pressuposto na decisão recorrida, apenas tem sentido no caso de, segundo a motivação do recurso, a decisão recorrida ter atribuído, aos depoimentos prestados oralmente em audiência, conteúdo/afirmações, relevantes, materialmente diversas daquelas que foram efectivamente produzido em audiência – quando o fundamento do recurso é o de que a testemunha ou o depoente disse em audiência “coisa” materialmente diversa daquela que é reportada/valorada como suporte da decisão recorrida e que, como tal, inquinou a decisão, impondo, por isso, a sua correcção pelo tribunal de recurso.
A gravação (instrumento de garantia da genuinidade dos depoimentos e não um fim em si), como instrumento de sindicância da decisão recorrida, é irrelevante quando o fundamento do recurso radica na violação de critérios de valoração – que pela natureza das coisas não são reproduzidos pela gravação. Pois que, pela sua natureza, a gravação apenas reproduz e comprova o teor dos depoimentos objecto de gravação. Não os critérios de ponderação/avaliação/valoração que resultam da lei e dos princípios gerais de direito processual penal.
Com efeito, como pondera, avisadamente, Germano Marques da Silva (in Revista Julgar, n.º1 -Janeiro-Abril 2007-, p.150) “Nem sequer parece importante o registo audiovisual da prova, porque no recurso não está em causa o princípio da livre convicção do julgador, mas apenas a correcção de julgamento em função das provas produzidas em audiência. Não se trata tanto da interpretação de provas produzidas, mas da comprovação de que o juízo se fundou nas provas produzidas ou examinadas em audiência”.
Em termos de valoração da prova, apesar da minuciosa regulamentação das provas efectuada pelo CPP, salvos os casos em que a lei define critérios legais de apreciação vinculada (vg. prova documental, prova pericial) vigora princípio geral de que a prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador - art. 127º do Código de Processo Penal.
Liberdade de convicção não pode nem deve significar o impressionista-emocional arbítrio ou a decisão irracional “puramente assente num incondicional subjectivismo alheio à fundamentação e a comunicação” – cfr. Castanheira Neves, citado por Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 1, 43.
Pelo contrário, o princípio da livre apreciação da prova, conjugado com o dever de fundamentação das decisões dos tribunais, exige uma apreciação motivada, crítica e racional, fundada nas regras da experiência mas também nas da lógica e da ciência. Devendo ser objectivada e motivada, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.
A livre convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e ainda elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição.
Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis) e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente — aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação — e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” - cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss..
A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: o juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca - derivados da(s) finalidade(s) do processo (Cristina Libano Monteiro, “Perigosidade de inimputáveis e «in dubio pro reo»”, Y..., 1997, pág. 13).
Por outro lado, a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica – crf. Climent Durán, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, p. 615.
O princípio in dubio pro reo constitui um princípio de direito relativo à apreciação da prova/decisão da matéria de facto. Princípio atinente ao direito probatório, como tal relevante em termos da apreciação da questão de facto e não na superação de qualquer questão suscitada em matéria de direito – cfr. entre outros Cavaleiro Ferreira, Direito Penal Português, 1982, vol. 1, 111, FG... Dias Direito Processual Penal, p. 215, Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, 1967-1968, p. 58. Constituindo um princípio geral de direito (processual penal) cuja violação conforma uma autêntica questão-de-direito – Cfr. Medina Seiça, Liber Discipulorum, p. 1420; FG... Dias (Direito Processual Penal, 1974, p. 217 e segs.), criticando o entendimento contrário do STJ.
Estando umbilicalmente ligado, limitando-o, ao princípio da livre apreciação – a livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável; e o princípio in dubio pro reo impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável.
A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do Tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, argumentada, coerente, razoável – neste sentido, Jean-Denis Bredin, Le Doute et L’intime Conviction, Revue Française de Théorie, de Philosophie e de Culture Juridique, Vol. 23, (19966), p. 25.
De onde que o tribunal de recurso “só poderá censurar o uso feito desse princípio (in dubio) se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a esse estado escolheu a tese desfavorável ao arguido” – cfr. AC. STJ de 02.05.1996, CJ/STJ, tomo II/96, p. 177. Ou quando, após a análise crítica, motivada e exaustiva de todos os meios de prova validamente produzidos e a sua valoração em conformidade com os critérios legais, é de concluir que subsistem duas ou mais perspectivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis, havendo então que decidir por aquela que favorece o réu.
Por último, no que toca à prova produzida oralmente em audiência, “só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E só eles permitem uma plena audiência desses mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso” – Cfr. FG... Dias, Direito Processual Penal, p. 233-234.
Daí que os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1ª instância, naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art. 347º, n.º2 do CPP – Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, p. 126 e 127, que por sua vez cita o Prof. FG... Dias – jurisprudência uniforme desta Relação, designadamente acórdãos 19.06.2002 e de 04.02.2004, nos recursos penais 1770/02 e 3960/03; 18.09.2002, recurso penal 1580/02; 13.02.2008, recurso 76/05.4PATNV.C1 2º Juízo Torres Novas. Como decidiu, entre outros, o Acórdão da Relação de Y... de 06.03.2002, publicado na CJ, ano 2002, II, 44.... “quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face ás regras da experiência comum”.
Vistos os critérios, passemos à sua aplicação a cada bloco de factos/recorte de vida correspondente a cada crime.

4.2. Matéria de facto correspondente ao crime de corrupção passiva para acto lícito
Na perspectiva da demonstração do vício de erro notório na apreciação da prova (cfr. pontos 26 e segs. da motivação) verifica-se que o recorrente, para o caracterizar, socorre-se de fundamentos de direito, estranhos à economia dos vícios do art. 410º, n.º2. Bem como a factores “externos” à decisão recorrida e ao seu confronto com as regras da experiência comum.
Invoca argumentos que constituem matéria de direito [cfr. ponto 29 da motivação: “para o preenchimento do crime (…) basta a aceitação da vantagem patrimonial indevida”]. Argumentação que desenvolve nos pontos subsequentes da motivação (30 a 46) onde escalpeliza os pressupostos do crime para concluir (46) que a “nota comum a estas três condições é a de existir uma pretensão submetida à decisão do funcionário”.
Ora, nos termos acima referidos, os vícios do art. 410º, n.º2 reportam-se, claramente à motivação/decisão da matéria de facto. Sendo, pois, a alegação em matéria de direito estranha à economia do apontado vício.
Apurar se a matéria de facto provada preenche ou não os elementos do tipo objectivo ou do tipo subjectivo do crime, constitui já matéria de direito, impossível de enquadrar no vício de erro notório de apreciação da prova.
Já no patamar da apreciação da prova, a motivação do recurso mistura, de novo, razões de facto e argumentos de direito. Tirando asserções de direito em matéria de facto e invocando meios probatórios em matéria de direito.
No sentido de demonstrar a inexistência do nexo causal subjacente ao acto do arguido (recebimento da quantia, titulada por cheque, de € 50.000,00, entregue por CC…) invoca o depoimento do então Presidente da U...DD... – cfr. pontos 56 a 60 da motivação.
Retirando, dos excertos do depoimento que reproduz, em suma, que o caso concreto do “...” configurava uma iniciativa presidencial.
Não especifica, porém, facto concreto da acusação para cuja prova o testemunho pudesse ser relevante. Muito menos qualquer afirmação concreta da aludida testemunha que incida sobre facto da acusação/pronúncia e contrarie a valoração probatória subjacente à decisão recorrida. Muito menos (et pour cause) qualquer passagem concreta capaz de “impor” decisão diversa da recorrida em relação a qualquer facto concreto.
Limita-se a tirar ilações do depoimento, que não a atribuir-lhe conteúdo diferente do conferido pela decisão recorrida.
De qualquer forma, do depoimento da testemunha não resulta que a dita testemunha tivesse afirmado, muito menos justificado, que o recebimento do dinheiro fosse anódino ou irrelevante do ponto de vista do exercício das funções do recorrente. Ou até indiferente ou irrelevante para a construção da decisão.
Sendo certo que, na qualificação jurídica da matéria de facto, o arguido não vem condenado por recebimento para “acto ilícito”, mas apenas do recebimento para “acto lícito”. Não sendo como tal o recebimento causal da ilicitude do acto.
Acresce, em termos de elementar senso/experiência comum (critério do art. 127º do CPP), da realidade da sociedade em que vivemos, que não há recebimentos nem pagamentos de dinheiro anódinos nas modernas sociedades de cariz capitalista, tanto mais atenta a natureza fungível, por excelência, do dinheiro, convertível em todo o género de bens materiais e culturais. Muito menos pode ser irrelevante o recebimento de dinheiros por parte de quem exerce funções públicas socialmente tão relevantes como aquelas que o arguido exercia, quando o alegado “Mutuante” tem interesses pendentes na Instituição onde o arguido exerceu funções e onde detinha poderes de influência, enquanto eleito.
Por outro lado, ao contrário do que parece supor o recorrente, o recebimento da quantia de € 50.000,00 – demonstrado por prova documental irrefutável – não é relativo à mera votação no “acto” específico da aprovação. Mas, antes, “visava compensar materialmente a intervenção deste último (arguido) nos aludidos procedimentos”.
O mesmo é dizer, não se destinava, na economia da decisão recorrida e subsequente efeito jurídico daí extraído, especificamente, a “comprar” o voto, mas antes tinha em vista toda a actuação do recorrente ao longo dos sucessivos procedimentos, descritos, de um processo longo e complexo, movendo influências que de outra forma não moveria (como em relação a qualquer outro cidadão “neutro”) a que tinha acesso por virtude do exercício do cargo, com vista ao desenlace final favorável ao pagador.
Ainda na mesma perspectiva de desvalorização da conduta invoca o recorrente o depoimento de GG....
Porém, para além de não especificar facto concreto da decisão recorrida que o depoimento da testemunha pudesse contrariar, certo é que a testemunha nada soube de concreto sobre os motivos da entrega da referenciada quantia monetária. Com efeito declarou, em suma, apenas que assistiu a uma conversa de café em que o arguido “pediu 50.000 euros emprestados (…) estava em negociações ou ia entrar num negócio (…) mas não pormenorizou muito. E o sr. CC… disse que sim”.
Assim, se nada sabe de concreto sobre um dos pressupostos do contrato de empréstimo – onde um dos requisitos é a obrigação de devolução do capital no prazo estipulado, além da remuneração do capital mutuado - (refere que “não pormenorizou muito”), se nem assistiu à entrega do dinheiro e a qualquer condição da sua devolução, é óbvio que apenas pode conjecturar sobre o dito cujo suposto empréstimo. Que supõe, além do mais a obrigação de restituição em prazo certo ou razoável, de que a testemunha não só não ouviu falar como não cheirou, sequer, a sombra. Não podendo o seu testemunho relevar – muito menos convencer dentro do critério do art. 127º do CPP - sobre factos que desconhece.
São também irrelevantes, para o efeito pretendido, os depoimentos de FF... e de …. Porque nada sabem de concreto acerca do aludido suposto negócio, nunca especificado nos seus termos concretos nem objecto de princípio de prova documentada, minimamente.
A alegação de que o arguido emprestava dinheiro, a eito, por pura amizade, sem juros, não passa disso mesmo – uma alegação, benevolente. Não sustentada por qualquer indício probatório! Quer porque não objectivada em factos ou razão de ciência (que empréstimos? A quem? De quanto? De que fonte?) quer porque desmentida por elementar senso comum e não explicada, minimamente, a fonte de tamanha largueza e filantropia. Sabendo-se que os empréstimos têm como característica essencial a obrigação de restituição. Obrigação de restituição sobre a qual o recorrente vai perorando mas que nunca especifica. Sabendo-se que também a circulação de dinheiro assenta no velho “princípio dos vasos comunicantes”: para sair de determinado património tem que entrar previamente, de forma proporcional à lhaneza da saída.
Trata-se, pois, de mera declaração abonatória, sem o mínimo de especificação, muito menos lógica ou racional, como tal avessa ao critério do art. 127º do CPP.
O mesmo se diga quanto à suposta assunção da obrigação de “devolução” do dinheiro – em notas nunca vistas, apenas sugeridas dentro de um envelope que ninguém viu abrir. Notas supostas que nunca tiveram qualquer sequência visível, nomeadamente em termos de depósito. Tanto mais em tempos de crise e de cepticismo na “obra e graça” da divina pomba. Sendo certo, no caso, que nem os fiéis colaboradores do “mutuário” ousam alegar que tivessem visto, sequer, a cor das supostas notas, muito menos as ditas, em tamanha quantidade.
Apenas sugeridas na “opinião” da testemunha H.... A quem, diga-se, na invocada qualidade de director financeiro das empresas de CC..., se exigia o rigor suposto pelo desempenho de tão eminente posto. Limitando-se a falar de um envelope que “pela textura … achei que tinha dinheiro”. Sendo certo que nem a “textura” nem o “achar” constituem critérios da prova da entrega de dinheiro nunca visto, nem contado - se assim fosse Portugal não precisava da incómoda presença da “Troika”. Bastava-lhe enviar aos credores envelopes com “textura” e acólitos a “achar” que a dita textura era de dinheiro. Conversa que ninguém aceitaria.
Também a fiel contabilista II..nada mais sabe do que o co-arguido lhe “terá dito” sobre o negócio a que pudesse destinar-se o dinheiro – negócio de objecto nunca especificado. Com efeito, no que toca à suposta obrigação de devolução do dinheiro, limita-se a dizer que “controlo a amortização desses empréstimos, portanto vou registando… á medida que o empréstimo vai sendo amortizado”.
Mas do alegado dito cujo “registo”, concreto, de supostas devoluções, verbas… nada! E a mera conversa, é pouco, manifestamente, para provar a entrega de dinheiro (quanto? Em que datas? Sem recibo nem papel?). Mormente para quem, para “emprestar” teve o cuidado de titular o empréstimo por cheque!
O argumento invocado pelo recorrente de que o bom senso afasta que a passagem de dinheiro tenha tido em vista uma contrapartida porquanto a entrega foi objecto do saque de dois cheques é reversível. Desde logo porque se trata de actuação em que existe “consenso” e interesse convergente entre quem paga e quem recebe. Não passando pela cabeça do recebedor que o pagador se valesse do pagamento porque tal equivaleria a “comprometer-se” também. Podendo ainda dizer-se que se houve passagem de cheques para a entrega, pela mesma razão (maioria de razão) deveria haver cheques para a devolução! Cheques nunca vistos nem falados.
Também as declarações do próprio arguido (em que repousa no essencial o depoimento das testemunhas) não têm a força de prova plena de “confissão” que o próprio lhe atribui. Porque, além de facto negativo (relativamente ao recebimento), constitui matéria favorável ao confitente.
O artigo 344º, n.º1 do CPP prevê expressamente a valoração da confissão do arguido.
Fá-lo porém – cfr. corpo do referido preceito - relativamente aos “factos que lhe são imputados”.
Com efeito o CPP reporta-se à confissão do arguido quanto a “factos que lhe são imputados”. O mesmo é dizer, factos descritos na acusação, como tal constitutivos do crime ou crimes imputados na acusação, como tais “desfavoráveis” ao arguido, a quem assiste o direito à não auto-incriminação.
Em conformidade não só com elementares regras da experiência (por princípio ninguém confessa aquilo que o prejudica, salvo se estiver convencido da existência de outras provas e pretender beneficiar da atenuação) mas ainda com o princípio geral sobre a confissão enunciado pelo artigo 353º do C. Civil: Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
Ora, no caso, a declaração do interessado, além de ser a seu favor, não tem ainda o mínimo suporte objectivo de qualquer acto tendente à alegada “amortização”. Não tendo, pois, virtualidade de impor decisão diversa da recorrida.

A decisão recorrida não viola, tão-pouco, o princípio in dubeo pro reo.
Com efeito a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica – crf. Climent Durán, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, p. 615.
A certeza judicial não se exime do vício da humana imperfeição, que sempre pode ser suponível o contrário do que admitimos como verdadeiro. Sempre, enfim, a imaginação fecunda do céptico, lançando-se nos caminhos do possível, inventará cem motivos de dúvida. Com efeito em qualquer caso pode imaginar-se tal combinação extraordinária de circunstâncias que venha a destruir a certeza adquirida. Mas apesar desta combinação possível, não deixará de ficar satisfeito o entendimento quando motivos suficientes estabelecem a certeza, quando todas as hipóteses razoáveis tenham desaparecido e sido rechaçadas depois de um maduro exame. Pretender mais seria querer o impossível, porque não pode obter-se a verdade absoluta naqueles factos que saem do domínio da verdade histórica. Se a legislação recusasse sistematicamente admitir a certeza sempre que pudesse imaginar-se uma hipótese contrária, ficariam impunes os maiores culpados e, por conseguinte, a anarquia introduzir-se-ia fatalmente na sociedade – Mitermayer, citado por Climent Durán, La Prueba, cit., p. 615.
E, como foi equacionado supra, a dúvida (toda a decisão judicial constitui a superação, pela objectividade e racionalidade, com base em meios de prova legais, validamente produzidos e contraditados) que legitima a absolvição com base neste princípio é apenas a dúvida série e inultrapassável que permanece após a discussão e apreciação de toda a prova em conformidade com os critérios legais. De onde que o tribunal de recurso “só poderá censurar o uso feito desse princípio (in dubio) se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a esse estado escolheu a tese desfavorável ao arguido” – cfr. AC. STJ de 02.05.1996, CJ/STJ, tomo II/96, p. 177. Ou quando, após a análise crítica, motivada e exaustiva de todos os meios de prova validamente produzidos e a sua valoração em conformidade com os critérios legais, é de concluir que subsistem duas ou mais perspectivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis, havendo então que decidir por aquela que favorece o réu.
Ora, no caso, não estamos perante duas situações probatórias de que resulte uma dúvida razoável. Muito menos que o tribunal tivesse valorado “contra” o arguido. Pois que, ao contrário do pagamento – titulado por cheques – nenhum meio de prova aponta com o mínimo de objectividade no sentido de qualquer hipotética restituição.
Obedecendo, pois, a decisão recorrida, a uma criteriosa apreciação da prova em conformidade com os critérios legais em vigor, não merecendo, por isso, qualquer censura.
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4.3. Matéria de facto relativa ao crime de abuso de poder
Alega o recorrente, neste âmbito, (cfr. conclusões n.º 2.5. e 2.6.) que «não ficou provado que o recorrente prosseguiu exclusiva ou primacialmente o fim ilegal de obter benefícios para si ou para terceiro. Seria sempre impossível ou, pelo menos, difícil a demonstração de que o fim principalmente determinante da actuação do arguido foi o interesse particular, o que em processo penal equivaleria, em caso de dúvida, à conclusão no sentido de ao arguido não ser imputável o vício de “desvio de poder”, por força do princípio processual penal in dúbio pro reo».
A primeira asserção (não ficou provado que o recorrente prosseguiu exclusiva ou primacialmente o fim ilegal de obter benefícios) constitui matéria de direito – saber se os factos provados preenchem os elementos típicos do crime.
E é contrariada, de forma clara pela matéria dada como provada sob os n.ºs 4.23 e 4.24: “Agindo da forma descrita, desenvolvendo diversas iniciativas destinadas a obter o deferimento por parte da autarquia das pretensões subjacentes ao referido acordo social, quer informando os demais associados dos elementos que, por força do exercício do mandato popular ia obtendo, visou o arguido AA... alcançar proveitos económicos para si próprio e vantagens para a aludida pessoa colectiva, bem sabendo que assim violava os mais elementares deveres de probidade, isenção e de prevalência do interesse público em detrimento do seu próprio interesse e da associação que são pressupostos pela outorga daquela representação popular resultante das eleições para a autarquia de Y.... Agiu livre, voluntária e conscientemente ”.
Já a segunda asserção é relativa à valoração da prova, invocando o recorrente, a violação do princípio in dubeo pro reo. Princípio que tem o alcance supra definido de dúvida razoável, inultrapassável, ancorada em perspectivas probatórias contraditórias igualmente consistentes.
Importa salientar que a matéria de facto correspondente a este crime envolve alguma extensão e complexidade que a singeleza da alegação escamoteia.
Assim o tribunal recorrido deu como provado, além do mais, neste âmbito:
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4.1. Em 09/09/2005 o arguido AA... outorgou o denominado “Acordo Social”, cuja cópia consta de fls. 1040 a 1043, aqui dado por integralmente reproduzido, destinado a estruturar, de forma articulada, as relações de cooperação e parceria que os nele intervenientes já vinham mantendo.
4.2. Nele outorgaram também …, FF... e OP..., todos associados desde aquela data da “Associação ...”, com sede na Quinta de …, nos termos do qual se comprometiam, além do mais, a transformar aquela associação numa sociedade comercial por quotas, obrigando-se o arguido e outro a titular uma quota de, no mínimo, 6% do capital social da nova sociedade, que transferiria sucessivamente para outra sociedade, a “... – Lda”, relativamente à qual todos se vincularam a ser sócios, à excepção do arguido AA..., cuja quota, para esse efeito, seria detida pela sociedade “... - Lda”, conforme contrato-promessa celebrado na mesma data, cuja cópia também consta a fls. 1055 a 1059, aqui dada por inteiramente reproduzida.

4.3 Em tal “Acordo Social” dois dos outorgantes obrigaram-se a acordar a atribuição ao arguido AA... e ao ali terceiro outorgante de uma verba destinada a retribuir o trabalho desenvolvido na assessoria à gestão e na implementação de projectos no interesse da “Associação ...” e das sociedades envolvidas.

4.4. A “Associação …”, instituidora da Universidade …, cuja presidência o arguido AA... veio a assumir a partir de …e da qual foi presidente do …até à data em que foi eleito presidente da Associação, é arrendatária de um prédio pertencente à “ …, Lda”, com sede no …, cujos sócios eram os membros fundadores daquela associação, prédio esse com uma área total de 376.400 m2, onde a referida unidade de ensino desenvolve a sua actividade e explora uma clínica de veterinária.

4.5. Esta última empresa celebrou com a “... – S.A.”, com sede em Lisboa, com a intervenção da arrendatária, um protocolo com contrato-promessa de compra e venda do referido prédio com vista à sua urbanização, pretendida pela primeira. Nos termos das negociações havidas, a aludida associação beneficiaria, nos termos do aditamento constante de fls. 1236 a 1240, de vantagens consistentes no recebimento de valores proporcionais à área que fosse permitido edificar no local.

4.6. Para além do interesse que resultava, assim, da posição contratual da associação, o arguido AA... tinha interesse no desenvolvimento da aludida relação contratual visto que, segundo negociações havidas entre a “..., S.A.” e OP..., FF... e o arguido, havia sido acordada a distribuição de uma verba correspondente à diferença entre o valor do financiamento obtido para aquisição do referido prédio e o valor da sua aquisição.

4.7. Por outro lado, o arguido AA... havia assinado com a “..., S.A.”, a 2 de Dezembro de 2002, o denominado “Acordo de Prestação de Serviços de Consultoria”, constante de fls. 1046 a 1050, segundo o qual, entre outras obrigações, o mesmo se vinculava a prestar à aludida sociedade “com todo o seu zelo e empenho, serviços de assessoria e de consultoria na busca activa de bens imóveis e de projectos de promoção imobiliária, com o objectivo de angariar e assegurar a identificação de oportunidades de negócio no âmbito da actividade desta última, bem como serviços de assistência em todos os contactos com as entidades administrativas competentes, no sentido de assegurar o melhor procedimento para a obtenção e do deferimento de todos os actos e títulos de licenciamento, desde a viabilidade de todos os projectos até à utilização final das suas execuções’.

4.8. Em tais serviços, incluir-se-iam, “nomeadamente, todos os contactos preliminares com entidades administrativas, a entrega de pedidos de informação prévia, a entrega para aprovação de estudos prévios e anteprojectos de qualquer natureza, a solicitação de licenças e emissão de seus alvarás e todas as demais actividades necessárias à utilização legal de superfícies e edificações (…)”.

4.9. Por tais serviços, a sociedade pagaria ao arguido um valor correspondente a 5% do investimento realizado em cada projecto imobiliário por si desenvolvido e acompanhado, no momento da sua efectivação, ou do valor do património adquirido, por conta do que se previu um pagamento de 3.000,00€ mensais.

4.10. Por força da cláusula terceira, n.° 3, o arguido AA... transmitiu à sociedade “... –Lda” a sua posição, o que foi aceite pela outra contratante a partir de Março de 2003.

4.11. A “... –Lda”, com sede na …, em Y..., foi registada em …, tendo como sócios familiares do arguido AA..., a saber, NN..., BB..., XV... e YV... .

4.12. O mesmo arguido, juntamente com seu filho BB..., foram designados gerentes para o primeiro mandato de 3 anos, embora a vinculação da sociedade apenas pudesse ocorrer validamente com a assinatura do primeiro.

4.13. Por declaração registada a 01/10/2004, o arguido AA... renunciou à gerência, o que coincidiu com a assunção de funções a tempo permanente na direcção da … .

4.14. Pese embora a sua intencional não inclusão na estrutura societária da “..., Lda”, foi sempre o arguido AA... o principal interlocutor da sociedade com terceiros, antes e após a renúncia, utilizando a empresa para fins exclusivamente pessoais, apenas fazendo intervir o seu filho, então único gerente, na formalização dos actos para que não detivesse já legitimidade, isto é, após a renúncia, acto que também perspectivou na preparação da sua intervenção no “Acordo Social” descrito supra.

4.15. Com efeito, o arguido pretendia que a sua conduta como autarca não fosse relacionada com o interesse das empresas intervenientes em tal acordo.

4.16. A “..., Lda” nunca prestou qualquer serviço de consultadoria a quem quer que seja, apenas tendo sido feito inscrever contabilisticamente no ano 2004 o recebimento dos valores resultantes do referido acordo de prestação de serviços de consultadoria de fls. 1046 a 1050, tendo sido concebida para ser apenas o centro de imputação desses proveitos, sua única receita, e custos com a aquisição de veículos, único imobilizado, além de 1.915,00€ de material informático, tendo apresentado desde sempre resultados líquidos negativos.

4.17. Em 23/01/2003, o arguido AA... celebrou com sua irmã o contrato-promessa de cessão da quota de 4.000,00€, correspondente a 80% do capital social, que a mesma detinha nesta sociedade a título gratuito.

4.18. A “..., S.A.” viria a ceder a posição contratual assumida nos aludidos instrumentos negociais à “ … ” que passou a dirigir todo o processo visando alcançar o fim nele prosseguido, designadamente, solicitando à U... autorização para dar início ao processo de elaboração do Plano de Pormenor para o local. O mesmo já o havia feito a “Associação ...”, solicitando em Abril de 2000, a possibilidade de, no âmbito da revisão do PDM local, ser reconhecida a aptidão construtiva em “baixa densidade”.

4.19. Após a referida solicitação à U..., pela “ …” o arguido AA... passou a abordar o Engenheiro EE..., ... competente, com o pelouro do planeamento, no sentido de o procurar sensibilizar para a necessidade de ser assumida uma urgente decisão relativa a tal questão, invocando a importância do projecto da unidade de ensino para a cidade, chegando também a contactar para o mesmo efeito o ... QQ... , esperando a sua influência no sentido preconizado no grupo parlamentar autárquico a que pertence.

4.20. Para além disso, o arguido AA... transmitia aos demais associados, designadamente ao referido sócio Dr. OP..., informações sobre a evolução do procedimento administrativo em que todos estavam interessados.

4.21. Na reunião ordinária da U... de 09/01/2006, no âmbito da discussão do ponto VII – Planeamento, VII.l. Plano de Pormenor da Quinta …, o arguido AA..., considerando não se aplicar à sua situação o regime de qualquer conflito de interesses, defendeu a solução proposta, isto é, de autorizar a elaboração do referido plano, nos termos da sua intervenção, extratada na acta cuja cópia consta de fls. 1017, aqui dada por integralmente reproduzida.

4.22. A deliberação relativa a tal pedido foi aprovada por maioria, tendo o arguido AA... votado favoravelmente a autorização para se proceder à elaboração do Plano de Pormenor da Quinta de ….

4.23. Agindo da forma descrita, desenvolvendo diversas iniciativas destinadas a obter o deferimento por parte da autarquia das pretensões subjacentes ao referido acordo social, quer informando os demais associados dos elementos que, por força do exercício do mandato popular ia obtendo, visou o arguido AA... alcançar proveitos económicos para si próprio e vantagens para a aludida pessoa colectiva, bem sabendo que assim violava os mais elementares deveres de probidade, isenção e de prevalência do interesse público em detrimento do seu próprio interesse e da associação que são pressupostos pela outorga daquela representação popular resultante das eleições para a autarquia de Y....

4.24. Agiu livre, voluntária a conscientemente.

(fim de reprodução) »»»

A complexidade e extensão desta matéria acabada de reproduzir logo evidencia a fragilidade das críticas que lhe são dirigidas.
Dizer, sem mais, que a decisão viola o princípio in dubeo pro reo, corresponde a não justificar, minimamente, a afirmação, não sendo especificada qualquer situação probatória ambivalente que o tribunal tenha valorado em prejuízo do arguido. Muito menos de forma arbitrária ou irrazoável em termos de princípios e normas relativas à apreciação da prova. Tanto mais que o acórdão recorrido encontra-se devidamente fundamentado, neste âmbito, em termos probatórios.
A invocada afirmação da testemunha K... nada adianta de relevante em termos probatórios. Pois que apenas se refere ao sentido do voto da própria testemunha (a sua visão de desenvolvimento da cidade) e não a qualquer razão subjacente ao voto do recorrente.
O mesmos e diga no que toca ao depoimento da testemunha Engenheiro EE....
Com efeito a “naturalidade” com que diz ter visto a mensagem telefónica e a “abordagem” reconhecidamente efectuadas pelo arguido (cfr. conclusões 2.21 – 2.23) constituem mera afirmação não justificada. Assentando, outrossim, o efeito que dela pretende retirar o recorrente, num manifesto equívoco – tem subentendido o pressupostos de que o arguido pudesse ter a mesma “naturalidade” a enviar mensagens e a “abordar” a testemunha em relação a qualquer processo, de qualquer outro cidadão “neutro” ou desinteressado. Pressuposto que ninguém afirma.
E nem a testemunha associa (nem o recorrente tem topete para o afirmar, diga-se) a aludida suposta normalidade de actuação em relação a “qualquer” outro processo. Se é legal e aceitável que qualquer cidadão contacte a Administração Pública para resolver os seus problemas, já não o é que alguém de dentro da própria Administração o faça em relação a processo no qual tenha interesse material mais ou menos escondido.
O mesmo pressuposto, além de falacioso, é contrariado pelo facto de o arguido ter poderes na U...e ter simultaneamente interesses (que os mecanismos contratuais comprovadas documentalmente – através da Associação ..., …, S.A., da ..., Lda de que o arguido era interlocutor mas fazia intervir formalmente o filho, enfim da “ …”) nas empresas que se lhe dirigiam.
Existindo assim clara petição de princípio entre a premissa e a conclusão que dela se pretende retirar.
A afirmação do recorrente de que nunca sentiu pressão nem pesou na decisão assenta ainda no equívoco de escamotear o conflito de interesses e levaria a admitir que o arguido se dava a trabalho inútil, além de comprometedor. O que ninguém justifica.
Carece, pois, de fundamento a pretensão do recorrente também neste âmbito.
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4.4. Matéria relativa ao Crime de financiamento partidário ilícito
Nas conclusões 3.1. a 3.5. desenvolve o recorrente argumentos jurídicos relativos a este crime.
Para rematar, na última conclusão (3.6.), com base na aludida argumentação, que não existe dolo do tipo.
A fundamentação do recurso, neste ponto, não comporta fundamentos probatórios, muito menos especificados nos termos exigidos pelo art. 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP.
Pelo que não existe fundamento para alterar a decisão da matéria de facto neste ponto.
Relegando-se, outrossim, a apreciação dos fundamentos de direito para o momento apropriado.

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4.5. Matéria relativa ao crime de tráfico de influências
Discorda o recorrente da seguinte matéria, dada como provada pelo tribunal recorrido::
6.1. Após o referido acto eleitoral, o mesmo arguido, que nele obtivera novo mandato popular, invocando obrigações financeiras ainda a solver, no valor de 100.000,00 euros, continuou a contactar o referido LL... instando-o a entregar-lhe outros valores monetários.

6.2. Na sequência de diversas abordagens nesse sentido, em contactos telefónicos estabelecidos entre ambos sempre por iniciativa do arguido AA..., que se concentraram no mês de Novembro de 2005, pouco tempo depois da tomada de posse dos eleitos locais na autarquia de Y..., entre os quais a sua deslocação no dia 24 daquele mês e ano, ao Hotel …, propriedade do mesmo empresário, o arguido AA..., veio a obter a entrega de um montante não apurado (não inferior a 3.000,00€), proveniente do referido LL....

6.3. Os contactos entre o arguido AA... e o LL... a este propósito vieram a prolongar-se, pelo menos, até Fevereiro do ano seguinte.

6.4. O empresário LL... desenvolve diversas actividades económicas, designadamente na área da construção civil, tendo interesses em tal âmbito na cidade de Y..., nomeadamente a construção do empreendimento “...”, o qual, à data dos factos descritos, constituía o cerne de um diferendo que o opunha à autarquia de Y..., facto que era do conhecimento do arguido AA....

6.5. Sem se referirem expressamente à questão, ambos sabiam que, atenta a posição que o arguido AA... detinha na estrutura política local do ZZ... e, em consequência, a supremacia que daí resultava em termos de poder influir decisivamente na orientação da acção dos eleitos locais nas listas do referido partido político, a solicitação e a entrega de valores pelo referido empresário teria por fim a intervenção daquele em assuntos do seu interesse no sentido de influenciar decisões a assumir nos diversos órgãos autárquicos competentes, ainda que lícitas.

6.6. Agiu da forma descrita, livre e conscientemente, e sabendo que incorria em responsabilidade criminal.»

Alega o recorrente que “Em face da prova produzida em sede de audiência de julgamento, não pode concluir-se ter ocorrido qualquer promessa, solicitação ou aceitação de qualquer vantagem patrimonial ou de qualquer outra espécie entre o ora Recorrente e LL..., constituindo a entrega de montantes realizada por LL... um simples contributo económico destinado ao financiamento da campanha eleitoral do ZZ... de Y... nas autárquicas de Outubro de 2005, e, posteriormente, para auxiliar o ora Recorrente a solver compromissos bancários que havia assumido por conta dessas mesmas eleições, no cumprimento do compromisso que o empresário havido assumido nesse sentido (…) não pode afirmar-se que o ora Recorrente tenha abusado de influência junto de uma entidade pública, ou pudesse vir a fazê-lo posteriormente, desde logo pela simples razão de não possuir uma tal influência na U......, pois, por um lado, pertencia à oposição e não ao partido que estava no poder, por outro, isoladamente, o seu voto não seria apto a determinar ou condicionar qualquer decisão, sendo igualmente certo que, tal como resultou (quase em uníssono) dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento pelos demais ...es, nunca o ora Recorrente tentou influenciar o sentido de voto a adoptar”.

Esta motivação co-envolve, indiscriminadamente, razões de facto e de direito. Sendo certo, no que toca à impugnação fáctica, que cumpre deficientemente os ónus de especificação a que se fez referência supra, previstos no art. 412º n.º2 e 4 do CPPP.
Relegando para momento posterior a apreciação jurídica dos pressupostos do crime, certo é que a decisão recorrida, no que toca à matéria de facto tem bom apoio na prova produzida, apreciada em conformidade com os critérios legais a que se vem fazendo referência.
Com efeito, constitui o remate objectivo lógico da conjugação e complementaridade convergente dos seguintes meios de prova:
- Declarações do próprio arguido, na parte em que as mesmas se mostraram consonantes com outros meios de prova: admitiu ter contactado a testemunha LL..., por várias vezes (algumas das quais telefonicamente – conforme se pode constatar das escutas telefónicas efectuadas nos autos) com vista a que este lhe entregasse o vil metal, admitindo que lhe terão sido entregues, 3 a 4 mil euros;
- Testemunho de SS..., no depoimento apresentado por escrito (fls. 3585) referindo-se à existência da livrança e de parte do valor da mesma para as despesas da campanha, pese embora refira que a mesma veio a ser integralmente paga por si;
- Testemunho de LL..., que pese embora ter apresentado um depoimento pouco congruente (como se compreende face á sua implicação no caso) acabou por admitir contactos por parte do recorrente (após a campanha eleitoral, evidenciados pelas escutas telefónicas), admitindo ter entregue a quantia referida pelo arguido. E inquirido sobre a razão de tal “doação”, a testemunha não apresentou qualquer razão lógica ou razoável. Instado sobre o prolongamento dos contactos evidenciados pelas escutas telefónicas e a razão pela qual não disse que não ao pedido do recorrente, embora “tergiversando”, acabando por referir que deu porque provavelmente já teria assumido o compromisso de lho dar. Referiu ainda conversas com o arguido AA... sobre os “...” e o seu desagrado como as coisas corriam, sendo que nessa altura a obra já se encontrava embargada;
- teor das escutas telefónicas a que se fez referência, com transcrição junta aos autos a fls.14 a 15, 20 a 21, 29 a 30, 37, 38 a 39, 44 a 45, 59 a 64, 71 a 73, 76,79 a 80, 82 a 84, 146 a 148 Apenso A e fls. 4 a 5, 58 a 59, 69 a 70, do apenso B. Das quais resultam os inúmeros e insistentes contactos feitos pelo arguido AA... à testemunha LL... no sentido e com o fim (explicitado nas suas declarações e no próprio conteúdo das transcrições) de que este lhe entregasse quantia /quantias em dinheiro;
- depoimento prestado pela testemunha TT..., Professor Universitário …, ... na U..., pelo ..., no 1º mandato exercido por MM... ( 2002 a 2005), numa altura em que também era ... o arguido AA..., e que explicitou a forma como se processavam as reuniões na U......, o papel relevante que pode assumir o ... da “oposição”, sobretudo nas decisões que exigem a maioria qualificada, tendo o mesmo explicado o relacionamento existente na vereação do ..., designadamente a existência de situações em que havia orientações de voto, indicadas pelo arguido AA..., que à data era Presidente da … do ..., e o incómodo que isso gerou em algumas situações, concretizando o que ocorreu quando a testemunha transmitiu aos colegas da vereação que iria falar na reunião de U...sobre os “...”, tendo-lhe sido dito pelo arguido AA..., que não deveria falar nesse assunto por questões decorrentes de financiamento do partido por parte da pessoa que estava à frente do empreendimento, a não ser que o ... da … falasse primeiro (esclareceu ainda que essa situação ocorreu antes do embargo dos ...).
Da conjugação de todos os meios de prova referida, valorados nos termos previstos pelo art. 127º do CPP, tendo em conta o contexto situacional, relacional e temporal em que os contactos e subsequente atribuição patrimonial ocorrem, resulta, objectivamente, a convicção segura da realidade dos factos em questão, não só quanto à entrega das quantias ao arguido AA... (sem que outra justificação plausível, coerente ou lógica se surpreenda da prova produzida e que permita justificar tais atribuições patrimoniais, -veja-se a tal propósito as explicações dadas pela testemunha LL...) como do conhecimento que ambos tinham e partilhavam da mesma, face às funções desempenhadas pelo arguido AA... na U...como ..., bem como na estrutura política local do partido em que era filiado e consequente poder de influência que daí resultava em termos de poder influir na orientação da acção dos eleitos locais (evidenciada no depoimento da testemunha TT..., acima referida), e a todos os problemas que decorriam, à data, com o empreendimento “...”, cujo processo estava pendente na U...... (com diversas questões pendentes relativamente ao licenciamento, embargos decretados e eventual demolição, etc., conforme se extrai de fls. 2176 a 2194,), sendo que não apresenta qualquer credibilidade a versão trazida pela testemunha LL... de que desconhecia qual a posição do arguido AA... nas estruturas locais do ..., atenta a notoriedade das mesmas e o relacionamento existente entre ambos, mormente no que tange ao financiamento do partido e que resultam claramente quer das razões acima invocadas quer ainda do depoimento acima referido da testemunha TT....
Não colhe o argumento de que o arguido votou favoravelmente o embargo porquanto está em causa a actuação ao longo de um processo complexo, no qual o embargo surge como um mero episódio, de natureza meramente cautelar e provisória. Processo durante o qual meio passo à retaguarda pode até constituir o melhor penhor para o passo decisivo em frente.
Com efeito, é legal a apreciação da prova (indirecta ou indiciária) que incide sobre factos diversos do tema de prova que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar.
Certo é que a prova indirecta exige um particular cuidado na sua apreciação, sendo certo que apenas se pode extrair o facto probando do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, por forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente possíveis – cfr. Germano Marques da Silv.a, Curso de Processo Penal, 3ª ed., II vol., p. 100/1001.
Aliás a associação que a prova indiciária entre elementos de prova objectivos e regras objectivas da experiência leva alguns autores a afirmarem a sua superioridade perante outros tipos de provas, nomeadamente a prova directa testemunhal, onde também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será mais perigoso de determinar, qual seja a credibilidade do testemunho – cfr. Mittermayer Tratado de Prueba em Processo Penal, p. 389.
Sendo a prova por concurso de circunstâncias absolutamente indispensável em processo Penal, posto que, se a mesma fosse excluída, ficariam na mais completa impunidade um sem fim de actividades criminais – cfr. FRANCISCO ALCOY, Prueba de Indicios, Credibilidad del Acusado y Presuncion de Inocencia, Editora Tirant Blanch, Valencia 2003, p. 25, citando Mittermaier e a jurisprudência constitucional e do Supremo Tribunal do país vizinho, cujo ordenamento é, tal como o nosso, amplamente credor do alemão.
Trata-se de prova especialmente apta para dilucidar os elementos do tipo subjectivo do crime que de outra forma seriam impossíveis de demonstrar a não ser pela confissão.
E, no caso, a conjugação lógica e racional de doto o descrito circunstancialismo objectivo leva à conclusão da consciência e voluntariedade da conduta do arguido na actuação perpetrada.
Não merecendo, pois, censura, a decisão recorrida.
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4.6. Matéria relativa à Liquidação
Alega o recorrente que o Tribunal a quo substituindo-se ao Ministério Público contrariou a própria prova pericial, organizou um novo formato probatório, destituiu de sentido o rigor da analise fiscal da perícia e “classificou” novos actos patrimoniais que integrou na diferença que assim encontrou para efeitos do disposto no art. 7º, nº 1, da Lei 5/2002, de 11.01”.
Ora, certo como é que a audiência de discussão e julgamento decorreu com o exercício pleno do contraditório, discutindo, à exaustão, os relatórios periciais bem como as questões suscitadas a seu respeito pelo recorrente.
Por outro lado as correcções efectuadas pelo tribunal colectivo ao teor das perícias, não foram apenas operações de “adição” em desfavor do arguido mas também de operações de “subtracção” em seu benefício.
Com efeito, além do mais o tribunal recorrido, no quadro 4, apenas considerou as contas descriminadas no quadro 2 da sua liquidação, precisamente porque o arguido apenas destas podia defender-se – é essa a razão pela qual naquele quadro não se faz referência à conta n. … do Banco Santander.

Não foi violado, minimamente, o princípio do contraditório, com assento constitucional desde logo porque foi realizada 2ª perícia, precisamente a requerimento do recorrente, na qual foram respondidas todas as questões por este suscitadas. E ainda porque ambas as perícias foram submetidas a contraditório exaustivo durante a audiência de discussão e julgamento, tendo, além do mais, sido ouvidas em audiência, sobre o conteúdo das perícias, duas testemunhas ouvidas ao abrigo do disposto no art. 340º do CPP, além de duas outras convocadas pelo próprio recorrente que se socorreram de elementos escritos que tiveram por convenientes.


Sendo certo, outrossim, que essas testemunhas nada adiantaram sobre elementos subjacentes a qualquer juízo técnico ínsito nas perícias realizadas.


Nesta perspectiva, carece de fundamento o aduzido nos pontos 245-246 da motivação do recurso. Porquanto as aludidas testemunhas não põem em causa qualquer juízo técnico subjacente à peritagem. Além de “justificarem” as suas afirmações com base naquilo que “ouviram dizer” ao próprio arguido. Não dispondo, assim, de razão de ciência autónoma sobre o facto nem aduzindo qualquer conhecimento de natureza técnica sobre o mesmo.


Do mesmo modo, no que toca a cheques depositados em conta da titularidade do arguido/recorrente concluíram as ditas testemunhas tratar-se de cheques referentes a vencimentos do filho do recorrente. Mas apenas “porque” o arguido lho terá afirmado. Sem que tenham tido o cuidado de apoiar tal afirmação em qualquer outro meio de prova, nomeadamente, por exemplo, as declarações fiscais do dito filho do recorrente.





Alega o recorrente que «apesar de considerar que a perícia “apresenta rigor e isenção”, o tribunal corrige e desconta inúmeras quantias que não foram consideradas quer na 1ª, quer na 2ª perícias efectuadas».


Certo é que a valoração, pelo tribunal, da prova pericial é vinculada.

Com efeito, nos termos do art. 163º do CPP O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.
No entanto apenas esse juízo científico está subtraído à livre apreciação do julgador, em conformidade ainda com o objecto da prova pericial, tal como definido pelo art. 151º do CPP: a percepção ou apreciação de factos que exigem especiais conhecimentos técnicos.
O mesmo é dizer que, no caso, tal apenas sucede com o juízo científico inerente á descrição daquilo que foi objecto de análise pelo perito e ao juízo técnico desenvolvido a partir de tal análise.
Como refere FG... Dias (Direito Processual Penal, p. 209) “… Se os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos à livre apreciação do juiz – que contrariando-os pode furtar validade ao parecer -, já o juízo científico ou parecer propriamente dito só é passível de uma crítica igualmente material ou científica. Quer dizer: perante um certo juízo cientificamente provado, de acordo com as exigências legais, o tribunal guarda a sua inteira liberdade no que toca à apreciação da base de facto pressuposta; quando porém, ao juízo científico, a apreciação há-de ser também científica e estará, por conseguinte, subtraída, em princípio, à competência do tribunal”.

Ora, no caso, o tribunal não se afastou de qualquer juízo técnico-científico emanado ou subjacente à prova pericial – nem o recorrente identifica em que possa constituir esse juízo técnico supostamente violado.


Por outro lado o tribunal justifica adequadamente as correcções efectuadas.


Assim:

No que concerne à conta do Banco Santander com o n.º …, justifica que não foram consideradas como entradas a crédito:

- por se tratar de valores referentes a estornos.

No que toca ao ano de 2002 foram considerados os valores constantes da perícia a fls. 3241, sendo que o valor de 1.076,99€, de 24.06.2002:

-por se tratar de movimento anulado

No que toca ao quadro de fls. 3241, do Relatório de Perícia, valor de 2.594,00€:

- por ser uma transferência a crédito, embora entre contas, terá que se considerar que efectivamente entrou na conta em causa.

Também o valor de 5.563,88 referente ao movimento de 26.01.2004, a que alude o quadro de fls. 3243 tem uma justificação:

- por constituir uma transferência a crédito, embora entre contas, terá de se considerar que efectivamente entrou na conta em causa.

Quanto à conta do Banco Santander com o n.º …, e no que respeita ao ano de 2002 foi considerado o valor de 50.243,09 referente ao movimento de 11.09.2002, a que alude o quadro de fls. 3246 com base no razão de que:

- constituir uma transferência a crédito, embora entre contas, que terá de se considerar que efectivamente entrou na conta em causa.”

No que tange à conta do Banco Santander com o n.º … foram considerados como entradas:

- porque se trata de transferências entre contas no sentido referido.

Na conta do Banco Santander com o n.º … foram considerados os valores efectivamente entrados em conta através de depósitos em numerário efectuados por AA… :

- porque se extrai da respectiva assinatura na conta em apreço, que pese embora dos elementos disponíveis nos autos seria titulada pelo seu filho BB..., mas era dominada e utilizada pelo pai em seu benefício. O ora arguido AA..., à semelhança do que sucedia com as contas por si co-tituladas, conforme se extrai da própria alegação do arguido, na contestação que apresentou, de que as quantias aì depositadas faziam parte de um empréstimo concedido ao arguido ... (cfr.fls.2809-art.52º e 53º), e nas justificações que apresentou em audiência para ilidir a presunção quanto à proveniência ilícita das quantias nesta depositadas e que não lograram a credibilidade do tribunal, por não se mostrar assente em qualquer meio consistente e credível a sua licitude.”

No que se refere à conta da Caixa Geral de Depósitos n.º … o tribunal recorrido entendeu considerar como entradas quer o valor das entradas dos sócios, dos alegados empréstimos e do depósito em numerário no valor de 16.5000,00€ e ainda o valor referente à avença:

- por se tratar de valores que efectivamente deram entrada na conta em causa.

Na conta da Caixa Geral de Depósitos n.º … o tribunal considerou como entradas em conta os valores relativos a transferências entre contas, proveitos e prestações suplementares:

- por se tratar de valores entrados a crédito nas contas, conforme se extrai de fls. 246 a 248 do apenso 1.

Na conta do BCP com o n.º … foram os valores referidos no ponto 5.6. considerados como entradas a crédito no quadro descrito em 4:

- Porque todos eles deram entrada na conta e por tal facto se têm de considerar valores entrados, conforme se extraí do teor de fls.79 a 105 do apenso 2”.


Trata-se, pois, de correcções devidamente justificadas do ponto de vista relevante de meras “entradas” e “saídas” de valores, meras operações contabilísticas que não contrariam qualquer juízo técnico subjacente á perícia. Afirmação que se aplica a todas as verbas impugnadas pelo recorrente. Sendo certo que em relação a todas as correcções efectuadas as mencionadas correcções não são contrariados por qualquer meio de prova de igual ou superior valor ao da perícia nem são rebatidos, materialmente, pelo recorrente.


Não se verifica, assim qualquer erro de julgamento. Muito menos os invocados vícios de erro notório de apreciação da prova ou de contradição insanável, dentro do quadro previsto no art. 410º, n.º2 do CPP a que se fez referência supra.


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5. Recurso da matéria de direito





Em termos de direito, a decisão recorrida encontra-se fundamentada de forma minuciosa e exaustiva. Remetendo-se, pois, para tal fundamentação, na medida em que não é rebatida, apenas se alinhando alguns tópicos com incidência nos argumentos invocados pelo recorrente.


5.1. Crime de corrupção passiva
Dos pontos 1.1 e 1.2. resulta que o arguido AA..., no decurso dos anos de 1998 a 2009 (ressalvados os períodos de suspensão), exerceu o cargo de ... na U..., pelo que exercia um cargo político como membro de órgão representativo de autarquia local, para os efeitos previstos no citado artigo 3º n.1 al.i) da Lei 34/87 de 16.07 na redacção da Lei 108/2001 conjugada com os artigos 56º a 58º da Lei 160/99 de 18.09 (Autarquias Locais - Competências e Regime Jurídico).
Da matéria factual provada relativa ao crime em apreciação, resulta provado que a empresa “X...” de cujo conselho de administração faz e fazia parte o arguido CC..., pelo menos entre os anos de 1999 e 2003, teve questões pendentes de resolução na U......, sujeitas a deliberações do executivo, no âmbito das quais teve intervenção o arguido AA..., como ....
Resulta ainda da matéria provada que, na sequência da deliberação camarária de (22/02/1999) e autorização da WWW... de 20/04/1999, no âmbito do denominado “Programa Base/Estudo Prévio para o Arranjo Urbano da Praça do ...”, da autoria do Arquitecto …, coadjuvado tecnicamente pela Assessoria de Planeamento da U..., em 24/06/1999, esta procedeu à venda em hasta pública, devidamente regulamentada, de 2 lotes com as características e condicionamento descritos no ponto 2.1 dos factos provados, o primeiro dos quais (Lote 1) foi adquirido pela sociedade “ÇX..., Lda” e o segundo (Lote 2) pela “X... SA” a cujo Conselho de Administração pertencia o arguido CC... .

Mais resulta provado que, nos termos do regulamento da citada venda, estabelecia-se, no respectivo ponto 2.5., que: “Os lotes adquiridos, ao abrigo deste regulamento, eram inalienáveis até à concessão da licença de utilização pela U...”. E que antes da emissão da referida licença de utilização, as referidas empresas viriam a celebrar acordo verbal entre si no sentido de unificar os referidos lotes com vista à construção de um parque de estacionamento subterrâneo de maiores dimensões, com rampas de acesso regulamentares, pela X …, SA.

Para que fosse possível a junção dos lotes e construção de estacionamento subterrâneo no subsolo dos lotes 1 e 2, era necessário desafectar o subsolo de duas parcelas do domínio público ., parcelas A e B, tendo a empresa “X..., SA” de acordo com a empresa “ ÇX..., Ldª” requerido ao executivo ., em 22.02.2000, autorização para a junção em subsolo dos dois lotes (1 e 2) por forma a poder realizar a sua unificação para construção de estacionamento em subsolo nos dois lotes, proposta discutida na reunião de U...de 28/02/2000.

Em tal assembleia o arguido AA..., no seguimento de semelhantes posições anteriormente por si assumidas relativamente ao projecto em causa, que defendeu, manifestou-se favorável ao deferimento da requerida unificação dos lotes, sendo secundado por outros ...es e pelo então presidente da U......, proposta esta que veio a ser submetida à WWW.... Aliás, o arguido AA... votou também favoravelmente a aprovação, em 17/07/2000, da proposta apresentada pelo então Presidente da U...... relativa à transacção alcançada com a aludida “X...” tendo votado favoravelmente a deliberação n.° 3571/2000, de 23/10/2000, que veio a decidir pela venda das parcelas desanexadas do domínio público ..

Também no âmbito do projecto de “Concepção, Construção e Exploração do Parque de Estacionamento na …”, aberto por deliberação 08/03/1999, a que a “X..., SA” se apresentou a concorrer, o arguido se manifestou favorável à aprovação das propostas apresentadas pela empresa, votando em conformidade a deliberação n.° …, que homologou o relatório do júri constituído para o efeito e aprovou o estudo prévio apresentado pela empresa.

Provou-se ainda que o arguido AA... e o arguido CC..., se conheciam desde o ano de 1985, tendo os contactos posteriormente ocorrido entre ambos cimentado uma relação de maior proximidade, tendo o arguido CC... no ano de 2002, concedido ao arguido AA..., o que este aceitou, a quantia de 50.000,00€ representada em dois cheques, datados de 13/03/2002 e 08/04/2002, que o último veio a depositar na conta bancária de que é titular no Banco Santander Totta com o n.º …. Tal montante, como era intenção do arguido CC... e assumido pelo arguido AA..., visava compensar materialmente a intervenção deste último nos aludidos procedimentos, vantagem patrimonial a que ambos sabiam que o arguido AA... não tinha legitimamente direito no exercício do mandato popular, actuando ambos livre e conscientemente, sabendo que praticavam acto proibido por lei.

Alega o recorrente que “não solicitou qualquer quantia enquanto contrapartida do que quer que fosse, acto ou não acto, pediu a CC...um empréstimo que liquidou” – cfr. síntese conclusiva na conclusão n.º 1.5..
Ora esta perspectiva assenta em petição de princípio.
Com efeito parte do pressuposto - fáctico - de que o recebimento teve por base um negócio jurídico (contrato de mútuo). Pressuposto fáctico esse que não se verifica, tal como resulta da apreciação efectuada em sede de reapreciação da matéria de facto.
Por outro lado, o recorrente vem condenado, pelo tribunal de 1ª instância, pela prática do crime de corrupção passiva para acto lícito. E não (como parece supor boa parte da motivação do recurso) pelo crime de corrupção passiva para acto ilícito - pelo qual vinha acusado e pronunciado.
Sendo pois, na base do crime de corrupção passiva para acto lícito que se justifica a apreciação do recurso.
Até porque o tribunal de recurso está vinculado ao princípio da proibição da reformatio in pejus – cf. Art.409º do CPP

Postula o artigo 16º, n.º 1. da Lei nº. 34/87, de 16.07, na redacção dada pela Lei 108/2001 de 28.11 (aplicável ao caso face à data dos factos): “ l — O titular de cargo político que no exercício das suas funções, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.”
E o art. 3º al.i ) da mesma lei, prescreve: “ São cargos políticos, para os efeitos da presente lei: … O de membro de órgão representativo de autarquia local.”
Conforme resulta dos aludidos textos legais, o crime é decalcado sobre a matriz do crime respectivo do Código Penal.
A Lei 34/87, de 16/07 veio estender aos titulares de cargos políticos o regime penal da corrupção consagrado no Código Penal.
Neste diploma, o artigo 372° do C.P. contempla a disciplina da corrupção passiva própria e o artigo 373º o da corrupção passiva imprópria.
Por outro lado, o artigo 374º prescreve sobre a corrupção activa.
Como refere A. Almeida Costa (Comentário Coninbricense, a p. 655, em anotação ao crime em apreciação) o fenómeno da corrupção pode reconduzir-se às situações em que um funcionário (na acepção do art. 386° do C.P.) solicita ou aceita uma vantagem patrimonial ou não patrimonial (ou a sua promessa) como contrapartida de um acto (lícito ou ilícito, passado ou futuro) que traduz o exercício efectivo do cargo em que se encontra investido.
É em função do carácter ilícito ou lícito da conduta do funcionário visada pelo suborno que se estabelece a contraposição entre corrupção própria e imprópria.
O bem jurídico objecto de protecção reconduz-se ao prestígio e à dignidade do Estado, como pressupostos da sua eficácia ou operacionalidade na prossecução legítima dos interesses que lhe estão adstritos.
Ou, como refere Cláudia Cruz Santos [in A corrupção de agentes públicos em Portugal: reflexões sobre o seu regime jurídico-criminal em expansão no Brasil e em Portugal, p. 100], “a interdição da corrupção visa defender a legalidade da actuação dos agentes públicos, a quem está vedada qualquer negociação relacionada com as suas funções, pois só assim se garante a objectividade decisional do Estado.”
Ao transaccionar com o cargo, o empregado público corrupto coloca os poderes funcionais ao serviço dos seus interesses privados, a corrupção (própria e imprópria) traduz-se, por isso, numa manipulação do aparelho de Estado pelo funcionário que, assim, viola a autonomia intencional do último. Ou seja, em sentido material, infringe as exigências de legalidade, objectividade e independência que, num Estado de Direito, sempre têm de presidir ao desempenho das funções públicas.
Consistindo o bem jurídico na autonomia intencional do Estado e não no valor ou interesse porventura afectado pela conduta do funcionário a quem se dirige a peita, a correspondente violação ( e consumação do ilícito) ocorre logo que se depare com uma declaração de vontade do empregado público que evidencie a inequívoca intenção de mercadejar com o cargo, “vender” o exercício de uma actividade (lícita ou ilícita) compreendida nas suas atribuições ou, pelo menos, nos seus “poderes de facto”. O mercadejar com o cargo assume-se, pois, como o vector essencial e o verdadeiro cerne dos crimes de corrupção.
Apresenta-se assim como um crime material ou de resultado, cuja consumação ocorre no momento em que a “solicitação” ou “aceitação” do suborno, ou da sua promessa, cheguem ao conhecimento do destinatário.
Por outro lado, a corrupção passiva reveste a natureza de delito específico, uma vez que o agente tem de se revestir de uma especial qualidade, a de funcionário ou titular de cargo político.
Na relação entre a conduta do corrupto e a prestação do corruptor, face à redacção, quer do crime matriz, quer do correspondente artigo da Lei 34/87 de 16.07, redacção da Lei 108/2001 (titulares de cargos políticos) afigura-se inteiramente fundada, em função da teleologia do crime, a posição expendida por Cláudia Santos (ob. Cit, f fls. 129 e segs.) quando salienta que a interdependência entre os dois vectores assinalados deve ser perspectivada de uma forma flexível.
Na verdade, a propósito da exigência de um verdadeiro sinalagma entre as prestações do corruptor e do funcionário corrupto, certo é que a corrupção supõe uma negociação ilegítima com os poderes associados a determinado cargo e, por isso, uma conexão entre o “contributo” do agente da corrupção activa e a eventual prática de um acto do agente da corrupção passiva e portanto uma correspondência entre as prestações do corruptor e do funcionário.
No entanto, como refere de forma elucidativa Cláudia Cruz Santos (ob. cit., p. 109 e segs.) “ … a consideração dos delitos de corrupção como crimes de resultado de dano, que visam tutelar um bem jurídico definido como a legalidade da actuação dos agentes públicos impeditiva do recebimento de vantagens e preordenada à defesa da sua objectividade decisional permite-nos que consideremos inequivocamente típicas várias condutas, porque lesivas daquele bem jurídico e não excluídas do âmbito de aplicação da norma pela letra da lei. Extraiam-se daqui, portanto, as conclusões devidas e exemplifique-se com algumas das hipóteses que mais duvidas tem suscitado aos aplicadores: 1) pode haver crime de corrupção passiva e activa ainda que o valor da peita não seja proporcional ao valor ou importância do acto a praticar; 2); pode haver crime de corrupção passiva e activa sem que o acto acordado ou almejado venha a ter lugar; 3) pode haver crime de corrupção passiva e activa sem que fique demonstrado que a solicitação, aceitação ou oferta da peita têm por objectivo a prática de uma acto concreto e determinado; 4) por maioria de razões, pode haver crime de corrupção passiva e activa quer a oferta/recebimento sejam anteriores à prática do acto, quer sejam posteriores; 5) pode haver crime consumado de corrupção, quer activa, quer passiva, mesmo que o agente público não chegue efectivamente a receber a vantagem prometida ou solicitada.”
A ilicitude e ilegalidade de actuação do agente público que aceita ou solicita vantagens provindas de quem tenha pretensão dependente das suas atribuições/funções é assim independente da demonstração de qualquer acto que a vantagem visasse retribuir.
No que toca ao âmbito das funções do agente as condutas subsumíveis ao ilícito não são apenas aquelas que correspondem às específicas competências ou atribuições legais do funcionário, mas sim todas aquelas que decorrem da posição “funcional do agente”, ainda que com meros poderes de facto; sendo assim suficiente para preencher a tipicidade do crime a simples circunstância de a actividade em causa se encontrar numa relação funcional imediata com o desempenho do respectivo cargo.
Assim acontecerá sempre que a realização do acto subornado caiba no âmbito “fáctico” das suas possibilidades de intervenção, i. e., dos “poderes de facto” inerentes ao exercício das correspondentes funções, ou seja das possibilidades fácticas que apesar de o exorbitarem, são propiciadas pelo cumprimento normal das suas atribuições legais.
Na verdade, como refere A. Almeida e Costa (Comentário Coninbricense, em anotação ao preceito correspondente) a “autonomia intencional do Estado” resulta ofendida com igual intensidade, quer o acto subornado tenha sido realizado pelo próprio funcionário “competente”, quer provenha de outro que, possuindo uma relação funcional directa com o serviço, apenas o levou a cabo na actuação de meros “poderes de facto”. Na medida em que estes decorrem de uma relação funcional do agente, i.e., do posto que ocupa, o recebimento da “peita” pelo (ou para o) seu exercício constitui, ainda, uma transacção com o seu cargo e, por isso, uma situação de corrupção passiva.
Distingue-se ainda neste âmbito entre a corrupção antecedente e subsequente, distinção que assenta essencialmente no momento do oferecimento ou solicitação da peita face ao momento do acto pretendido e ou propiciado pelo corrupto. Assim, quando a oferta da peita ou o seu pedido ocorrem antes do acto, estamos perante corrupção antecedente, quando o acto é praticado pelo agente público e só depois se dá a solicitação ou oferta da peita, fala-se de corrupção subsequente.
Em termos legais e de gravidade as duas situações são equiparadas. Conforme refere Cláudia Santos (ob. Cit., fls. 112) o desligamento dos crimes de corrupção da efectiva existência e mesmo da possibilidade de determinação em concreto do acto pretendido retiram, também, relevo ao conceito.
De qualquer forma, a própria previsão explícita da corrupção subsequente acaba por acentuar a ideia de que a lesão da autonomia intencional do Estado, no mercadejar com o cargo, acontece mesmo quando o acto é praticado antes do “acordo” entre corruptor e corrupto.
Constituindo um argumento relevante no sentido de afastar a ideia do já designado “ZZ...eudo-sinalagma” entre a conduta do corrupto e a prestação do corruptor. Afastamento esse que encontra um outro suporte muito relevante na alteração da lei (Código Penal), mormente na substituição operada no segmento típico “como contrapartida de” pela expressão “para um qualquer acto ou omissão”.

Na corrupção passiva distingue-se entre corrupção própria e imprópria.
A corrupção imprópria, ou para acto lícito (artigos 373º do C. Penal e 17º da Lei 34/87 redacção da Lei 108/2001) constitui o crime-base, em que o elemento do tipo é um acto conforme às funções do agente público, quer tal acto tenha ocorrido, quer seja pretendido e se logre fazer prova dessa intenção.
Em contrapartida, na corrupção própria, ou corrupção para acto ilícito (artigos 372º do C. Penal e 16º da Lei 34/87 redacção da Lei 108/2001 – para os titulares de cargos políticos), surge como elemento típico nuclear o acto contrário às funções do agente público. Assumindo esta corrupção para acto ilícito a natureza qualificada do ilícito - cfr. Almeida Costa in “Sobre o crime de Corrupção”, p. 54.
Dispõe o artigo 17º da Lei 34/87 : “O titular de cargo político que no exercício das suas funções, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão não contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 300 dias.
A distinção da licitude/ ilicitude do acto apresenta-se como uma das questões basilares, mas que tem vindo a ser objecto de diversas interpretações na sua apreciação casuística e conceptual.
Temos assim a corrupção imprópria ou para acto lícito de que é elemento típico o acto conforme às funções do agente público e a corrupção própria ou para acto ilícito, de que é elemento típico o acto contrário às funções do agente público.
É em função da conduta licita ou ilícita do funcionário visada pelo suborno, ou mais precisamente, de acordo com a natureza do acto praticado ou omitido como contrapartida da solicitação ou aceitação do dinheiro ou vantagem que se distingue a corrupção própria da corrupção imprópria.
Como decidiu o Ac. S.T.J. de 15.04.2010 in www.dgsi.pt., “a lei não se refere a acto ilícito, “tout court”, mas antes à prática de “acto que implique violação dos deveres do cargo” o mesmo é dizer quando existe desvio dos poderes inerentes ao cargo ou aos “poderes de facto” de tal exercício. Do mesmo modo, na corrupção para acto lícito, a letra da lei refere-se à prática de “acto não contrário aos deveres do cargo”, portanto, quando não existe desvio dos poderes inerentes ao exercício do cargo.
A tónica da distinção referida mostra-se evidenciada quando atentamos no núcleo do delito, a actividade de mercadejar com o cargo.
Estamos assim perante um critério de distinção substancial ou de fundo ligado a uma perspectiva teleológica, no sentido de que a nota distintiva está na actuação do funcionário e na conformação do uso dos seus poderes (de facto ou de direito) ou competências segundo o padrão de objectividade, isenção e legalidade requeridos pelos deveres do cargo.
Citando A. A.Costa (ob. cit. p. 667 e segs.) refere o citado Ac. do STJ que “’A destrinça entre corrupção própria e imprópria não suscita dificuldades quando, devido à gratificação, o funcionário exorbita o âmbito da discricionariedade que a lei lhe confere. Nessa hipótese o acto apresenta-se como ilícito no tocante ao fundo ou substância, pelo que se está na órbita da corrupção própria. Que dizer, porém, se apesar de não ultrapassar a esfera de discricionariedade, o agente se deixa influenciar pelo suborno, tomando uma decisão diversa da que tomaria se a gratificação (ou promessa) não tivesse ocorrido? Ainda aqui se depara com um acto ilegal, ferido de uma invalidade que contende com o seu conteúdo ou substância que, segundo a terminologia tradicional, se designa de desvio de poder (QQ...Caetano, Manuel de Direito Administrativo, 1980, 506-12, Afonso Queiró, o Poder Discricionário da Administração, 1944 e BFDC XLI (1996)) …., só se estará em face de uma corrupção imprópria quando o suborno em nada influiu na conduta do funcionário, i. e., não interferiu no uso dos seus poderes discricionários”.
Prevê ainda a lei uma terceira modalidade do ilícito, o que a doutrina designa de “corrupção sem acto” ou corrupção sem demonstração do acto pretendido, prevista no n. 2 do artigo 373º do Código Penal e no n. 2 do artigo 17º da Lei 34/87 redacção da Lei 108/2001.
Corresponde a uma situação em que a prática ou a demonstração da intenção de um acto concreto são irrelevantes. Bastando a promessa ou o pedido de vantagens que não tenham explicação plausível outra que não a relacionada com um mercadejar com o cargo. Em tal situação não se exige a previsão ou o desejo da concretização de um determinado acto, bastando a demonstração de que um funcionário (ou titular de cargo político) solicitou ou recebeu uma vantagem oriunda de quem esteve, está ou previsivelmente virá a estar em uma relação de índole profissional com ele. Não se exige prova de que com o pedido ou aceitação se pretenda compensar um qualquer determinado acto, praticado ou a praticar pelo funcionário. O que está em causa é uma determinada conduta que não pode deixar de ser compreendida por não ser explicável razoavelmente de outro modo (quer à luz de critérios de experiência comum, quer de critérios de razoabilidade) a não ser no contexto da criação de um clima de viciação da objectividade decisional do funcionário, não se mostrando justificável a não ser como um modo de criar um clima de “simpatia” ou permeabilidade para posteriores diligências (cfr. Manuel Almeida Costa, Comentário Conimbricense, pág. 671), quando tais vantagens não possam ser razoavelmente explicadas a não ser no contexto das competências funcionais do agente, sendo para todos os efeitos equiparado para efeitos de sancionamento, ao tipo previsto no n.1 do art. 373º e n. 1 do art. 17º da Lei 34/87 de corrupção para acto lícito.
A este propósito é pertinente mais uma vez a observação de Cláudia Santos (ob. cit. p. 132): “se não se criminalizou a aceitação por funcionário ou político de presente oferecido por familiar ou amigo no seu aniversário ou no Natal, já se pretendeu incriminar o pedido ou recebimento de oferta por agente público quando essa oferta — tendo em conta quem a outorga, as pretensões que tal pessoa tem ou teve, e o valor não insignificante da dádiva — não pode ser concebida no contexto da pura pessoalidade, mas apenas no âmbito da funcionalidade.”
Das alterações legislativas introduzidas pela Lei 108/2001 de 28.11, resulta que a substituição, no tipo, da expressão “como contrapartida de” pela referência “para um qualquer acto ou omissão” não pode deixar de ter visado ultrapassar as dificuldades inerentes à prova daquilo a que se chamou “sinalagma” entre a conduta do corrupto e a prestação do corruptor. E também a previsão explícita da corrupção subsequente clarifica a ideia de que se pode lesar a autonomia intencional do Estado, mercadejando com o cargo, mesmo quando o acto é praticado antes do “acordo” entre corruptor e corrupto.
Trata-se de um crime de realização instantânea, que conforme salienta o Ac. do T. R.C. de 01.10.2008: “’a consumação do crime de corrupção passiva ocorre no momento do conhecimento da solicitação da vantagem (ou promessa) pelo agente integrado no conceito jurídico-penal relevante pelo destinatário ou da sua aceitação, quando a iniciativa pertence a terceiro. Isto, independentemente da concretização de vantagem patrimonial ou não patrimonial ou da realização da conduta ilícita mercadejada, circunstâncias que não constituem elementos essenciais do crime de corrupção.
Não assiste, pois, razão ao recorrente quando alega que não solicitou qualquer quantia enquanto contrapartida do que quer que fosse.
Perspectivando a actuação do recorrente em função do acto praticado como contrapartida da aceitação do dinheiro ou vantagem, concluiu o tribunal recorrido – e tal não foi objecto de recurso pelo MºPº - que a factualidade provada não permite concluir que a actuação daquele se revelou contrária aos deveres do cargo. Porque, por um lado o acto em si (em toda a sua amplitude) não se pode considerar ilícito, já que não existe factualidade provada que nos permita considerar que a deliberação camarária que incidiu sobre o pedido efectuado pelas empresas adquirentes dos lotes, para junção das parcelas em subsolo na situação referida em 2.9., foi ilegal, que o acordo das empresas era contra os termos do regulamento da venda em hasta pública, ou que a junção dos lotes em subsolo prejudicava o trajecto da rua, que passava no local.
No entanto não sofre dúvida que a actuação mercadejada se encontra no âmbito dos seus poderes funcionais, já que direccionada aos actos que aquele exerceu no desempenho das suas concretas competências públicas. Encontrando-se dentro da esfera de poderes do cargo que ocupava à data, a que é indiferente a circunstância de tal actuação ter ocorrido no âmbito de deliberações de um órgão colegial e de a posição tomada ou a tomar pelo arguido em tais deliberações poder não ser suficiente (por si só), a uma deliberação favorável aos interesses do corruptor.

Por outro lado, apurado se mostra que a entrega por parte do arguido CC... de tal quantia ao arguido/recorrente, visava compensar materialmente a intervenção deste último nos aludidos procedimentos, sendo que relativamente às deliberações tomadas relativas aos procedimentos indicados em 2.9 e 2.10, verificamos estar perante uma situação de corrupção subsequente já que o acto é praticado antes da entrega e aceitação da peita, não havendo elementos fácticos apurados que nos permitam concluir que o acordo (e portanto a consumação do ilícito) entre os arguidos tenha ocorrido anteriormente à prática do acto praticado.

Considerando a factualidade exposta e as considerações que acima deixámos tecidas sobre o crime de corrupção (seja na sua vertente passiva ou activa) não podem deixar de se considerar verificados os elementos típicos do ilícito que imputado ao arguido, ainda que na configuração “desqualificada” assumida pelo acórdão recorrido – corrupção passiva para acto lícito. Considerando que para o preenchimento do crime de corrupção passiva basta a aceitação da vantagem patrimonial indevida por parte do titular do cargo político (no caso do arguido/recorrente na sua qualidade de ... da C.M.C.) temos que ao aceitar a referida quantia (vantagem patrimonial) como compensação pela sua intervenção nas deliberações do executivo . a que foram sujeitos os actos em que tinha interesse o arguido CC..., com a consciência da dádiva e da finalidade com que ela foi feita, impõe-se concluir que mercadejou/transaccionou com o cargo, colocando os poderes funcionais ao serviço dos seus interesses pessoais, ao assumir e aceitar vantagem que não lhe era pessoalmente devida pelo exercício das suas funções. Não sofre assim dúvida a verificação dos dois primeiros elementos do tipo de ilícito em causa; o arguido no exercício e por causa das funções políticas que então exercia (56º a 64º da Lei nº 169/99 de 18.09) aceitou e recebeu dinheiro a que não tinha direito, quis e recebeu vantagem patrimonial indevida.

Não merece, pois censura a decisão recorrida quando conclui que estamos perante a verificação típica do crime de corrupção passiva para acto lícito, nos termos previstos no artigo 17º n.1 da Lei 108/2001 de 28.11.

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5.2. Crime de abuso de poder
Alega o recorrente, neste âmbito, (cfr. conclusões n.º 2.5. e 2.6.) que «não ficou provado que o recorrente prosseguiu exclusiva ou primacialmente o fim ilegal de obter benefícios para si ou para terceiro».
Ora esta conclusão é contrariada, de forma clara, pela matéria provada sob os n.ºs 4.23 e 4.24: “Agindo da forma descrita, desenvolvendo diversas iniciativas destinadas a obter o deferimento por parte da autarquia das pretensões subjacentes ao referido acordo social, quer informando os demais associados dos elementos que, por força do exercício do mandato popular ia obtendo, visou o arguido AA... alcançar proveitos económicos para si próprio e vantagens para a aludida pessoa colectiva, bem sabendo que assim violava os mais elementares deveres de probidade, isenção e de prevalência do interesse público em detrimento do seu próprio interesse e da associação que são pressupostos pela outorga daquela representação popular resultante das eleições para a autarquia de Y.... Agiu livre, voluntária e conscientemente”.
No que toca à matéria descrita sob o ponto 4., alínea C), vem imputado ao arguido AA... um crime de abuso de poderes, p. e p. pelo art. 26°, n.° l, da Lei n.° 34/87, de 16/07, com referência aos arts. 3°, n.° 1, al. i), do mesmo diploma legal e 4°als. b) e c) (Redacção da L 52-A/2005, de 10.10.), do Estatuto dos Eleito Locais, aprovado pela Lei n.° 29/87, de 30/06.
Dispõe o artigo 4º da Lei 29/87 (respectivo nº2 e alíneas b) e c), que: “No exercício das suas funções, os eleitos locais estão vinculados ao cumprimento dos seguintes princípios:… 2) Em matéria de prossecução do interesse público: …b) Respeitar o fim público dos poderes em que se encontram investidos: c) Não patrocinar interesses particulares ou de terceiros, de qualquer natureza, quer no exercício das suas funções, quer invocando a qualidade de membro de órgão autárquico.”
O bem jurídico protegido com a incriminação deste tipo de condutas é a autoridade e credibilidade da administração do Estado, ao ser afectada a imparcialidade e eficácia dos seus serviços. Corresponde esta exigência, de resto, a um princípio fundamental da organização do Estado consagrado constitucionalmente nos arts. 266, 268 e 269/1 da CRP. Em particular, o n.° 2 do art. 266 refere que «os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à Lei e devem actuar no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade».
Tais princípios são afirmados, entre outros, no Estatuto dos Eleitos Locais, bem como no Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central Regional e Local ( art. 3º n.3 Dec. Lei 24/84 de 16.01) onde se afirma a obrigação dos agentes públicos actuarem no sentido de criar no público confiança na acção da administração Pública, em especial no que à imparcialidade diz respeito.
Ou, conforme preceitua o artigo 44° do Código do Procedimento Administrativo, nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo, ou em acto ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública, quando por si nele tenha interesse.
O dever de não tomar parte em procedimento, acto ou contrato tem como objectivo principal assegurar o desempenho imparcial e justo das suas funções na prossecução do interesse público e no respeito pelos direitos e deveres legalmente protegidos dos cidadãos.
O agente - titular do cargo político no caso dos autos - deve assim actuar no exercício das suas funções, sujeito ao respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade. Mostrando-se particularmente relevante, neste âmbito, pela ameaça que apresenta para o bem jurídico protegido, a violação por parte do funcionário (aqui o titular de cargo político) do dever de isenção, definido da seguinte forma, no já citado Dec. Lei 24/84 de 16/01, art. 5º: “0 dever de isenção consiste em não retirar vantagens directas ou indirectas, pecuniárias ou outras, das funções que exerce, actuando com independência em relação aos interesses e pressões particulares de qualquer índole, na perspectiva do respeito pela igualdade cidadãos”
Retornando ao ilícito previsto no art. 26°, n.° l, da Lei n.° 34/87, de 16/07, segue-se o entendimento de Paula Ribeiro de Faria (no Comentário Coninbricense) de que para o preenchimento do mesmo se tem que ter como verificado :
a) um acto ( ou acção típica) de abuso de poderes ou de violação de deveres, que não tendo de referir-se a um acto administrativo concreto corresponda a um acto idóneo a produzir efeitos jurídicos enquanto manifestação da vontade do Estado, ou por outras palavras, acto que se manifeste exteriormente através da lesão do bom andamento e imparcialidade da administração;
b) que o acto seja praticado com a intenção de obter uma vantagem ilícita ou prejudicar alguém, sendo que “O funcionário que abusou das suas funções, ou que violou deveres, pode no limite, até ter actuado com fins caritativos ou altruístas” (ob. Cit., p. 778) , contudo desde que lesado o bom andamento e/ou a imparcialidade da administração, terá de ter-se como ilegítimo o benefício.
A intenção do agente tem assim de predeterminar finalisticamente a acção típica, o agente viola os deveres gerais a que está sujeito no exercício da função pública em que se encontra investido com a finalidade de alcançar proveitos ou prejudicar alguém.
Para efeitos de consumação do crime mostra-se irrelevante a efectiva verificação do dano ou da vantagem prosseguida, bastando a prática do acto ou do facto abusivo por parte do agente.
Ora, no caso em apreciação, face aos factos provados, apurada se mostra uma concreta actuação do arguido AA... no âmbito do exercício das suas funções de autarca que, extravasando o concreto acto de votar na deliberação em questão, se mostra claramente consubstanciadora da violação dos deveres gerais a que se encontrava sujeito no exercício do mandato popular.
Não se trata apenas da participação do arguido em cada momento deliberativo que teve lugar a respeito do Plano de Pormenor e mormente àquele que vem referido nos pontos 4.21 e 4.22 da factualidade provada, relativamente ao qual a factualidade provada nos permite concluir pela verificação subjacente à mesma de interesses quer particulares seus (decorrente dos benefícios concretos directos ou indirectos que estavam em jogo na aprovação do Plano de Pormenor / subsequente realização da escritura pública de venda dos terrenos da Quinta …) como também os interesses que emergiam de tal aprovação para outras entidades, com as quais o arguido detinha ligações estreitas, como sucede com a “Associação ...” (conforme pontos 4.1 a 4.4.) e a “...” (cfr. pontos 4.5. a 4.15).
Estão ainda em causa as abordagens a outros ...es no sentido pretendido por todos os interessados na elaboração do Plano de Pormenor, de que aquele fosse rapidamente sujeito a deliberação do executivo, quer na transmissão de informações sobre a evolução do procedimento administrativo aos interessados na sua aprovação.
A conjugação de todos os factos provados, no recorte de vida em apreciação, desde a prestação de serviços de consultadoria à empresa “...” (pese embora a revelada intenção de a “mascarar” com a sua transmissão para a empresa familiar “...” que de facto o arguido controlava), ao envolvimento da “...” com interesses a decidir pelo executivo de que o arguido fazia parte, bem como o seu envolvimento com a Associação ..., com a qual, ao contrário daquilo que o recorrente pretendeu, existia uma ligação próxima e interessada, evidenciada na matéria descrita em 4.1 a 4.6, ainda a sua actuação nos procedimentos relativos ao acto deliberativo que directa ou indirectamente interessavam àquela Associação, seja no acto concreto da deliberação em causa, seja em todos os procedimentos e contactos prévios com outros ...es (aproveitando a facilidade inerente ao exercício das suas funções para efectuar a abordagem de outros autarcas, o que só por si é um acto reprovável, mesmo que desses contactos não tenha resultado qualquer posição de privilégio) com vista a alcançar o objectivo pretendido (a colocação em agenda e sujeição a deliberação do Plano de Pormenor e sua aprovação), por ultimo a transmissão de informações relativas a tais procedimentos, são actuações que revelam o desrespeito pelo fim público dos poderes em que o arguido se encontrava investido, assumindo-se como claramente violadoras dos seus deveres funcionais em subordinação a interesses de natureza particular, instrumentalizando os poderes que lhe são conferidos em razão das suas funções à prossecução de fins estranhos à razão de ser da sua atribuição.
Por outro lado, resulta está da matéria de facto apurada (cfr. ponto 4.23. e 4.24.) a intenção do arguido na actuação desenvolvida e as razões pelas quais se verificou a violação dos deveres do cargo. Ou seja, o propósito de alcançar de proveitos económicos para si e para a aludida “Associação ...”. De onde resulta a violação dos mais elementares deveres de probidade, isenção e de prevalência do interesse público (que o arguido subordinou ao seu próprio interesse e aos da associação) pressupostos do exercício do mandato popular resultante das eleições para a autarquia de Y..., o que tudo evidencia a ilegitimidade dos benefícios pretendidos pelo arguido.
Mostram-se assim verificados os elementos típicos do crime de abuso de poderes p. e p. pelo art. 26°, n.° l, da Lei n.° 34/87, de 16/07, com referência aos arts. 3°, n.° 1, al. i), do mesmo diploma legal e 4° n.2 als. b) e c) (Redacção da Lei 52-A/2005, de 10.10.), do Estatuto dos Eleito Locais, aprovado pela Lei n.° 29/87, de 30/06, imputado ao arguido AA....
Não merecendo, tão-pouco neste ponto, qualquer censura o douto acórdão recorrido
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5.3. Crime de financiamento partidário ilícito


Nas conclusões 3.1. a 3.5. desenvolve o recorrente argumentos jurídicos relativos a este crime.
Para rematar, na última conclusão (3.6.), com base na aludida argumentação, que não existe dolo do tipo.
Ora, neste âmbito, resulta provado na decisão recorrida:
««« 5.3. Na preparação da campanha eleitoral para as eleições para as autarquias locais de Outubro de 2005, o arguido em causa contactou o empresário LL..., melhor identificado a fls. 1484, pessoa com quem travara conhecimento alguns anos antes e com quem vinha mantendo contactos regulares, pelo que conheciam reciprocamente as actividades profissionais que cada um desenvolvia, a fim de que este contribuísse para aquele efeito com fundos em numerário, o que, ao cabo de algumas abordagens, em data não concretamente determinada de meados do ano 2005, anterior a Outubro desse ano, logrou obter, tendo o referido empresário entregue então a quantia de pelo menos, 5.000,00€.

5.4. Todavia, não pretendendo o LL... figurar como doador de tal quantia, com o propósito de ocultar a proveniência concreta de tal donativo e seu valor, o arguido AA... não tendo entregue ao referido empresário qualquer recibo, que, por isso, não veio a figurar em tal processo, oportunamente apresentado, tendo antes entregue, para nele figurar, o valor de 5.000,00 euros em cheque de uma conta de sua titularidade, de que cobrou o respectivo recibo em nome pessoal.

5.5. Agiu livre e conscientemente, sabendo que praticava acto proibido por lei. »»»

Decorre assim, do exposto que a alegação do recorrente assenta num pressuposto fáctico que é contrariado pela matéria de facto provada: o arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, com o propósito de ocultar a proveniência concreta de tal donativo e seu valor.


Vinha imputado na pronúncia ao arguido AA... – pela matéria a que se reporta ao ponto 5., alínea D) - um crime p. e p. pelo art. 28°, n.° 2, com referência aos arts. 7° e 8° n.° l, ambos da Lei n.° 19/2003, de 20/06.
Durante a audiência de discussão e julgamento foi-lhe comunicada, com consignação em acta, a alteração da qualificação jurídica dos factos, por se ter entendido que, atendendo à factualidade que vinha descrita na pronúncia, os normativos em causa, relativamente ao crime de financiamento ilegal, eram o artigo 28º n.s 1,3 e 4 por referência ao artigo 16º n.1 al.d) e n.3 da Lei n.° 19/2003, de 20/06.
Dispõe o artigo 28°, da Lei n.° 19/2003, de 20/06, que: “ 1. Sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal a que nos termos gerais de direito haja lugar, os infractores das regras respeitantes ao financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais previstas nos capítulos II e III ficam sujeitos às sanções previstas nos números e artigos seguintes. 2 — Os dirigentes dos partidos políticos, as pessoas singulares e os administradores de pessoas colectivas que pessoalmente participem na atribuição e obtenção de financiamento proibidos são punidos com pena de prisão de l a 3 anos.
3 — Os mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais ou os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não observem na campanha eleitoral os limites estabelecidos no artigo 20º ou que obtenham para a campanha eleitoral receitas proibidas ou por formas não previstas na presente lei são punidos com pena de prisão de 1 a 3 anos.” 4 – Em iguais penas incorrem os dirigentes de partidos políticos, as pessoas singulares e os administradores de pessoas colectivas que pessoalmente participem nas infracções previstas no número anterior.”
Por seu turno, dispõe os artigos 7º e 8º da mesma Lei que: “- Os donativos de natureza pecuniária feitos por pessoas singulares identificadas estão sujeitos ao limite anual de 25 salários mínimos mensais nacionais por doador e são obrigatoriamente titulados por cheque ou transferência bancária. 2 — Os donativos de natureza pecuniária são obrigatoriamente depositados em contas bancárias exclusivamente destinadas a esse efeito e nas quais só podem ser efectuados depósitos que tenham esta origem. “ e o art. 8º sob a epígrafe: “Financiamentos proibidos” que: “l — Os partidos políticos não podem receber donativos anónimos nem receber donativos ou empréstimos de natureza pecuniária ou em espécie de pessoas colectivas nacionais ou estrangeiras, com excepção do disposto no número seguinte.”
A Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, que regula o financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, veio substituir a Lei n.º 56/98, de 18 de Agosto (alterada pela Lei n.º 23/2000, de 23 de Agosto, e pela Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto) a qual procede à regulamentação do regime aplicável aos recursos financeiros dos partidos políticos e das campanhas eleitorais (cfr. art.1º).
Se no capitulo II está em causa o financiamento em geral dos partidos políticos, conforme se extrai da respectiva epígrafe, definindo-se as regras relativas ao mesmo, já a matéria relativa expressamente ao financiamento das campanhas eleitorais mostra-se regulamentada no capitulo III, no âmbito do qual, designadamente nos artigos 15º a 22º, são estabelecidas as regras relativas ao financiamento da mesma.
No que se refere à responsabilidade criminal e contra-ordenacional pelo incumprimento das regras fixadas em qualquer uma das situações, mostra-se consagrada no artigo 28º, que, no seu nº2 se refere expressamente ao financiamento proibido, e nos n.s 3 e 4 se reporta à campanha eleitoral.
Vista a matéria de facto provada neste âmbito, conforme alteração da qualificação jurídica oportunamente comunicada ao arguido em acta, o normativo aplicável - porque o que está em apreciação na factualidade descrita é o financiamento da campanha para as eleições autárquicas - é, não aquele que vinha imputado na pronuncia (art. 28º n.2 da referida lei) mas sim o previsto no mesmo artigo 28º. mas nos n.s 3 e 4, por referência ao artigo 16º n.s 1 al. d) e 3, do referido diploma, Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho.
Com efeito, estabelece-se neste último preceito legal que: “ l — As actividades da campanha eleitoral só podem ser financiadas por: a) Subvenção estatal; b) Contribuição de partidos políticos que apresentem ou apoiem candidaturas às eleições para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu, para as Assembleias Legislativas Regionais e para as autarquias locais, bem como para Presidente da República; c) Donativos de pessoas singulares apoiantes das candidaturas à eleição para Presidente da República e apoiantes dos grupos de cidadãos eleitores dos órgãos das autarquias locais; d) Produto de actividades de angariação de fundos para a campanha eleitoral.2 — As contribuições dos partidos políticos são certificadas por documentos emitidos pelos órgãos competentes, com identificação daqueles que os prestou. 3 — Os donativos previstos nas alíneas c) e d) do n.° l podem ser obtidos mediante o recurso a angariação de fundos, estando sujeitos ao limite de 60 salários mínimos mensais nacionais por, doador, e são obrigatoriamente titulados por cheque ou por outro meio bancário que permita a identificação do montante e da sua origem.”
O artigo 16º, nº 1, da Lei nº 19/2003, enuncia taxativamente as formas de financiamento das campanhas eleitorais e o n. 3, expressamente prescreve as condições em que são admitidos os donativos, quer quanto aos limites quer quanto à forma da sua obtenção.
Nos termos do artigo 16º, nº 3, da Lei nº 19/2003, os donativos obtidos mediante o recurso a angariação de fundos (já que outros não são admitidos, atento o disposto na alínea d) do nº1 do artigo 16º que circunscreve os casos em que são admitidos sem mais, donativos de pessoas singulares) são obrigatoriamente titulados por cheque ou por outro meio bancário que permita a identificação do montante e da sua origem. Assim, qualquer receita obtida através de recurso a angariação de fundos que não o seja nos termos supra descritos constitui uma ilegalidade e portanto, uma receita proibida.

O que o legislador pretende com a imposição prevista é sobretudo a veracidade e transparência das contas da campanha eleitoral, a proibição do anonimato claramente evidenciada no artigo 8º para o financiamento dos partidos políticos e secundada na obrigação expressa da identificação dos doadores no âmbito das campanhas eleitorais, que impõe que os donativos para as campanhas eleitorais sejam nominados pelo verdadeiro doador, sob pena de serem colocados em causa os princípios que estão subjacentes à fixação das regras na sua obtenção e maxime ao previsto no n.3 do artigo 16º.
Aplicando o que vem sendo expendido ao caso concreto, verifica-se que se mostra apurado que o arguido AA... era à data dos factos presidente da Comissão ... do ZZ..., tendo na preparação da campanha eleitoral para as eleições para as autarquias locais de Outubro de 2005 contactado o empresário LL..., pessoa com quem vinha mantendo contactos regulares, por força das actividades profissionais que cada um desenvolvia, a fim de que este contribuísse para aquele efeito com fundos em numerário. O que acabou por obter, ao cabo de algumas abordagens, em data não concretamente determinada de meados do ano de 2005, anterior a Outubro desse ano. Tendo dele recebido a quantia de, pelo menos, 5.000,00€. Todavia, não pretendendo o LL... figurar como doador de tal quantia, com o propósito de ocultar a proveniência concreta de tal donativo e seu valor, o arguido AA... não tendo entregue ao referido empresário qualquer recibo, que, por isso, não veio a figurar em tal processo, oportunamente apresentado, tendo antes entregue, para nele figurar, o valor de 5.000,00 euros em cheque de uma conta de sua titularidade, de que cobrou o respectivo recibo em nome pessoal, o que fez agindo de forma livre e consciente, sabendo que praticava acto proibido por lei.

Perante a matéria de facto descrita, mostram-se reunidos todos os pressupostos da prática do crime em causa por parte do arguido/recorrente. Com efeito, por um lado obteve/ recebeu para a campanha eleitoral um donativo em numerário, o que lhe era proibido. E por outro lado, ao depositar essa quantia em numerário numa conta titulada por si e ao passar um cheque em seu nome para entrar nas contas da campanha, com a expressa intenção de que o verdadeiro doador da quantia não fosse revelada, ocultando assim a identidade do doador e solicitando o recibo em seu nome, colocou em causa a transparência do acto e a veracidade da identificação do doador, princípios que subjazem ao preceito acima referido.
Obteve assim o arguido, por um lado a obtenção, uma receita proibida / por forma não prevista na lei para a campanha em causa. E por outro lado violou a imposição que era imposta pelo citado artigo 16º n.3, da identificação cabal e verdadeira do doador e bem assim a da proibição do anonimato dos financiadores.
Ao agir da forma descrita o arguido obteve para a campanha uma receita não permitida, inviabilizando com o seu comportamento a que as entidades competentes, pudessem ter conhecimento da identidade do real doador de tal quantia, conduzindo a que fosse obtido para a campanha eleitoral em causa um financiamento proibido.
Sendo o arguido Presidente da Comissão …do ZZ..., apresenta-se como dirigente de Partido Político a nível local, para os efeitos previstos na lei.
Pelo que tendo o mesmo praticado acção causal do crime, como bem decidiu o tribunal recorrido, mostram-se preenchidos os pressupostos previsto no artigo 28º n.s 3 e 4 por referência ao art. 16º n.1 al. d) e n.3, da Lei nº 19/2003.
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5.4. Crime de Tráfico de influências

Postula o artigo 335°, n.° 1, al. b), do C. Penal (redacção da Lei 108/2001 de 28.11: “1. Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para abusar da sua influência, real ou suposta, junto de qualquer entidade pública é punido:… b) Com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 600 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, se o fim for o de obter uma qualquer decisão lícita favorável.”

A punição da conduta visa aquele que negoceia com terceiro a sua influência sobre uma entidade pública para dela vir a obter uma qualquer decisão lícita (na anterior redacção do preceito em análise a obtenção de decisão lícita não era punida) ou ilícita, favorável aos interesses do terceiro.

A contrapartida da vantagem é o abuso de influência, por parte do agente, sobre entidade pública, para dela obter decisão lícita ou ilícita desfavorável. A vantagem é dada ou prometida para que o traficante abuse da sua influência sobre o decisor, dando-se a consumação do crime pelo acordo entre o traficante e o comprador, não sendo elemento indispensável à sua verificação o exercício efectivo da influência.

Atendendo-se à densidade específica do perigo prevenido pelo tipo de crime em apreço, impõe-se que o constrangimento provocado pelo agente tenha um nexo com a situação profissional do decisor.

Focando a matéria dos autos verifica-se que o que está em causa é a modalidade do tipo no que pode apelidar-se de tráfico de influência impróprio. Isto é, aquele que se dirige à tomada de uma decisão favorável licita para o comprador de influência.

Contudo, tal como sucede com o crime de corrupção, não é sequer necessário que a influência seja exercida, porque pode ser suposta e, por essa via, não é necessário à consumação do crime que seja obtida uma decisão (lícita) favorável.

O bem jurídico protegido pela norma inscrita no artigo 335.° do Código Penal (tráfico de influência) é a autonomia intencional do Estado, procurando-se evitar que o agente, contra a entrega ou promessa de uma vantagem, abuse da sua influência junto de um decisor público, de forma a obter dele uma decisão, criando assim o perigo de que a influência abusiva venha a ser exercida e, consequentemente, de que o decisor venha a colocar os seus poderes funcionais ao serviço de interesses diversos do interesse público.

Procura-se uma vez mais, tutelar o princípio da imparcialidade e objectividade no exercício das funções públicas. Contudo, enquanto na corrupção se incrimina o funcionário que vê o seu processo de motivação afectado mercê de uma dádiva, no tráfico de influência contempla-se a conduta do funcionário que pretende incidir sobre a vontade de outros funcionários, prevalecendo-se das suas especiais faculdades ou do contexto de uma relação hierárquica ou pessoal, consumando-se o crime mesmo que essa influência não actue, v.g., quando o terceiro funcionário se não deixa influenciar. À semelhança do que sucede naquele tipo legal, procura-se também aqui evitar interferências no processo de motivação das decisões públicas. Não sendo exigível, também aqui, tal como ocorre para o crime de corrupção, a existência de uma relação sinalagmática entre a dádiva para promessa ou abuso de influência e uma qualquer decisão concreta, desde que favorável. É que não se pune, nem a título de corrupção passiva nem de tráfico de influência, a solicitação ou recebimento de vantagem patrimonial ou não patrimonial que não tenha em vista um acto determinado mas, tão-só, «criar um clima» de “permeabilidade” ou de “simpatia” para eventuais diligências que venham a requerer-se no futuro.

Aplicando o entendimento descrito à matéria de facto provada nos autos, mostra-se evidenciado que o arguido/recorrente, na sua qualidade de ... da U... e de presidente da Comissão ... do ZZ..., no contexto de actuação na U......, embora pertencendo à comummente designada “oposição”, encontrava-se colocado numa situação privilegiada no sentido de orientar o sentido de voto e a tomada de decisão por parte dos autarcas eleitos por aquele partido, U...de Y... essa onde pendia o processo da urbanização “...” que se encontrava a ser construído pelo LL.... Processo que, à data dos factos descritos, constituía o cerne de um diferendo que o opunha à autarquia de Y..., facto que era do conhecimento do arguido AA....

Resulta ainda da factualidade provada que após a contribuição que o referido LL... havia dado para a campanha eleitoral do ..., e após o referido acto eleitoral no qual o arguido obteve novo mandato popular, continuou o arguido AA... a contactar o referido LL..., instando-o a entregar-lhe outros valores monetários. O que na sequência de diversas abordagens nesse sentido, em contactos telefónicos estabelecidos entre ambos sempre por iniciativa do arguido AA... (contactos que se concentraram no mês de Novembro de 2005, pouco tempo depois da tomada de posse dos eleitos locais na autarquia de Y..., entre os quais a sua deslocação no dia 24 daquele mês e ano, ao Hotel …, propriedade do mesmo empresário, e que vieram a prolongar-se, pelo menos, até Fevereiro do ano seguinte) o arguido AA..., veio a obter a entrega, por parte de LL..., de quantia de valor não concretamente apurado mas não inferior a € 3.000,00.

Quer o recorrente que LL... sabiam – como não podiam deixar de saber - que, atenta a posição que o arguido AA... detinha na estrutura política local do ZZ... e, em consequência, a supremacia que daí resultava em termos de poder influir decisivamente na orientação da acção dos eleitos locais nas listas do referido partido político, a solicitação e a entrega de valores, pelo empresário, naquele contexto (doação de valor ao arguido de que resulta uma vantagem patrimonial sem justificação), tanto mais dada a forma como foi insistentemente perseguida pelo arguido AA... e os interesses do empresário pendentes na U..., tinha por fim a intervenção daquele em assuntos do seu interesse no sentido de influenciar decisões a assumir nos diversos órgãos autárquicos competentes, ainda que lícitas, já que não se apurou que estivesse em causa qualquer actuação ilícita (prática de acto violador da legalidade).

Pelo que não merece censura a decisão recorrida na parte em que considera que, ao agir da forma descrita, livre e conscientemente, ciente da responsabilidade criminal em que incorria, o arrguido/recorrente cometeu o crime de tráfico de influência, p. e p. pelo artigo 335º n.1 al.b) do C.P.

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5.5. Incidente da liquidação

Nesta parte, as críticas dirigidas à decisão recorrida assentam essencialmente em razões de facto tendentes a justificar os incrementos patrimoniais do recorrente.

Críticas que, como resulta da reapreciação da matéria de facto correspondente, não obtiveram êxito.

Dispõe o artº 7º, nº1 da Lei 5/2002:

1 - Em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. 2 - Para efeitos desta lei, entende-se por património do arguido o conjunto dos bens: a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente; b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido; c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino. 3 — Consideram-se sempre como vantagens de actividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que estejam nas condições previstas no artigo 111.° do Código Penal.”

E o artº 8º da mesma Lei:

“1 - Sem prejuízo da consideração pelo tribunal, nos termos gerais, de toda a prova produzida no processo, pode o arguido provar a origem lícita dos bens referidos no n.º 2 do artigo 7.º 2 - Para os efeitos do número anterior é admissível qualquer meio de prova válido em processo penal. 3 - A presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 7.º é ilidida se se provar que os bens: a) Resultam de rendimentos de actividade lícita; b) Estavam na titularidade do arguido há pelo menos cinco anos no momento da constituição como arguido; c) Foram adquiridos pelo arguido com rendimentos obtidos no período referido na alínea anterior.”

O artº 7º citado estabelece que se presume constituir vantagem da actividade criminosa, na parte em que consubstanciem ou traduzam uma diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. Tal presunção apenas opera quando o arguido for condenado pela prática de um dos crimes enunciados no artºs 1º .
No caso em análise o arguido vai condenado pela prática do crime de corrupção passiva para acto lícito p. e p. pelo artigo 17º da Lei 34/87 na redacção da Lei 108/2001 de 28.11, crime esse que se encontra elencado no artº 1º al.d) da Lei 5/2002.
Por outro lado, o arguido foi constituído como tal no dia 4.03.2006 (fls. 1248).
Assim para se poder apurar o valor global da vantagem resultante da actividade criminosa desencadeada pelo arguido, teremos de considerar a diferença entre o valor do património do arguido nos cinco anos anteriores à sua constituição como arguido nos autos, constituído este pelos valores das entradas apuradas no quadro 4 dos factos provados e o valor dos rendimentos líquidos fiscais declarados e que constam do quadro 2.
Ao montante dessa diferença foram deduzidos pelo acórdão recorrido os valores constantes do ponto 5. 1. al.a) por se tratar de reembolso de despesas de saúde, pagas ao arguido pelo sindicato dos Bancários, por ser também um rendimento lícito e que não se encontra englobado nos valores declarados fiscalmente.
Foram ainda deduzidos os valores referidos em 5.1. al.b), 5.1 al.c), 5.2 al.a), 5.3 al.a) , 5.3.al.b), 5.3.al.c), 5.5. al.a), 5.6. al.a), b), c) e d), por se tratar de transferências bancárias entre contas tituladas ou co-tituladas pelo arguido ou de que ele estava autorizado a movimentar, resgate de uma aplicação financeira e juros respectivos e bem assim cheques emitidos entre titulares das contas ou para um outro titular das contas titulas pelo arguido AA..., porquanto, tais movimentos embora efectivamente tenham entrado a crédito na conta em causa, verdadeiramente não constituem uma entrada de terceiro para a disponibilidade do arguido. Por outro lado, no caso das transferências bancárias entre contas poderia dar-se o caso de estarem a ser duplamente valoradas, se no referido período de cinco anos tivessem sido movimentadas entre contas mais do que uma vez.
Mais foram deduzidos os valores a que se reportam o ponto 5.4 al.a), 5.5 al.b), referentes a entradas dos sócios para a constituição do capital social da ... e prestações suplementares, por tais valores também terem origem justificada e, igualmente, também não terem sido objecto de declaração fiscal pelo arguido.
Foram também deduzidos os demais valores referidos em 5.4. a), b), c) e 5.5. b), uma vez que se trata de valores respeitantes a avenças que foram declarados como proveitos da ... para efeitos de IRC desta, pelo que, dessa forma, também constituem rendimentos de proveniência justificada, embora igualmente não declarados pelo arguido em sede do seu IRS.
Quanto aos demais valores referidos pelo arguido e não constantes do ponto 5. dos factos provados da liquidação, não logrou o mesmo provar, como lhe competia (cfr. artigo 9º) a origem licita de tais quantias.

Assim, presumindo-se constituir vantagem da actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito, para a sua aferição há que deduzir ao montante apurado de entradas a crédito nas contas aludidas em 4. o valor dos rendimentos líquidos apurado para efeitos fiscais nos anos em questão e ao valor encontrado deduzir os montantes descriminados em 5., que se considerou pelas razões acima expostas, serem rendimentos a abater, por não constituírem rendimentos ou sendo-o nalguns casos, ter o arguido logrado ilidir a presunção no que aos mesmos se refere.
Pelo que, tendo em conta o valor de 854.785,78€ (valor do quadro 4) – 239.443,81 € (valor do quadro 2) = 615.341,97€
Tendo em conta a soma das quantias descritas no ponto 5., entradas em conta e consideradas a abater ao valor do rendimento, a qual ascende a 276.723,73€, haverá que proceder à sua dedução ao valor acima referido. Ora, 615.341,97 - 276.723,73 = € 338.618,24.
Valor a declarar perdido a favor do Estado, nos termos do artigo 12º do diploma em apreciação.
Assim, em conclusão, não merece censura o douto acórdão recorrido na parte em que, julgando parcialmente procedente a liquidação, definindo o valor de € 338.618,24, condenou o arguido a pagar tal valor e, ao abrigo do disposto no artº 10º da citada Lei decretou o arresto de bens do arguido para garantir o pagamento de tal quantia.

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6. DECISÃO:
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso, com a consequente manutenção, integral, do douto acórdão recorrido. ----
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 (oito) UC.