Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
239/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL
Data do Acordão: 05/24/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 113ºE 196º, DO C. P. PENAL
Sumário: Tendo o arguido prestado TIR e tendo sido expedida carta (para notificação da data designada para julgamento) por via postal simples, para a morada que indicou, a qual veio devolvida sem ter sido atestado o depósito pelo distribuidor postal, não se pode considerar efectuada a notificação.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


I - RELATÓRIO

O Ministério Público veio interpor recurso do despacho da Mmª Juiz, proferido em 3-11-2005 (na acta de audiência de discussão e julgamento), que deu sem efeito a data designada para julgamento por entender que o arguido A... não se encontrava notificado para o mesmo.

As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da sua motivação de recurso onde refere que:
1- No inquérito o arguido A... foi constituído e interrogado como tal, devidamente assistido por defensor e prestou validamente TIR, a 28.6.2004, como reconhece o despacho recorrido, de 3.11.2005, nos termos e com os efeitos do art. 196° do CPP, na redacção do DL 320-C/2000 de 15.12.
2- Encerrado o inquérito, o Ministério Público imputou-lhe um crime de condução de veículo não habilitada, p. e p. no art. 3°-l do DL 2/98.
3- Feito o saneamento do processo, por despacho de 6.6.2005, veio a acusação deduzida a ser recebida nos seus precisos termos, tendo o Mº Juiz a quo designado para julgamento os dias 26.10.2005 e 3.11.2005, pelas 10.00h, sendo que a primeira data ficou prejudicada pela greve nacional de magistrados, cfr. cota de fls. 105;
4- Efectuada a notificação do arguido, para julgamento, pela via postal simples e justamente para a morada constante do TIR, que aquele não alterara, frustrou-se o depósito da correspondência, na qual o distribuidor postal anotou como incidentes "desconhecido" e "endereço insuficiente", cfr. fls. 84, 92/3 .
5- Chegada a segunda data de julgamento e sem que o arguido tenha sido pessoalmente localizado, apesar de o procurar por intermédio da Embaixada e dos OPCs., a Mª Juiz a quo, na Acta de Julgamento de 3.11.2005, de fls. 108 a 111, considerou não estar aquele notificado do despacho que designou o julgamento, por entender que a via postal simples veio devolvida sem ter sido atestado o depósito pelo distribuidor postal, daí que o seu teor não chegou ao conhecimento do arguido, pelo que recusou dar início ao julgamento e diligenciou, mais uma vez, pela sua localização, junto da Embaixada da Ucrânia em Lisboa e da PJ, tal o despacho ora recorrido, com o qual não concordamos.
6- Demarcamo-nos de tal entendimento por três ordens de razões, pelo que o despacho sob censura padece, com o mesmo respeito, de tripla patologia, a saber:
· Por um lado vai além da exigência legal quando reclama a necessidade do depósito efectivo da carta na caixa de correio, para validar a notificação por via postal simples, quando não é isso o que a lei diz no art. 113°-3-4 do CPP;
· Por outro, não extrai de tal forma de notificação os efeitos legais e
· Finalmente, o tribunal ordenou a realização de diligências tendentes a localizar o arguido que são perfeitamente inúteis neste preciso momento processual, por isso que legalmente vedadas.
7- De facto, com a nova redacção do art. 196° do CPP o legislador co--responsabilizou o arguido, que presta TIR, pela correcta e actualizada indicação da sua residência para o efeito de ser notificado por via postal simples, como é o caso do despacho que designa dia para a audiência, o qual não exige a notificação pessoal, como erradamente inculca o despacho em crise, cfr. art. 313°-1-2-3 do CPP.
8- Além de que, por mais insuficiente; inexistente ou absurda que se afigure a residência que o arguido indica no TIR, não compete aos OPC; ao M. Público; ao JIC ou ao Juiz de julgamento sindicar; questionar o arguido ou o seu defensor ou sequer fiscalizar a sua conformidade com a realidade.
9- Ora, a notificação por via postal simples do despacho que designou dia para julgamento foi justamente remetida para a morada que o arguido indicara no TIR que validamente prestou nos autos (Rua dos Correios, Curia, Tamengos), área desta comarca de Anadia, pois que o arguido não veio aos autos comunicar outra morada.
10- Pelo que a alegada e previsível impossibilidade de depósito da carta, seja por insuficiência ou inexistência de endereço ou porque o arguido é ali desconhecido ou ainda, v.g. porque não há receptáculo postal, é inacessível ou está avariado; porque inexistem o número de polícia; o lote, bloco, andar, a rua, a avenida, o lugar, a freguesia, a vila, cidade ou País indicados no TIR, etc. etc., como tantas vezes sucede mais ou menos deliberadamente, como manobra dilatória e de chicana processual ( ... !) não obstam à validade da notificação efectuada, legitimando o julgamento à revelia, sendo o arguido assistido pelo seu defensor, como se retira, cremos bem, da conjugação dos arts. 113°-1-c)-3-4-9; 196°-1-2-b) c) d) e 313°-1-2-3, todos do CPP, cuja mens legis aquele despacho não captou.
11- A não ser assim, como erradamente sustentou a Mª Juiz a quo, sairia esvaziada de conteúdo e de efeito prático a mais relevante alteração legislativa operada àqueles preceitos pelo cit. DL 320-C/2000 de 15.12, consistente na possibilidade de prosseguimento dos autos até julgamento, inclusive à revelia, desde que o arguido tenha validamente prestado TIR, como é o caso, sendo representado pelo seu defensor.
12- Nos casos taxativos do art. 113°-9 do CPP apenas a sentença, por expressa imposição legal, lhe tem que ser notificada pessoalmente, cfr. art. 333°-5 do CPP, por óbvias razões, pelo que, no caso em apreço o Tribunal não podia deixar de ter realizado o julgamento do arguido, pois que estava notificado do despacho que o designou, ao contrário do que erradamente ficou a constar da Acta de 3.11.2005, ainda que a carta tenha vindo devolvida e sendo puramente irrelevante a eventual impossibilidade de depósito da carta pelo distribuidor postal e seja qual for o motivo, desde que lavre nota do incidente, como fez, nos termos legalmente prescritos.
13- No sentido que defendemos se alinha toda a jurisprudência conhecida, designadamente os arrestos da RP de 9.6.2004 e da RC de 5.11.2003 supra citados nos fundamentos da motivação.
14- A não ser assim, não se percebe, então, como evoluiriam os autos no caso em apreço, se o arguido não for localizado, como é mais que previsível :
· por um lado os autos não podem aguardar indefinidamente a eventual localização do arguido relapso, que violou o TIR validamente prestado, sob pena de ele, aliás, como prémio, ainda poder aproveitar do decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal (. . .!) e
· por outro, não pode ser declarada a contumácia, pois que este instituto apenas está talhado para os arguidos ausentes que não prestaram TIR nos autos, como é sabido, cfr. arts. 335° e ss. do CPP, o que não é o caso.
15- Como assim, o despacho recorrido violou, entre outros, os arts. 113°-1-c)-3-4--9; 196°-1-2-3-b)-c)-d) e 313°-1-2-3, todos do CPP.
Termos em que,
caso o despacho em crise não seja desde já reparado, nos termos do art. 414°-4 do CPP, se Vªs Exas. o revogarem, por ilegal, mandando-o substituir por outro mais lúcido, que designe de imediato nova data para julgamento e que ordene a notificação do arguido por via postal simples, para a morada do TIR, considerando-o notificado ainda que a carta venha devolvida, sem depósito e sejam quais forem os motivos da devolução, nos precisos termos e com os efeitos propugnados nas conclusões, abstendo-se ainda a Mª Juiz a quo de encetar quaisquer diligências tendentes a localizar o arguido, por serem ilegais e inúteis nesta fase processual, sem prejuízo do art. 313º-2 do CPP, ainda que à revelia do arguido, desde que notificado como agora se defende.
*
O arguido não respondeu.
Nesta instância o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Os autos tiveram os vistos legais.
***

II- FUNDAMENTAÇÃO

É do seguinte teor o despacho recorrido:
Como já foi proferido no despacho de fls. 98 a 100 foi considerado que o arguido A... não foi notificado do despacho que designou o dia para a audiência de julgamento.
É certo que o arguido prestou TIR válido a fls. 24, devendo após essa medida de coacção a notificação ser feita por via postal simples, nos termos do disposto nos art.s 196°, n.º 3, al. c) e 313°, n.º 3 ambos do C.P.P..
Ora, nos termos do disposto no art. 196°, n.º 3 al. b), do mesmo diploma legal, a partir do momento em que o arguido presta TIR, tem "obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado."
Dispõe o art. 113°, n.º 3 do C.P.P. que "quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5° dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação. "
No caso em apreço, a carta expedida por via postal simples dirigida ao arguido, onde aí constava o despacho que designou o dia da audiência de julgamento, voltou devolvida ao processo, sem que tivesse sido atestado, pelo distribuidor postal o seu depósito cfr. fls. 92 e 93.
Nesta decorrência, não temos a garantia de que o arguido tenha tido conhecimento da data designada para a audiência de julgamento, aliás temos a certeza de que o mesmo não teve conhecimento da data da presente diligência, justamente pela carta estar junto aos autos, pois foi devolvida sem a declaração do depósito efectuado nos termos do art. 113º, n.º 3, do C.P.P..
Pelo exposto, e ao abrigo das referidas disposições legais, indefiro o douto requerimento que antecede do Ministério Público, e consequentemente dou sem efeito a data designada para audiência de julgamento.
Notifique.
*
APRECIANDO

Como resulta das conclusões da motivação de recurso, a questão a apreciar consiste em saber se, tendo o arguido prestado validamente TIR, e tendo sido expedida carta (para notificação da data designada para julgamento), por via postal simples, para a morada que indicou, a qual veio devolvida sem ter sido atestado o depósito pelo distribuidor postal, se se deve considerar o arguido notificado.

Compulsados os autos (fls. 23) verificamos que, em 28-6-2004, o arguido prestou Termo de Identidade e Residência, e indicou como domicílio: a Rua dos Correios, Cúria, 3780-541 Tamengos.
Nos termos do n.º 3 do artigo 196º do CPP ficou o arguido obrigado, nomeadamente, a não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de 5 dias sem comunicar a nova residência ou o local onde pode ser encontrado e, de que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada por si indicada, excepto se comunicasse outra.
Ora, quanto às regras gerais sobre notificações, estabelece o artigo 113º, n.º 3 do CPP que Quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa do correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.
E acrescenta o n.º 4 que Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa do correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.

Avançando nos autos, temos:
- com data de 22-11-2004 (fls. 25/26) foi encerrado o inquérito e deduzida acusação, imputando-lhe a prática de um crime de condução sem carta,
- por despacho proferido em 29-11-2004 (fls. 27) foi ordenada a notificação do arguido e da sua defensora, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 396º do CPP,
- com data de 30-12-2004 (fls. 28), a GNR – Posto de Anadia lavra uma certidão onde consta: “Não foi notificado por residir actualmente em Mealhada, junto à Adega Cooperativa, em casa do senhor Alexandre” ; presumimos que se pretendia aqui a notificação do arguido porquanto,
- com data de 15-3-2005 (fls. 29), foi proferido o despacho: “não sendo viável a notificação pessoal do arguido nos termos do disposto no art. 396º do Cód. Proc. Penal, ordeno o reenvio do processo para a forma comum, à luz da regra ínsita no art. 398º do Código.”,
- com data de 6-6-2005 (fls. 30), foi proferido despacho que recebeu a acusação e designou datas para julgamento,
- tentou-se então a notificação do arguido por via postal simples (fls. 32 e 33), para a morada constante do TIR,
- carta que veio devolvida, sem prova de depósito (fls. 34 e 35), e com indicação “Desconhecido” e “Endereço insuficiente”,
- com data de 8-7-2005, a GNR- Posto de Anadia informa o tribunal que não foi possível proceder à notificação do arguido por já não residir na morada indicada; paradeiro desconhecido há cerca de 2 anos,
- assim, em 22-9-2005, foi proferido o despacho de fls. 37/39 que considerou não ter sido o arguido notificado do despacho que designou data para julgamento,
- entendimento que veio a ser mantido no despacho recorrido, acima transcrito.

Na situação em apreço, foi remetida carta, para notificação ao arguido da data designada para julgamento, por via postal simples e para o domicílio indicado no TIR. Estão, assim, em causa os mencionados artigos 113º e 196º do CPP, cuja redacção actual foi introduzida pelo DL n.º 320-C/2000, de 15 de Dez.
Com este diploma o legislador teve em vista combater a morosidade processual. Mas, como resulta do seu preâmbulo «a celeridade processual, como objectivo, só deve prevalecer quando o direito do arguido não possa ser afectado de forma injustificada e definitiva, sendo este o limite de qualquer opção legislativa» - cfr. Assento 6/2000, in DR de 7-3-2000.
Com efeito, quando o arguido prestou TIR ficou obrigado a comunicar a alteração da residência. O que o arguido não terá feito pois, conforme informação prestada nos autos em 30-12-2004, estaria a residir na Mealhada, em casa de um tal Sr. Alexandre.
De qualquer forma, não se pode afirmar que face à morada que forneceu o arguido teve o propósito de inviabilizar a notificação. Eventualmente, tratando-se de uma localidade pequena, aquela era a única morada que poderia dar.
Como sabemos, aldeias há em que se indica o nome da rua, e todos os que ali moram são conhecidos.
Para além do mais, sendo o arguido cidadão estrangeiro, também se pode colocar a hipótese de que, num local pequeno, o arguido esperava que as pessoas o conhecessem
Porém, temos como certo que a situação vertida nos autos não inculca a ideia de que o arguido se furtou à notificação, ou que houve da sua parte dolo ou incúria para indicar uma morada mais completa.
Acresce, que deveremos ter presente as regras gerais sobre as notificações. Assim, no n.º 2 do artigo 113º do CPP consta que quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3º dia útil posterior ao do envio (…); no n.º 3: quando efectuadas por via postal simples (…) considerando-se a notificação efectuada no 5º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal (…).
E, na situação dos autos? Está a mesma prevista no n.º 4: Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente. Ou seja, contrariamente ao que acontece nos n.ºs 2 e 3, o n.º 4 não diz que se considera a notificação efectuada.

Em conformidade, nenhum reparo há a fazer ao despacho recorrido.

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III- DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:
- Negar provimento ao recurso.
Sem custas.

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Coimbra,