Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
159/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. AGOSTINHO TORRES
Descritores: PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DO MONTANTE DA MULTA PAGA
Data do Acordão: 04/14/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SANTA COMBA DÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 145° DO C PC E 81.º DO CCJ
Sumário:

Visando o pagamento da multa nos termos do art.145°, n.º 6, do C PC, garantir o direito à prática de acto fora de prazo e não o direito à apreciação desse acto, a desistência do direito exercido através do acto praticado não é motivo de restituição da multa.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NA RELAÇÃO DE COIMBRA

I-RELATÓRIO

1.1-Vieram os demandantes cíveis ora recorrentes , no procº supra identificado, requerer à Mmª Juíza de instrução:
“Os requerentes apresentaram oportunamente pedido de indemnização civil contra o arguido nos autos.
(...) e uma vez que o pedido entrou nos autos mas ainda não foi formalmente recebido, uma vez que só o será com o despacho que recebe a acusação e designe dia para a audiência vêm, ... requerer lhes seja autorizado retirar o pedido oportunamente formulado nos autos.
.../...
Mais requerem, (...) que lhes seja devolvido o valor da multa paga e liquidada nos termos do n° 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil uma vez que a multa destinava-se a permitir a ulterior apreciação do pedido, situação esta que já não ocorrerá porque os requerentes não pretendem obter qualquer tipo de indemnização.”

1.2- A Srª Juíza proferiu despacho “dando sem efeito o pedido de indemnização civil por aqueles deduzido” ( e que nem sequer havia sido ainda liminarmente admitido) “...e por isso não iria ser objecto de qualquer apreciação.
Considerou também que, em relação à solicitada devolução do montante da multa paga nos termos do artº 145º nº 6 do CPP a pretensão seria de indeferir porque (sic) ...” Na verdade, e pese embora a circunstância de as demandantes civis não pretenderem mais a apreciação do pedido cível, o que é certo é que o acto foi praticado fora de prazo e, por tal motivo, a secretaria procedeu à liquidação das guias ao abrigo do citado preceito legal.
E, em consequência, a multa foi paga e liquidada, directamente para o CGT, não havendo qualquer possibilidade de restituir tal quantia aos demandantes, independentemente de terem declarado a sua intenção de retirarem o pedido cível formulado ( situação semelhante à que ocorreria se, depois de admitidos tais pedidos viessem desistir)

1.3- Deste despacho, nesta última parte relativa à não devolução do montante de multa pago , recorreram aqueles ( BB e filhos), recurso esse que foi admitido em separado, com subida imediata e efeito devolutivo.
Formulando as seguintes CONCLUSÕES :

1. A multa paga pelos recorrentes por força do disposto no artigo 145°, n° 6 do Código de Processo Civil destinou-se apenas a permitir a apreciação futura pelo Juiz do Julgamento do pedido de indemnização civil.
2. O não pagamento de tal multa não dá lugar nem à execução do seu montante, nem a conversão em pena de prisão, mas apenas "à perda do direito de praticar o acto" (artigo 145°, n° 6 do Código de Processo Civil).
3. Os recorrentes juntaram aos autos, na fase de inquérito, pedido de indemnização civil e, ainda na fase de inquérito, pediram para ser retirado dos autos por afinal não pretenderem a sua apreciação, havendo, por isso, apenas trabalho material de autuação e desentranhamento que a lei não proíbe e a Mmª Juiz aceitou.
4. O pedido não chegou a ser recebido, - porque quem o receberia era o Juiz do Julgamento e o processo estava ainda na fase de inquérito, - pelo que destinando-se a multa a garantir a apreciação se tal apreciação não vier a ocorrer cessou a razão de ser do pagamento da multa, tornando-se inútil a sua manutenção nos autos, sob pena de ocorrer um enriquecimento sem causa por parte do Estado.
5. Uma ordem de restituição basta para que possa haver restituição.
6. A retirada do pedido na fase de inquérito que a lei não proíbe e, por isso, permite, autorizada pelo Mmº Juiz de instrução não se confunde com a desistência do pedido não implica a homologação por.. sentença, é apenas um acto material de desentranhamento, podendo quando muito constituir um incidente.
7. A presente situação não cai no âmbito do artigo 81° do CCJ uma vez que as multas de que fala o referido preceito são as que resultam da condenação criminal.
8. O douto despacho de que se recorre violou o disposto nos artigos 137°, 145°, n° 6, 300°, todos do Código de Processo Civil e 81° do CCJ a contrario sensu, devendo ser revogado e substituído por outro que autorize a restituição da quantia paga pelos recorrentes e liquidada nos termos do artigo 145°, n° 6 do Código de Processo Civil.

1.4- Na 1ª instância respondeu ao recurso o MºPº concluindo dever julgar-se o mesmo como improcedente. No mesmo sentido foi o parecer do Sr Procurador Geral-Adjunto nesta Relação.

II-ANALISANDO

2.1- O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das conclusões extraídas, pelos recorrentes , da respectiva motivação, sem prejuízo, no entanto, das questões que sejam de conhecimento oficioso , cfr se extrai do disposto no artº 412º nº 1 e no artº 410 nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal (c.p.p.)
Tais conclusões visam permitir ou habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância dos recorrentes em relação à decisão recorrida vide ,entre outros, o Ac STJ de 19.06.96, BMJ 458, págª 98 e o Ac STJ de 13.03.91, procº 416794, 3ª sec., tb citº em anot. ao artº 412º do CPP de Maia Gonçalves 12ª ed; e Germano Marques da Silva, Curso Procº Penal ,III, 2ª ed., págª 335
Apreciando o caso concreto, importará saber se os recorrentes têm direito à devolução da multa paga ao abrigo do artº 145º nº 6 do CPP, na medida em que o pedido de indemnização civil que formularam não fora ainda objecto de despacho judicial de admissão liminar e tendo vindo entretanto a retirá-lo da instância antes desse despacho ocorrer.
2.2-O direito dos demandantes civis à apreciação judicial , ainda que liminar, do pedido de indemnização civil supõe e exige que o acto da sua apresentação em juízo tenha sido exercido tempestivamente ( com ou sem multa).-artº 77º do CPP e 145º do CPC.
A sua relevância processual não fica afectada se for retirado ainda antes da sua apreciação liminar, como aconteceu, por vontade dos interessados.
O que se visa com o pagamento da multa ali prevista é assegurar, excepcionalmente , a sua tempestividade, sancionada pelo “excesso de prazo tolerado” em relação ao prazo normal de apresentação, tolerância essa que o legislador, em todo o caso, optou por “censurar” com a cominação em multa.
A apreciação liminar fica garantida pela tempestividade da apresentação do pedido mas não é forçoso que a multa só possa ser definitivamente consolidada se houver efectiva concretização da apreciação liminar.
Se não fosse assim, não faria sentido que a multa tivesse de ser liquidada e paga antes da apreciação liminar, como acontece e exige a actual legislação.
Se os recorrentes tivessem alguma razão no que afirmam, então só se teria justificado ( e não se vê que defendam tal) pagarem a multa depois da concretização judicial da apreciação liminar, momento póstumo esse de pagamento que a lei nem prevê nem sequer admite.
Ora , a multa não existe na ordem jurídica nem é sujeita a qualquer tipo de condição atinente à verificação efectiva de um despacho que aprecie liminarmente o acto .
O despacho de apreciação liminar ( admitindo que ele fosse necessário, o que face à aplicação subsidiária das regras de processo civil actuais se mostra já duvidoso) é uma possibilidade processual decorrente da prática tempestiva do acto de apresentação do pedido de indemnização.
Não é uma imposição necessária. Fica “garantido” que seja apreciado mas não impõe que tenha de o ser. Se o não for, não deixa de ser válida a apresentação porque ela foi “garantida” pelo cumprimento do prazo ou, se excedido dentro da margem tolerada, pelo pagamento da multa cominada nos termos do artº 145º nº 6 do CPC.
Acresce em todo o caso referir ( só por mera cautela) que, face aos elementos colhidos nos autos é muito duvidoso, em resultado da conjugação com o disposto nos artº 77º nº 2 e 3 do CPP, que a multa devesse ter sido aplicada pois não parece ter-se excedido o prazo ( os demandantes não manifestaram propósito de formulação de pedido cível no quadro e circunstâncias do artº 75º e teriam 20 dias, não 10, após a notificação da acusação para o fazerem. O que é certo é que a cominação foi decidida e os demandantes não terão reagido contra tal despacho que a impôs, pelo que transitou em julgado e o mesmo não faz parte do âmbito do presente recurso. Já a sua devolução seria solicitável, em princípio, se tivessem reagido contra aquele dito despacho. Não o terão feito, “sibi imputat”.
Voltando à questão principal e , em resumo, diremos enfim que a multa-sanção visou garantir o direito à apresentação do pedido , salvaguardando, com o pagamento da mesma, o cumprimento do dever de o fazer ainda “em tempo”, sob pena de extinção do direito à prática do mesmo ( artº 145º nº 6 pte final), do CPC. Mas não visou garantir o direito à apreciação do pedido, ainda que liminar, nem da concretização deste era dependente. Possibilitava-o, mas não o impunha.

Por tudo isto, o recurso não merece provimento.

III-DECISÃO


Pelo exposto, acorda-se em julgar o recurso improcedente.
Taxa de justiça a cargo dos recorrentes em 4 UC


Coimbra,

(texto revisto-artº 94º CPP)