Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
150/15.9T8OHP.C1
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO
CONTRADIÇÃO ENTRE FACTOS
MANDATO FORENSE
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
PERDA DE CHANCE PROCESSUAL
RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 11/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – O. HOSPITAL – JUÍZO COMP. GENÉRICA.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 640º, NºS 1, AL. B) E 2, AL. A), DO NCPC; ARTº 563º C. CIVIL.
Sumário: 1- Limitando-se o impugnante de decisão da matéria de facto a alegar que houve testemunhas ouvidas em audiência de discussão e julgamento cujos depoimentos (gravados) impunham decisão diversa sobre determinado facto, sem concretizar a identificação dessas testemunhas (e por consequência não indicando as passagens da gravação desses depoimentos), e sem que se esteja no domínio de prova vinculada, tal impõe a rejeição, nessa parte, do recurso, por clara inobservância do disposto no artº. 640º, nºs. 1 al. b) e 2 al. a), do CPC.

2- Só existe contradição entre factos quando eles se mostrem absolutamente incompatíveis entre si, de tal modo que ambos não possam coexistir, sendo que essa incompatibilidade deve reportar-se aos próprios factos provados e já não em relação também com aqueles dados como não provados.

3- Na execução do mandato forense o advogado deve colocar todo o seu saber e empenho na defesa dos interesses do cliente, embora dispondo de uma significativa margem de liberdade ou autonomia técnica. Nessa execução não se inclui, como regra, a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender aqueles interesses diligentemente, segundo a leges artis, com o objetivo de vencer a lide, e daí que a obrigação decorrente do exercício dessa atividade se assuma como uma obrigação de meios e não de resultado.

4- Muito embora no exercício da atividade profissional do advogado possam coexistir a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual, imputando-se ao mesmo o incumprimento ou o cumprimento deficiente das obrigações que lhe advêm da execução do mandato forense a responsabilidade daí adveniente assume, em regra, a natureza contratual.

5- Não dando o advogado conhecimento ao seu cliente do teor de uma sentença que foi inteiramente desfavorável às suas pretensões formuladas na ação que o mandatou para instaurar a fim de fazer valer as mesmas, impedindo com isso o mandante de dela interpor recurso (e sem aquele não o tenha feito, desconsiderando o prazo legal estatuído para o efeito, e permitindo que aquela decisão transitasse em julgado), impossibilitando-o, assim, de atacar essa decisão e de ver reapreciada a sua posição junto de um tribunal superior, tal comportamento omissivo é suscetível de configurar um autónomo dano por “perda de chance processual” ou perda de oportunidade, e como tal sujeito a indemnização.

6- A doutrina da figura da “perda de chance ou de oportunidade” – apesar de não disfrutar de apoio linear no nosso ordenamento jurídico, tem, todavia, vindo paulatinamente a obter cada vez maior reconhecimento na doutrina e, sobretudo, na nossa jurisprudência - não representa apenas uma mera revisão ou ampliação do conceito de dano, antes deve ser assumida como uma rutura com a conceção clássica da causalidade, esta plasmada no artº. 563º do CC.

7- Doutrina essa que propugna, em tese geral, a compensação quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo eram reais, sérias e consideráveis.

8- No dano de “perda de chance processual” o que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela “perda de chance”, que deve ser medida em relação à “chance” perdida, a qual não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado, caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final.

9- Nessa tarefa importa proceder a uma dupla avaliação, realizando-se, em primeiro lugar, a avaliação do dano final, para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, após o que, obtidos tais valores, se se aplica o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado desta operação a indemnização a atribuir pela “perda da chance”, que não pode ser, assim, fixado em termos puramente matemáticos, mas em termos hábeis e, se necessário, com recurso a juízos de equidade.

Decisão Texto Integral:







Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. Através dos autos que correm no Juízo Local de Competência Genérica de Oliveira do Hospital do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, a Autora, A..., L.da, instaurou (em 31/07/2015) contra o Réu, J..., advogado, a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo, no final, a condenação deste no pagamento da quantia de € 25.772,64, a título de indemnização por danos patrimoniais que lhe causou com a sua conduta, e €5.000 por conta de danos não patrimoniais que com a mesma conduta causou ao seu representante legal, acrescida de juros de mora contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

Para o efeito, alegou, em síntese, o seguinte:

Ter contratado os serviços do Réu, advogado, para que este impugnasse judicialmente as liquidações de IVA dos anos de 1997 a 1999 e as liquidações de IRC e de IVA do mesmo período, impugnações que correram os seus termos no TAFC, sob os processos nº. ..., respetivamente.

Na primeira reunião marcada para o efeito, e depois de ter analisado a sua pretensão, o Réu transmitiu ao legal representante da Autora total confiança no ganho da causa, dado no seu entender já ter caducado o direito, por decurso do prazo legal estipulado para o efeito, da Autoridade Tributária exigir a liquidação de tais impostos, e daí que a Autora tenha mandatado o Réu para que avançasse com a impugnação judicial das liquidações de tais impostos, outorgando-lhe, para tal, as repetivas procurações.

Acontece que no processo nº. ... veio a ser proferida sentença que condenou a Autora no pagamento daquela quantia €25.772,64, sem que da mesma o Réu tenha apresentado recurso, e daí que a mesma tenha transitando em julgado a 10.09.2012.

Desta sentença o Réu não lhe deu conhecimento, tendo Autora apenas dela vindo a tomar conhecimento no decurso do mês de novembro de 2012 (por altura em que o seu legal representante se dirigiu ocasionalmente às Finanças para pedir uma certidão que atestasse que a sociedade não tinha dívidas fiscais), furtando-se sempre aos contactos quando a Autora, através daquele seu apresentante, pretendeu obter informações e explicações para o sucedido, e ao fazê-lo impediu que a Autora dela pudesse recorrer, incumprindo, assim, culposamente o mandato que lhe foi conferido para o efeito.

Pelo que terminou a A. peticionando o ressarcimento dos danos que tal conduta do R. lhe acarretou, os quais não teria sofrido, com probabilidade séria, se o último lhe tivesse dado conhecimento do teor da e após tivesse deduzido o competente recurso.

2. Contestou o Réu alegando, em síntese, que nunca transmitiu à Autora qualquer garantia de ganho de causa, e que a sentença proferida nos aludidos autos de impugnação nº. ... fez uma correta aplicação do direito aos factos em causa; embora admitindo que não deu conhecimento imediato do teor de tal sentença àquela e que não atentou no curto prazo legal (dez dias) para interpor recurso, defendendo, todavia, não existir qualquer relação causal entre essa sua omissão de informação à A. do resultado da sentença e o prejuízo que a mesma alega ter sofrido com os impostos que teve de pagar à Autoridade Tributária.

Terminou pugnando pela improcedência da ação, sem antes, contudo, ter requerido a intervenção principal provocada da Seguradora M..., SA., para intervir nestes autos objetivando a posterior instauração de ação de regresso, caso seja condenado no pagamento de qualquer quantia, dado ter com ela celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional que cobre quaisquer danos por si causados a terceiros (seus clientes/mandantes) no exercício da sua atividade de advogado.

3. A referida seguradora (M..., SA.,) acabou (na sequência do despacho de fls. 155/156, proferido em Audiência Prévia, quando antes o fora apenas como parte acessória) por ser admitida a intervir nos autos como interveniente principal.

Na contestação que então deduziu defendeu-se, alegando, em síntese, carecer a Autora de legitimidade para pedir a condenação do R., pelos danos não patrimoniais que alegadamente o mesmo causou, com a sua conduta, ao seu legal representante; encontrar-se, por outro lado, a responsabilidade do Réu, no que concerne aos danos em discussão nos autos, excluída do contrato de seguro que o mesmo invoca e, a estar, sempre teria de ser descontada uma franquia no valor de €5.000,00; e, por fim, e de qualquer modo, sempre a ação deveria improceder, por não se encontrarem devidamente preenchidos os requisitos necessários para o réu pudesse ser responsabilizado pela sua alegada conduta negligente, e nomeadamente pela inexistência de qualquer dano e nexo de causalidade entre a conduta do Réu e esse “dano”.

4. Responderam a A. e o R. às matérias de exceção.

5. Por despacho proferido a 23.06.2016 foi a Autora convidada a corrigir a sua petição inicial, de modo a dela fazer constar os concretos fundamentos que, a serem invocados em sede de recurso, poderiam fazer revogar a sentença proferida nos autos n.º ...

5.1 Em resposta a esse convite, a Autora apresentou nova petição, sobre a qual os RR se pronunciarem, mantendo o alegado nas suas anteriores contestações.

6. Depois de se fixar o valor da causa, no despacho saneador, afirmou-se a validade e a regularidade da instância, enunciando-se ainda aí o objeto do litígio e os temas de prova, num despacho que não mereceu reclamação.

7. Mais tarde realizou-se a audiência de discussão e julgamento (com a gravação da mesma).

8. Seguiu-se a prolação da sentença que, no final, decidiu julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência:

a) Condenar o “Réu J... a pagar à Autora o montante de € 6.443,16 (seis mil, quatrocentos e quarenta e três euros e dezasseis cêntimos) a título de indemnização acrescida de juros de mora legais vencidos desde a citação até integral pagamento.”

b) Absolver “a Ré M... do pedido contra si deduzido.”

9. Não se tendo conformado com tal sentença dela apelaram a Autora e o Réu.

10. A Autora concluiu as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

...

11. Por sua vez, o Réu concluiu as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

...

12. O Réu contra-alegou ainda o recurso da Autora, pugnando pela improcedência do mesmo.

13. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


II- Fundamentação

A) De facto

Pelo tribunal da primeira instância foram dados como provados os seguintes factos:

1. A Autora, na pessoa do seu representante legal, ..., procurou os serviços jurídicos do Réu, advogado inscrito na AO pelo Conselho Distrital de Coimbra com a cédula n.º ..., com escritório na Rua ..., para a patrocinar em processos do âmbito do direito fiscal.

2. Pessoa e profissional, em quem à data depositou toda a confiança, visto tratar-se de um causídico que lhes tinha sido recomendado por pessoa amiga.

3. Em reunião marcada com o Réu, este analisou a pretensão da Autora, que consistia em impugnar judicialmente, perante o extinto Tribunal Tributário da 1ª Instância de Coimbra, as liquidações de IVA e juros compensatórios, dos anos de 1997 a 1999, de que fora notificada para pagar, pela Administração Tributária, no montante de €19.329,23, bem como, igualmente impugnar as liquidações de IRC dos mesmos anos e outras liquidações de IVA dos mencionados anos, cujos impostos haviam sido determinados no âmbito de uma ação de natureza inspetiva, tendo o Réu transmitiu à Autora confiança no desfecho com êxito de tais impugnações, visto a AT já não poder liquidar os impostos por já ter decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação, tendo a Autora ficado tranquila e confiante.

4. A Autora outorgou as procurações a favor do Réu para que este instaurasse os competentes processos de impugnação.

5. O Réu instaurou dois processos de impugnação: um respeitante às liquidações de IVA dos anos de 1997 a 1999 – a que coube o n.º...; outro respeitante às liquidações de IRC e de IVA dos anos 1997 a 1999 – a que coube o n.º..., os quais correram os seus termos, inicialmente pelo Tribunal Tributário da 1ª Instância de Coimbra e após extinção deste pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.

6. No âmbito do processo ..., instaurado a 26 de julho de 2002, a impugnante, aqui Autora, representada pelo Réu J... alegou, para além do mais, que tendo a ação inspetiva, da qual resultaram as liquidações adicionais (no montante global de €19.329,23), ocorrido entre 4 de dezembro de 2000 a 14 de março de 2001, tendo sido a impugnante notificada do resultado de tal ação em 26 de abril de 2001, por oficio datado de 24 de abril de 2001, e em 19 de fevereiro de 2002 do teor das liquidações adicionais impugnadas, verifica-se que entre a conclusão da ação inspetiva e a notificação das liquidações decorreram mais de seis meses, tendo caducado o direito para a liquidação dos tributos decorrentes de tal ação, nos termos do disposto no artigo 45º, n.º5 da Lei Geral Tributária, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho.

7. Nesses autos foi proferido despacho a indeferir a realização da produção de prova testemunhal porquanto a resolução das questões em causa nesses autos não careciam de tal tipo de prova, tendo o Réu dado conhecimento do mesmo à Autora, a qual ficou a aguardar que o Réu lhe transmitisse o teor da sentença, logo que esta fosse proferida.

8. Nos autos ..., a 1 de agosto de 2012 foi proferida sentença, transitada em julgado a 10.09.2012, na qual se julgou improcedente, por não provada, a impugnação apresentada das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado respeitante ao anos de exercício de 1997, 1998 e 1999.

...

16. Esta sentença foi notificada ao Réu J...

17. No decurso do mês de novembro de 2012 o legal representante da Autora dirigiu-se ao serviço de Finanças e solicitou a emissão de uma certidão em como a Autora não era titular de qualquer divida de natureza fiscal, tendo sido informado da existência de uma dívida em resultado do teor da sentença proferida nos autos n.º...

18. O legal representante ficou incrédulo com tal informação, e logo de imediato, ligou ao Réu a fim de o interpelar sobre tal assunto e agendar com o mesmo uma reunião para ser esclarecido, contacto que não conseguiu, nem nesse dia, nem nos dias posteriores.

19. Posteriormente a Autora foi citada, no âmbito de processo executivo fiscal, para proceder ao pagamento do montante em divida no montante de €25.843,88, respeitante aos impostos em causa nos autos de impugnação n.º ...

20. A Autora, no decurso do mês de Setembro/Outubro de 2012, interpelou, telefonicamente, por diversas vezes, o Réu sobre o estado do processo n.º..., tendo o Réu omitido que a sentença já havia sido proferida.

21. Na sequência dos factos constantes no ponto 18 a Autora enviou ao Réu uma missiva através de registo e com aviso de receção, datada de 30.11.2012, na qual manifestava ao Réu a sua indignação com o sucedido e a quebra de confiança que havia depositado no Réu, dando-lhe conhecimento que iria revogar a procuração que lhe havia outorgado para além de reclamar ser indemnizado por todos os prejuízos causados.

22. O Réu respondeu à referida missiva através de missiva datada de 13.08.2013, na qual referiu que a existir culpa a mesma deveria ser imputável a si exclusivamente.

23. A 30.11.2012 a Autora juntou aos autos de impugnação judicial n.º... requerimento através do qual manifestou a revogação da procuração outorgada a favor do Réu e juntou nova procuração a favor do IM que representa a Autora nestes autos.

24. Através deste mandatário, a Autora, na pessoa do seu legal representante, veio a tomar conhecimento de todo o teor da sentença que julgou improcedente a impugnação que correu termos sob o n.º...

25. O Réu deixou passar o prazo de recurso da referida sentença sem dar conhecimento do seu teor à Autora, privando-a da possibilidade de recorrer da mesma porquanto não considerou que o prazo de recurso era de dez dias.

26. Os fundamentos invocados na impugnação n.º... eram iguais a um dos aduzidos no processo n.º...: caducidade do direito da Autoridade Tributária e tais liquidações de impostos – sendo que nestes autos foi proferida sentença a julgar procedente a impugnação apresentada anulando-se as liquidações impugnadas porquanto estas foram notificadas depois de decorrido o prazo de caducidade do respetivo direito.

27. A Autora atento o teor da sentença proferida nos autos n.º... teve que pagar por conta do imposto, juros compensatórios e moratórios no montante de €25.772,64.

28. Entre a Ré M..., SA e a Ordem dos Advogados foi celebrado um acordo designado por contrato de seguro de grupo, com data de início às 0:00 horas do dia 1 de janeiro de 2014 e termo às 0:00 horas do dia 1 de janeiro de 2016 do ramo de Responsabilidade Civil, titulado pela Apólice n.º..., através do qual se encontra transferida para a Ré a responsabilidade civil profissional dos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados em prática individual ou societária, com um limite de €150.000,00 por sinistro.

29. Nos termos do acordo referido em 19, ficou estabelecido que «Mediante o pagamento do prémio, e sujeitos aos termos e condições da apólice, a presente tem por objetivo garantir ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período de seguro, pelos prejuízos patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva legalmente responder no desempenho da atividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados.»

30. Foi acordada a franquia de €5.000,00 por sinistro e acordando se por “Franquia” a «Importância que, em caso de sinistro, fica a cargo do segurado e cujo montante está estipulado nas Condições particulares.»

31. Nos termos acordados, constitui “Reclamação” «Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado, ou contra o segurador, quer por exercício de ação direta, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice;» bem assim como «Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo segurado e notificada oficiosamente por este ao segurador, de que possa:

i) Derivar eventual responsabilidade abrangida pela apólice;

ii) Determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou

iii) Fazer funcionar as coberturas da apólice.»

32. Em 16 de Setembro de 2015, o Réu J... subscreveu uma proposta de seguro de reforço de capital, manifestando a sua intenção de aumentar em €100.000,00 o capital seguro previsto no âmbito da apólice referida em 19 (apólice celebrada com a AO com o n.º...), pretendendo eliminar o valor devido pelos segurados a título de franquia contratual por qualquer eventual sinistro coberto/indemnizável.

33. Em consequência, a Ré M... emitiu, com data de início em 03.08.2015, a apólice de seguro de reforço n.º...

34. Ficou acordado em ambas as apólices que «Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data do início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação; (…)»

35. E que, «O tomador do seguro ou o segurado deverão, como condição precedente às obrigações do segurador sob esta apólice, comunicar ao segurador tão cedo quanto seja possível:

a) Qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;

b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;

c) Qualquer circunstância ou incidente concreto conhecida(o) pelo segurado e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.»

36. E que “ O segurado deverá facultar ao segurador todas as informações sobre as circunstâncias da reclamação. O não cumprimento desta obrigação, com dolo ou culpa grave, permitirá ao segurador declinar o sinistro”.

37. Mais ficou acordado entre as partes “que será utilizada a seguinte convenção no que respeita à gestão de sinistros e reclamações:

1. O segurado, nos termos definidos no ponto 1. do artigo 8º desta Condição Especial, deverá comunicar ao corretor ou ao segurador, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer reclamação efetuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação.

2. A comunicação referida em 1, dirigida ao corretor ou ao segurador ou seus representantes, deverá circular entre os eventuais intervenientes de moda tal que o conhecimento da reclamação possa chegar ao segurador no prazo improrrogável de oito dias”.

38. No âmbito da apólice com o n.º... ficou acordado que «É expressamente aceite pelo tomador do seguro e pelos segurados que a presente apólice será competente exclusivamente para as reclamações que sejam apresentadas pela primeira vez no âmbito da presente apólice:

a) Contra o Segurado e notificadas ao segurador; ou

b) Contra o segurador em exercício de ação direta;

c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto, resultantes de dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos pelo segurado após a data retroativa.»

39. Mais, ficou acordado que «O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência de apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice (…).»

40. O Réu J... recebeu as cláusulas da apólice n.º...

41. As cláusulas da apólice n.º... encontram-se disponíveis no site da AO, na área reservada dos Advogados Inscritos.


Factos não provados

1. Na ocasião referida no ponto 6 dos factos provados, o Réu manifestou ao representante legal da Autora total confiança no ganho de causa.

2. Caso fosse interposto o recurso a colocar em crise o teor da sentença proferida nos autos ... era mais que expectável a sua procedência e revogada tal sentença, julgando-se procedente a impugnação.

3. O Réu J... deu conhecimento dos factos em causa nestes autos à Companhia de Seguros T..., SA, ao abrigo da apólice n.º... (apólice celebrada pela AO e que vigorou entre as 0.00h de 1 de janeiro de 2012 a as 0.00h de 1 de janeiro de 2014).

B) De direito

1. Do objeto do recurso.

Como é sabido, e é pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, e 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).
1.1 Ora, calcorreando as conclusões das alegações dos recursos da Autora e do Réu, verifica-se que as questões nelas colocadas, e que cumpre aqui apreciar, são as seguintes:

a) Da impugnação/alteração da decisão da matéria de facto (recurso da Autora).

b) Se o Réu se constituiu ou não na obrigação de indemnizar a Autora e, em caso afirmativo, em que medida (comum a ambos os recursos).

2. Quanto à 1ª questão (da impugnação da decisão da matéria facto).

2.1 Invoca a A./apelante ter havido erro na apreciação da prova dada como não provada.

Decorre das conclusões 1ª. a 3ª. que esse alegado erro de apreciação da prova se refere apenas quanto ao ponto 1 dos factos dados como não provados (“Na ocasião referida no ponto 6 dos factos provados, o Réu manifestou ao representante legal da Autora total confiança no ganho de causa.”), defendendo a apelante a sua eliminação dos factos não provados (depreendendo-se daí, já que não o diz expressamente, que tal facto deveria ser dado como provado).

A apelante não indica concretamente nenhuma prova que sustente essa pretensão, limitando-se, de forma vaga, a afirmar que os factos do aludido ponto 1 (dado como não provado) e do ponto 6, dado como provado, para o qual ali se remete respeitam “ao Proc. de Impugnação nº..., e consequentemente às liquidações de IVA e juros compensatórios dos anos de 1997 a 1999, para cuja defesa a Autora, ora Recorrente, mandatou o Réu, como seu advogado, matéria esta, sobre a qual versa igualmente, o Ponto 3 dos Factos Provados”, e que “essa matéria foi considerada provada atento a prova testemunhal produzida em julgamento, a qual corroborou o depoimento do representante legal da Autora, no sentido de que o Réu em reunião com a Autora, para análise da sua pretensão, lhe transmitiu confiança no desfecho com êxito das impugnações, visto a AT já não poder liquidar os impostos por já ter decorrido o prazo de caducidade do direito à respectiva liquidação.” (sublinhado nosso)

Acontece que, tal como decorre da respetiva ata, em audiência de julgamento foram ouvidas - a par dos depoimentos de parte do R. e da A. através do seu legal representante - várias testemunhas, cujos depoimentos ficaram gravados, sendo certo que a apelante não indica (nem nas conclusões, nem mesmo nas alegações que as antecedem) quais as concretas testemunhas cujos depoimentos impunham diversa decisão (e, por consequência, não indicou as passagens da gravação desses depoimentos em que suporta essa sua impugnação) numa clara inobservância do disposto no artº. 640º, nºs. 1 al. b) e 2 al. a), do CPC), sendo certo ainda que não estamos no domínio de prova vinculada, pois tratando-se de matéria controvertida entre as partes e não existe qualquer documento que só por si imponha decisão diversa.

E nessa medida, e à luz de tal normativo legal, rejeita-se o recurso nessa parte em que, com base numa alegada incorreta valoração da prova pelo tribunal a quo, a apelante impugna a decisão da matéria de facto.

2.2 Impugna ainda a apelante a decisão proferida sobre a matéria de facto, alegando existir contradição entre a factualidade dada como provada sob o ponto 3. e aquela dada como não provada sob o aludido ponto 1.

Constitui entendimento prevalecente que só existe contradição entre factos quando eles se mostrem absolutamente incompatíveis entre si, de tal modo que ambos não possam coexistir ent, sendo certo ainda que se vem entendendo essa que incompatibilidade deve reportar-se aos próprios factos provados e já não também em relação com aqueles dados como não provados, pois que em que relação a estes tudo se passa como se na prática não tivessem sido alegados (vide, por todos, Ac. da RC de 22/02/2000, in “CJ, Ano XXV, T1 – 29”; Ac. do STJ de 22/02/2000, in “Sumários, nº 38º . 22”; Ac. do STJ de 08/02/2000, in “Sumários, nº. 38º - 14”; e Ac. da RC de 26/05/1992, in “BMJ, nº 417 – 835”. – proferidos no domínio do anterior CPC mas cuja doutrina continua plenamente válida à luz do atual CPC).

Posto isto, verifica-se que a alegada contradição que se invoca é não entre factos provados mas entre um facto provado (nº. 3) e outro dado como não provado (ponto 1), pelo que só por isso a pretensão impugnante da apelante deve improceder. Mas mesmo que se considere que nessa contradição podem envolver-se também os factos dados como não provados, ou seja, as respostas de que resultaram factos provados e não provados, compulsando a factualidade provada inserta no ponto 3. e aquela outra dada como não provada plasmada nos ponto 1º é, a nosso ver, patente não existir, só por si, qualquer contradição entre ela, e muito menos que ela seja absoluta. Uma coisa é o R. na primeira reunião mantida com a Autora, através do seu legal representante, para análise da sua pretensão, lhe ter transmitido “confiança no desfecho com êxito de tais impugnações” (ponto 3 dos factos provados) e outra é ter “manifestado (em momentos que não resulta sequer da materialidade que sejam coincidentes) ao representante legal da Autora total confiança no ganho de causa.” (ponto 1 dos factos não provados), pois que estamos perante realidades factuais não inteiramente coincidentes.

E nessa parte improcede também a pretensão recursiva do A..

Termos, pois, em que nessa parte (referente à impugnação da decisão da matéria de facto) improcede, in totum, o recurso da autora, mantendo-se, assim, intangível a matéria de facto fixada na 1ª. instância.

3. Quanto à 2ª questão (comum a ambos os recursos, embora pretendendo alcançar desideratos/soluções diferentes quanto ao destino do mérito final da causa).

- Se o Réu se constituiu ou não na obrigação de indemnizar a Autora e, em caso afirmativo, em que medida.

A sentença recorrida condenatória réu assentou, em síntese, nos seguintes tópicos argumentativos:

Ao não dar conhecimento à Autora da sentença totalmente desfavorável que foi proferida nos autos nº... de impugnação judicial de liquidação de impostos (IVA) quando corria então termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra – e antes, da sua extinção, no Tribunal Tributário da 1ª. Instância de Coimbra -, privando-a da possibilidade de dela interpor recurso, e ao tê-la deixado transitar em julgado, sem que o próprio tivesse atentado no prazo legal para dela interpor recurso, o Réu incumpriu, de forma ilícita, culposamente o contrato de mandato celebrado co aquela.

Não obstante não lograr-se estabelecer um nexo de causalidade entre esse incumprimento contratual (facto) e o prejuízo/dano final que lhe adveio daí (ao ter de pagar à Autoridade Tributária, como veio a fazê-lo, o imposto cuja obrigação de liquidação contestava no referido processo, nomeadamente com o fundamento da caducidade do direito daquela o cobrar/exigir), por não ser possível determinar o resultado de o aludido recurso que viesse a ser interposto daquela sentença, e nomeadamente que o mesmo viesse a ser favorável à sua pretensão, todavia, a Autora ao ficar privada da possibilidade de recorrer da referida sentença e de ver judicialmente reapreciada, por via do recurso, essa sua pretensão pelo Tribunal Superior, tal configura/consubstancia uma perda de oportunidade ou de “chance”, e que, como tal, deve, de per si, ser indemnizada como um dano próprio e autónomo.

Dano esse que entendeu “dever ser avaliado em termos hábeis e não em termos matemáticos, como pretendido pela Autora”, devendo antes levar-se “em linha de conta o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida), devendo tal indemnização refletir a diferença entre o dano final do dano de perda de chance,” não podendo “a indemnização superior nem igual à quantia que à Autora seria atribuída se tivesse logrado verificar, sem qualquer margem de dúvida, o nexo causal entre o facto e o dano final, antes devendo corresponder ao valor da chance perdida.”

Desse modo, considerando, por um lado, importar o dano final em € 25.772,64 - que é o limite máximo de indemnização que poderia ser atribuída à A., pois que corresponde ao valor que foi peticionado pela mesma por conta dos danos patrimoniais que pretende ver ressarcidos – e, por outro, se não poder estabelecer o grau de probabilidade da amplitude do êxito do recurso (até por se desconhecer os fundamentos que seriam invocados na sua fundamentação), sem afastar que a ser interposto, poderia ser julgado improcedente, recorrendo a um juízo de equidade decidiu fixar em 25% o grau da probabilidade do êxito do recurso e, da consequente, revogação da sentença condenatória, e daí que tenha valorado o referido dano (“de perda de chance” ou de oportunidade) na quantia correspondente a 25% daquele montante de € 25.772,64, ou seja, em € 6.443,16, quantia essa na qual condenou o Réu.

Por sua vez, a Autora/apelante defende, em síntese, haver elevado grau de probabilidade de obter total ganho de causa caso tivesse tido a oportunidade de interpor recurso da sobredita sentença - tanto mais que tal aconteceu no outro processo de impugnação autuado sob o nº..., que correu termos no mesmo tribunal, na sequência do recurso interposto da sentença ali proferida, em que a questão problematizada em era idêntica, com a invocação pela A. da caducidade do direito da AT a obter a liquidação dos impostos aí em questão -, e daí que o R. deva ser condenado no montante € 25.772,64, correspondente àquela quantia que veio a ter que pagar à AT, na sequência da condenação que sofreu pela sentença proferida nos autos nº..., e da qual não teve oportunidade de interpor recurso por força da atuação indigente do R., e, mesmo que assim não seja de entender, sempre então a indemnização a impor ao R. deveria ser fixada em €20.618,11, correspondente a 80% daquela quantia, por ser essa, no mínimo, a probabilidade de ganho de causa, caso tivesse sido interposto o sobredito recurso.

Por seu lado, o R. defende, em síntese, a revogação da sentença, quer porque não ficou provado, como um dos pressupostos legais da obrigação de indemnizar, o nexo de causalidade entre o facto (o seu comportamento omissivo) e dano (traduzido naquela quantia que a A. que teve de pagar à AT), quer porque mesmo adotando a teoria da “perda de chance” não se mostra demonstrado que a A. iria interpor recurso e que mesmo que o fizesse não era seguro que obtivesse ganho de causa.

Apreciando.

Tal como vem, sendo dominantemente entendido o vocábulo “questões” (a que alude o artº. 608º do atual CPC, à semelhança do que já acontecia no domínio do revogado CPC de 61 através do seu artº. 660º) não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.

Importa começar por deixar registado que do thema decidendum objeto de ambos recursos não faz parte a apreciação responsabilidade da ré seguradora M..., absolvida do pedido pela sentença recorrida.

É incontroverso que, à luz factualidade apurada, entre a Autora e o Réu/advogado foi celebrado um contrato de mandato forense, ao qual se aplicam as regras definidas no Código Civil (em geral, e em especial as dos seus artigos 1157º e segs.) e no Estatuto da Ordem dos Advogados (vg. o aprovado pela Lei nº. 15/2005, de 26/01 - então vigente à data em que ocorreu a situação que motivou a instauração da presente ação -, e em especial os artigos 92º e 95º).

Na execução desse mandato o advogado deve colocar todo o seu saber e empenho na defesa dos interesses do cliente, com respeito das regras de conduta próprias da profissão (vg. de deontologia), embora dispondo uma margem significativa de liberdade ou autonomia técnica, que tem que ser respeitada, a qual, contudo, tem âmbitos diferenciados, consoante as situações, e deva ser exercida de acordo com o fim do contrato. No cumprimento do mandato forense não se inclui, como regra, a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender aqueles interesses diligentemente, segundo a leges artis, com o objetivo de vencer a lide, e daí que a obrigação decorrente do exercício dessa atividade forense, no âmbito de tal mandato, seja prevalecentemente caracterizada como sendo uma obrigação de meios e não de resultado. (No sentido apontado vide, entre outos, Acs. do STJ de 30/04/2015, proc. nº. 338/11.1TBCVL.C1.S1; de 30/03/2017, proc. 12617/11.3T2SNT.L1.S1.S1., de 20/03/2017, proc. nº. 389/14.4T8EVR.E1.S1; de 14/03/2014, proc. 78/09.1TVLSB.L1.S1; de 07/01/2010, proc. 542/09.2YFLSB; de 29/04/2010, proc. 2622/07.0TBPN.P1.S1, e de 28/09/2010, proc. 171/2002.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt; e ainda o prof. Paulo Mota Pinto, in “RLJ, Ano 145, Março/Abril 2016 – pág. 201”, e Durval Ferreira, in “Dano de Perda de Chance”, 2ª. ed., 2017,Vida Económica,  pág. 257”).

Na responsabilidade civil contratual, tal como na extracontratual ou aquiliana, são pressupostos da obrigação de indemnizar: um facto voluntário do agente; que esse facto seja ilícito; o nexo de imputação do facto ao lesante; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (artº. 483º do Código Civil).

Enquanto na responsabilidade contratual é ao devedor que incumbe provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua – presunção de culpa a impender sobre o devedor - (artº. 779º, nº. 1, do CC), já responsabilidade extracontratual é, em regra, ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo se existir presunção legal de culpa contra o último (artº. 487º, nº. 1, do CC).

Na responsabilidade civil do advogado pelo exercício da sua atividade, pode coexistir a responsabilidade civil contratual com a responsabilidade civil extracontratual.

Como assinala o cons. Moitinho de Almeida (in “Responsabilidade Civil dos Advogados, 2ª ed., pg. 13”) “se o advogado não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advêm do exercício do contrato de mandato (ou outro) que firmou com o constituinte, tacitamente ou mediante procuração, incorre em responsabilidade civil contratual para com ele; se o advogado praticou facto ilícito lesivo dos interesses do seu constituinte, já a sua responsabilidade para com o mesmo constituinte é extracontratual ou aquiliana.”

No caso dos autos, dado que se imputa ao Réu o incumprimento ou o cumprimento deficiente das obrigações que lhe advêm do mandato forense que celebrou com a Autora, a responsabilidade daí adveniente assume, em princípio, a natureza contratual (cfr. Ac. do STJ de 16/02/2016, proc. 2368/13.0T2AVRR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Reportando-nos ao caso em apreço, e tendo em conta a materialidade apurada, estamos em sintonia com a sra. juíza a quo quando afirma e conclui que “no caso em apreço, os factos demonstram à saciedade que o Réu J..., advogado, não cumpriu a obrigação a que estava adstrito pois não deu conhecimento à Autora do teor da sentença proferida nos autos nº... e não atentou no prazo de apresentar recurso da mesma, a qual transitou em julgado, sendo que a mesma foi desfavorável à aqui Autora, ali impugnante.

Ora, conforme resulta do exposto, o Réu, ao assumir o patrocínio da Autora no âmbito da impugnação judicial n.º..., ficou vinculado a desenvolver, com adequada diligência, uma determinada atividade jurídica, ficando adstrito à prática de todos os atos materiais e instrumentais necessários à execução do contrato. E um desses atos é sem dúvida manter o seu cliente informado acerca do estado dos autos e a manter-se instruído acerca dos vários aspetos jurídicos, como por exemplo, ser sabedor do prazo de recurso em causa.

Levando em consideração que a sentença foi totalmente desfavorável à Autora, esta tinha legitimidade para recorrer, se dela tivesse tido conhecimento atempado, tendo resultado provado que o Réu J... não recorreu de tal decisão porquanto desconsiderou o prazo de dez dias para o efeito, pelo que não se pode afirmar que não recorrer foi estratégia de defesa. E não colhe aqui a alegada opção de não recorrer por entender ser correta a sentença, não porque não tenha essa liberdade técnica, antes porque não pode impor essa vontade ao cliente, antes devendo informá-lo em tempo de lhe possibilitar a constituição de novo mandatário que, eventualmente, aceite o patrocínio nos termos queridos pelo mandante.

E não o fazendo, incumpriu um dever contratual, e por culpa sua.

O Réu ao não ter dado conhecimento à Autora do teor da sentença proferida no sobredito processo nº...., que lhe foi totalmente desfavorável ao julgar improcedente a impugnação judicial por si apresentada relativamente às liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado respeitante ao anos de exercício de 1997, 1998 e 1999, impedindo-a, com tal, de dela interpor recurso – dado que o R. também não o fez, desconsiderando que o prazo legal estatuído para o efeito era de 10 dias, e com isso permitiu que a mesma transitasse em julgado –, por forma a submeter a apreciação da sua pretensão ao tribunal superior. Ou seja, com tal comportamento omissivo, o R. retirou à A. a oportunidade de atacar, por via de recurso, a aludida sentença e de ver, assim, reapreciada a sua posição junto de um tribunal superior.

E tal configura não um naturalístico dano final (por impossibilidade absoluta de apurar o resultado tido em vista com esse recurso), mas antes aquilo que na jurisprudência e doutrina vem sendo designado, no caso, por “perda de chance processual” ou perda de oportunidade. “Perda de chance” essa que vem sendo considerado como constituindo ou ser capaz de constituir, de per si, um verdadeiro dano autónomo, e com tal objeto de indemnização. (Vide, a propósito, entre outos, Acs. do STJ de 30/03/2017, proc. 12617/11.3T2SNT.L1.S1.S1, de 11/01/2017, proc. 540/13.1T2AVR.P1.S1; de 01/07/2014, proc. 824/06/.5TVLSB.L2.S1; de 09/07/2015, proc. 5105/12.2TBXL.L1.S1, e de 30/04/2015, proc. nº. 338/11.1TBCVL.C1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt; e ainda o prof. Paulo Mota Pinto, in RLJ, Ano 145, Março/Abril 2016 – págs. 183 a. 201”).

A figura da “perda de chance” visa superar a tradicional dicotomia: responsabilidade contratual versus responsabilidade extracontratual ou delitual, summa divisio, posta em causa num tempo em que cada vez mais se acentua que a responsabilidade civil deve ter uma função sancionatória e tuteladora das expetativas e esperanças dos cidadãos na sua vida de relação, que se deve pautar por padrões de moralidade e eticidade, como advogam os defensores da denominada terceira via da responsabilidade civil. A “perda de chance” relaciona-se com a circunstância de alguém ser afectado num seu direito de conseguir uma vantagem futura, ou de impedir um dano por facto de terceiro. A dificuldade em considerar a autonomia da figura da perda de chance no direito português, resulta do facto de ser ligada aos requisitos da responsabilidade civil extracontratual – artº. 483º, nº 1, do Código Civil – mormente ao nexo de causalidade. Com efeito, um dos requisitos da obrigação de indemnizar, no contexto da responsabilidade civil ex contractu, ou ex delictu, é que exista nexo de causalidade entre a conduta do responsável e os danos sofridos pelo lesado por essa atuação culposa (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2014, proc. 824/06/.5TVLSB.L2.S, que acabámos de citar).

Conforme se discorre no Ac. do STJ de 11/01/2017 (proc. 540/13.1T2AVR.P1.S, disponível em www.dgsi.pt) “a doutrina da perda de chance ou de oportunidade propugna, em tese geral, a compensação quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas, simplesmente, que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis, permitindo indemnizar a vítima nos casos em que não se consegue demonstrar que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente, mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as probabilidades de que a vítima dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando como sérias e reais. Dito de outro modo, a chance, quando credível, é portadora de um valor de per si, sendo a respetiva perda passível de indemnização, desde logo quanto à frustração das expectativas que fundadamente nela se filiaram para o expectante, mas só poderá ser valorada em termos de uma possibilidade real de êxito que se frustrou. A vantagem em causa deve ser aferida em termos de probabilidade, reportando-se o dano ao valor da oportunidade perdida e não ao benefício esperado.”

Discorrendo sobre essa figura a que nos vimos referimos (“perda de chance processual” ou “perda de oportunidade”) afirma-se no acórdão do STJ de 05/02/2013 (citado também naquele último arresto, e referente o processo 488/09.4TBESP.P1.S1) que «enquanto a teoria geral da causalidade, no âmbito da responsabilidade contratual, tem subjacente o princípio do “tudo ou nada”, porquanto obriga a que o risco de incerteza da prova recaia em conjunto sobre um único sujeito, a teoria da “perda de chance” distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, pelo que o lesante responde, apenas, na proporção e na medida em que foi autor do ilícito.

A doutrina da “perda de chance”, ou da perda de oportunidade, diz respeito não à teoria da causalidade jurídica ou de imputação objetiva, mas antes à teoria da causalidade física, pelo que a perda de oportunidade apenas pode colocar-se, verdadeiramente, quando o julgador, depois de aplicar as regras e critérios positivos que orientam e limitam a sua capacidade de valoração, não obtém a prova de que um determinado facto foi causa física de um determinado dano final.

O dano da “perda de chance” que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela perda de chance, que deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado, caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final.

Para o que importa proceder a uma tarefa de dupla avaliação, isto é, em primeiro lugar realiza-se a avaliação do dano final, para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, após o que, obtidos tais valores, se aplica o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado desta operação a indemnização a atribuir pela perda da chance. »

No mesmo sentido, ainda que se nos afigure de forma mais incisiva e afoita, vai o acordão do STJ de 30/03/2017 (acima citado) quando (no que concerne à figura a que nos vimos aludindo e a propósito de uma situação relacionada com a falta de propositura de uma ação em tempo oportuno) refere que “o dano que emerge da falta de propositura da ação corresponde à impossibilidade de apreciação jurisdicional da pretensão jurídica, uma desvantagem jurídica, impossível de determinar, dado o desconhecimento da materialização dessa desvantagem jurídica. Essa impossibilidade, porém, não deve obstar à indemnização, porquanto tal desvantagem jurídica sempre representa um dano, traduzido na perda de chance ou de oportunidade, por efeito de comportamento culposo (…). Levando em conta a aplicação do nexo da causalidade adequada (art. 563.º do Código Civil), não oferece qualquer dúvida que a não propositura da ação judicial pela Recorrente determinou uma perda de chance ou de oportunidade para a Recorrida, daí advindo uma desvantagem jurídica, traduzida num interesse económico. Abstratamente, a omissão imputada constitui uma causa adequada para o dano verificado, para além de que, em concreto, tal omissão é também condição do dano.”

Daí que que, como com toda a propriedade se afirma no atrás citado Ac. STJ de 11/01/2017, a doutrina da “perda de chance ou de oportunidade” – que apesar de não disfrutar de apoio linear no nosso ordenamento jurídico, tem, todavia, vindo paulatinamente a obter cada vez maior reconhecimento na doutrina e, sobretudo, na nossa jurisprudência - não representa apenas uma mera revisão ou ampliação do conceito de dano, antes deve ser assumida como uma rutura com a conceção clássica da causalidade, que parece ser absolutamente vedada pelo artº. 563º do CC, se for entendida em termos, não de aplicação geral e em termos ilimitados, mas com pressupostos e limites bem definidos.

Aqui chegados, e tendo concluído que o comportamento omissivo do réu acima descrito, ao impossibilitar a Autora de interpor recurso da sentença que contra si foi proferida nos identificados autos nº... (privando-a, assim, de ver reapreciado pelo tribunal superior a sua pretensão que ali se discutia), tal configura, de per si, um dano (autónomo), traduzido na “perda de chance processual” ou de perda oportunidade, e que, como tal, deve ser indemnizado, tanto mais que a possibilidade de daí (do recurso que ficou impossibilitada de interpor) poder alcançar uma vantagem (ou, se se quiser, de evitar um prejuízo) de conteúdo económico – traduzida facto, no caso de com ele vir obter provimento a impugnação judicial por si apresentada, de evitar ter de pagar à AT as quantias relativas às liquidações adicionais do IVA respeitante aos anos de exercício de 1997, 1998 e 1999 - era séria e real, e sobretudo se considerarmos que no outro processo nº... também instaurado pela A. – no qual foi também invocada, à semelhança do que também aconteceu naquele processo nº..., a caducidade do direito daquela entidade tributária – veio a ser proferida sentença a julgar procedente a impugnação apresentada, anulando-se as liquidações impugnadas porquanto foi aí considerado as mesmas foram notificadas depois de decorrido o prazo de caducidade do respetivo direito.

Coloca-se agora a questão de indagar sobre o quantum dessa indemnização?

Nesse cômputo há circunstâncias e variáveis que terão de consideradas, tais como:

Não obstante aquilo que atrás acabámos de deixar expresso sobre a possibilidade de a A. poder vir a obter ganho de causa no tal recurso que o R., com o seu comportamento, a privou de interpor, não poderemos também olvidar que o resultado de um recurso é sempre aleatório, por depender também das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores chamados a reapreciar a causa (como é exemplo o caso das sentenças proferidas nos processos nºs... com soluções, aparentemente, divergentes sobre situações idênticas), e daí que no caso daqueles autos nº... não se possa afirmar, com certeza ou mesmo em termos de probabilidade (mesmo que fizéssemos – embora se diga não dispormos dos elementos indispensáveis para o efeito – o chamado “julgamento dentro do julgamento”, como vem defendendo uma parte da jurisprudência e da doutrina, alguma dela acima citada), sobre qual seria o resultado da decisão no caso ter sido interposto o recurso de que vimos falando sobre a sentença ali proferida que desatendeu a impugnação deduzida pela A..

Que neste de dano (de “perda de chance processual”) o que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela perda de chance, que deve ser medida em relação à chance perdida, a qual não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado, caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final.

Que nessa tarefa importa proceder a uma dupla avaliação, realizando-se, em primeiro lugar, a avaliação do dano final, para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, após o que, obtidos tais valores, se aplica o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado desta operação a indemnização a atribuir pela “perda da chance”, que não pode ser, assim, fixado em termos puramente matemáticos, mas em termos hábeis e, se necessário, com recurso a juízos de equidade.

Posto isto, e considerando, por lado, que o dano final se cifra em € 25.772,64 (que corresponde à quantia que a A. teve de pagar à AT na sequência da sentença proferida nos referidos autos nº... e que a mesma reclama do R. nesta ação) e, por outro, que não se torna possível saber (pelos motivos que atrás deixámos referenciados), com certeza, o grau de probabilidade da amplitude do êxito do recurso (que em que se traduziu a “perda de chance”), decide-se, à luz do disposto no artº. 566º, nº. 3, do CC. distribuir equitativamente o risco desse grau de probabilidade por ambas as partes em 50% - em vez dos 25% fixados pela 1ª. instância - (cfr., a propósito, os citados acórdãos STJ de 11/01/2017 e de 30/03/2017).

E com tal não se vislumbra que tenha ou esteja a ser violado qualquer princípio ou preceito constitucional, e muito menos aquele que a A./apelante invoca, aliás, sem qualquer suporte a fundamentá-lo.

Nesses termos, e tendo em conta que o dano final acima referido se cifrou em €25.772,64, decide-se, sempre num juízo equitativo, avaliar/valorar o referido dano de perda de “perda de chance processual” sofrido pela A., em consequência do comportamento omissivo do R., no montante de €12.886,32 (doze mil oitocentos e oitenta e seis euros e trinta e dois cêntimos).

E nessa medida, decide-se condenar o R. a pagar à A. tal quantia, assim se julgando parcialmente procedente o recurso da Autora e improcedente o recurso do R..


III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se - na revogação, nessa medida, da douta sentença da 1ª. instância, e com a parcial procedência do recurso da A. e da improcedência do recurso do R. – em julgar parcialmente procedente a ação e, em consequência, condenar o Réu a pagar à Autora a quantia de €12.886,32 (doze mil oitocentos e oitenta e seis euros e trinta e dois cêntimos), acrescida dos juros moratórios legais, vencidos desde citação do R. até ao seu integral pagamento (mantendo-se, quanto ao demais, o decidido naquela sentença).

Custas da ação e dos recursos pela A. e R., na proporção dos respetivos decaimentos (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).

Sumário:

1- Limitando-se o impugnante de decisão da matéria de facto a alegar que houve testemunhas ouvidas em audiência de discussão e julgamento cujos depoimentos (gravados) impunham decisão diversa sobre determinado facto, sem concretizar a identificação dessas testemunhas (e por consequência não indicando as passagens da gravação desses depoimentos), e sem que se esteja no domínio de prova vinculada, tal impõe a rejeição, nessa parte, do recurso, por clara inobservância do disposto no artº. 640º, nºs. 1 al. b) e 2 al. a), do CPC.

2- Só existe contradição entre factos quando eles se mostrem absolutamente incompatíveis entre si, de tal modo que ambos não possam coexistir, sendo que essa incompatibilidade deve reportar-se aos próprios factos provados e já não em relação também com aqueles dados como não provados.

3- Na execução desse mandato forense, o advogado deve colocar todo o seu saber e empenho na defesa dos interesses do cliente, embora dispondo de uma significativa margem de liberdade ou autonomia técnica. Nessa execução não se inclui, como regra, a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender aqueles interesses diligentemente, segundo a leges artis, com o objetivo de vencer a lide, e daí que a obrigação decorrente do exercício dessa atividade se assuma como uma obrigação de meios e não de resultado.

4- Muito embora no exercício da atividade profissional do advogado possam coexistir a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual, imputando-se ao mesmo o incumprimento ou o cumprimento deficiente das obrigações que lhe advêm da execução do mandato forense a responsabilidade daí adveniente assume, em regra, a natureza contratual.

5- Não dando o advogado conhecimento ao seu cliente do teor de uma sentença que foi inteiramente desfavorável às suas pretensões formuladas na ação que o mandatou para instaurar a fim de fazer valer as mesmas, impedindo com isso o mandante de dela interpor recurso (e sem aquele não o tenha feito, desconsiderando o prazo legal estatuído para o efeito, e permitindo que aquela decisão transitasse em julgado), impossibilitando-o, assim, de atacar essa decisão e de ver reapreciada a sua posição junto de um tribunal superior, tal comportamento omissivo é suscetível de configurar um autónomo dano por “perda de chance processual” ou perda de oportunidade, e como tal sujeito a indemnização.

6- A doutrina da figura da “perda de chance ou de oportunidade” – apesar de não disfrutar de apoio linear no nosso ordenamento jurídico, tem, todavia, vindo paulatinamente a obter cada vez maior reconhecimento na doutrina e, sobretudo, na nossa jurisprudência - não representa apenas uma mera revisão ou ampliação do conceito de dano, antes deve ser assumida como uma rutura com a conceção clássica da causalidade, entre plasmada no artº. 563º do CC.

7- Doutrina essa que propugna, em tese geral, a compensação quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, eram reais, sérias e consideráveis.

8- No dano de “perda de chance processual” o que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela “perda de chance”, que deve ser medida em relação à “chance” perdida, a qual não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado, caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final.

9- Nessa tarefa importa proceder a uma dupla avaliação, realizando-se, em primeiro lugar, a avaliação do dano final, para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, após o que, obtidos tais valores, se se aplica o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado desta operação a indemnização a atribuir pela “perda da chance”, que não pode ser, assim, fixado em termos puramente matemáticos, mas em termos hábeis e, se necessário, com recurso a juízos de equidade.

Coimbra, 2017/11/07


Isaías Pádua

Manuel Capelo

 Falcão de Magalhães