Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2352/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO

CONTRATO DE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DO ESTABELECIMENTO A FAVOR DO TRABALHADOR
CESSAÇ ÃO DAQUELE CONTRATO
Data do Acordão: 10/14/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 3º, Nº 2, DO DL 64-A/89, DE 27/02 .
Sumário: I – O elenco legal das formas de cessação do contrato de trabalho previsto no artº 3º, nº 2, do DL nº 64-A/89, de 27/2, não é exaustivo nem taxativo, podendo verificar-se tal cessação por outros motivos, v. g., a alteração das circunstâncias e a confusão, nos casos em que a trabalhadora vai ocupar, por qualquer título, o lugar da sua empregadora .
II – Tendo havido um contrato de trabalho entre as partes, na sequência do qual a entidade patronal cedeu ao trabalhador a exploração do estabelecimento comercial onde este trabalhava, deixou de estar este, desde então, sob a direcção e fiscalização daquela contratante, para passar a ser directamente responsável pela exploração do estabelecimento, com o que cessou o anterior contrato de trabalho que a ambos ligava , por manifesta incompatibilidade entre esses dois contratos .
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –
1 – A..., casada, com os demais sinais dos Autos, demandou no Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz os RR. B..., solteiro ,menor, representado por sua mãe C..., viúva, e D..., pedindo, a final, a condenação destes a ver declarado ilícito o despedimento da A. e a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem perda de antiguidade, e a pagarem-lhe todas as retribuições que normalmente auferiria desde a data do despedimento e até à data da sentença, bem como a pagarem-lhe uma sanção penal compulsória no valor de 100 Euros diários por cada dia de atraso na reintegração da A. desde o trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida e até efectiva reintegração.
Alegou para o efeito, em síntese útil, que foi admitida por contrato a termo celebrado por escrito em 1 de Setembro de 1994 para, sob a autoridade, direcção e fiscalização dos RR., exercer as funções de Directora Técnica na Farmácia Sousa Ribeiro, sita na Gala, mediante a remuneração mensal de 220.000$00, acrescida de subsídios de férias e de Natal.
Esse contrato foi celebrado por seis meses e renovou-se por duas vezes, passando a A. a ser trabalhadora definitiva dos RR. a partir de 28 de Fevereiro de 1996.
Esse contrato manteve-se em vigor até 30.6.98, data em que os RR. procederam à locação do estabelecimento comercial à ora A..
Conforme condições estabelecidas, este contrato perdurou até 28 de Fevereiro de 2003, em sucessivas prorrogações.

Sucede todavia que, por força desta locação e nos termos do art. 4º do DL. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, o contrato de trabalho inicialmente referido não caducou.
A A. foi apenas detentora temporária do estabelecimento.
Não se verificou pois uma situação definitiva de os RR. não poderem receber o trabalho da A., não se tendo celebrado qualquer acordo de rescisão do contrato de trabalho, pelo que a A., ante a cessação do contrato de locação da Farmácia Sousa Ribeiro, comunicou então aos RR. que iria assumir a direcção técnica da Farmácia, como trabalhadora por conta destes, apresentando-se ao serviço em 1 de Março de 2003, tendo sido impedida de entrar na mesma e de nela ir trabalhar.
Este comportamento consubstancia um despedimento sem justa causa, sem prévia instauração de processo disciplinar, pelo que é nulo, com as legais consequências.

2 – Frustrada a tentativa de conciliação a que se procedeu na Audiência de Partes, vieram os RR. contestar, orientando a sua defesa no sentido da sua absolvição do pedido, porquanto, em síntese, o contrato de trabalho oportunamente celebrado se extinguiu com a outorga das mesmas partes no contrato de locação do estabelecimento, com a A. a explorar a referida Farmácia por forma autónoma, plena e exclusiva.
Assim, não subsistindo em 1.3.2003 qualquer vínculo de trabalho subordinado relativamente aos RR. ou ao estabelecimento, não tem a A. direito a qualquer das prestações previstas na lei para o despedimento declarado ilícito.

3 – Com resposta da A., procedeu-se à discussão da causa, proferindo-se depois sentença a julgar a acção totalmente improcedente, com absolvição dos RR. dos pedidos.

4 – É dessa decisão, que, inconformada, a A. vem recorrer, alegando e concluindo assim:
A) – Na sentença recorrida o contrato que ligava a A. aos RR. é qualificado como contrato de trabalho, apesar das muitas hesitações apresentadas, não obstante o acordo das partes, quer antes do litígio, quer já na pendência deste;
B) – Do mesmo modo, reconhece a sentença que não foi acordado expressamente a cessação da relação laboral, nos temos exigidos pelo art. 3º, n.º2, do Dl. 64-A/89, de 27 de Fevereiro;
C) – Ao admitir a extinção do contrato de trabalho por confissão, a sentença recorrida esquece que as normas contidas no Regime Jurídico do Contrato de Trabalho são normas imperativas, como tal qualificadas pelo art. 2º/1 desse diploma legal, onde expressamente se declara que ‘salvo disposição legal em contrário, não pode o presente regime ser afastado ou modificado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por contrato individual de trabalho’;
D) – Por isso, as causas de cessação do contrato de trabalho estão especificadas e exaustivamente consignadas na lei e as circunstâncias a que se recorre qualificando-as como de outras figuras jurídicas do direito civil é desnecessária;
E) – Relativamente à questão objecto do Acórdão do S.T.J. de 18 de Junho de 2003, no qual a sentença recorrida se inspirou, a extinção do contrato de trabalho aí decretada parece acertada, mas a fundamentação não tem base legal;
F) – No caso aí referido, o contrato de trabalho cessou, por ter sido celebrado um contrato promessa de trespasse com tradição, pois ao celebrarem o contrato promessa de trespasse, acompanhando-o da tradição do estabelecimento, o contrato de trabalho cessaria por caducidade, dado que na previsão das partes o vendedor deixaria de forma definitiva de poder receber o trabalho da compradora e esta deixaria de o poder prestar ao vendedor, dada a natureza de transmissão definitiva que o trepasse pressupõe;
G) – O contrato de trabalho na hipótese do acórdão caducaria, nos termos do art. 4º, b), do RJCCIT;
H) – Nos presentes Autos a A. obtém a cessação temporária da exploração da Farmácia, sabendo as partes que se tratava de um contrato temporário, pois nele haviam fixado um prazo e a A. pagava uma prestação mensal aos RR.;
I) – Mesmo tendo em conta que foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda de parte da Farmácia, dado que neste não foi admitida a traditio e a A. não explorava a Farmácia com base neste contrato...
J) – Não se verifica assim a previsão do citado art. 4º, b), do dito Regime, pois não existe nenhuma causa que de forma definitiva reunisse na mesma pessoa as qualidades de empregador e empregado;
K) – Uma Segunda causa de extinção invocada pela decisão recorrida é a da efectiva caducidade, dada a existência, no seu entender, de uma analogia de situações com a que foi objecto do Acórdão da Relação de Évora de 26.11.1991, citado na nota 42 da sentença;
L) – Que se refere a hipótese de um trepasse de uma farmácia, pelo que também aqui se verifica a situação de caducidade prevista no falado art. 4º/b;
M) - Cedida definitivamente a Farmácia e estabelecendo a Lei das Farmácias a obrigatoriedade de coincidência entre proprietário e director técnico, existe uma causa definitiva de cessação do contrato de trabalho por caducidade;

N– Agora o que é incorrecto é dizer-se, como o faz a sentença recorrida, de que os efeitos jurídicos do trespasse e da cessação de exploração são os mesmos, por tal ser determinado pelo regime legal – cfr. nota 5;
O – Porque o contrato de cessação de exploração é um contrato de uso temporário do estabelecimento e porque o regime legal das farmácias pretende que definitivamente se reunam na mesma pessoa as qualidades de proprietário e director técnico da Farmácia, tal não acontece no caso sub judice;
P – No caso dos Autos, no termo da cessação da exploração a situação mantinha-se a mesma existente no momento em que foi celebrado o contrato de cessação de exploração ou seja, nenhum dos herdeiros é farmacêutico e não foi feito qualquer trespasse das farmácias, pelo que consequentemente tem de manter-se a relação laboral entre A. e RR.;
Q - As expectativas das partes no momento da celebração do contrato de cessão de exploração não eram a de resolução definitiva da situação, pois o contrato nem sequer era renovável automaticamente – cfr. Ac. S.T.J. de 25.11.93, disponível em www.dgsi.pt;
R – Não se verifica nenhuma das situações de caducidade do contrato de trabalho previstas na Lei Laboral, pelo que não procede nenhuma da argumentação da sentença recorrida;
S – Um dos critérios de interpretação da lei fixado no art. 9º/1 do Cód. Civil é o da unidade do sistema jurídico, e no Código das Sociedades Comerciais, mais concretamente no art. 398º/2, a Lei estabelece a suspensão do contrato de trabalho dos administradores que tenham uma duração superior a 1 ano, durante o período em que sejam administradores;
T – A analogia de situações – em ambos os casos, o trabalhador desempenha funções de direcção, mas de forma temporária – e a analogia de pressupostos – parte-se de um contrato de trabalho com mais de um ano – permite concluir que a unidade do sistema jurídico impõe que se adopte solução igual, ou seja, durante essa situação temporária o contrato de trabalho suspende-se;
U – Face à existência de um contrato de trabalho, que não caducou, nem se extinguiu por algum dos modos previstos na lei e dado que está provado o despedimento da A. pelos RR. ou seus representantes, deve a presente acção ser julgada procedente e provada na sua totalidade;
V - A sentença recorrida violou, além de outras disposições legais, o disposto nos arts. 2º, 3º e 4º/b) do RGCCIT, pelo que deve ser revogada e substituída por outra decisão que, decidindo de harmonia com as conclusões que se deixam formuladas, julgue a acção procedente e provada.



5 – Responderam os RR. propugnando pela manutenção do julgado, porque não demonstrados os pressupostos legais da procedibilidade dos pedidos formulados.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais devidos, vamos decidir.

II – Dos Fundamentos
Exposto esquematicamente o desenvolvimento da lide, comecemos por relembrar, como é mister, a factualidade seleccionada.

1 – DE FACTO
Vêm provados os seguintes factos:
(Por acordo das partes)
. Por contrato a termo celebrado por escrito em 1 de Setembro de 1994, com e feitos a partir dessa data, a A. foi admitida para, sob a autoridade, direcção e fiscalização dos RR., exercer as funções de Directora Técnica na Farmácia Sousa Ribeiro;
. Estabelecimento comercial propriedade dos RR., sito no r/c esquerdo do prédio urbano no lugar da Gala, Av. Remígio Falcão Ribeiro, 61;
. Mediante a remuneração mensal de 220.000$00, acrescida de subsídios de férias e de Natal e demais remunerações contratualmente devidas;
. O contrato a termo foi celebrado pelo prazo de seis meses, renovou-se por duas vezes e a partir de 28 de Fevereiro de 1996 a ora A. passou a ser trabalhadora definitiva por conta dos RR;
. Na celebração do contrato de trabalho, os RR. foram representados pela Drª Maria Graciete Seabra Carmo Ribeiro, ao tempo e ainda cabeça-de-casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu falecido marido Dr. José Carlos Sousa Ribeiro;
. A representante do primeiro R. participou à Segurança Social o início do contrato de trabalho da ora A., a qual passou a fazer os correspondentes descontos à A.;
. O contrato manteve-se plenamente em vigor até 30.6.98;
. A A. vencia ao tempo o ordenado de 254.400$00;
. Por escritura pública outorgada no 4º Cartório Notarial de Coimbra, os ora RR., sendo o requerido Eduardo representado por sua mãe, cederam à A. a locação do estabelecimento comercial acima identificado;
. A referida locação foi realizada pelo prazo de seis meses, com início em 1 de Julho de 1998, prazo esse que podia ser prorrogado por decisão unilateral da ora A. até ao limite de quatro anos;
. O preço da locação foi de dois milhões e setecentos mil escudos, pagável em seis prestações mensais de 450.000$00;
. Pelo mesmo preço, o contrato durou até 1 de Julho de 2002, por força das sucessivas renovações decididas pela ora A.;
. Por acordo escrito celebrado entre A. e RR., sendo de novo o requerido Eduardo representado por sua mãe, foi o prazo ainda prorrogado por mais seis meses, ou seja, até ao dia 31 de Dezembro de 2002;
. Por acordo escrito celebrado entre A. e RR., sendo de novo o requerido Eduardo representado por sua mãe, foi o prazo ainda prorrogado por mais um mês, com início em 1 de Janeiro de 2003;
. Por carta sem data, mas enviada sob registo com A/R expedida em 7 de Fevereiro de 2003, os ora RR. (...) notificaram a ora A. de que a locação do estabelecimento acima identificado terminava no final do mês, ou seja, no dia 28 de Fevereiro de 2003;
. Por carta registada com A/R os RR. receberam as cartas com o conteúdo dos documentos juntos com os n.ºs 9 e 10 dos Autos de Processo Cautelar apenso, com o seguinte teor:
« Teresa Alexandra A. Pinto B. Barranca. Farmacêutica.
Exmª Senhora
D. Natália S. Carmo Ribeiro:
Com os melhores cumprimentos, venho comunicar que, face à cessação do contrato de cessão de exploração da Farmácia Sousa ribeiro que celebraram comigo, a partir de 1 de Março de 2003 e em cumprimento do contrato de trabalho para a direcção técnica da referida Farmácia em vigor desde 1 de setembro de 1994, assumo a direcção técnica da Farmácia Sousa ribeiro, como trabalhadora por conta de V. Exc.ªs.
Sendo tudo de momento, renovo os meus cumprimentos e atenciosamente me subscrevo.
Teresa Barranca.»
. No dia 1 de Março, pelas 9:00 horas, aquando da sua abertura, a A. compareceu na Farmácia;
. Nessa ocasião, a representante do menor, a Drª Maria Graciete, declarou à ora A. que era de opinião que esta não era trabalhadora da Farmácia Sousa Ribeiro, pelo que não podia entrar no estabelecimento para exercer as funções de Directora Técnica;
. Esta afirmação foi contestada pela ora A. que reafirmou que tinha direito a exercer a sua actividade, pois era trabalhadora da Farmácia Sousa Ribeiro;
. Ao exercício das funções correspondentes à categoria de Directora Técnica corresponde a remuneração mensal de 1.507,27 Euros;
. Bem como subsídios de férias e de Natal de montante igual ao da retribuição, para além do direito a férias;
. Bem como a subsídio de refeição diário, por cada dia de trabalho efectivo, no montante de 4,01 Euros diários;
. Bem como a quantia de 62,5 Euros de serviço de disponibilidade, nas semanas em que seja prestado esse serviço;
. Com a locação acima referida, a A. passou a explorar , ela própria, com autonomia, o estabelecimento de Farmácia;
. Deixou de receber a remuneração para passar a pagar aos RR. a quantia acordada pela locação e atrás mencionada;
. Deixou de estar sob a autoridade, direcção e fiscalização dos RR. para passar a ser directamente responsável pela exploração do referido estabelecimento;
. Assumindo a direcção de todos os assuntos e serviços relativos à gestão corrente do estabelecimento;
. Celebrando os acordos e contratos que entendeu necessários ou convenientes, inclusive assumindo a titularidade dos existentes (electricidade, telefone, etc.);
. Dando ordens, instruções e orientações aos trabalhadores da Farmácia, definido o respectivo horário de trabalho, fiscalizando o seu trabalho, exercendo sobre eles o poder disciplinar, pagando-lhes a retribuição estipulada;
. Continuou a exercer as funções de direcção técnica com a mais completa autonomia;
. Para além disso, em 26.6.2001, A. e RR. outorgaram um contrato de promessa denominado de compra e venda, conforme doc. n.º 1, junto com a oposição aos Autos de Procedimento Cautelar.
(Da Audiência de Julgamento):
. Em 28.2.2003, entre os RR. e Maria Fernanda de Jesus Ribeiro foi celebrado o contrato denominado de ‘Cessão de exploração de Estabelecimento’, conforme fls. 120-121 dos Autos, para produzir efeitos a partir de 1.3.2003, referente à Farmácia Sousa Ribeiro.
No seguimento deste contrato, Maria Fernanda de Jesus Ribeiro passou a explorar a Farmácia desde o referido dia 1.3.2003 inclusive, assumindo também a direcção técnica da mesma;
(Por Confissão Judicial):
. No dia 1 de Março a A. apresentou-se ao serviço, à hora de abertura da Farmácia, ou seja, às 9:00 horas, e foi impedida de entrar na mesma e de nela trabalhar, nomeadamente de exercer as funções de directora técnica. Com efeito, a representante do menor, Drª Maria Graciete, declarou à A. que era de opinião que esta não era trabalhadora da Farmácia Sousa Ribeiro, pelo que não podia entrar no estabelecimento para exercer as funções de directora técnica;
. A referida Maria Graciete persistiu na sua actuação e tendo deixado entrar os restantes funcionários da Farmácia, Armando e Elizabete, impediu a entrada da A.

Estes os factos.
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2 - O DIREITO
Como deflui do acervo conclusivo, a questão matricial analisa-se em saber se, como pretexta a apelante, a relação juslaboral estabelecida com os RR. sobreviveu ao tempo por que perdurou a cessão de exploração do estabelecimento onde aquela se empregava, mantendo-se entretanto suspensa e retomando-se automaticamente quando cessou este contrato.

A sentença ora posta em crise não acolheu tal tese, antes concluindo – com base na argumentação jurídica a que já aludiremos – que no momento em que a A. pretendeu ‘reiniciar’ as suas funções no âmbito de um contrato de trabalho, este já se havia extinguido há muito...
Para alcançar esta solução, considerou-se no essencial, que, por um lado, a partir do momento em que a A. assumiu a posição de cessionária passou a exercer toda a sua actividade com absoluta autonomia, sem qualquer tipo de sujeição (jurídica) aos RR.(excluída naturalmente a obrigação de pagamento da acordada contrapartida monetária pela cessão da exploração), cessando por isso a relação laboral.
A isso não obsta a circunstância de a cessação da relação juslaboral não ter sido expressamente assumida, e, menos, a de a respectiva causa não constar do elenco das formas de cessação previstas no art. 3º/2 do DL. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, enumeração que aliás não é taxativa, podendo a mesma extinguir-se por outros motivos, v.g., a alteração das circunstâncias e a confusão, nos casos em que, como no presente, a trabalhadora vai ocupar, por qualquer título, o lugar da sua empregadora.
Tal incompatibilidade não permite sequer a aplicação analógica do regime de suspensão que ocorre com os gerentes das sociedades, já que nestas situações estes são meros representantes da Entidade Patronal, em nome de quem agem.
Por outro lado, mesmo que assim se não entendesse, sempre ocorreria 'in casu' uma causa de caducidade, porquanto – remata-se – se verificou, em síntese, ‘um facto superveniente que tornou impossível, por forma absoluta e definitiva, a prestação do trabalho da A., já que os RR. estavam legalmente impossibilitados de o receber’; atentas as especificidades impostas por lei a esta actividade, estava-se, no caso, perante um estabelecimento de farmácia pertencente a uma herança sem herdeiros farmacêuticos, com obrigatoriedade de transferência para farmacêutico, no prazo legalmente estabelecido, sob pena de caducidade do respectivo alvará.

Tudo visto e ponderado, impõe-se-nos ora considerar se – ante a factualidade seleccionada, que não se questiona – as razões que estruturam o inconformismo da Apelante são prevalecentes/atendíveis e susceptíveis de induzir a solução diversa da ajuizada.
Assim:
Sendo fora de dúvida que a relação inicialmente estabelecida entre as partes foi um característico contrato de trabalho, é facto que, na sequência da respectiva outorga, por escritura pública, os RR. cederam à A., a partir de 1 de Julho de 1998, a exploração do seu estabelecimento de Farmácia, onde esta até então trabalhara subordinadamente para aqueles.
Consequentemente, deixou de estar, desde esse momento, sob a direcção e fiscalização dos primeiros para passar a ser directamente responsável pela exploração do estabelecimento, assumindo a direcção de todos os assuntos e serviços relativos à respectiva gestão corrente, nomeadamente celebrando os acordos e contratos que entendeu necessários ou convenientes e assumindo a titularidade dos existentes, dando ordens, instruções e orientações aos trabalhadores da Farmácia, definido o respectivo horário, fiscalizando o seu trabalho, exercendo sobre eles o poder disciplinar, pagando-lhes a retribuição estipulada...

Pretexta a Apelante que, não obstante, o contrato de trabalho apenas se suspendeu.
Antes de mais, porque, não tendo sido acordada expressamente a cessação da relação laboral e sendo imperativas as normas contidas no Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho – com as causas de cessação do contrato de trabalho especificada e exaustivamente consignadas na lei – é desnecessário o recurso a outra figuras jurídicas do direito civil para a qualificação da situação.

Ora bem.
Diremos que, independentemente do rigor e bondade de todos os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão, não será certamente por esta alegada razão que se imporá o reconhecimento jurídico de que a relação juslaboral em causa subsistiu suspensa durante o período em que a A. foi cessionária da identificada Farmácia.
Sem questionar obviamente a natureza injuntiva do Regime Jurídico da LCCT, consagrada no art. 2º/1 do DL. 64-A/89, de 27/2, não cremos que daí resulte, e menos impositivamente, a necessária/pretendida consequência de que, tendo-se por taxativas as formas da cessação do contrato elencadas no n.º2 do seu art. 3º, um qualquer convénio juslaboral tenha de subsistir, ‘a fortiori’, apenas porque a sua cessação de facto se não enquadra numa daquelas previsões.

É conhecido o entendimento doutrinal de que não é exaustivo nem taxativo o elenco legal das formas de cessação constantes do n.º2 do art. 3º da NLD.
(Vide, por todos, Menezes Cordeiro, ‘Manual de Direito do Trabalho’, pg. 788, Pedro Romano Martinez, op. loc. adiante citado e Pedro Furtado Martins, ‘Cessação do Contrato de Trabalho’, pgs.16 e 24).
E é compreensível que assim seja: privilegia-se a vertente da estabilidade do emprego, postulando-se, do mesmo passo, um conjunto de condicionantes à livre desvinculação por banda do empregador, numa disparidade de posições assumida em favor da parte mais fraca.

O conjunto de situações atípicas da cessação da relação juslaboral podem reconduzir-se, no entendimento de Pedro Romano Martinez, (‘Direito do Trabalho’, Almedina, pg. 812), a uma noção ampla de caducidade, ou, ainda, para situações por esta não cobertas, à figura residual da prescrição, como preconiza M. Cordeiro, tese que colhe a nossa adesão.

Ora, nada se tendo acordado ou salvaguardado em contrário – e independentemente da duração temporária da cessão da exploração – a natureza intrínseca das duas situações jurídicas obrigacionais sucessivas (contrato de trabalho/contrato de cessão da exploração, sendo cessionária a até então trabalhadora subordinada na primeira relação) implica, face à sua evidente incompatibilidade genética, que o exercício da actividade decorrente da titularidade da exploração do estabelecimento não possa coexistir, por qualquer forma, com uma situação jurídica de trabalho subordinado relativamente à mesma pessoa, arrastando, implícita mas necessariamente, a assunção da titularidade do segundo negócio a cessação da relação juslaboral.

E que esta será seguramente a adequada solução – como estamos convictos – resulta ainda da circunstância de o regime legal da suspensão do contrato de trabalho não prever qualquer situação que se aproxime sequer da ora ‘sub judicio’, pois não se prefigura qualquer impedimento temporário por facto imputável ou não ao trabalhador ou respeitante à entidade empregadora – arts. 1º, 3º e 5º do DL. 398/83, de 2 de Novembro.

Também não é a natureza temporária da cessão da exploração que poderá legitimar a pretensa expectativa da A.
Esta saberia necessariamente das condições jurídicas especificamente legisladas para o caso, concretamente as relativas à propriedade e direcção técnica, ao carácter temporário do exercício destas funções quando ocorra o falecimento do proprietário farmacêutico e à imposta obrigação de, a prazo, se proceder à transferência de propriedade para farmacêutico, tendo mesmo celebrado com os RR. um contrato-promessa de compra e venda, para esse efeito, em 26.1.2001, na plena vigência do contrato de cessão de exploração, como se consignou no ponto JJ) do rol da matéria de facto... até com a ‘traditio’ do estabelecimento, embora com base naturalmente no prévio contrato de cessão de exploração.

A aquisição da Farmácia seria, pois, como se intui, o objectivo da A., o passo seguinte à cedida exploração temporária...negócio que não chegou todavia a consumar-se...

...E certamente quando outorgou no falado contrato promessa de compra e venda não alimentaria a expectativa de, terminada a cessão de exploração, regressar à situação de trabalhadora subordinada dos RR.!
É, por isso, naturalmente suposto que devesse ter ponderado os respectivos riscos.

Por fim, igualmente não colhe – ressalvado o sempre devido respeito, obviamente – a pretendida analogia de situações com a lei comercial, conforme aliás se deixou, concisa mas suficientemente, dilucidado na decisão em apreciação.
Faz a recorrente apelo a um dos critérios de interpretação do art. 9º/1 do Cód. Civil (o da unidade do sistema jurídico) para daí retirar o argumento de que, visto o caso a que alude o art. 398º/2 do Cód. das Sociedades Comerciais, e a analogia dos pressupostos, se imporá que se adopte solução igual à consagrada no direito/regime societário, ou seja, deve concluir-se pela suspensão do contrato, 'in casu', tal como se suspende o contrato de trabalho dos administradores que tenha uma duração superior a um ano, durante o período em que seja administradores.
A situação de um trabalhador que temporariamente desempenha, em nome da sociedade, sua Entidade Patronal, funções de direcção/administração não pode equiparar-se à de quem assume/contrata, por sua inteira conta e risco, a exploração autónoma de um estabelecimento contra o pagamento de uma prestação mensal.

Importa ainda referir – aproximando a conclusão – que, ante o específico regime legal do direito de propriedade e de exploração das Farmácias, constante dos diplomas identificados, (Lei n.º 2125, de 20.3.1965, DL. 48.547, de 27.8.1965 e Portaria n.º 806/87, de 22 de Setembro), os RR. estavam impedidos, enquanto proprietários/herdeiros não farmacêuticos, de retomar a exploração da Farmácia.
E de tal forma assim o entenderam e praticaram que, ante essa impossibilidade, imediatamente a seguir ao termo do contrato de cessão celebrado com a A., e na sequência do anteriormente outorgado contrato de cessão de exploração, a que se alude nos items KK) e LL) do rol dos factos provados, a Farmácia em causa passou a ser explorada pela nova cessionária, Maria Fernanda de Jesus Ribeiro, que assumiu também a respectiva direcção técnica, o que foi desde então do conhecimento da A.

Nos termos expostos, soçobram os fundamentos que enformam as aliás doutas conclusões da apelação, sufragando-se o sentido da solução alcançada na decisão sob censura, e, genericamente, a argumentação que a suporta.

III –
Assim, não se nos afigurando necessárias outras delongas, delibera-se negar provimento ao recurso, confirmando a sentença impugnada.
Custas pela Recorrente.
***

COIMBRA,