Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
125/10.4TBFVN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MARINHO
Descritores: DESPACHO SANEADOR
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO FORMAL
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRÓ DOS VINHOS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.3º, 265º, 265º-A, 288º, 493º, 494º, 510º CPC
Sumário: 1.- A decisão que, no saneador, conhece da excepção dilatória da falta de personalidade judiciária ( invocada na contestação ) e absolve a ré da instância, não viola o princípio do contraditório ( art.3º CPC) quando a autora teve possibilidade de responder à contestação e não o fez.

2.- Demandada a herança jacente, quando já havia sido aceite, o tribunal não tem o dever de convidar as partes a proceder ao chamamento dos herdeiros, através do incidente de intervenção principal provocada, nos termos do art.325 nº1 CPC.

3.- A prevalência do fundo sobre a forma não tutela processados inaproveitáveis, intervenções adjectivas absolutamente desajustadas e não convertíveis no seio do quadro lógico e técnico em que o conjunto das regras processuais se sustenta.

4. - O princípio da adequação formal, vertido no art. 265.º-A CPC, permite moldar, ajustar, adequar, tornar aproveitáveis actos imperfeitos, lapsos supríveis, nunca salvar aquilo que o legislador entendeu estar «ferido de morte».

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
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I. RELATÓRIO                  

M (…), com os sinais constantes dos autos,  instaurou acção declarativa com processo ordinário para investigação de paternidade contra a HERANÇA JACENTE DE C (…), representada pela cabeça-de-casal L (…)neles melhor identificada, peticionando que fosse declarada filha do referido C (…).

A aludida cabeça-de-casal contestou, sustentando a improcedência da acção. Deu conta, em tal sede, de que a herança foi aceite por todos os herdeiros, o que afasta o estado de jacência.
Na sua réplica, a autora não se pronunciou sobre esta questão.
Foi proferido despacho saneador-sentença que declarou “verificada a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária da Ré, prevista na alínea c) do artigo 494.º do Código de Processo Civil” e absolveu ”a mesma da instância, nos termos dos artigos 288.º, n.º 1, alínea c), e 493.º, n.º 2, do mesmo diploma legal”, do mesmo diploma legal.”
É desta sentença que vem o presente recurso interposto pela Demandante que formulou as seguintes conclusões no final das suas alegações:

“1º Peticionou a A., ora Apelante, nos presentes autos, o reconhecimento da paternidade de C (…) relativamente a si, pedindo a final, que seja declarado que a Apelante é filha deste.

2º Paralelamente à presente acção existe um procedimento cautelar de arrolamento intentado pela A., ora Apelante, contra a R., ora Apelada, a correr termos no Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos, por apenso, com o n.º 125jl0.4TBFVN-B, onde foi proferida decisão de deferimento, com vista à não dissipação dos bens da herança de C (…).

3º A Meretíssima Juiza do Tribunal a quo, convidou a A., ora Apelante, nos termos do art. 508º do c.P.c., a aperfeiçoar a Petição Inicial, por forma a suprir as insuficiências na matéria de facto alegada, convite aquele que foi aceite, tendo sido efectuado o aperfeiçoamento da p.l., dentro dos limites do despacho proferido.

4º Decorridos os termos do processo, o Tribunal a quo absolveu da instância a R., ora Apelada, por entender não configurar-se e existência de uma herança jacente, mas sim indivisa, pelo que, aquela era destituída de personalidade judiciária, não podendo estar em juízo.

5º Na contestação não foi peticionado pela ora Apelada, a sua absolvição da instância, consequência da verificação da referida excepção dilatória de falta de personalidade judiciária.

6º Nunca o Tribunal deu a conhecer às partes que tal seria o seu entendimento, nem quando, convidou a Apelante ao aperfeiçoamento da Petição Inicial, onde podia e deveria ter convidado a Apelante à sanação do alegado vício, nos termos do disposto no art. 265º nº 2 do c.P.c.

7º Constitui, assim, a presente sentença, uma decisão surpresa, proibida no ordenamento jurídico português, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 3º do CPC, que visa evitar as decisões surpresa, obrigando o Tribunal a ouvir as partes antes da prolação de qualquer decisão que as possa afectar e para a qual as mesmas não estivessem alerta, atento o estado dos autos e posições espelhadas até à decisão.

8º O Tribunal a quo não suscitou em momento algum dos presentes autos a questão da falta de personalidade judiciária da Apelada, nem deu a conhecer às partes que tal poderia ser o sentido da sentença final, não permitindo, desta forma, que as partes se pronunciassem sobre a referida questão, desrespeitando assim o dever de prevenção que tem para com as partes do litígio.

9º A questão de falta de personalidade judiciária não se enquadra nos casos referidos no n.º 3 do art. 3º do CPC de "manifesta desnecessidade" do dever de audição que o Tribunal tem para com as partes, já que a mesma configura uma questão fulcral que afecta gravemente a posição das partes e que pode implicar o fim da instância.

10º Verifica-se assim uma violação do princípio do contraditório enquanto garantia de participação das partes no desenvolvimento de todo o litígio.

11º Deveria o Tribunal a quo ter advertido as partes para a possibilidade da prolação de uma decisão no sentido da que foi agora proferida, deixando que as partes alegassem o que tivessem por conveniente, a fim de evitar uma decisão surpresa.

12º A omissão da audição das partes relativamente à questão da falta de personalidade judiciária da R., ora Apelada, traduziu-se na prolação de uma sentença, que no entender da apelante está ferida de nulidade, porquanto, em sede da mesma, o Tribunal recorrido, conheceu de questões que não podia tomar conhecimento, nos termos do disposto no art. 668º nº 1 alínea d) do c.P.c., devendo em consequência, ser revogada.

13º Acresce que, o caso dos presentes autos configura apenas um caso de errada indicação, ab initio, da R., ora Apelada, uma vez que foi indicada como R., uma herança jacente, que, àquela data, alegadamente já não existia em virtude de se encontrar já indivisa.

14º Alguns Tribunais têm entendido que, mostrando-se a inexistência de personalidade judiciária ou mesmo a inexistência da parte demandada, pode o Tribunal proceder à regularização da instância, através da rectificação do nome da parte, sem que tal viole qualquer dispositivo legal.

15º Deveria também o Tribunal a quo, na presente acção, ter procedido à rectificação da identificação da demandada herança jacente, ora Apelada, uma vez que esta não se encontraria em estado de jacência mas sim indivisa, e nessa qualidade desprovida de personalidade judiciária, mediante convite prévio às partes, para o chamamento dos restantes herdeiros a juízo - sendo certo que, a cabeça-de-casal da herança figura na acção apenas na qualidade de representante da herança jacente e não em nome próprio-, através do incidente de intervenção principal provocada, nos termos do art. 325º nº 1 do C.P.C., por forma a suprir a falta do pressuposto processual em apreço.

16º Encontrando, o Tribunal a quo, tutela legal para a sua actuação nos termos do n.º 2 do art. 265º do CP C, já que pode o Tribunal suprir, oficiosamente, a falta de pressupostos processuais, sem que tal represente uma violação do princípio base do impulso processual pertencente às partes, atendendo nomeadamente ao princípio da economia processual.

17º O intuito da Apelante era fazer correr a presente acção contra a referida herança ou contra quem a representasse, atentas as finalidades da mesma, sendo certo que o efeito útil da acção não seria prejudicado nem alterado com a referida rectificação, a qual regularizaria a instância, sem prejudicar qualquer direito de defesa da Apelada ou dos herdeiros, futuros intervenientes.

18º Nem tão pouco se mostraria violado o art. 268º do CPC, uma vez que a R. herança jacente, ora Apelada, alegadamente não existe, pelo que não se pode considerar que existiria a substituição da R. primitiva, por outra.

19º De resto, esta apresentava-se como uma solução válida para a eliminação de irregularidades de representação da herança dando-se assim cumprimento ao princípio da prevalência do fundo sobre a forma e da adequação formal, previsto no art. 265º-A do CPC.

20º A possibilidade consubstanciada no art. S08º do c.P.c., conforme é doutrina e jurisprudência que de tão abundantes se dispensa a Apelante de mencionar, reconduzse a um poder-dever do titular do processo, que pelas razões aduzidas e face ao supra exposto, não foi exercido com toda a amplitude legalmente admissível.

21º Atento o supra exposto, entende a Apelante que a sentença proferida, violou o princípio da prevalência do fundo sobre a forma ou da instrumentalidade, o da oficiosidade (art. 265º), da economia e celeridade processual (art. 31ºA, 31ºB, 274, n.º 3, e 470º) e, por maioria de razão, o da adequação formal (art. 265ºA), entre outros aplicáveis e em consequência, fez uma errada subsunção dos factos ao direito aplicável, devendo em consequência ser revogada, ordenando-se a notificação das partes, nos termos e para os efeitos do art. 325º do C.P.C.”

Concluiu dever ser “declarada nula ou anulada a decisão proferida, com as legais consequências”.

A Demandada respondeu às alegações da Apelante, não tendo apresentado conclusões. Em tal sede, concluiu pela improcedência, “in totum”, do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
São as seguintes as questões a avaliar:
1. O Tribunal “a quo” deveria ter dado conhecimento às partes de qual seria o seu entendimento sobre a verificação da excepção dilatória de falta de personalidade judiciária e convidado a Autora a proceder à sanação do alegado vício, nos termos do disposto no art. 265.º n.º 2 do Código de Processo Civil, sendo que a não realização dessa actividade processual gera nulidade porquanto tal Tribunal conheceu de questões que não podia tomar conhecimento, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 art. 668.º do mesmo Código.
2. O Tribunal “a quo” deveria ter convidado as partes a proceder ao chamamento dos restantes herdeiros a juízo através do incidente de intervenção principal provocada, nos termos do art. 325.º, n.º 1, do Código de Processo Civil?
3. A sentença proferida violou o princípio da prevalência do fundo sobre a forma ou da instrumentalidade, o da oficiosidade (art. 265.º), da economia e celeridade processual (art. 31.º-A, 31.º-B, 274.º, n.º 3, e 470.º) e, por maioria de razão, o da adequação formal (art. 265.º-A)?

II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Ao abrigo do disposto no n.º 6 do art. 713.º do Código de Processo Civil, remete-se, aqui, no que respeita à matéria de facto, para os termos da decisão da 1.ª instância.
Fundamentação de Direito
1. O Tribunal “a quo” deveria ter dado conhecimento às partes de qual seria o seu entendimento sobre a verificação da excepção dilatória de falta de personalidade judiciária e convidado a Autora a proceder à sanação do alegado vício, nos termos do disposto no art. 265.º n.º 2 do Código de Processo Civil, sendo que a não realização dessa actividade processual gera nulidade porquanto tal Tribunal conheceu de questões que não podia tomar conhecimento, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 art. 668.º do mesmo Código.
Na sua contestação, a Ré inscreveu que «a herança em apreço foi objecto de aceitação por parte de todos os herdeiros (...) identificados, (…) o que, salvo o devido respeito, afasta a natureza Jacente da Herança por óbito de C (…), o que se invoca para todos os efeitos de direito».
Na mesma peça processual lançou, a final: «A acção deve improceder, não admitindo discussão ulterior aos articulados».
Na réplica, a Demandante não se pronunciou sobre esta matéria.
A decisão recorrida deu como demonstrado «que os herdeiros estão determinados e aceitaram a herança». Esta matéria não foi questionada em sede de recurso e tem, consequentemente, que ser, aqui, considerada definitivamente cristalizada.
A impugnação judicial em apreço convoca a temática do profusamente estudado princípio do contraditório e da consequente proscrição das decisões surpresa.
A matéria que cumpre avaliar no âmbito do presente recurso tem sede no artigo 3.º do Código de Processo Civil que estatui, sob a epígrafe «Necessidade do pedido e da contradição», que:
1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. (...)»
Emerge deste preceito de Direito adjectivo uma clara noção da importância da simetria processual, da litigação em espelho, da lógica adversarial de acção-reacção que atravessa a cultura jurídica ocidental e tem emanações transversais ao nível dos grandes textos de Direito Internacional relativos aos Direitos do Homem – vd., por todos,  o art. 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada e proclamada pela Assembleia Geral na sua Resolução 217A (III) de 10 de Dezembro de 1948 e o art. 6.º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, aprovada sob a égide do Conselho da Europa em Roma, a 4 de Novembro de 1950.
Tão importante se matém o princípio do contraditório que, apesar do afã de construir um Espaço Europeu de Justiça Comum aliviado de desnecessário lastro, simplificador  e agilizador, assente na cooperação directa entre Tribunais e na livre circulação de decisões europeias, a União Europeia, ao operar o verdadeiro «milagre» que foi a supressão do «exequatur» na área civil e comercial, não prescindiu nunca, desde o primeiro momento, de tal princípio. Assim é que, no diploma que inaugurou  esse percurso, ou seja, o Regulamento Bruxelas II bis REGULAMENTO (CE) N.º 2201/2003 DO CONSELHO, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000 – não  permitiu a transformação de qualquer decisão judicial em matéria de direito de visita e regresso do menor em injunção imediatamente exequível transfronteiras bem como a prolação de decisão de não regresso da criança vítima de rapto parental, caso não tenha havido meticuloso respeito do mesmo – cf. als, a) e b) do n.º 2 do art. 41.º, al. b) do n.º 2 do art. 42.º e n.º 5 do art. 11.º  
Resulta do mencionado art. 3.º que, para que o Tribunal possa decidir determinado litígio, a sua solução tem que lhe ser pedida – o que constitui emanação clara do princípio do dispositivo – e a parte contrária tem que ter tido oportunidade efectiva de se pronunciar sobre a pretensão – o que pressupõe adequada transmissão de conhecimento, curso integral de prazo de resposta pré-conhecido e possibilidade de intervir nos autos.
Esta regra é de tal forma cogente e decisiva que só circunstâncias não ordinárias, caracterizadas pela sua excepcionalidade ou pela desnecessidade flagrante da contra-audição, podem justificar a sua postergação. Dela não se excluem, sequer, as decisões impostas de ofício ao julgador.
Não pode, pois, uma determinada parte ser confrontada com uma decisão que a surpreenda, porque não foi suscitada nos autos ou/e porque não teve a oportunidade de se pronunciar sobre a questão avaliada.
No caso dos autos temos, claramente, a introdução,  no articulado de defesa, da excepção avaliada na decisão criticada bem como um pedido esteado nela  e no conjunto da defesa.
Por seu turno, a Demandada dispôs não de um mero requerimento mas de todo um articulado – a réplica – para se pronunciar sobre tal matéria, nos termos dos estabelecido no art. 502.º do Código de Processo Civil.
Aparentemente, a atender à tese emergente das alegações, a Demandada não se terá apercebido da dedução da excepção. Trata-se, porém de realidade que só seria relevante se nos encontrassemos perante um sistema adjectivo desprovido de patrocínio judiciário obrigatório, como o Ucraniano. Perante cidadãos litigando por si sós, com base no mero uso de formulários e informações de secretaria e sem qualquer apoio técnico, nenhuma verbalização é excessiva e nenhum apoio é demais.
Distintamente, num sistema como o luso, em que os senhores profissionais do foro intervêm nos autos de forma obrigatória, sendo remunerados pelo fornecimento de conhecimentos técnicos especializados próprios do seu múnus, não é exigível o nível de apoio e verbalização que se impõe num contexto de ausência de patrocínio imperativo.
Ao inscrever as apontadas menções na contestação, a Ré forneceu os dados suficientes para permitir a uma parte assistida por profissional dotado de adequados conhecimentos da ciência do Direito, atento e diligente, como se presume, compreender o que estava em causa, ou seja, que a Ré se tinha defendido por excepção nos termos apreciados na decisão questionada.
O n.º 2 do art. 265.º do Código sob referência, que estatui:  «2- O juiz providenciará, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los», visa contribuir para a criação de uma cultura de aproveitamento de actos, de agilização, simplificação e obtenção célere da justa composição do litigio. Não tem, porém, a virtualidade de fazer sobrepor essa postura a inafastáveis normas de Direito adjectivo. Encontra-se nesta situação, pelo carácter peremptório e cogente da formulação normativa, o disposto na al. c) do n.º 1 do art. 288.º do Código de Processo Civil.
Não há, consequentemente, qualquer violação do disposto na al. d) do n.º 1 art. 668.º do mesmo Código, antes aquele artigo impunha a expressa tomada de posição do Tribunal.
Não tem, pois, qualquer aceitabilidade técnica e sustentação jurídica a tese sufragada pela Recorrente que, nesta vertente, sempre tem que improceder.

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2. O Tribunal “a quo” deveria ter convidado as partes a proceder ao chamamento dos restantes herdeiros a juízo através do incidente de intervenção principal provocada, nos termos do art. 325.º, n.º 1, do Código de Processo Civil?
Não tem nenhum sentido, à luz do Direito constituído, esta vertente do alegado.
O preceito invocado refere-se à dedução do incidente referenciado, apontando expressamente que se trata de intervenção processual facultada a «Qualquer das partes», orientada para «chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária».
Não se trata de actividade ou impulso destinado ao Tribunal.
A aceitação desta tese pressuporia o acatamento de uma concepção sistemática distinta da nacional, assente num processo totalmente dominado pelo princípio do inquisitório e que se desprezasse o peso do princípio do dispositivo numa arquitectura adjectiva que, importa não olvidar, visa regular os aspectos processuais orientados para a regulação final de conflitos de interesses privados.
Nenhuma razão assiste, pois, à Impugnante.
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3. A sentença proferida violou o princípio da prevalência do fundo sobre a forma ou da instrumentalidade, o da oficiosidade (art. 265.º), da economia e celeridade processual (art. 31.º-A, 31.º-B, 274.º, n.º 3, e 470.º) e, por maioria de razão, o da adequação formal (art. 265.º-A)?
Tudo o que ficou dito aponta já a solução desta questão.
Ao realizar actividade imperativa, o Tribunal  não viola o encadeado normativo em que a regra cogente, de forma necessariamente harmoniosa e sem contradições, se integra.
A prevalência do fundo sobre a forma não tutela processados inaproveitáveis, intervenções adjectivas absolutamente desajustadas e não convertíveis no seio do quadro lógico e técnico em que o conjunto das regras processuais se sustenta.
Nenhuma noção de economia processual ou celeridade se sobrepõe aos limites de aceitabilidade previstos pelo próprio sistema, no âmbito do qual avultam, no caso em apreço, os art.s 288.º, 494.º e 495.º do Código de Processo Civil.
O princípio da adequação formal vertido no art. 265.º-A do mesmo encadeado normativo permite moldar, ajustar, adequar, tornar aproveitáveis actos imperfeitos, lapsos supríveis, nunca salvar aquilo que o legislador entendeu estar «ferido de morte».
Não procede, assim, também, este vértice do recurso.
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Sumário:
1. Resulta do disposto no art. 3.º do Código de Processo Civil que, para que o Tribunal possa decidir determinado litígio, a sua solução tem que lhe ser pedida – o que constitui emanação clara do princípio do dispositivo – e a parte contrária tem que ter tido oportunidade efectiva de se pronunciar sobre essa pretensão – o que pressupõe adequada transmissão de conhecimento, curso integral de prazo de resposta pré-conhecido e possibilidade de intervir nos autos. Esta regra é de tal forma cogente e decisiva que só circunstâncias não ordinárias, caracterizadas pela sua excepcionalidade ou pela desnecessidade flagrante da contra-audição, podem justificar a respectiva postergação. Dela não se excluem, sequer, as decisões impostas de ofício ao julgador;
2. Num sistema processual como o luso, em que os senhores profissionais do foro intervêm nos autos de forma obrigatória, sendo remunerados pelo fornecimento de conhecimentos técnicos especializados próprios do seu múnus, não é exigível o nível de apoio e verbalização que se impõe num contexto de ausência de patrocínio imperativo;
3. O n.º 1 do art. 325.º do mesmo Código refere-se à dedução do incidente de Intervenção provocada, apontando expressamente que se trata de intervenção processual facultada a «Qualquer das partes», orientada para «chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária», sendo que, consequentemente, não se trata impulso destinado a ser assumido pelo próprio Tribunal;
4. Ao realizar actividade imperativa, o Tribunal  não viola o encadeado normativo em que a regra cogente, de forma necessariamente harmoniosa e sem contradições, se integra;
5. A prevalência do fundo sobre a forma não tutela processados inaproveitáveis, intervenções adjectivas absolutamente desajustadas e não convertíveis no seio do quadro lógico e técnico em que o conjunto das regras processuais se sustenta;
6. Nenhuma noção de economia processual ou celeridade se sobrepõe aos limites de aceitabilidade previstos pelo próprio sistema, no âmbito do qual avultam, no caso em apreço, os art.s 288.º, 494.º e 495.º do Código de Processo Civil;
7. O princípio da adequação formal vertido no art. 265.º-A do mesmo encadeado normativo permite moldar, ajustar, adequar, tornar aproveitáveis actos imperfeitos, lapsos supríveis, nunca salvar aquilo que o legislador entendeu estar «ferido de morte». 

III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação da Autora totalmente improcedente e, consequentemente, confirmamos a decisão posta em crise.
Custas pela Recorrente.
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Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)
Alberto Ruço
Judite Pires