Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
823/11.5TBVIS-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO
VENDA EXECUTIVA
ABERTURA DE PROPOSTAS
IRREGULARIDADES
ARGUIÇÃO
NULIDADE
Data do Acordão: 12/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 195, 820, 822 CPC
Sumário: 1.- A venda forçada é uma verdadeira venda, em que a intervenção do Estado é em nome próprio, sobrepondo-se ao executado é, do lado do comprador, a sua vontade é determinante e releva como a de qualquer outro comprador no campo do direito privado.

2.- Dito de outro modo, sendo a venda executiva uma verdadeira venda em que os intervenientes (outorgantes) são o Estado (pelo lado do vendedor) e o comprador - a mesma só se verifica quando há a convergência (o encontro) das declarações negociais (digamos, assim) do Estado e do comprador.

3.- Estas declarações negociais encontram-se no preciso momento em que o Estado, personificado pelo Juiz, aceita a proposta do comprador (manifestado no auto de arrematação), aceitação, esta, consubstanciada (manifestada) no acto de adjudicação. Só então é que o negócio celebrado entre o Estado e o arrematante se concretiza, tal como na venda privada, de sorte que é nesse preciso momento que se verifica a alienação do direito de propriedade sobre ele - artºs 824º e 879º aI. a), ambos do Código Civil.

4.-Dar a venda sem efeito mais não é do que verificar que ela não se chegou a aperfeiçoar, extinguindo os efeitos do contrato preliminar (constituído por proposta e aceitação): que a precede. Sendo que a venda só se aperfeiçoa com a aceitação da proposta pelo Estado, a qual só tem lugar com a adjudicação.

5.- Em função do disposto no art. 820º, nº1 do NCPC ao ato de abertura de propostas deverá assistir o agente de execução, a quem compete a elaboração do respectivo auto (artigo 826.°), podendo ainda estar presente o executado, o exequente, os credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, os proponentes e os titulares de direito de preferência (n.º 1 do artigo), salientando-se que as irregularidades relativas à abertura, licitação, sorteio, apreciação e aceitação das propostas, só podem ser arguidas no próprio ato (artigo 822.º).

6.- Trata-se, pois, de consagração específica legal a determiná-lo. Consequentemente, de acordo com o art. 201.°, n.º 1 do CPC (195º NCPC), a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva (só) produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Concluindo-se, por força desta disposição legal, que um acto tem de ser anulado, ter-se-á, de acordo com o que determina o n.º 2 do citado preceito, que anular os termos subsequentes que desse acto dependam absolutamente.

7.- Se a abertura de propostas, por alguma razão, não vier a ser realizada na data aprazada e for adiada por um período não superior a 90 dias, a proposta mantém validade e não pode ser retirada. Nesse caso, a proposta mantém-se válida, ficando nos autos.

8.- Daqui resulta que quando a abertura tenha de ser adiada e haja propostas nos autos, manda a prudência que a diligência seja designada para uma data que se situe dentro daquele intervalo temporal de 90 dias por forma a poderem manter-se válidas tais propostas, até pelo evidente ganho de eficácia que essa decisão propiciará.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

C (…), SA, exequente e proponente nos Autos à margem referenciados, notificada da Sentença de 14/02/2017, com ref.: 79361077, e por com a mesma não se poder conformar, veio interpor recurso de Apelação, a subir em separado e com efeito devolutivo, nos termos do disposto no artigo 853º nºs 2 alínea c) e nº 4 e artigo 638º nº 1, ex vi do 853º nº 1 e 2, todos do CPC, alegando e concluindo que:

1ª- A cominação prevista no artº 822º nº 1 do CPC só se se aplica aos intervenientes na diligência de abertura de propostas, porquanto, não sendo obrigatória a presença, porque não decorre da lei (vide artigo 820º nº 1 do CPC), sendo a presença do proponente um direito e não uma obrigação, entende-se que para arguição de nulidade pelos interessados no acto que não tenham estado presentes é o prazo geral do artigo 149º do CPC, desde o seu conhecimento.

2ª- A recorrente não esteve presente na abertura de propostas realizada dia 29/11/2016 e só teve conhecimento do seu teor por notificação datada de 30/11/2016, que se presume efectuada em 05/12/2016), pelo que, quando deduziu a arguição da nulidade fê-lo em tempo, não colhendo a extemporaneidade apontada no despacho sob recurso, com o que foram violados os artigos 822º nº 1, 195º e 199º nº 1 do CPC.

3ª- A cominação, vertida no artigo 820º nº 4 do CPC, de que as propostas só podem ser retiradas decorridos 90 dias depois do primeiro (dia) designado, somente se aplica nos casos em que a abertura de propostas tenha ficado adiada e não dada sem efeito.

4ª- Sendo dada sem efeito a primeira venda designada, como o foi in casu por Despacho de 29/06/2016, as propostas que tenham sido apresentadas devem ser devolvidas aos proponentes ou, no mínimo, não podem ser consideradas noutra venda que venha a ser designada, porquanto não houve adiamento da abertura de propostas designada para 29/06/2016.

5ª- A cominação a que se refere o nº 4 do artigo 820º do CPC só pode ser entendida no sentido da diligência de abertura de propostas ter sido adiada e não dada sem efeito, com o que, significa que tal diligência teria que se iniciar mas de imediato, a requerimento de algum interessado, ser adiada, designando-se, desde logo, dia, dentro dos 90 dias da primeira data, para a sua abertura.

6ª- Mostra-se evidente que não houve adiamento da abertura das propostas que tenham sido entregues para a venda designada para 29/06/2016, porquanto aquela diligência não se realizou, por ter sido dada sem efeito, pelo que, nem se iniciou de molde a ser adiada.

7ª- Ainda que assim não se entendesse, o que apenas se equaciona como mera hipótese académica, sempre tinham passado mais de 90 dias entre a primeira data designada para a abertura de propostas ( 29/06/2016) e a segunda data designada ( 29/11/2016), pelo que, a proposta apresenta em 28/06/2016 não poderia ser considerada na venda de 29/11/2016.

8ª- A recorrente por ter considerado, como não poderia deixar de ser, que a venda designada para 29/11/2016 se tratava de uma diligência “ex novo”, isto é, distinta e autónoma da de 29/06/2016, apresentou nova proposta em 14/11/2016, estribada no entendimento que não tendo havido adiamento da venda de 29/06/2016 não precisaria retirar a proposta apresentada para aquela venda, nem na proposta apresentada em 14/11/2016 precisaria clarificar que seria sua intenção anular/retirar a primeira proposta apresentada.

9ª- Sendo possível que a mesma pessoa apresente propostas diferentes, elas devem ater-se ao mesmo dia do acto processual ( venda) ou, em caso de adiamento, para a nova venda designada dentro dos 90 dias da primeira designada, o que não se verifica in casu porque as propostas apresentadas foram-nos para dois actos autónomos e distintos e não em sequência de adiamento da primeira venda.

10ª- Considerando que a proposta apresentada em 14/11/2016 é de valor inferior à apresentada em 28/06/2016, o Tribunal a quo deveria ter subsumido que a proponente, ora recorrente, queria dar sem efeito a primeira proposta, que era de maior valor, sem necessidade de o dizer expressamente, pois que se fosse aceitável o entendimento do Tribunal a quo para justificar que não podia subsumir que a segunda proposta pretendia anular/retirar a primeira, qual seria o interesse da proponente em apresentar uma proposta mais baixa se já sabia de antemão que iria ser recusada porque a anterior era de maior valor?

11ª- Ao decidir-se determinar a abertura das propostas entradas em 28/06/2016 (e que ainda estavam, erradamente, nos autos) na venda realizada em 29/11/2016 e por consequência decidir aceitá-las, porque de valor superior às apresentadas em 14/11/2016, fez o Tribunal a quo uma incorrecta apreciação do disposto no artº 820º nº 4 do CPC, pois que, tais propostas de 28/06/2016 já não deveriam constar dos autos, porque deveriam ter sido devolvidas à sua apresentante, ora recorrente.

12ª- Considerando os valores constantes da proposta apresentada em 14/11/2016 e os valores constantes da proposta apresentada em 28/06/2016, é notório que o prejuízo da ora recorrente é enorme, porquanto ser-lhe-iam vendidos bens por um valor que não esteve subjacente na sua decisão quando concorreu à venda de 29/11/2016.

13ª- Nos termos do artigo 195º (por se verificar uma nulidade com influência na decisão da causa), por remissão do artigo 839º, nº 1, alínea c), ambos do CPC, deveria ter sido dado provimento à arguida nulidade e ter sido dada sem efeito a decisão de venda à ora recorrente por apenas poderem ser apreciadas as propostas apresentadas em 14/11/2016 pela arguente e em 29/11/2016 por R (...) , decidindo-se, entre estas, pelas de maior valor.

14ª- Entre outros, foi violado o disposto no artigo 820º nº 4 do CPC.

TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO,

Deve ser julgada procedente o presente recurso e em consequência ser dado provimento à arguida nulidade processual, determinando-se a anulação da decisão de venda dos bens à ora arguente, devendo apenas ser apreciadas as propostas apresentadas em 14/11/2016 pela arguente e em 29/11/2016 por R (...) , decidindo-se, entre estas, pelas de maior valor.

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Não foram produzidas contra alegações, nos Autos:

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II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa as que constam do elemento narrativo dos Autos; destacando, em particular, que:

- No despacho em causa se consagrou:

«(…) Ora, na presente ação executiva, não se poderá deixar de considerar uma demora normal aquela que se verificou entre a data inicialmente designada para abertura de propostas (29.06.2016) e aquela que, a pedido da própria exequente e em razão de se terem gorado as negociações entabuladas a seu pedido com vista à obtenção de um acordo (fls. 174/175 – requerimento de 28.06.2016), veio a ser designada (29.11.2016).

 A tudo isto acresce o facto da exequente nada ter referido na proposta inicialmente apresentada quanto à concreta duração da sua vinculação (cf. fls. 182), nem ter requerido a retirada da proposta inicialmente apresentada quando teve conhecimento que foi dada sem efeito a diligência agendada para o dia 29.06.2016, além de que nada disse na segunda proposta que apresentou (fls. 180 e 189), designadamente que dava sem efeito a proposta apresentada inicialmente, não obstante não desconhecer (nem poder desconhecer) que a mesma se encontrava junta aos autos.

 De forma que, por tudo quanto antecede, e não podendo o Tribunal presumir que fosse essa a sua vontade, improcede a arguida nulidade».

*

Nos termos do art. 635º, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608°, do mesmo Código.

As questões suscitadas, na sua própria matriz constitutiva e redactorial, consistem em se apreciar:

I.

1ª- A cominação prevista no artº 822º nº 1 do CPC só se se aplica aos intervenientes na diligência de abertura de propostas, porquanto, não sendo obrigatória a presença, porque não decorre da lei (vide artigo 820º nº 1 do CPC), sendo a presença do proponente um direito e não uma obrigação, entende-se que para arguição de nulidade pelos interessados no acto que não tenham estado presentes é o prazo geral do artigo 149º do CPC, desde o seu conhecimento.

2ª- A recorrente não esteve presente na abertura de propostas realizada dia 29/11/2016 e só teve conhecimento do seu teor por notificação datada de 30/11/2016, que se presume efectuada em 05/12/2016), pelo que, quando deduziu a arguição da nulidade fê-lo em tempo, não colhendo a extemporaneidade apontada no despacho sob recurso, com o que foram violados os artigos 822º nº 1, 195º e 199º nº 1 do CPC.

-

13ª- Nos termos do artigo 195º (por se verificar uma nulidade com influência na decisão da causa), por remissão do artigo 839º, nº 1, alínea c), ambos do CPC, deveria ter sido dado provimento à arguida nulidade e ter sido dada sem efeito a decisão de venda à ora recorrente por apenas poderem ser apreciadas as propostas apresentadas em 14/11/2016 pela arguente e em 29/11/2016 por R (...) , decidindo-se, entre estas, pelas de maior valor.

-

Apreciando, diga-se - em termos prodrómicos -, tal como se referia no Ac. STJ de 14.4.99, Relator: Miranda Gusmão, CJ/STJ, 1999, II, p. 50 -, que: «tem sido discutida a natureza jurídica da venda executiva, que se diz não ser feita pelo executado, que apenas a sofre, nem pelo exequente, que tão só a promove, mas sim pelo Juiz personificando o Estado, no desempenho da sua função jurisdicional executiva (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, vol. III, págs. 172) ou, então, constitui um acto misto de direito privado em relação ao adquirente e de direito público em relação ao vendedor (Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, págs. 225).

Presentes as críticas feitas por Vaz Serra, poderá apontar-se que: "a venda é feita pelo Estado, não como se fosse proprietário, apenas limitando-se a, na ausência da vontade do executado inadimplente, vender os bens, como órgão do poder público, entregando a seguir aos credores o preço obtido.

Sendo assim, a transferência dos bens para o adquirente deles assume a natureza de uma venda, em que o Tribunal, como órgão da execução, vende, no lugar do executado, os bens penhorados. Porque o executado é faltoso, o seu consentimento para a venda é substituído pelo Estado, que vende os bens como poderia tê-los vendido o executado, para pagar aos seus credores" - Realização Coactiva da Prestação (Execução) - B.M.J. 73, pág. 304 e 307.

Seja como for, a venda forçada é uma verdadeira venda, em que a intervenção do Estado é em nome próprio, sobrepondo-se ao executado é, do lado do comprador, a sua vontade é determinante e releva como a de qualquer outro comprador no campo do direito privado. Dito de outro modo, sendo a venda executiva uma verdadeira venda em que os intervenientes (outorgantes) são o Estado (pelo lado do vendedor) e o comprador - a mesma só se verifica quando há a convergência (o encontro) das declarações negociais (digamos, assim) do Estado e do comprador. Estas declarações negociais encontram-se no preciso momento em que o Estado, personificado pelo Juiz, aceita a proposta do comprador (manifestado no auto de arrematação), aceitação, esta, consubstanciada (manifestada) no acto de adjudicação. Só então é que o negócio celebrado entre o Estado e o arrematante se concretiza, tal como na venda privada, de sorte que é nesse preciso momento que se verifica a alienação do direito de propriedade sobre ele - artºs 824º e 879º aI. a), ambos do Código Civil».

-

Tal consignado, refira-se, perante o esquisso dos Autos, desde logo, que o art. 822ºº NCPC (que corresponde ao art. 895º do CPC de 1961), «manteve o regime anterior, decorrendo, desde logo, do seu n.º 1, que as irregularidades relativas à abertura, licitação, sorteio, apreciação e aceitação das propostas, só podem ser arguidas no acto. Não o sendo, fica precludido o direito de arguir tais irregularidades.

Daí que se justifique a remissão intertextual operada em decisório, segundo a qual se trata

«(…) de uma imposição do legislador em ordem a uma maior celeridade e eficácia da venda por propostas em carta fechada. Assim, evita-se que a mesma venha a ficar inquinada por argumentos e razões trazidos ao processo pelas partes num momento posterior à sua realização e fazendo perigar, dessa forma, as expectativas das partes que tenham comparecido ao acto e que formaram sólida convicção de que a venda tinha ficado efectivada» (VIRGÍNIO DA COSTA RIBEIRO E SÉRGIO REBELO, A Acção Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2015, p. 528).

Sem poder deixar de se fazer ressumar (como aí se torna enfático Ob. Cit., p. 529), que

«quando a irregularidade seja arguida no ato, conduz à verificação da nulidade subsequente se a mesma inquinar a marcha do processo, designadamente quando leve à aceitação indevida da proposta que, caso a irregularidade não tivesse sido praticada (p. ex., a aceitação de proposta de valor inferior ao valor mínimo previsto no n.º 2 do artigo 816.º, sem que ocorra a situação excepcional prevista no n.º 3 do artigo 821.º), não o seria.

A apreciação e decisão sobre a arguição da irregularidade deverá ser logo conhecida no ato pelo juiz do processo, a menos que, excepcionalmente, o mesmo entenda ser necessária a junção de documentos que entenda relevantes e determine proferir despacho sobre a irregularidade posteriormente, levando à suspensão do ato de abertura de propostas, p. ex.

Este poder do juiz tem ainda de ser entendido no sentido de se enquadrar no horizonte normativo do seu poder-dever de gestão processual, de harmonia com o disposto no artigo 6.º.

O que se busca é uma decisão célere sobre a arguição da irregularidade ainda que a lei não afaste a possibilidade de ser proferida posteriormente, embora sempre em prazo breve, quando o juiz, ao abrigo do seu poder-dever supra referido, entenda que são necessários documentos para poder decidir de forma consciente e esclarecida».

Fazendo, por outro lado, notar que «só com a adjudicação termina o processo da venda, não sendo o depósito uma mera conditio juris, que se limite (extrinsecamente) a condicionar a eficácia da venda (neste outro sentido: REMÉDIO MARQUES, Curso cit, p. 404), mas um elemento constitutivo da venda executiva por propostas em carta fechada; dar a venda sem efeito mais não é do que verificar que ela não se chegou a aperfeiçoar, extinguindo os efeitos do contrato preliminar (constituído por proposta e aceitação): que a precede (LEBRE DE FREITAS / RIBEIRO MENDES. idem, n.º 3 das anotações aos arts. 894 e 898). Em sentido diverso, mas próximo, o Ac. do STJ de 14-4-99, CJ/STJ, 1999, II. p. 50 (MIRANDA GUSMÃO), julgou que a venda só se aperfeiçoa com a aceitação da proposta pelo Estado, a qual só tem lugar com a adjudicação (ao tempo: com o despacho de adjudicação) (Cf. José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Depois da Reforma, 4ª Edição, 2004, p. 331).

Tanto assim, que, em função do disposto no art. 820º, nº1 do NCPC «ao ato de abertura de propostas deverá assistir o agente de execução, a quem compete a elaboração do respectivo auto (artigo 826.°), podendo ainda estar presente o executado, o exequente, os credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, os proponentes e os titulares de direito de preferência (n.º 1 do artigo), salientando-se que as irregularidades relativas à abertura, licitação, sorteio, apreciação e aceitação das propostas, só podem ser arguidas no próprio ato (artigo 822.º)».

Trata-se, pois, de consagração específica legal a determiná-lo. Consequentemente, de acordo com o art. 201.°, n.º 1 do CPC (195º NCPC), a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva (só) produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Concluindo-se, por força desta disposição legal, que um acto tem de ser anulado, ter-se-á, de acordo com o que determina o n.º 2 do citado preceito, que anular os termos subsequentes que desse acto dependam absolutamente (Cf. Ac. RC de 15-03-2011, Relator: Falcão de Magalhães). O que, circunstancialmente, não acontece, por isso não se não legitimando a presente pretensão recursiva.

Quanto a se invocar que

2ª- A recorrente não esteve presente na abertura de propostas realizada dia 29/11/2016 e só teve conhecimento do seu teor por notificação datada de 30/11/2016, que se presume efectuada em 05/12/2016), pelo que, quando deduziu a arguição da nulidade fê-lo em tempo, não colhendo a extemporaneidade apontada no despacho sob recurso, com o que foram violados os artigos 822º nº 1, 195º e 199º nº 1 do CPC,

em função da ratio e da teleologia dos preceitos em causa (820º e 822º NCPC), bem como do seu inequívoco elemento redactorial, a não presença da recorrente, sibi imputat! Por isso, sem poder legitimar a presunção ora pretendida, bem como qualquer putativa violação dos aludidos artigos, que vêm referidos e que, aí, com tal objectivo, foram convocados.

Revela-se, pois, perante tal tessitura institucional, de absoluta adequação, do mesmo modo, se haver feito consignar, em decisório, que:

«tendo a exequente prescindido do direito de estar presente na abertura de propostas do passado dia 29.11.2016, prescindiu também do direito de exercer as possibilidades que a lei lhe conferia e, nessa medida, de arguir em momento posterior alguma irregularidade/nulidade relacionada com o acto.

 Daí se entender que a nulidade ora invocada, por manifestamente extemporânea, deve, sem mais, improceder».

Com alcance pretérito similar, já acentuavam José Lebre de Feitas/Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, 2003, pp. 582-583, dizer, segundo o qual:

«(…) o § 2.° do art. 893 do CPC de 1939 que as irregularidades relativas à abertura das propostas ou à licitação só podiam ser arguidas no próprio acto, salvo no caso em que, oferecido por mais de um proponente o preço mais elevado, não se tivesse aberto licitação entre eles (nem feito a adjudicação a todos em comum: ver art. 893) e, em vez disso, tivesse sido atribuído o bem, arbitrariamente, a um deles, situação em que o art. 909-g do CPC de 1939 expressamente consagrava a sanção da nulidade (ALBERTO DOS REIS, Processo de execução cit., II, ps. 347-348 e 468).

 No CPC de 1961, este regime excepcional deixou de existir, passando todas as irregularidades (incluindo as relativas ao sorteio, apreciação e aceitação das propostas) a ser arguíveis exclusivamente no acto da abertura e aceitação das propostas.

(…)

A irregularidade constitui nulidade da venda que, não obstante a sua verificação, se realize quando determine uma transmissão que, sem ela, não se verificaria ou poderia não se verificar, nos termos gerais do art. 201-1 (art. 909-1-c); mas tem de ser arguida no próprio acto de aceitação e abertura das propostas, por qualquer interessado na observância da formalidade».

O que determina que se configure como negativa a resposta às questões em I.

II.

3ª- A cominação, vertida no artigo 820º nº 4 do CPC, de que as propostas só podem ser retiradas decorridos 90 dias depois do primeiro (dia) designado, somente se aplica nos casos em que a abertura de propostas tenha ficado adiada e não dada sem efeito.

4ª- Sendo dada sem efeito a primeira venda designada, como o foi in casu por Despacho de 29/06/2016, as propostas que tenham sido apresentadas devem ser devolvidas aos proponentes ou, no mínimo, não podem ser consideradas noutra venda que venha a ser designada, porquanto não houve adiamento da abertura de propostas designada para 29/06/2016.

5ª- A cominação a que se refere o nº 4 do artigo 820º do CPC só pode ser entendida no sentido da diligência de abertura de propostas ter sido adiada e não dada sem efeito, com o que, significa que tal diligência teria que se iniciar mas de imediato, a requerimento de algum interessado, ser adiada, designando-se, desde logo, dia, dentro dos 90 dias da primeira data, para a sua abertura.

6ª- Mostra-se evidente que não houve adiamento da abertura das propostas que tenham sido entregues para a venda designada para 29/06/2016, porquanto aquela diligência não se realizou, por ter sido dada sem efeito, pelo que, nem se iniciou de molde a ser adiada.

7ª- Ainda que assim não se entendesse, o que apenas se equaciona como mera hipótese académica, sempre tinham passado mais de 90 dias entre a primeira data designada para a abertura de propostas ( 29/06/2016) e a segunda data designada ( 29/11/2016), pelo que, a proposta apresenta em 28/06/2016 não poderia ser considerada na venda de 29/11/2016.

8ª- A recorrente por ter considerado, como não poderia deixar de ser, que a venda designada para 29/11/2016 se tratava de uma diligência “ex novo”, isto é, distinta e autónoma da de 29/06/2016, apresentou nova proposta em 14/11/2016, estribada no entendimento que não tendo havido adiamento da venda de 29/06/2016 não precisaria retirar a proposta apresentada para aquela venda, nem na proposta apresentada em 14/11/2016 precisaria clarificar que seria sua intenção anular/retirar a primeira proposta apresentada.

9ª- Sendo possível que a mesma pessoa apresente propostas diferentes, elas devem ater-se ao mesmo dia do acto processual ( venda) ou, em caso de adiamento, para a nova venda designada dentro dos 90 dias da primeira designada, o que não se verifica in casu porque as propostas apresentadas foram-nos para dois actos autónomos e distintos e não em sequência de adiamento da primeira venda.

10ª- Considerando que a proposta apresentada em 14/11/2016 é de valor inferior à apresentada em 28/06/2016, o Tribunal a quo deveria ter subsumido que a proponente, ora recorrente, queria dar sem efeito a primeira proposta, que era de maior valor, sem necessidade de o dizer expressamente, pois que se fosse aceitável o entendimento do Tribunal a quo para justificar que não podia subsumir que a segunda proposta pretendia anular/retirar a primeira, qual seria o interesse da proponente em apresentar uma proposta mais baixa se já sabia de antemão que iria ser recusada porque a anterior era de maior valor?

11ª- Ao decidir-se determinar a abertura das propostas entradas em 28/06/2016 (e que ainda estavam, erradamente, nos autos) na venda realizada em 29/11/2016 e por consequência decidir aceitá-las, porque de valor superior às apresentadas em 14/11/2016, fez o Tribunal a quo uma incorrecta apreciação do disposto no artº 820º nº 4 do CPC, pois que, tais propostas de 28/06/2016 já não deveriam constar dos autos, porque deveriam ter sido devolvidas à sua apresentante, ora recorrente.

12ª- Considerando os valores constantes da proposta apresentada em 14/11/2016 e os valores constantes da proposta apresentada em 28/06/2016, é notório que o prejuízo da ora recorrente é enorme, porquanto ser-lhe-iam vendidos bens por um valor que não esteve subjacente na sua decisão quando concorreu à venda de 29/11/2016.

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14ª- Entre outros, foi violado o disposto no artigo 820º nº 4 do CPC.

Neste segmento, não pode deixar de se conceder que, de acordo com o nº 4 do art. 820º NCPC “as propostas uma vez apresentadas, só podem ser retiradas se a sua abertura for adiada por mais de 90 dias depois do primeiro designado”.

Assim, «(…) se a abertura de propostas, por alguma razão, não vier a ser realizada na data aprazada e for adiada por um período não superior a esse hiato temporal, a proposta mantém validade e não pode ser retirada. Nesse caso, a proposta mantém-se válida, ficando nos autos.

Daqui resulta que quando a abertura tenha de ser adiada e haja propostas nos autos, manda a prudência que a diligência seja designada para uma data que se situe dentro daquele intervalo temporal de 90 dias por forma a poderem manter-se válidas tais propostas, até pelo evidente ganho de eficácia que essa decisão propiciará. Será este o caso, p. ex., do agente de execução informar o processo que não procedeu à publicitação da venda pelos meios legalmente previstos por anomalia informática, pedindo o seu adiamento» (VIRGÍNIO DA COSTA RIBEIRO E SÉRGIO REBELO, A Acção Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2015, p. 525).

Não já a situação que emerge dos Autos, pois que, num processo deste jaez, se configura como de perfeita razoabilidade considerar como

«demora normal aquela que se verificou entre a data inicialmente designada para abertura de propostas (29.06.2016) e aquela que, a pedido da própria exequente e em razão de se terem gorado as negociações entabuladas a seu pedido com vista à obtenção de um acordo (fls. 174/175 – requerimento de 28.06.2016), veio a ser designada (29.11.2016).

 A tudo isto acresce(ndo) o facto da exequente nada ter referido na proposta inicialmente apresentada quanto à concreta duração da sua vinculação (cf. fls. 182), nem ter requerido a retirada da proposta inicialmente apresentada quando teve conhecimento que foi dada sem efeito a diligência agendada para o dia 29.06.2016, além de que nada disse na segunda proposta que apresentou (fls. 180 e 189), designadamente que dava sem efeito a proposta apresentada inicialmente, não obstante não desconhecer (nem poder desconhecer) que a mesma se encontrava junta aos autos».

Não sendo, configurável, menos, ainda, exigível, que o Tribunal houvesse de presumir que fosse essa a sua vontade.

Tendo-se por inultrapassável a dualidade decorrente, a que em decisório, se atribuiu ênfase específica:

«(…) ou o proponente refere expressamente que, com essa nova proposta, pretende retirar a inicialmente apresentada ou, caso contrário, as duas propostas serão abertas e o tribunal atenderá ao critério que a lei impõe, seleccionando a proposta de maior valor, independentemente de ter sido a primeira ou a segunda a ser apresentada – Cf. artigo 821.º, n.º1 do Código de Processo Civil» (“considera-se aceite a proposta de maior preço”).

Tanto mais que qualquer proposta (contratual) consubstancia uma fase necessária do processo de formação dos contratos. É a declaração, feita por uma das partes que, uma vez aceite pela outra, dá lugar à formação do “contrato” (Cf. Menezes Cordeiro, Dir. Obrigações, 1980, 1.°-440; Vaz Serra, BMJ 76º - 8).

O que se tem como inarredável, pois «o que se pretende com a interpretação jurídica não é compreender, conhecer a norma em si, mas sim obter dela ou através dela o critério exigido pela problemática e adequada decisão justificativa do caso. O que significa que é o caso e não a norma o prius problemático - intencional e metódico» (do Assento STJ, 27-9-1995: DR, IA, de 14-12-95, pág. 7878).

Configurando-se, pois, como inevitável, no confronto singular da diegese factual do presente caso, assim referenciada, a improcedência da nulidade invocada.

Assim determinando, igualmente, ser negativa a resposta às questões em II.

*

Podendo, assim, concluir-se, sumariando (art. 663º. Nº7 NCPC), que:

1.

A venda forçada é uma verdadeira venda, em que a intervenção do Estado é em nome próprio, sobrepondo-se ao executado é, do lado do comprador, a sua vontade é determinante e releva como a de qualquer outro comprador no campo do direito privado. Dito de outro modo, sendo a venda executiva uma verdadeira venda em que os intervenientes (outorgantes) são o Estado (pelo lado do vendedor) e o comprador - a mesma só se verifica quando há a convergência (o encontro) das declarações negociais (digamos, assim) do Estado e do comprador.

2.

Estas declarações negociais encontram-se no preciso momento em que o Estado, personificado pelo Juiz, aceita a proposta do comprador (manifestado no auto de arrematação), aceitação, esta, consubstanciada (manifestada) no acto de adjudicação. Só então é que o negócio celebrado entre o Estado e o arrematante se concretiza, tal como na venda privada, de sorte que é nesse preciso momento que se verifica a alienação do direito de propriedade sobre ele - artºs 824º e 879º aI. a), ambos do Código Civil.

-

3.

Dar a venda sem efeito mais não é do que verificar que ela não se chegou a aperfeiçoar, extinguindo os efeitos do contrato preliminar (constituído por proposta e aceitação): que a precede.  Sendo que a venda só se aperfeiçoa com a aceitação da proposta pelo Estado, a qual só tem lugar com a adjudicação.

4.

Em função do disposto no art. 820º, nº1 do NCPC ao ato de abertura de propostas deverá assistir o agente de execução, a quem compete a elaboração do respectivo auto (artigo 826.°), podendo ainda estar presente o executado, o exequente, os credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, os proponentes e os titulares de direito de preferência (n.º 1 do artigo), salientando-se que as irregularidades relativas à abertura, licitação, sorteio, apreciação e aceitação das propostas, só podem ser arguidas no próprio ato (artigo 822.º).

5.

Trata-se, pois, de consagração específica legal a determiná-lo. Consequentemente, de acordo com o art. 201.°, n.º 1 do CPC (195º NCPC), a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva (só) produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Concluindo-se, por força desta disposição legal, que um acto tem de ser anulado, ter-se-á, de acordo com o que determina o n.º 2 do citado preceito, que anular os termos subsequentes que desse acto dependam absolutamente. O que, circunstancialmente, não acontece, por isso não se não legitimando a presente pretensão recursiva.

6.

Em função da ratio e da teleologia dos preceitos em causa (820º e 822º NCPC), bem como do seu inequívoco elemento redactorial, a não presença da recorrente, sibi imputat! Por isso, sem poder legitimar a presunção ora pretendida, bem como qualquer putativa violação dos aludidos artigos, que vêm referidos e que, aí, com tal objectivo, foram convocados.

7.

Se a abertura de propostas, por alguma razão, não vier a ser realizada na data aprazada e for adiada por um período não superior a esse hiato temporal, a proposta mantém validade e não pode ser retirada. Nesse caso, a proposta mantém-se válida, ficando nos autos. Daqui resulta que quando a abertura tenha de ser adiada e haja propostas nos autos, manda a prudência que a diligência seja designada para uma data que se situe dentro daquele intervalo temporal de 90 dias por forma a poderem manter-se válidas tais propostas, até pelo evidente ganho de eficácia que essa decisão propiciará.

8.

Não já a situação que emerge dos Autos, pois que, num processo deste jaez, se configura como de perfeita razoabilidade considerar como:

«demora normal aquela que se verificou entre a data inicialmente designada para abertura de propostas (29.06.2016) e aquela que, a pedido da própria exequente e em razão de se terem gorado as negociações entabuladas a seu pedido com vista à obtenção de um acordo (fls. 174/175 – requerimento de 28.06.2016), veio a ser designada (29.11.2016).

 A tudo isto acresce(ndo) o facto da exequente nada ter referido na proposta inicialmente apresentada quanto à concreta duração da sua vinculação (cf. fls. 182), nem ter requerido a retirada da proposta inicialmente apresentada quando teve conhecimento que foi dada sem efeito a diligência agendada para o dia 29.06.2016, além de que nada disse na segunda proposta que apresentou (fls. 180 e 189), designadamente que dava sem efeito a proposta apresentada inicialmente, não obstante não desconhecer (nem poder desconhecer) que a mesma se encontrava junta aos autos».

9.

Não sendo, configurável, menos, ainda, exigível, que o Tribunal houvesse de presumir que fosse essa a sua vontade. Tendo-se por inultrapassável a dualidade decorrente, a que se atribuiu ênfase específica:

«(…) ou o proponente refere expressamente que, com essa nova proposta, pretende retirar a inicialmente apresentada ou, caso contrário, as duas propostas serão abertas e o tribunal atenderá ao critério que a lei impõe, seleccionando a proposta de maior valor, independentemente de ter sido a primeira ou a segunda a ser apresentada – Cf. artigo 821.º, n.º1 do Código de Processo Civil» (“considera-se aceite a proposta de maior preço”).

10.

O que se tem como inarredável, pois o que se pretende com a interpretação jurídica não é compreender, conhecer a norma em si, mas sim obter dela ou através dela o critério exigido pela problemática e adequada decisão justificativa do caso. O que significa que é o caso e não a norma o prius problemático - intencional e metódico.

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III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, mantendo-se, por isso, o despacho proferido e o alcance da decisão que lhe é implícito.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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Coimbra, 11  , de Dezembro  , de 2018.

António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Moreira do Carmo