Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4294/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO - CONTINUIDADE
INCUMPRIMENTO: NULIDADE (ART.º201º DO CPC)
Data do Acordão: 03/15/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ÍLHAVO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 201º, 205º E 656º, Nº 2 DO CPC
Sumário: A lei não estabelece qualquer penalidade para o incumprimento do disposto no nº 2 do artº 656º do C.P.C., quanto à continuidade da audiência, pelo que a irregularidade cometida só pode produzir a nulidade prevista no artº 201º, se tal irregularidade influir no exame ou na decisão da causa. A nulidade, a existir, tem de ser arguida nos termos do artº 205º, sob pena de se considerar sanada.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

A... e mulher, B..., propuseram, em 25/10/1999, pelo Tribunal da comarca de Ílhavo, acção com processo ordinário contra C... e mulher, D..., alegando, em síntese, o seguinte:
Os autores são donos e legítimos possuidores de um imóvel constituído por lote de terreno destinado a construção urbana, sito na Avenida do Mar, freguesia de Gafanha da Encarnação, inscrito na matriz urbana sob o artº 2814, que adquiriram, por escritura pública de 07/02/1982, e que, além disso, sempre, por si e antepossuidores, sempre os autores o possuíram pública, pacifica, continuadamente e de boa-fé, na convicção de tratar-se de coisa sua, com exclusão de outrem, pelo que, mesmo que título não houvesse, sempre o teriam adquirido por usucapião.
Os réus, aproveitando-se do facto de o lote estar desocupado, foram nele depositando alguns materiais, até que erigiram alguns barracos de madeira, chegando a erigir algumas paredes de tijolo tosco, passando, finalmente, a habitar tais construções, tudo tendo acontecido sem o conhecimento e sem o consentimento dos autores.
Apesar de terem consciência de que o prédio pertence aos autores, o que reconhecem expressamente, todavia não têm acedido ás tentativas amigáveis para abandonarem o prédio e dele retirarem as sua pertenças.
Os réus têm, com a conduta descrita, provocado prejuízos aos autores.
Terminam, pedindo que, na procedência da acção, (a) se declare serem os autores donos e legítimos possuidores do prédio id. no artº 1º da p.i., com exclusão


de qualquer outrem; (b) condenando-se os réus a isso reconhecerem e com isso se conformarem; (c) condenando-se os réus a desocupar imediatamente aquele prédio, entregando-o imediatamente devoluto aos autores, dele retirando todos os seus pretences e demolindo as edificações que nele implantaram; (d) condenando-se ainda os réus a indemnizarem os autores pelos prejuízos causados até à data da entrega e desocupação e demolições antecedentemente pedidas, no montante que vire a liquidar-se em execução de sentença.
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Os réus contestaram, pugnando pela improcedência da acção, visto os autores nunca terem sido possuidores do terreno em questão, tendo-o os réus adquirido por usucapião.
Deduziram reconvenção, pedindo que (a) sejam declarados únicos e exclusivos proprietários da sua casa, identificada e referida nos autos, bem como do terreno onde se acha implantada, com a área aproximada de 700 m2; (b) sejam cancelados todos os registos de aquisição a favor dos autores e de quem lhes declarou vender o terreno por estes indicado; (c) para a hipótese, que não concedem, de improcederem os pedidos anteriores, pedem que, subsidiariamente, seja declarada a aquisição por acessão industrial imobiliária, do lote de terreno ali referido, pelo valor anterior à data da incorporação, que se fixa em 150.000$00.
Requereram a concessão de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total de pagamento prévio de taxa de justiça e custas, que, oportunamente, lhes foi deferido.
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Os autores apresentaram réplica, mantendo o alegado na p.i., e pugnando pela improcedência dos pedidos reconvencionais.
Requereram a intervenção da sociedade “Desertas – Imobiliária Turística, Ldª”, que lhes vendeu o lote de terreno em questão, como auxiliar da defesa dos autores na instância reconvencional.

A referida sociedade veio apresentar articulado próprio, defendendo a procedência da acção e improcedência da reconvenção.



Os réus contestaram tal articulado, nos termos já constantes da sua anterior contestação.
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Foi, depois, proferido o despacho saneador e organizada a selecção dos factos considerados assentes e dos que constituem a base instrutória, com reclamação, procedente, dos réus.
Após a realização de um exame pericial, pedido pelos autores, teve lugar a audiência de julgamento, com gravação sonora da prova.

Os autores apresentaram um articulado superveniente, dando conta que tiveram, entretanto, conhecimento que os réus têm a sua residência habitual e permanente na Rua Prof. Filipe, Bloco nº 5, na Gafanha da Nazaré, em casa que lhes foi atribuída pelos serviços sociais da Câmara Municipal de Ílhavo, a que se candidataram com fundamento na falta de habitação própria.
Tal articulado foi admitido, tendo sido aditados à Base Instrutória três quesitos com os factos constantes do mesmo.

Foi decidida a matéria de facto controvertida, sem reclamações, após o que foi proferida a sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, declarando-se os autores donos e legítimos proprietários do imóvel identificado na al. A) dos factos Assentes, com exclusão de outrem, e condenando-se os réus a reconhecer que os autores são os proprietários do referido prédio e a desocupá-lo imediatamente, entregando-o aos autores devoluto, dele retirando todos os seus pertences.
A reconvenção foi julgada totalmente improcedente.
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Inconformados, interpuseram os réus recurso de apelação, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:
A- Verifica-se ter sido violado o princípio da continuidade e concentração da audiência, sem justificação e com resultado decisivo e directo para a causa em questão. Como se deixou exposto em “O arrastamento, no tempo da discussão dos factos”, págs 2 a 6, destas alegações, foram violadas as regras constantes dos artºs 656º e 658º do CPC, com


influência directa e decisiva na sentença proferida, pelo que a mesma deve ser revogada e substituída por outra, por se verificar a nulidade prevista no artº 201º do CPC, sob pena de violação dos artºs 205 e 206 da Constituição.
B- Salvo melhor opinião e sem embargo da decisão que a Relação venha a proferir em sentido diverso da sentença do Tribunal a quo e que se vai requerer, no mínimo, deverá ser ordenada a renovação dos meios de prova de forma concentrada e continuada, de molde a possibilitar uma análise fundamentada e crítica da prova produzida, o que não sucedeu nos autos, dada a dispersão no tempo quanto á produção de prova. Tudo como previsto no artº 712º, nºs 3 a 5 do CPC.
C- Pelo que foi expendido no ponto 14 destas alegações, entendem os apelantes que foi violado o disposto no artº 660º/2 do CPC, pelo que, neste aspecto, a sentença enferma de nulidade.
D- Porque, entendem os apelantes, a sentença está em contradição e mesmo em oposição com a fundamentação proferida e declarados – vide pontos 1 a 8 das alegações, cr~eem os apelantes que foram violados os princípios constantes do artº 668º, 1-c) e também d), do CPC, como aludido na conclusão C), devendo ser declarada nula a sentença.
E- Finalmente e porque apesar de não se prescindir do aludido na conclusão A) e B) que se julga determinante, se se entender que do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão, também porque ocorreu gravação dos depoimentos de prova e se usou do determinado no artº 690º-A (vide transcrições que vão juntas às presentes alegações); porque também os elementos de prova constantes do processo – depoimentos gravados, documentos – sobretudo a fotografia, relatório de perito e planta da C. municipal, fls. 155 – impõem decisão diversa da produzida, no sentido de a acção ser considerada improcedente e procedente a reconvenção, requere-se apreciação e alteração das repostas à matéria de facto supra aludidas em 1 a 8 das alegações, do modo aí requerido, vindo a declarar-se revogada a sentença proferida e produzir-se acórdão diferente, no sentido da procedência da reconvenção e/ou do pedido subsidiário dos réus. Tudo nos termos previstos no artº 712º nºs 1 e 2 do CPC.
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Tanto os autores como a interveniente contra-alegaram, defendendo a improcedência do recuso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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Na 1ª instância foi dado como provado o seguinte:
Factos Assentes:
A) - Por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Ílhavo em 07/02/1992, os autores, pelo valor declarado de 500.000400, adquiriram o imóvel constituído por lote de terreno destinado a construção urbana, designado por “lote 13”, sito na Avenida do Mar, a sul da Costa Nova do Prado, na freguesia de Gafanha da Encarnação, concelho de Ílhavo, a confrontar do norte com estrada, do sul com Judite Pauseiro, do nascente com o lote nº 14 e do poente com o lote nº 12, inscrito na matriz urbana sob o artº 2814 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o nº 01207/051289, à sua anterior proprietária “Desertas – Imobiliária Turística, Ldª”.
B) - Os autores registaram definitivamente a sua aquisição em 09/03/1992, na Conservatória do Reg. Predial de Ílhavo.
C) - Encontra-se registada, na mesma Conservatória, com data de 22/06/1974, a aquisição a favor de “Desertas – Imobiliária Turística, Ldª”, por compra a João Marques Costa e mulher Ermelinda Rosa de Jesus, do imóvel referido em A).
D) - Encontra-se registado na Conservatória do Reg. Pred. De Ílhavo, com data de 05/12/1989, autorização de loteamento a favor de “Desertas – Imobiliária Turística, Ldª., e relativamente ao mesmo imóvel.

Base Instrutória:
3º - A interveniente “Desertas” delimitou o terreno no local, de acordo com o alvará de loteamento, balizando-o e marcando no solo os respectivos limites.
4º - Quer a referida interveniente, quer os autores, após, sempre agiram na convicção de se tratar de coisa sua, com exclusão de outrem.
5º - A interveniente praticou tais actos à luz do dia e à vista de toda a gente, por toda a gente podendo ser vistos.


6º - Sem que para tanto alguma vez tivessem entrado em conflito com quem quer que fosse, nunca tendo violentado ninguém.
7º - Sendo vistos, tidos e respeitados por toda a gente, incluindo os réus, como donos do terreno referido em A)
8º - O que se verifica ininterruptamente, quer por actos dos autores, quer de quem imediatamente os precedeu no domínio e titularidade do prédio, sem qualquer interrupção há mais de 20, 30 ou até 40 anos.
9º - Os réus foram depositando alguns materiais naquele terreno.
10º - Chegaram a erigir algumas paredes em tijolo.
11º - Acolheram-se e passaram a permanecer, habitando nas referidas construções, apesar de as mesmas não terem condições de habitabilidade.
12º - Tal aconteceu sem o consentimento dos autores e seus antecessores.
13º - Têm estes procedido a tentativas amigáveis para que os réus abandonem o prédio e dele retirem as suas pertenças, demolindo as construções toscas e sem qualquer valor que nele implantaram.
14º - Com a conduta descrita, os réus têm provocado prejuízos aos autores.
15º e 16º - O valor do prédio referido em A) era, já, à data da propositura da acção, de cerca de 40.000 euros.
17º - Trata-se de terreno para construção, com o valor atrás referido.
19º a 24º - Depois da compra referida em C), a referida “Desertas” fez deslocar ao terreno, em número de vezes não apurado, representantes e empregados seus.
25º - Sempre na convicção de tratar-se de coisa sua, com exclusão de outrem, praticando aqueles actos à luz do dia e à vista de toda a gente, por toda a gente sendo vista e respeitada como dona do prédio.
26º - Sem que, para tanto, tivesse violentado ou entrado em conflito com quem quer que fosse.
28º - Nem por qualquer outra forma, alguma parte desse terreno era ocupada ou utilizada pelos réus ou antecessores que eles nomeiam.
29º - Depois de 1974 algumas pessoas ocuparam parcelas de terreno com pequenas barracas e mesmo com construções em tijolo.
30º - Parcelas essas que não tinham a extensão de área que viria a compor


cada um dos lotes em que o terreno mais tarde se fraccionou.
31º - Os lotes viriam a ter áreas entre 312 m2, o mais pequeno, e 893 m2, o maior.
32º - Nunca a chamada aceitou ou concordou com tais ocupações.
34º - Tinham perfeito conhecimento de que as parcelas ocupadas não lhes pertenciam.
33º - Sempre se opôs pela forma então viável e possível, que era o protesto verbal contra as pessoas que abusivamente as faziam.
35º - A chamada balizou e demarcou cada um dos citados lotes, de acordo com o alvará de loteamento.
36º - Sem que ninguém a tal se opusesse.
37º - A partir de então, algumas das pessoas que ocupavam alguns desses lotes ou deixaram de os ocupar ou regularizaram a sua situação com a chamada, comprando-lhe os respectivos lotes e pagando o seu preço.
39º - Por volta de 1990 ou 1991, a ré dirigiu-se à chamada para lhe comprar o referido lote.
40º - Não se tendo concretizado qualquer negócio por não haver acordo quanto ao preço.
41º - Os réus têm a sua casa de habitação na Avenida do Mar, lugar de Costa Nova do Prado, freguesia da Gafanha da Encarnação, concelho de Ílhavo, implantada numa área de terreno aproximadamente com 700 m2, devidamente delimitado.
42º - Onde vivem há, pelo menos, 13 anos.
44º - O referido terreno foi ocupado pela avó da ré, Maria Augusta Mateiro, após 1974.
45º, 52º, 53º e 56º - Nesse local instalou alguns dos seus filhos e, por vezes, ali confeccionava algumas refeições, fazendo melhoramentos numa construção em adobes já ali existente, de modo a ter três divisões e casa de banho, cuidando de uma parte do terreno, plantando-a e colhendo hortaliças e outros legumes para ajuda da vida diária.
46º - Há muitas décadas atrás, mais de 50 anos, a zona onde está implantada a habitação dos réus, constituía uma zona onde eram depositados lixos.


57º - Essa habitação foi delimitada com um pequeno quintal e currais.
58º - Com cercas em toda a volta.
59º - De início, eram a madeira e o arame os materiais utilizados.
60º - Mais tarde, já há cerca de 30/40 anos, passaram a utilizar o tijolo, a pedra e o cimento.
61º a 66º - A referida avó da ré vedou o referido terreno, vedando-o, nele construindo currais, fazendo melhoramentos na construção já existente, ali colocando e criando gado e ali entrando e permanecendo.
67º e 72º - Fazia-o, assim como os réus, desde há cerca de 13 anos, à vista de toda a gente.
79º - Os vendedores referidos em C), até à altura em que transmitiram o terreno, entravam, saíam e permaneciam nele livremente.
81º - Sempre na convicção de tratar-se de coisa sua, com exclusão de outrem.
82º - Por toda a gente sendo vistos, tidos e respeitados como donos de tal prédio.
83º - Sem que, para tanto, alguma vez entrassem em conflito com quem quer que fosse, nunca violentado ninguém para praticarem aqueles actos.
85º e 86º - Após 20/05/2003, os autores tiveram conhecimento de que havia sido atribuída aos réus pelos Serviços Sociais da Câmara Municipal de Ílhavo uma habitação sita na Rua Professor Filipe, Bloco 5, Gafanha da Nazaré, concelho de Ílhavo.
87º - A que se candidataram com o fundamento na falta de habitação própria.
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Como é sabido, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal da relação conhecer de matéria nelas não incluídas, salvo razões de direito ou a não ser que aquelas selam de conhecimento oficioso (cfr. artºs 664º, 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil – diploma a que pertencerão os restantes normativos citados sem menção de proveniência).

I – Começam os recorrentes por invocar a violação do princípio da continuidade e concentração da audiência, em virtude de esta se ter arrastado por várias


sessões, verificando-se a nulidade prevista no artº 201º, sob pena de violação dos artºs 205 e 206 da Constituição.
O artº 656º estabelece, no seu nº 2, que a audiência é contínua, só podendo ser interrompida por motivos de força maior, por absoluta necessidade ou nos casos previstos no nº 4 do artº 650º, no nº 3 do artº 651º e no nº 2 do artº 654º. Se não for possível concluí-la num dia, o presidente marcará a continuação para o dia imediato, se não for domingo ou feriado, mas ainda que compreendido em férias, e assim sucessivamente.
A lei não estabelece qualquer penalidade para o incumprimento deste preceito, pelo que a irregularidade cometida só pode produzir a nulidade prevista no artº 201º. Mas, mesmo neste caso é necessário que a irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa.
A nulidade, a existir, tem de ser arguida nos termos do artº 205º, sob pena de se considerar sanada.
Ora, no presente caso, o julgamento prolongou-se por oito sessões, assim distribuídas: em cinco delas teve lugar a produção de prova; numa, o julgamento foi adiado com fundamento na falta do mandatário da interveniente; noutra tiveram lugar as alegações orais e noutra, ainda, teve lugar a leitura do despacho das respostas aos pontos da matéria de facto controvertida.
Em todas as sessões esteve presente o mandatário dos réus, sem que tenha apresentado reclamação contra a falta de cumprimento do disposto no artº 656º.
Assim, mesmo a entender-se que foram cometidas diversas irregularidades, tais vícios deveriam ter sido invocados no momento em que foram cometidos.
Por isso, têm tais irregularidades de se considerar sanadas, em virtude de não terem sido arguidas atempadamente.
É absurdo invocar a violação do disposto nos artºs 205º e 206º da Constituição da República, como o fazem os recorrentes, visto os mesmos não terem aplicação no presente caso, já que o primeiro diz respeito às decisões dos tribunais, relativamente à sua fundamentação, obrigatoriedade e execução, e o segundo á publicidade das audiências.



Pelo que foi exposto, não tem qualquer cabimento a pretensão dos recorrentes de este Tribunal da Relação proceder à renovação dos meios de prova, nos termos do disposto no nº 3 do artº 712º, uma vez que tal renovação não tem lugar para dar cumprimento ao princípio da continuidade da audiência, mas apenas nos limitados casos aí previstos, sendo necessário que esses meios de prova se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade e apenas quanto à matéria de facto impugnada.
Improcede, assim, a pretensão dos recorrentes, constante das conclusões A) e B).
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II – Por uma questão de sistemática processual, importa agora apreciar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto constante da al. E) das conclusões.
A esse propósito, os recorrentes invocam a contradição entre diversos quesitos da Base Instrutória e impugnam as respostas dadas a diversos outros, com base nos depoimentos de algumas testemunhas e em documentos juntos aos autos.
Começam por dizer que se é dado como não provado o quesito 1º, não se vê como podem ser dados como provados os quesitos 6º, 7º e 8º, cuja resposta deveria ser não provados.
A pretensão dos recorrentes não tem razão de ser já que as respostas aos quesitos 6º, 7º e 8º estão essencialmente relacionadas com a resposta ao quesito 3º.
Também não tem razão de ser a impugnação das respostas aos quesitos 25º e 26º, que os recorrentes dizem dever a ser a de não provado, devido às respostas dadas aos quesitos 19º a 24º.
Não vemos porque motivo aqueles quesitos deveriam ter as respostas de “não provado”.
Dizem os recorrentes que não se vê como possam ter existido actos de posse continua, quando apenas algumas vezes terão lá ido (ao terreno) em pregados.
Na resposta aos quesitos 19º a 24º não se diz que os empregados e representantes da “Desertas” apenas algumas vezes foram ao terreno em questão, mas sim que foi em número de vezes não apurado. De qualquer forma, num caso como o presente, em que estamos perante um lote de terreno para construção, não se exige, para


caracterização da posse, que os empregados estivessem permanentemente no terreno, bastando que lá fossem algumas vezes, quando vissem nisso conveniência.
Afirmam os recorrentes que existe contradição entre o que é dado como não provado – quesito 27º - e provado – quesito 28º e resposta parcial ao quesito 29º.
Sem razão, no entanto.
É que uma resposta negativa não entra em contradição (entendido este conceito no sentido preconizado pelo Prof. Alberto dos Reis – a resposta ou respostas a um quesito colidem com as dadas a outro ou outros – Código de Processo Civil Anotado, IV, pág. 553) com qualquer outra, uma vez que dela não se pode considerar provado o facto quesitado, nem o facto contrário, tudo se passando como se tal facto não tivesse sido articulado (cfr. Acs. do S.T.J. de 05/06/1973, de 04/06/1974 e de 26/06/1991, in BMJ nºs 228-195, 238-211 e 408-581).
Pretendem ainda os recorrentes que sejam alteradas as respostas a tais quesitos com base nos depoimentos do perito e das testemunhas Albino Salsa Castro, Francisco Manuel Vieira e Fernando Chipelo.
No entanto, tais depoimentos não são suficientes para produzir a alteração das respostas a tais quesitos, visto que foram ouvidas outras testemunhas à matéria dos mesmos (v. testemunhas Mário Martins de Almeida Caiado, Carlos Fernando Duarte Magalhães, Manuel Maria Gomes Vieira, Eduardo Júlio Santiago, Joaquim Maria das Neves Cirino, Reinaldo Trourega Troloró, Manuel Pompeu da Loura Figueiredo e José Carlos da Maia Furão) sem que se encontrem transcritos os respectivos depoimentos, sendo certo, por isso, que o depoimento da testemunha Albino Salsa Castro, por si só, não são suficiente para permitir alterar as aludidas respostas e o depoimento do perito incidiu apenas sobre a matéria do quesito 5º (v. acta de fls. 242) e os das testemunhas Francisco Manuel Vieira e Fernando Chipelo não incidiram sobre a matéria desses quesitos (v. acta de fls. 271).
Impugnam os recorrentes a resposta dada ao quesito 38º em confronto com as respostas aos quesitos 27º, 28º e 29º.
A resposta ao quesito 38º foi a de “não provado”.
Por isso, pelos motivos atrás expostos, não há contradição entre essas respostas.


Pelos mesmos motivos, também não existe contradição entre as respostas ao quesito 38º e as dadas aos quesitos 41º e 42º..
E, ainda, a dada ao quesito 43º (não provado), com as dadas aos quesitos 44º, 45º, 52º, 53º, 57º, 58º, 59º e 60º.
Dizem os recorrentes que existe contradição incompreensível pelas respostas dadas aos quesitos 11º, 44º, 45º, 52º, 53º e 56º.
Não descortinamos qualquer contradição, nem os recorrentes a indicam com clareza.
Referem os recorrentes que se a resposta aos quesitos 61º a 67º e 72º foi parcial, deveria ser de igual teor a resposta aos quesitos 68º a 71º, os quais foram dados como não provados.
Mais uma vez lhe falece a razão, uma vez que os factos constantes destes quesitos não têm relação com os daqueles, já que os primeiros se destinam a caracterizar o elemento material da posse, enquanto os últimos se destinam a caracterizar o elemento psicológico da mesma posse.
Por isso, podem os primeiros obter uma resposta afirmativa, e os últimos serem dados como não provados. O inverso é que não estaria correcto.
Alegam os recorrentes que, face à resposta afirmativa ao quesito 60º, também a resposta ao quesito 73º deveria ser dada como provada.
Discordamos de tal argumento, uma vez que a factualidade constante do quesito 60º tem que ver com actos materiais da posse, enquanto o facto constante do quesito 73º diz respeito ao elemento psicológico e está relacionado com os quesitos 68º a 71º, que, como vimos, tiveram, também, as respostas de “não provado”.
Finalmente, dizem os recorrentes que, se a resposta aos quesitos 80º e 84º foi não provado, o mesmo deveria ter sucedido em relação aos quesitos 79º, 81º, 82º e 83º.
Mais uma vez lhes falece a razão, em virtude de os quesitos 80º e 84º conterem factualismo autónomo e independente do constante dos restantes quesitos, o que permite que os referidos quesitos tenham respostas diferentes, isto é, que uns obtenham respostas afirmativas e outros respostas negativas.
Não vemos, assim, motivo para alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto ou para anular o julgamento, ao abrigo do disposto no nº 4 do artº 712º.
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III – Invocam, também, os recorrentes a nulidade da sentença, por terem sido violados os princípios constantes do artº 668º, nº 1, als. c) e d), visto que a sentença está em contradição e oposição com a fundamentação proferida, tendo sido violado o disposto no artº 660º, nº 2.

O artº 668º dispõe, no seu nº 1 (na parte que aqui interessa), que é nula a sentença:
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

A nulidade prevista na al. c) ocorre quando a fundamentação da decisão aponte num sentido e esta siga caminho oposto ou, pelo menos, diferente, isto é, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto, como seria o caso, por exemplo, de os fundamentos apontarem no sentido da procedência do pedido e, depois, julgar-se este improcedente, ou vice-versa (cfr., entre outros, os Acs. do S.T.J. de 09/12/1993, de 26/04/1995, de 13/02/1997, de 22/01/1998 e de 04/05/1999, in, respectivamente, BMJ 432º-342, CJ, Ano III, T2-57, BMJ 464º-525, 473º-427, Agravo nº 324/99, 1ª Secção (Bol. Nº 31-Maio de 1999, e Prof. Alberto dos Reis, Ob. cit., pág. 141).
Só existe, pois, tal nulidade quando existe um vício real no raciocínio do julgador. Este retira das premissas (fundamentos) uma conclusão (decisão) diversa do que a que a lógica impõe.
Ora, isso não acontece no presente caso, uma vez que o Sr. Juiz, considerando que, conforme resultou provado, os autores são proprietários do prédio identificado na al. A) dos Factos Assentes, retirou a conclusão apropriada, julgando a acção procedente, quanto a esse aspecto. E considerando que não se verificam os elementos para a aquisição, por usucapião, da propriedade do aludido prédio por parte dos réus, nem os requisitos da acessão industrial imobiliária, retirou, igualmente, a conclusão apropriada, julgando a reconvenção improcedente.
A decisão surge, assim, como consequência lógica dos fundamentos, pelo que, não ocorrendo a oposição entre estes e aquela, não se verifica a invocada nulidade.
A nulidade prevista na al. d) está em correspondência com o nº 2 do artº 660º, que impõe ao juiz, por um lado, o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro lado, o dever de não se poder ocupar senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, resultando tal nulidade da infracção desses deveres.
Estamos, consoante o caso, perante a omissão de pronúncia ou o excesso de pronúncia.
No presente caso, da análise da sentença recorrida, verifica-se que esta não padece nem de omissão de pronúncia nem de excesso de pronúncia, uma vez que o Sr. Juiz não deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, nem conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, sendo certo que os recorrentes não especificam, concretamente, que questão ou questões não foram apreciadas, nem qual ou quais foram apreciadas e não o deveriam ter sido.

Conclui-se, assim, que não ocorre qualquer das nulidades da sentença invocadas pelos recorrentes, uma vez que os fundamentos não estão em oposição com a decisão e o Sr. Juiz não deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, nem conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento.
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Com a matéria de facto dada como provada, e com a não provada, não poderia ser outra a decisão recorrida senão a de julgar a acção parcialmente procedente e totalmente improcedente a recovenção, improcedendo, consequentemente, o recurso.
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Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida,
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.