Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1107/02
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. BARRETO DO CARMO
Descritores: BURLA PARA OBTENÇÃO DE SERVIÇOS
O ILÍCITO CONTRAVENCIONAL PREVISTO POR NÃO PAGEMENTO DE BILHETE DE COMBOIO
Data do Acordão: 05/21/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Legislação Nacional: ART.º 220º DO CÓDIGO PENAL E ART.º S 39º E 43º DO DEC. LEI N.º 39789 DE 21 DE AGOSTO DE 1982 COM O ART.º 6.º DO DEC. LEI N.º 400/82 DE 23/9 E ART.º 7.º E 14.º DA PORTARIA N.º 1116/80 DE 31/12 E AINDA O DECRETO LEI 108/78 DE 24/05.
Sumário:
1 - Os art. s 39° e 43° Decreto-Lei no.39789, de 21 de Agosto de 1982 com o art. 6° do Decreto- Lei no.400182, de 2319 e art. s 7° e 14° da Portaria no.1116180, de 31112 e ainda o Decreto- Lei no.108178, de 24105 - configuram um ilícito contravencional, a partir da definição de passageiro sem bilhete, punido com um mínimo de 49,88 € (10000$00) até ao décuplo dessa quantia.
2- Assim, o passageiro sem bilhete, aquele que é encontrado a viajar de comboio sem ter adquirido previamente bilhete e apresentado ao revisor quando lhe é solicitado tem de pagar o valor da viagem acrescido de uma sobretaxa de valor igual a metade desse preço, num mínimo de 49,88 €, podendo pagar num prazo de 8 dias, na estação onde foi identificado, se não dispor de quantia para o pagamento imediato e, caso não pague neste prazo fica obrigado ao pagamento do décuplo daquela quantia.
3 - A distinção entre a contravenção e o crime encontrar-se-á necessariamente no elemento subjectivo, no art. 220°, normatizado na expressão com intenção de não pagar e na contravenção encontrado no dever de cuidado de comprar o bilhete antes de entrar no comboio, de o conservar durante toda a viagem e de o apresentar sempre que lhe seja solicitado.
4 - O crime do art. 220° do Código Penal, constitui uma forma de burla; a burla, como conceito jurídico normativo, inclui sempre um comportamento fraudulento, enganoso artificioso (Luís Osório, Código Penal anotado, IV - 199 e ss.) que o direito romano encontrava na actividade do liçador (do verbo illitio- enganar com promessas, atrair com enganos).
5 - Não basta não pagar; continua a exigir-se o duplo nexo de imputação objectiva, se praticado por acção, na medida em que a actuação não permite ao destinatário crer que a sua intenção é não pagar.
6- O momento em que o agente se recusa a pagar o preço do bilhete, depois de instado a pagar, (normatizado na expressão se negar a solver a dívida contraída) releva para a consumação do crime porquanto só então se verifica a lesão do património da vítima (e por isso, se vê como uma condição objectiva de punibilidade, como acima se indicou).
7 - Na contravenção o elemento subjectivo consubstancia-se na violação do dever de cuidado; pouco importa porque razão o indivíduo não apresenta o bilhete ao revisor, se porque não o comprou, se porque não tem dinheiro, se perdeu a carteira, se perdeu o próprio bilhete que antes comprou. O agente tem o dever de cuidar de comprar o bilhete antes de entrar para o comboio, de o conservar durante toda a viagem e de o exibir ao revisor sempre que lhe for solicitado; a contravenção consuma-se no momento em que sendo pedido o bilhete o agente não o exibe, mesmo que o tenha comprado e o perdeu, mesmo que nunca tivesse a intenção de viajar sem pagar.
Decisão Texto Integral: Rec. nº. 1107/03, vindo de Ansião

***

Acordam os Juízes da Secção Criminal da Relação de Coimbra:

______ O RECURSO:


O presente recurso vem interposto pelos assistentes

ADRIANO SIMÕES
MARIA ALBERTINA CRUZ AIRES
JOSÉ CARLOS DA CRUZ SIMÕES

e refere-se à decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal Judicial de Ansião, que absolveu os arguidos do crime e pedidos cíveis, contra eles formulados.

Na motivação, dizem nas conclusões:

(Transcrição via scanner)

a) Os depoimentos de Maria Albertina, José Carlos, Fernando Godinho e José Eduardo Gadanha não podem ser desvalorizados, ou pela circunstância de terem “um interesse directo neste processo” (os dois primeiros), ou por “serem contraditórios” (os dois últimos) ;
b) Maria Albertina e José Carlos corroboram (porque viram e ouviram) de forma isenta e credível, o depoimento de Adriano Simões, e os depoimentos daqueles em vários pontos são coincidentes com as versões de Fernando Godinho e José E. Gadanha;
c) Aliás, confrontadas entre si,. as versões destas duas testemunhas, também são coincidentes em várias partes da narração dos acontecimentos, pelo que ao invés do que se decidiu na 1a instância, devem tais depoimentos ser valorados e tidos como válidos porque possuem um sentido diferente daquele que lhe é atribuído na sentença;
d) Da prova produzida resulta assente que Adriano Simões e Maria Albertina foram agredidos, ele pelos arguidos pronunciados e ela por Rui Carreira, mostrando—se assim violado o art. 143º C.P. por errada interpretação e aplicação, dado existir prova suficiente que conduz à prática daquele ilícito típico ;
e) Também se mostra provado que os arguidos pronunciados praticaram um crime de dano, dado que amolgaram a caixa do correio que se encontrava no portão pontapeado, estando deste modo violado o art. 212º C.P. por errada interpretação e aplicação, porquanto existe prova suficiente que conduz à verificação dos pressupostos daquele ilícito típico;
f) Igualmente existe prova suficiente nos autos de que todos os arguidos acusados entraram sem autorização no quintal de Adriano Simões e Maria Albertina, pelo que praticaram um facto ilícito;
g) Além de que, deve ser dado como assente, que Adriano Simões e José Carlos foram alvo de injúrias (crime já objecto de perdão), nos exactos termos que constam da acusação particular;
h) Assim, Adriano Simões, Maria Albertina e José Carlos sofreram danos morais que merecem a tutela do direito, e que, em consequência, devem ser objecto de indemnização que é devida pelos demandados civis;
1) Adriano Simões sofreu dores, vexames e incómodos, e andou triste; a Maria Albertina que é pessoa doente do
sistema nervoso, mal dormiu durante várias noites, ficou nervosa e deprimida; o José Carlos refere que foi um vexame, situação que o incomodou e pôs nervoso;
j) Assim, mostram-se violados os arts. 483º e 496º C. Civil, por errada interpretação e aplicação, os quais devem ser interpretados no sentido de se aplicarem ao caso em apreço, dado existir prova exuberante que ali conduz;
k) Toda a prova constante dos autos, desde a testemunhal no seu todo, á prestada pelos assistentes e aos doc. de fls. 8 e 20, por si só e conjugada com as regras da experiência, deve merecer uma interpretação diversa daquela que enforma a decisão sob recurso;
1) Existe erro notório na apreciação da prova, face ao disposto no art. 410º, n0 2, alínea a) C.P.P.;
m) Deve ser modificada a decisão sobre a matéria de facto à luz do art. 4310,. alíneas a) e b) do C.P.P., porque do processo constam todos os elementos de prova que lhe serviram de base, e porque tendo havido documentação da prova, esta se encontra impugnada conforme preceitua o art. 412º, n0 3 C.P.P.;
n) Quando assim se não entender, o que não se espera, o regime das custas crime deve ser alterado, e todos os sujeitos (quatro) que apresentaram queixa e/ou acusação particular deverão ser taxados proporcionalmente, para além de dever ser reduzida a taxa de justiça fixada;
o) O recorrente Adriano Simões mantém interesse na apreciação do recurso interlocutório retido a fís. 465 (III Vol.).

***
O assistente Adriano Simões, a fls. 465º, interpôs recurso, da decisão que julgou improcedente a excepção da ilegitimidade por ele invocada, declarando manter interesse no recurso.

E diz, aí, nas conclusões:

(Transcrição via scanner)

a) O substabelecimento sem reservas, seja no âmbito do patrocínio judiciário, seja na representação voluntária, significa a exclusão do primitivo mandatário, o substabelecimento -
b) É este o sentido com que deve ser interpretado o art. 264º, n0 2 C. Civil de per si e por analogia com o que vai disposto no art. 36º, nº. 3 do C .P. Civil.
c) O Vítor Calado ao subscrever em 11/7/96 uma queixa em nome e representação de Fernando Calado, que lhe havia outorgado procuração, quando em 8/7/96 já havia substabelecido sem reserva em mandatário judicial, não tinha poderes para tal.
d) E se quem apresentou queixa não tinha legitimidade, também esta falta ao M0 P0 para a consequente promoção e prossecução do procedimento criminal, assim devendo ser interpretado o art. 49º n0 1 e 3 C. P. Penai.
e) Decidindo a Mm0 Juiz a quo em contrário, encontram-se violados os artigos 258º e 264º, nº. 2 do Código Civil, bem como o art.. 49º, n0 1 e 3 do Código P. Penal.

___ A RESPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA COMARCA

O Senhor Procurador adjunto, considera que:

(Transcrição via scanner)



1ª - Os assistentes Adriano Simões e José Carlos Cruz Simões pretendem que toda a prova constante dos autos mereça uma interpretação diversa daquela que enforma a decisão recorrida. por existir erro notório na apreciação da prova,
2ª - Entendem também que a sentença violou os art0. l43º e 212º, ambos do Código Penal.
3ª - Igualmente consideram que a decisão da Mma. Juiz “a quo” em matéria de custas criminais é desadequada e ilegal.
4ª - E, salvo o devido respeito, n5o parecem ter razão.
5ª - O teor da fundamentação da motivação da decisão de facto constante na sentença não nos permite concluir pela existência de qualquer erro notório na apreciação da prova e da insuficiência para a decisão da matéria.
6ª - Há erro notório na apreciação da prova, quando se verifica erro de tal forma evidente que não escapa à observação do homem de formação média.
7ª - Das declarações transcritas pelos recorrentes resulta que somente o assistente José Carlos Cruz Simões e sua mie, a ofendida Maria Albertina Cruz Aires corroboram a versão apresentada pelo assistente Adriano Simões.
8ª - As versões apresentadas por Fernando Godinho e José Eduardo Gadanha divergem entre si e nenhum deles conseguiu identificar as pessoas presentes ou explicar para quem eram dirigidas as expressões ouvidas.
9ª - Do exame directo e do exame de sanidade, documentos de fls.8 e 20 dos autos respectivamente. não resulta que os ferimentos sofridos pala ofendida Maria Albertina Cruz Aires tenham sido desferidos na noite de 22 de Junho de 1996. nem quem foi o seu autor.
10ª - Ora . estes exames médicos foram livremente apreciados pelo Tribunal, tendo em conta o principio da livre convicção constante no an0. 127º do Código do Processo Penal.
11ª - Não se provou nos autos que os arguidos praticaram qualquer acto ou conduta que preencha o tipo objectivo dos ilícitos criminais pelos quais estavam pronunciados.
12ª - Não sendo possível a imputação objectiva não se verifica a prática dos crimes de ofensa á integridade física simples e de dano imputados aos arguidos.
13ª - O procedimento criminal relativo aos crimes de introdução em lugar vedado ao público imputados aos arguidos foi declarado extinto. de acordo com o previsto no art0. alínea d). da Lei nº 29/99. de 12 de Maio, nos termos constantes do despacho de fls.408 a 410 dos autos.
14ª - Atendendo que a taxa de justiça variável é fixada pelo juiz em função da situação económica do devedor e da complexidade do processo, a taxa de justiça fixada parece-nos justa e adequada ao caso em apreço nos autos.
15ª - A douta sentença recorrida não viola os preceitos legais invocados, ou outros.
16ª - Assim. deve o presente recurso ser rejeitado. mantendo-se na integra a douta sentença recorrida.

____ A DECISÃO RECORRIDA E OS DADOS DO PROCESSO

Da decisão recorrida, retira-se:

Da sentença
(Transcrição via scanner)


(…)
II- FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
Factos Provados.
Discutida a causa na audiência de discussão e julgamento, ficou provada a seguinte factualidade, com interesse para a decisão:
1) Fernando Dias Agostinho e Maria Adélia Rosinha Mota são vizinhos do arguido Adriano Simões, encontrando-se as respectivas famílias de relações cortadas.
2) No dia 22 de Junho de 1996 realizou-se em casa de Fernando Dias Agostinho e Maria Adélia Rosinha Mota a festa de despedida de solteiro do arguido Rui Manuel Rosinha Agostinho.
~) Cerca das 23 horas desse dia, todos os arguidos pronunciados, à excepção de Adriano Simões, se juntaram em frente da casa deste último, por desentendimentos verificados com aquele.
4) O assistente José Carlos é advogado.
5) O arguido e assistente Adriano Simões é casado com a ofendida Maria Albertina, doméstica, reformada por invalidez, pelo que recebe
32. 000$00/més; da actividade que exerce - proprietário de um aviário de galinhas poedeiras - retira o arguido, para si, cerca de 40 000$00/més, não obstante auferir, por vezes, cerca de 300000$00/semana com a produção de ovos; o arguido reside em casa própria; completou o 40 ano comercial.
6) O arguido Joaquim Manuel Gomes Fernandes é membro da direcção do Clube Atlético AveIarense; exerce a profissão de tecelão, peio que aufere 87 600$00; é solteiro; vive com os pais; contribui com cerca de 15 000$00/més para as despesas do agregado familiar onde se encontra inserido; completou o 110 ano de escolaridade.
7) O arguido Fernando Jacob é casado e tem um filho menor a seu cargo; a mulher do arguido é auxiliar de educação, pelo que aufere cerca de 38 000$00/mês; o arguido é pedreiro, auferindo mensalmente cerca de 100 000$00; o arguido e a sua família residem com os pais daquele, pelo que o mesmo contribui para as despesas da casa com cerca de 15 OO0$00/mês; o arguido completou o 10º ano de escolaridade.
8) O arguido Vítor Calado é solteiro e vive com os pais, a cargo destes; frequenta a cadeira de análise matemática, do 1º ano da faculdade de engenharia e electrónica, em Castelo Branco, pretendendo, depois, pedir transferencia para o curso de engenharia civil.
9) O arguido Luís Miguel Mendes Saraiva é casado; vive em casa própria; é empregado de armazém, pelo que aufere 70 000$00/més; a mulher do arguido é empregada fabril, pelo que mensalmente aufere 61 300$00; o arguido completou o 120 ano de escolaridade.
10) O arguido Rui Jorge Dias Carreira é casado, tem uma filha menor, a cargo; vive em casa emprestada por seus pais; é empregado de balcão pelo que aufere 65000$0O/mês; a mulher do arguido trabalha em parte-time, auferindo mensalmente cerca de 35 000$00; completou o 10º de escolaridade.
11) O arguido Armando Sérgio Pais Cabeças é solteiro; vive em casa de seus pais; é empregado de escritório, pelo que aufere 72000$00/més; completou o 120 ano de escolaridade.
12) O arguido Eduardo Miguel de Almeida Dias é solteiro; vive em casa de seus pais; é vendedor, pelo que aufere 70 000$00/més; contribui para as despesas do agregado familiar onde está inserido com cerca de 20 000$00/més; completou o 120 ano de escolaridade.
13) O arguido João Daniel Rodrigues é solteiro; vive em casa de seus pais; é electricista, pelo que aufere 70 000$00/més; contribui para as despesas do agregado familiar onde está inserido com cerca de 25 000$00/mês; completou o 7º ano de escolaridade.
14) O arguido Helder Manuel Dias Simões é casado, tem um filho menor, a cargo; vive em casa própria; é empregado de balcão, na firma “Alipio & Simões, Lda” pelo que aufere 72 000$O0/mês; a mulher do arguido presta serviços na firma supra referida, auferindo mensalmente cerca de 30 000$00; completou o 9º ano de escolaridade.
15) O arguido Rui Manuel Rosinha Agostinho é casado, tem um filho menor, a cargo; vive em casa de seus pais, não obstante já ter casa própria; é agente da P.S.P. pelo que aufere 150 000$00/més; a mulher do arguido é empregada fabril, auferindo mensalmente cerca de 63 800$00; o arguido contribui para as despesas do agregado familiar onde está inserido com 30 000$00/mês; completou o 12º ano de escolaridade e tem um curso de automatização industrial.
16) A ofendida Maria Albertina é pessoa, já há vários anos, doente do sistema nervoso, pelo que sente dificuldade em adormecer.
17) A residência do arguido e assistente Adriano Simões é totalmente murada.
Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos dos alegados nos autos ou em audiência, nem outros, contrários ou incompativeis com os provados ou prejudicados por estes, não obstante investigados, nomeadamente que:
A) Em 22 de Junho de 1996, cerca das 23 horas, o arguido Adriano Simões saiu do portão da sua residência, sita na Rua do Castelo, em Avelar, e dirigiu-se á viatura de marca “Seat Ibiza” e matricula RF-67-34, pertencente a Fernando Tunes Calado, que se encontrava estacionada na via pública, junto ao referido portão.
6) Ali, Adriano Simões agarrou e dobrou o suporte da escova limpa pára-brisas daquela viatura, estragando-a e causando uma fissura no vidro dianteiro.
C) Nessa altura, foi surpreendido pelos arguidos Joaquim Manuel Gomes Fernandes, Luís Miguel Mendes Saraiva e Helder Manuel Dias Simões que vinham da residência de Fernando Dias Agostinho e Maria Adélia Rosinha Mota.
D) Adriano Simões ao ouvir as chamadas de atenção proferidas por Joaquim Fernandes, Luís Saraiva e Helder Dias Simões entrou, de imediato, no seu quintal.
E) Ocorreram, então, ao local, Rui Manuel Rosinha Agostinho, Rui Jorge Dias Carreira, Vítor Manuel Ferreira Calado, Vasco Mota, António Alberto Silva, Armando Sérgio Cabeças, Eduardo Dias e João Rodrigues, que juntamente com Joaquim Fernandes, Luís Saraiva e Helder Dias Simões, dirigiram-se a Adriano Simões dizendo plúrimas vezes em coro e/ou alternadamente: “é um velho de merda”, “um cabrão”, “um filho da puta”, “não vales nada”, “anda cá cabrão”, “filho da puta sai cá para fora”.
F) Depois, Fernando Jorge Freire Jacob, Vítor Manuel Ferreira Calado, Rui Manuel Rosinha Agostinho, Rui Jorge Dias Carreira, Armando Sérgio Pais Cabeças, Eduardo Miguel de Almeida Dias, João Daniel Rodrigues que conjuntamente com os arguidos Joaquim Manuel Gomes Fernandes, Luís Miguel Mendes Saraiva e Helder Manuel Dias Simões, chamaram para a rua o arguido Adriano Simões para que viesse ver os estragos que fizera ao mesmo tempo que desferiam múltiplos pontapés e encontrões no portão atirando-o contra a parede, esburacando-a e amolgando a caixa do correio.
G) Porém, como este último se recusasse sair do quintal, os arguidos Fernando Jorge Freire Jacob, Vítor Manuel Ferreira Calado, Rui Manuel Rosinha Agostinho, Rui Jorge Dias Carreira, Armando Sérgio Pais Cabeças, Eduardo Miguel de Almeida Dias, João Daniel Rodrigues, Joaquim Manuel Gomes Fernandes, Luís Miguel Mendes Saraiva e Helder Manuel Dias Simões, entraram de rompante naquele e agarraram-no. dando-lhe diversos encontrões e safanões.
H) Ao mesmo tempo, Rui Manuel Rosinha Agostinho, Rui Jorge Dias Carreira, Vítor Manuel Ferreira Calado, Vasco Mota, António Alberto Silva, Armando Sérgio Cabeças, Eduardo Dias, João Rodrigues, Joaquim Fernandes, Luís Saraiva e Helder Dias Simões, repetiam dirigindo-se a Adriano Simões as seguintes expressões: “és um cabrão”, “és um filho da puta”, “és um merda”, “a gente parte-te todo”.
1) O que aconteceu durante cerca de 15 minutos, período durante o qual Rui Agostinho repetia dirigindo-se a Adriano Simões: “eu fodo-te” “eu fodo-te”.
J) Entretanto, alertada por tal alarido, Maria Albertina Cruz Aires, mulher do arguido Adriano Simões, saiu para o quintal e ao ver o marido rodeado pelos arguidos, tentou ajudá-lo.
K) Quando se aproximava daquele foi agarrada pelos ombros pelo arguido Rui Jorge Dias Carreira que logo de seguida lhe desferiu um murro, atingindo-a no nariz.
L) Ocorreram ainda ao local Fernando Dias Agostinho, Maria Adélia Rosinha Mota, Carla Susana Rosinha Agostinho, António Abreu Pires da Silva, António Rosinha Mota e Vasco Manuel Mendes Rosinha, que também sem autorização, entraram no quintal de Adriano Simões e enquanto ali se mantiveram sempre a este dirigiram múltiplas palavras de recriminação.
M) Algum tempo passado, depois de diversas advertências feitas pelo arguido Adriano Simões para abandonarem o quintal, os arguidos Fernando Jorge Freire Jacob, Vítor Manuel Ferreira Calado, Rui Manuel Rosinha .Agostinho, Rui Jorge Dias Carreira, Armando Sérgio Pais Cabeças, Eduardo Miguel de Almeida Dias, João Daniel Rodrigues, Joaquim Manuel Gomes Fernandes, Luís Miguel Mendes Saraiva, Helder Manuel Dias Simões, Fernando Dias Agostinho, Maria Adélia Rosinha Mota, Carla Susana Rosinha Agostinho, António Abreu Pires da Silva, António Rosinha Mota e Vasco Manuel Mendes Rosinha saíram para a via pública.
N) Ali se mantiveram alguns minutos regressando de novo à residência de Fernando Dias Agostinho e Maria Adélia Rosinha Mota.
O) Cerca de 30 minutos depois, ao aperceberem-se da chegada de José Carlos da Cruz Simões, filho do arguido Adriano Simões, o arguidos dirigiram-se novamente para junto da residência de Adriano Simões, tendo Fernando Jacob dirigido ao assistente José Carlos as seguintes expressões: “tens um pai que é uma merda”, “tens um pai que não vale nada”.
P) Nessa ocasião, Maria Adélia Rosinha Mota e Carla Susana Rosinha Agostinho proferiram as seguintes expressões: “foi ele que estragou o carro”, “é um merdas não vale nada”.
Q) Por sua vez, Fernando Agostinho, referindo-se a Adriano Simões e José Carlos Simões disse: “isso é um merdas que ali anda”, “são todos uns merdas, não valem nada”; e António Rosinha dirigindo-se ao assistente José Carlos disse: “porco, porco de merda”.
R) Enquanto José Carlos Simões tentava acalmar os ânimos, o arguido Rui Agostinho respondeu-lhe dizendo: “tu és um filho da puta”, “tu és um filho da puta”, “anda cá para fora que parto-te os óculos e enfio-tos no meio dos dentes”, tu és um advogado de merda, não vales nada.”
S) Por seu turno, o arguido Helder Simões chamou ao assistente José Carlos “barbichas de merda”, “advogado de merda”, não vales nada”, se és homem anda cá”, “hei-de dar-te um tiro que te fodo”, “hei-de dar-te um tiro que te fodo”.
T) Os arguidos Fernando Jorge Freire Jacob, Vítor Manuel Ferreira Calado, Rui Manuel Rosinha Agostinho, Rui Jorge Dias Carreira, Armando Sérgio Pais Cabeças, Eduardo Miguel de Almeida Dias, Joaquim Manuel Gomes Fernandes, Luís Miguel Mendes Saraiva e Helder Manuel Dias Simões, voltaram a desferir múltiplas pancadas e pontapés no portão, a entrar no patamar e a subir algumas escadas de acesso ao quintal de Adriano Simões, apesar de advertidos por José Carlos da Cruz Simões para não o fazerem.
U) Também, os arguidos Vítor Manuel Ferreira Calado, Rui Manuel Rosinha Agostinho, Rui Jorge Dias Carreira, Eduardo Miguel de Almeida Dias, Joaquim Manuel Gomes Fernandes, Luís Miguel Mendes Saraiva e Helder Manuel Dias Simões, fizeram sucessivas tentativas para escalar o muro do jardim.
V) Numa delas, o arguido Vítor Manuel Ferreira Calado desferiu um encontrão em Adriano Simões que se encontrava junto ao gradeamento, fazendo-o cair de costas no chão.
W) Em consequência da conduta do arguido Rui Carreira supra descrita, Maria Albertina Cruz Aires, sofreu a lesão examinada no auto de fís. 8, isto é, hematoma na região dorsal do nariz, com 4 centímetros de comprimento e dois centímetros de largura, lesão que demorou para curar oito dias, todos sem incapacidade para o trabalho; sofreu imensas dores no nariz e na cabeça, o que lhe causou mal estar e incómodos e em consequência pouco descansou durante várias noites, o que lhe provocou alguma instabilidade emocional, tendo necessitado de tratamento médico para se curar.
X) O hematoma sofrido pela ofendida Maria Albertina estendeu-se para a região do globo ocular e quase o fechou.
Y) Em consequência das agressões supra descritas e nos dias imediatos Adriano Simões, sofreu dores no corpo, especialmente no tronco , incómodos e mal estar, tanto durante o dia como de noite, com especial relevo na altura em que se preparava para dormir e descansar.
Z) Adriano Simões, Fernando Jorge Freire Jacob, Vítor Manuel Ferreira Calado, Rui Manuel Rosinha Agostinho, Rui Jorge Dias Carreira, Armando Sérgio Pais Cabeças, Eduardo Miguel de Almeida Dias, João Daniel Rodrigues, Joaquim Manuel Gomes Fernandes, Luís Miguel Mendes Saraiva, Helder Manuel Dias Simões, Fernando Dias Agostinho, Maria Adélia Rosinha Mota, Carla Susana Rosinha Agostinho, António Abreu Pires da Silva, António Rosinha Mota e Vasco Manuel Mendes Rosinha actuaram de forma livre, voluntária e consciente.
AA) Adriano Simões, agiu com o propósito de causar, como causou, estragos no suporte da escova limpa pára-brisas da viatura RF-67-34. Previu, como resultado da sua conduta a ocorrência de outros estragos e com ela se conformou. Bem sabia o arguido que a viatura RF-67-34 pertencia a Fernando Tunes Calado e que agia contra a vontade do dono, causando-lhe prejuízos.
BB) Fernando Jorge Freire Jacob, Vítor Manuel Ferreira Calado, Rui Manuel Rosinha Agostinho, Rui Jorge Dias Carreira, Armando Sérgio Pais Cabeças, Eduardo Miguel de Almeida Dias, João Daniel Rodrigues, Joaquim Manuel Gomes Fernandes, Luís Miguel Mendes Saraiva e Helder Manuel Dias Simões actuaram em conjugação de esforços e intenções, com o propósito de causarem estragos, como causaram, no portão, parede e caixa do correio da residência de Adriano Simões e de ofenderem este último, como ofenderam, na sua integridade física.
CC) Sabiam bem tais arguidos que o portão, parede e caixa do correio não lhes pertencia e que agiam contra a vontade de Adriano Simões, seu proprietário, causando- lhe prejuízos, no valor de cerca de 3 000$00.
DD) Fernando Jorge Freire Jacob, Vítor Manuel Ferreira Calado, Rui Manuel Rosinha Agostinho, Rui Jorge Dias Carreira, Armando Sérgio Pais Cabeças, Eduardo Miguel de Almeida Dias, João Daniel Rodrigues, Joaquim Manuel Gomes Fernandes, Luís Miguel Mendes Saraiva, Helder Manuel Dias Simões, Fernando Dias Agostinho, Maria Adélia Rosinha Mota, Carla Susana Rosinha Agostinho, António Abreu Pires da Silva, António Rosinha Mota e Vasco Manuel Mendes Rosinha sabiam que não estavam autorizados a entrar no quintal de Adriano Simões, e que ao fazê-lo, em conjugação de esforços e intenções, actuavam contra a vontade do mesmo.
EE) Rui Jorge Dias Carreira e Vítor Manuel Ferreira Calado quiseram, ainda, ofender, como ofenderam a integridade física de Maria Albertina Cruz Aires e Adriano Simões, respectivamente. Bem sabiam os arguidos que tais actos lhes estavam vedados por lei.
FF) No dia 23.06.96, cerca das 11.30, junto da residência do assistente José Carlos, Helder Simões dirigindo-se-lhe em tom ameaçador e de viva voz disse: “estás ai cabrão”, ‘deixa lá que te hei-de passar a ferro na rotunda de Tomar.”
GG) E porque a mulher de Helder Simões dirigiu a palavra a José Carlos, aquele disse: “não estejas a falar com essa merda”, são todos uns merdas.”
HH) Os arguidos proferiam as expressões supra referidas em voz alta, no sossego da noite, publicamente, sem qualquer recato, sendo susceptíveis de serem ouvidas por todos os vizinhos.
II) Ao proferirem tais expressões agiram os arguidos de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito de apoucar os ofendidos, de lesarem o seu bom nome, honra e consideração,
JJ) Em consequência das expressões proferidas pelos arguidos e demandados civis, o arguido e assistente Adriano Simões sentiu-se ofendido, sentimento este agravado pelo facto de ser casado, bem como se sentiu diminuído moralmente.
KK) O assistente José Carlos é pessoa benquista pelos vizinhos, tendo já algum sucesso profissional na comarca de Tomar, recebendo na sua residência da R. do Castelo, Avelar, clientes que amiúde o procuram para lhe confiar o mandato.
LL) Em consequência da conduta dos arguidos/demandados civis, o assistente José Carlos sentiu-se desgostoso e andou algum tempo incomodado e nervoso.
MM) O arguido Adriano Simões é pessoa conhecida e estimada no meio onde vive, pois foi guarda-livros de várias empresas, durante mais de 20 anos, dirigente associativo na Sociedade Filarmónica Avelarense, membro da assembleia de Freguesia e da Junta de Freguesia de Avelar.
NN) Em consequência da conduta dos arguidos/demandados civis ao invadirem a propriedade do assistente Adriano Simões, este bem como a ofendida Maria Albertina sentiram-se incomodados e tristes.
(...)

Do despacho interlocutório:

(Transcrição via scanner)

(…)
Apreciando: entende o requerente que, porque Vítor Manuel Calado à data em que apresentou a queixa contra o requerente, enquanto representante do seu pai, Fernando Calado - titular do interesse protegido pela norma que prevê o crime de dano já havia substabelecido sem reserva os seus poderes no Dr. Fernando Machado, não mais tinha aquele Vítor Calado poderes para apresentar a dita queixa, razão pela qual não tinha o Ministério Público legitimidade para promover a acção penal.
Ou seja, entende o requerente que o substabelecimento com a menção sem reserva por parte do primitivo procurador implica a sua exclusão. A ser assim, efectivamente teríamos que concluir que à data em que a queixa foi apresentada, não tinha o Vítor Calado poderes para a apresentar.
Como dissemos, tal questão nunca foi concretamente apreciada, apenas tendo sido julgada a questão de saber se o referido Fernando Calado era ou não o titular do interesse protegido pela norma incriminadora e em relação â qual o arguido vinha acusado. e ainda a de saber se um procurador com poderes especiais pode apresentar queixa em representação daquele titular, tendo-se decidido pela positiva.
Apreciemos agora a questão de saber quais os efeitos do substabelecimento sem reserva.
Conforme resulta dos autos, e assim foi julgado no despacho que encerrou a fase de instrução (cfr. fIs. 348). por Fernando Calado (fls. 5 ) foi junta procuração a favor do seu filho conferindo-lhe poderes para apresentar queixa contra o requerente relativamente ao crime pelo qual este vem pronunciado.
O regime legal no que respeita à procuração vem previsto nos arts. 262º e segs. do Código Civil.
Interessa-nos aqui sobretudo o art. 264º, nos termos do qual o procurador ( no caso, Vítor Calado) só pode fazer-se substituir por outrém se o representado o permitir - o que no caso acontecia, visto que o representado, Fernando Calado, especificamente conferiu poderes a Vítor Calado para este substabelecer em Advogado os poderes que por aquela procuração foram conferidos.
Nos termos do n.0 2 daquela disposição, a substituição não envolve exclusão do procurador primitivo, salvo declaração em contrário. Mas declaração de quem? Declaração do procurador. e assim a declaração “sem reserva” do procurador primitivo implica a sua exclusão ? Ou é necessária a declaração no sentido da exclusão do procurador primitivo pelo próprio representado, ou seja, e no caso, do próprio Fernando Calado?
Sobre esta questão já se debruçou, com a mestria a que nos habituou, o Prof. Vaz Serra em anotação ao Ac. do STJ de 19 de Fevereiro de 1974 (cfr. RLJ, n.0 3543, pags. 67 e segs. ). Conforme ~ referido pelo Ilustre Professor, justificando as disposições do art. 6º do seu Anteprojecto sobre a representação, correspondente ao art. 264.0 do Código Civil; observou Rui Alarcão:
- « O artigo 6.º respeita ao problema da nomeação, pelo representante, de um substituto ( lato sensu ), o que pode ocorrer em termos de o primeiro representante não perder a sua posição representativa (...) ou ter lugar de modo a envolver uma completa sub-rogação do novo representante no lugar do originário, desaparecendo este. Neste último caso, fala-se de verdadeira e própria substituição, no primeiro de subprocuração.
Dada a confiança pessoal que geralmente está na base da procuração, compreende-se que a nomeação de um substituto se considere, em regra, vedada ao representante. Mas este princípio, correntemente admitido e ao qual o artigo 6º dá guarida, deve, por vezes, ceder. Segundo o mesmo artigo (nº 1), assim sucederá se a substituição for permitida expressamente pelo representado ou se isso resultar do conteúdo da procuração ou da relação jurídica que a determina (...).
A permissão de nomear substituto deve entender-se, na dúvida, como referindo-se apenas à subprocuração e não à verdadeira e própria substituição - por outras palavras, para esta última se considerar permitida é mister que se encontre especialmente autorizada. Em tal sentido se orienta ( ... ) o n.0 2 do artigo 6º do nosso articulado ».
O Professor Vaz Serra cita ainda mais doutrina, que nos escusamos de a citar aqui. Quanto ao aspecto que aqui nos ocupa concretamente, refere o seguinte: o ar. 264º, n.0 2 do Código Civil, dispondo que a substituição não envolve exclusão do procurador primitivo, salvo declaração em contrário, mostra que, apesar da substituição, subsiste, em princípio, o poder de representação do substituinte, a posição representativa do procurador originário ou principal. As palavras do n.0 2 do art. 264º «salvo declaração em contrário» poderiam parecer significar que a exclusão do procurador primitivo depende de declaração deste. Não pode, porém, ser assim, pois não pode depender de mera vontade do procurador a sua substituição plena, colocando outro inteiramente no seu lugar: para que tal seja possível, e necessário que o dador de poderes o tenha consentido. O simples facto de o procurador estar autorizado a nomear um substituto, nos termos do n.0 1 do art. 264º nomeadamente quando o dador de poderes lhe confere expressamente o poder de substabelecer -, não importa, sem mais, que essa nomeação possa ser efectuada de maneira a cessar a posição representativa do procurador originário, já que o representado pode ter interesse em que este procurador não deixe de o ser se porventura se fizer substituir por outrém.
Portanto, para que a designação de um substituto envolva exclusão do procurador primitivo é mister não só que nesses termos seja feita, pelo procurador, a substituição, mas também que ele esteja a isso autorizado pelo representado. Em face destes principio, o substabelecimento não envolve, em regra. a exclusão do primitivo procurador, mas pode haver essa exclusão, nos termos já referidos. Assim, um substabelecimento «sem reservo» pode significar que o seu autor quer renunciar a sua procuração, deixar de ser procurador; mas pode também ter o sentido de pretender ele conferir ao substabelecido uma procuração de conteúdo igual ao da sua própria. Saber qual destas soluções é a exacta, no caso concreto, é problema de interpretação.
Ora, se por um lado, da procuração inicial conferida por Fernando Calado ( cfr. fls. 5 ) não consta a declaração segundo a qual aquele Fernando Calado autoriza Vítor Calado a fazer-se substituir por terceiro em termos de ficar excluído em caso de substabelecimento; por outro lado, do substabelecimento sem reserva não se pode concluir que o Vítor Calado quis renunciar à procuração que lhe fora conferida por Fernando Calado, antes pelo contrário, já que três dias depois. e em representação do Fernando Calado, foi apresentar a queixa contra o requerente, juntando a procuração e o substabelecimento.
Entendemos assim que, porque o substabelecimento sem reserva aqui em questão não quis significar renúncia à procuração por parte do primitivo procurador; e porque o dador de poderes, Fernando Calado, não autorizou o primitivo procurador a fazer-se substituir por outro procurador em termos de tal implicar a sua exclusão; tinha o Vítor Calado, em 11/07/96, data em que a queixa foi apresentada, poderes especiais para o acto, assim como os tinha o Dr. Fernando Machado.
Em abono desta tese está ainda, em nosso entender, a redacção que foi dada pelo DL 329-A/95, de 12-12, ao art. 36º do Código de Processo Civil. Efectivamente, o legislador sentiu a necessidade de clarificar a questão no que respeita ao mandato judicial, ali estatuindo expressamente ( n.0 3 ) que, no mandato judicial, o substabelecimento sem reserva implica a exclusão do anterior mandatário.
Ora, sendo certo que pela procuração de fls. 5 não foi conferido mandato judicial tal como está definido no art. 36º do Código de Processo Civil; e que a alteração do art. 36º, n.0 3 do Código de Processo Civil constitui uma especificação que se sentiu necessária em relação ao regime geral da representação voluntária, resta concluir, e sempre sem quebra da devida vénia por opinião diversa, que se pode extrair com segurança um argumento a contrario sensu no sentido de que se no mandato judicial assim é, e se sentiu necessidade de esclarecer, é porque no regime geral da representação voluntária, o substabelecimento sem reserva não implica a exclusão do primitivo procurador.
A solução do art. 36º tem ainda uma razão substantiva que não se encontra nos casos de representação voluntária que não os de mandato judicial: efectivamente, a solução do art. 36º, nº 3 do Código de Processo Civil compreende-se porquanto o mandato judicial é sempre exercido por uni profissional do foro, pelo que o carácter intuitus personae que normalmente caracteriza a relação estabelecida entre representante e representado dilui-se significativamente, não implicando o substabelecimento, visto que o substabelecido continua a ser um profissional do foro, um diminuir da confiança do representado nas qualidades profissionais do representante. O que não tem correspondência nos casos de representação voluntária que não se configurem como mandato judicial.
Por todo o exposto, julgo improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pelo arguido Adriano Simões, considerando que a queixa apresentada contra si o foi por quem para isso tinha poderes e, assim, tinha o Ministério Público poderes para o acusar, como o fez.
Custas do incidente pelo arguido Adriano Simões - sem prejuízo do que se vier a decidir no que respeita a apoio judiciário -, fixando a taxa de justiça em 1/4 de UC.
(...)

___ PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO NESTE TRIBUNAL


Expõe o Senhor Procurador Geral Adjunto:

(Transcrição via scanner)

Adriano Simões, Maria Albertina Cruz Aires e José Carlos da Cruz Simões interpuseram recurso da douta sentença proferida em processo comum com o n0. 150/99. 4TBANS do Tribunal Judicial de Ansião , na qual foram todos os arguidos absolvidos dos crimes pelos quais estavam pronunciados e julgados improcedentes, por não provados, os pedidos cíveis deduzidos.
Os recorrentes impugnam a decisão proferida sobre matéria de facto e discordam igualmente do decidido quanto à taxa de justiça fixada.
A Ex.ma. Procuradora-Adjunta no Tribunal recorrido, na resposta à motivação do recurso, após análise dos fundamentos avançados pelos recorrentes quanto à matéria de facto1 conclui pela correcção da análise e valoração da prova efectuada na douta sentença, bem como pela adequação da taxa de justiça ali fixada, posição que acompanhamos.
Os recorrentes impugnaram a decisão proferida sobre a matéria de facto com base em determinados depoimentos cujo teor deveria ter conduzido, na sua interpretação, a decisão diversa da recorrida. A nosso ver, os recorrentes, não demonstrando ter ocorrido violação das regras da experiência comum, pretendem sobrepor o seu juízo interpretativo referente àquela prova ao que foi assumido na decisão que impugnam.
Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 25.0.92, recurso n0. 1466/02, “ o juízo de credibilidade da prova por declaração depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos, em princípio, não são apreensíveis mediante o exame e análise dos textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido”.
Assim sendo, ao apreciar a matéria de facto deverá ter-se em consideração que o tribunal superior “está condicionado pelo facto de não ter com os participantes do processo aquela relação de proximidade comunicante que lhe permite obter uma percepção própria do material que há-de ter como base da sua decisão. Como refere Figueiredo Dias (...) só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensáv6l contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabeleceu-se com o tribunal da ia instância e daí que a alteração da matéria de facto fixada em decisão colegial deva ter como pressuposto a existência de elementos que, pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo funcionamento do princípio da imediação — cfr. o Ac. Rei. Coimbra de 9.2.2000, CJ, ano XXV, tomo 1, pág. 51.
No caso em análise, atento o teor dos depoimentos transcritos e tendo em consideração a fundamentação da convicção do Mmo. Juiz recorrido, não vislumbramos, salvo melhor opinião, parâmetros objectivos susceptíveis de colocar em causa o juízo valorativo resultante da decisão impugnada, sendo certo que tal juízo não colide, a nosso ver, com as regras da experiência.
(...)

***
Correram os vistos.
***
____________ DECIDINDO

Discute-se nestes recursos:
· No recurso interlocutório
- os poderes de representação em caso de substabelecimento.

Entende o recorrente que não tinha Vítor Calado poderes para apresentar queixa contra o recorrente, em nome de seu pai, que lhe havia passado procuração com poderes para tal, porque entretanto havia substabelecido tais poderes a favor do Sr. Dr. Fernando Machado.

Na procuração que o pai passara a Vítor Calado eram-lhe conferidos poderes para contactar advogado, para substabelecer e para apresentar queixa por danos no seu automóvel.

No substabelecimento que passou ao Sr. Advogado, constava a expressão sem reservas.

Para além da extensa fundamentação, precisa e clara, do despacho recorrido, concluindo pela limitação da expressão sem reservas, diz-se desde já que não se vê colisão de poderes. A procuração conferia poderes ao Vítor para contratar advogado e para exercer, em nome do outorgante, o direito de queixa.

Ora,
ao substabelecer no advogado nada permite concluir, nem do texto da procuração nem do substabelecimento que tenha prescindido do direito de queixa, já que o que resulta é o investir do Sr. Advogado nos poderes resultantes da procuração, poderes esses forenses e nos termos dessa procuração (a incumbência de contratar advogado) sem que a sem reserva pudesse afectar o direito de queixa, direito pessoal.
A argumentação do despacho recorrido é clara no sentido de que a limitação do art. 36º/4 do Código de Processo Civil se refere aos actos a realizar por mandatário judicial no processo, atento o nº. 1 do mesmo artigo, que pretende determinar o conteúdo e alcance do mandato judicial.
A representação não faz parte da essência do mandato. É algo que se lhe pode acrescentar e, acontecendo, faz com que o mandatário aja “contemplatio domini”. Pode haver, mandato sem representação, como sucede, desde logo na representação legal e também quando não se impôs a representação em nome, isto é, não houve procuração.
Temos assim que, para realização do acto, que constitui objecto do mandato, em nome do mandante, é necessária uma procuração, pela qual se atribuam ao mandatário poderes representativos, por isso a referência à procuração como instrumento.
A procuração é fonte de legitimidade da representação voluntária. Porém, este acto conferidor de poderes representativos não necessita de estar autonomizado “qua tale”. Pode aparecer como cláusula do contrato de mandato ou até ser consequência de um comportamento concludente. Sendo mandato e procuração figuras autónomas, as ingerências entre um e outra são tais que obrigam a comportamentos concludentes.
A falta de procuração apenas permite ao mandatário agir por conta do mandante, mas em seu próprio nome.
A vida moderna deu um maior relevo à representação. Está inteiramente de acordo com os ditames da autonomia privada e da autodeterminação do homem que o cidadão queira, em vez de agir ele próprio, encarregar outra pessoa a negociar um efeito ou a encontrar um resultado. Os pressupostos para a produção de efeitos jurídicos em virtude de representação são: a) - um negócio jurídico; b) – realizado pelo representante em nome do representado; c) – nos limites dos poderes que lhe conferem.
Preenchidos estes requisitos, o negócio jurídico celebrado pelo representante com outra parte produz efeitos na esfera jurídica do representado.
O alcance da vontade do representante depende dos poderes representativos que tiver em relação ao representado.
Em regra, a procuração pressupõe uma relação de base que influi, em certa medida, na existência da procuração - artigos 265º, nºs. 1 e 2 e 264º, nº. 1 do Código Civil, mas a procuração pode subsistir sem que tenha como suporte a relação jurídica de base. A procuração é um negócio jurídico, tornando-se incólume às invalidades da relação de base.
Sendo a relação de base o contrato de mandato, revogando o mandante a procuração ou renunciando o mandatário a ela - artigo 1179º do Código Civil - fica revogado o mandato, pese embora que a procuração confira poderes para agir em nome do mandante, não quis a lei que com a sua revogação ou renúncia cessassem apenas os poderes de representação, mas tomou a opção de fazer cessar o próprio mandato, a não ser, obviamente, por força da liberdade contratual, que se tenha estipulado em contrário
A falta de poderes representativos, porém, não implica, desde logo, a nulidade ou anulabilidade, pois que se prevê a ratificação do negócio - artigos 268º e 471º, nº. 1 do Código Civil - e, no abuso de poderes de representação, a ineficácia em relação ao mandante depende de este poder ou dever conhecer o abuso de harmonia com o artigo 269º do Código Civil.
Assim sendo, haverá que interpretar a vontade do mandante, o que neste caso se torna inequívoca, porquanto, substabelecendo os poderes forenses, manteve para si o direito de queixa, vindo a exercê-lo de seguida.

Não tem pois fundamento este recurso.

· No recurso da sentença
- uma discordância quanto à convicção do Tribunal;
- uma discordância quanto às custas criminais

O recurso sobre a matéria de facto, como resulta das conclusões acima transcritas gira na base de um entendimento diferente da valoração dos elementos objectivos colhidos com a produção de prova necessários para a formação da convicção do Tribunal. E de tal modo se expõe que se quer ver valorados depoimentos, que o Tribunal entendeu de forma diferente, conforme resulta da motivação da sentença.
Sobre esta forma de censurar as decisões, quanto aos factos, têm sido proferidos várias decisões neste Tribunal.
O que vem sendo decidido nesta Relação, em matéria de formação da convicção, consta, entre muitos, no Acórdão publicado em www.trc,pt , nº. 0526, com o seguinte sumário:

I - O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto, tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formulação lógico-intuitiva.
II - Na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
2.1. - a recolha de elementos - dados objectivos - sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença; dá-se com a produção da prova em audiência;
2.2 - sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal - que é livre, art. 127º do Código Processo Penal - mas não arbitrária, porque motivável e controlável, condicionada pelo principio de persecução da verdade material;
2.3 - a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;
III - A convicção assenta na verdade prático-juridica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis - como a intuição.
IV - Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
V - Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a mediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao principio in dubio pro reo).
VI - A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção como sejam:
VII - O principio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade juridico-prática e com o da liberdade de convicção - princípios estruturais; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
VIII - A Constituição da República Portuguesa impõe a publicidade da audiência (art. 206º) e, consequentemente o Código Processo Penal pune com a nulidade a falta de publicidade (art. 321º); publicidade essa que se estende a todo o processo - a partir da decisão instrutória ou quando a instrução já não possa ser requerida (art. 86º) querendo-se que o público assista (art. 86º/a); que a comunicação social intervenha com a narração ou reprodução dos actos (art. 86º/b); que se consultem os autos, se obtenha cópias, extractos e certidões (art. 86º/c)). Há um controlo comunitário quer da comunidade jurídica quer da social, para que se dissipem dúvidas quanto à independência e imparcialidade.
IX - A oralidade da audiência que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal (artº 96º do Código Processo PenaI) permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções da voz, p. ex.:
X - A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal como que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão. É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção, à utilização, à valoração e credibilidade da prova.
XI - A censura da forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
XII - Doutra forma, como se faz aqui neste recurso, pretende-se uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão.

Assim,
não podem recorrentes querer que a decisão do Tribunal seja coincidente com a seu entendimento.
Fica desde modo fixada a matéria de facto acima transcrita.
Tratando-se como se trata de decisão absolutória, nos termos do disposto no art. 425º/5 do Código de Processo Penal remetemo-nos para os fundamentos da decisão impugnada.


Foram os recorrentes condenados nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 10 Ucs.
Consideram dever ser reduzida.

As custas judiciais são, desde o ideário vindo das Ordenações, são o custeio, o preço do serviço de justiça prestado, pelo Estado.
Mas envolvendo este conceito está também uma ideia de sanção, cuja origem se atribui ao direito romano, a que está sujeita a parte vencida, por activar a máquina judiciária ou ser a responsável por tal activação.
A incidência das custas no património do responsável é entendido como o resultado de uma relação obrigacional entre o Estado e o utente pela utilização do serviço (na esteira das leis romanas de Zenão e Justiniano), que não perdeu valor com a Revolução Francesa (do ideário só ficou o apoio judiciário), tanto mais que se acredita que a gratuidade da justiça produz o fenómeno da aceleração descontrolada da busca de serviços judiciários, trazendo as bagatelas aos tribunais.
As custas devem reflectir o trabalho desenvolvido pelo tribunal com o processo, de tal modo que o cidadão tenha a percepção de o recurso ao Tribunal implica a avaliação da dignidade dos actos que se querem ver apreciados e a ponderação das razões que ponham em marcha o serviço.
Neste processo, por crimes públicos, semi-públicos e particulares analisou-se o comportamento de 17 arguidos, numa panóplia de crimes que vão desde o dano, ás ofensas á integridade física, á introdução de lugar vedado ao público.
Houve instrução e várias sessões de julgamento e vários recursos, para além dos agora em apreciação.
Está adequada a taxa de justiça aplicada.


***
Nestes termos,
acorda-se em negar provimento aos recursos mantendo-se a decisões recorrida.
Custas pelo recorrente com 12 Ucs.
São devidos honorários

Coimbra 2003/05/21