Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
678/18.9T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO
REDUÇÃO OU EXCLUSÃO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Data do Acordão: 09/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUIZO DO TRABALHO DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 607º, Nº 4 DO NCPC; 570º DO C. CIVIL.
Sumário: I) A fundamentação da matéria de facto não tem que ser feita individualizadamente por cada um dos factos decididos, podendo ser feita, designadamente, por conjuntos de factos, contanto que a partir da fundamentação explicitada se compreenda, sem margem para dúvidas, quais as provas que estiveram na origem da decisão.

II) A redução ou exclusão da indemnização prevista no art. 570º do CC exige a demonstração de culpa do lesado relativamente às condutas que são concausa dos danos.

Decisão Texto Integral:






Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

O autor propôs contra a ré a presente acção com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, tendo deduzido o pedido seguidamente transcrito: “Nestes termos e na melhor forma em Direito admitidos, requer que a presente Acção seja julgada procedente, na sequência a condenação da Reclamada pelos sofrimentos, transtornos e sacrifícios infligidos ao Reclamante, nomeadamente o quantum doloris, o dano estético e a afirmação pessoal, o que se deduz uma indemnização razoável no montante de €30.000,00, por danos não materiais emergentes do contrato de trabalho.”.

Alegou, em resumo, que sendo trabalhador subordinado da ré sofreu, na execução desse contrato e por força de uma conduta ilícita e culposa da ré, danos para indemnização dos quais deve a ré ser condenada a pagar a peticionada indemnização.

A ré contestou, pugnando pela improcedência da acção.

Em resumo, negou ter causado o autor os danos pelo mesmo invocados, pois que a patologia invocada pelo autor e as lesões dela decorrentes não estão ligadas com o seu trabalho, não tendo qualquer relação causal com o mesmo.

A acção prosseguiu os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte: “Pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:

a) Condeno a R. a pagar ao A., a título de danos não patrimoniais emergentes do contrato de trabalho celebrado por A. e R. , a quantia total de € 10.000 (dez mil euros);

b) Absolvo a R. do demais peticionado pelo A.”.

Inconformada com o assim decidido, apelou a ré, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:

...

Contra-alegou o autor, pugnando pela improcedência da apelação.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II) - Questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:

1ª) se a decisão sobre a matéria de facto padece, em relação ao descrito no ponto 8º) dos factos descritos como provados, de algum vício que implique a necessidade da sua reformulação;

2ª) se padece de lapso de escrita a data de 12/6/2018 constante do ponto 6º) dos factos descritos como provados e se foi incorrectamente julgada, devendo ser alterada no sentido de ser dada como não provada, a matéria de facto enunciada no ponto 8º) dos factos descritos como provados;

3ª) se não ocorre nexo de causalidade adequada entre algum comportamento da ré e o dano para a indemnização do qual o tribunal recorrido arbitrou ao autor uma determinada indemnização;

4ª) se não pode considerar-se culposa a conduta da ré que originou o dano para indemnização do qual o tribunal recorrido atribuiu a autor uma indemnização;

5ª) se a indemnização a atribuir ao autor deveria ser reduzida ou mesma excluída com fundamento no art. 570º do CC;

6ª) se é excessiva a indemnização de 10.000 euros arbitrada ao autor pela sentença recorrida.

III – Fundamentação

A) De facto

Factos provados

O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:

...

B) De Direito

Primeira questão: se a decisão sobre a matéria de facto padece, em relação ao descrito no ponto 8º) dos factos descritos como provados, de algum vício que implique a necessidade da sua reformulação.

Nos termos do art. 607º/4 do NCPC, “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”.

Na pretensão de se dar cumprimento ao enunciado nesta norma, discorreu assim o tribunal recorrido: “Para a fixação dos factos dados como provados (e que constam supra), atendeu-se, desde logo, aos factos alegados pelo A. que foram aceites pela R., que foram, deste modo, dados como assentes na sua parte aproveitável, tendo o Tribunal, na parte restante e para alicerçar a sua convicção, atribuído relevância ao conjunto da prova produzida, analisada e concatenada criticamente de acordo com as regras da experiência comum.

Assim, foram considerados, desde logo, os depoimentos das testemunhas ...

No mais, foi considerado todo o acervo documental junto pelas partes aos autos, sopesado e ponderado de forma crítica e conjugada com a restante prova produzida, em especial o contrato de trabalho celebrado por A. e uma outra sociedade e documento relativo à sua posterior “transferência” para a R., as várias “declarações” e “relatórios” médicos e documentos relativos à assistência clínica prestada ao A. e ao seu estado de saúde (incluindo fotografias), bem como, por último, a correspondência (eletrónica ou postal) trocada por A. e R., os documentos relativos a uma inspeção da Autoridade para as Condições do Trabalho (que tendem a confirmar o alegado pelo A.) e o horário de trabalho cumprido mais recentemente pelo A. ao serviço da R..

Quanto às respostas negativas/restritivas/modificativas dadas a parte da matéria de facto alegada, tal sucedeu, para além de tudo o que já referimos supra, devido à inexistência de prova suficiente e credível em relação a estes (considerando também a regra constante do Art. 414º do Novo Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no Art. 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, nos casos de dúvida), não tendo sido referidos de forma crível e convincente pelas pessoas inquiridas ou comprovados suficientemente pelos documentos juntos a este processo.”.

A respeito do dever de motivação da decisão sobre a matéria de facto, já à luz do anterior CPC ensinavam Antunes Varela, Miguel Beleza e Sampaio Nora que “A motivação das respostas positivas aos quesitos exige, como suporte mínimo, a concretização do meio probatório gerador da convicção do julgador (o depoimento do autor ou do réu, o laudo de um dos peritos, o depoimento de certa testemunha, o trecho de determinada carta, etc.), como se depreende do disposto no n.º 3 do artigo 712, que admite o retorno do processo, da Relação ao tribunal da 1.ª instância, e a repetição eventual de certas diligências instrutórias, a fim de se identificarem os meios concretos de prova decisivos para a convicção dos julgadores.

Além do mínimo traduzido na menção especificada (relativamente a cada facto provado) dos meios concretos de prova geradores da convicção do julgador, deve este ainda, para plena consecução do fim almejado pela lei, referir, na medida do possível, as razões da credibilidade ou da força reconhecida a esses meios de prova.’’ - Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, p. 653.

No mesmo sentido, ensinava Miguel Teixeira de Sousa que “A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente por cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha) determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo, através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção. Se o facto for julgado não provado, a ordem preferível é a seguinte: primeiramente devem ser indicados os meios de prova que conduzem à demonstração do facto; depois devem ser expostos os meios que formaram a convicção do tribunal sobre a não veracidade do facto ou que impedem uma convicção sobre a não veracidade do facto ou que impedem uma convicção sobre a sua veracidade; finalmente, devem ser referidos os meios inconclusivos.’’ - Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., p. 348.

Não desconhecendo estes ensinamentos, bem assim como alguma adesão jurisprudencial aos mesmos (v.g. acórdão do STJ de 15/7/2007, proferido no processo 07A924; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8/3/2018, proferido no processo 4678/09.1TBALM.L1-8; os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 25/5/2016, proferido no processo 00724/04.3BEVIS, e de 30/11/2017, proferido no processo 00742/13.0BEBRG), o certo é que os não sufragamos.

Com efeito, o art. 607º/4 do NCPC não exige que a fundamentação fática tenha de ser indicada separadamente em relação a cada facto considerado provado e não provado, não tendo aqueles ensinamentos correspondência mínima na letra da lei.

Como ensina Francisco Ferreira de Almeida (Direito Processual Civil, vol. II, 2015, pp. 350/351, “A estatuição do citado nº4 do art- 607º (1º- segmento) é, contudo, meramente indicadora ou programática, não obrigando o tribunal a descrever de modo exaustivo o iter lógico-racional da apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e a razão da sua eficácia em termos de resultado probatório. Trata-se de externar, de modo compreensível, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo tribunal na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos ao seu escrutínio. Deve, assim, o tribunal enunciar os meios probatórios que hajam sido determinantes para a emissão do juízo decisório, bem como pronunciar-se: - relativamente aos factos provados, sobre a relevância deste ou daquele depoimento (de parte ou testemunhal), designadamente quanto ao seu grau de isenção, credibilidade, coerência e objectividade; - quanto aos factos não provados, indicar as razões pelas quais tais meios não permitiram formar uma convicção minimamente segura quanto à sua ocorrência ou convencer quanto a uma diferente perspectiva da sua realidade ou verosimilhança […].Não impõe, contudo, a lei que a fundamentação das conclusões fácticas decisórias seja indicada separadamente por cada um dos factos, isolada e autonomamente considerado (podendo sê-lo por conjuntos ou blocos de factos sobre os quais a testemunha se haja pronunciado). […].”.

No sentido de que a fundamentação da matéria de facto não tem que ser feita individualizadamente por cada um dos factos decididos, podendo ser feita, designadamente, por conjuntos de factos, contanto que a partir da fundamentação explicitada se compreenda, sem margem para dúvidas, quais as provas que estiveram na origem da decisão, podem consultar-se, por exemplo, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, Coimbra Editora, p. 629, Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, p. 410, acórdão do STJ de 25/3/2004, proferido no processo 02B4702, acórdão da Relação do Porto de 15/1/2008, proferido no processo 0726339, acórdão da Relação de Guimarães de 14/6/2017, proferido no processo 6095/15T8BRG.G1, acórdão da Relação do Porto de 20/4/2009, proferido no processo 232/08.3TBVNG.P1.

Ora, da transcrita fundamentação fáctica enunciada pelo tribunal recorrido ficam a perceber-se as provas em que o tribunal recorrido assentou a sua convicção no que concerne aos factos dados como provados no ponto 8º) que está em apreciação, entre os quais avulta o depoimento da médica de família do autor, pessoa com formação académica adequada para se pronunciar sobre os aspectos clínicos referenciados nesse ponto fáctico e com particulares conhecimentos pessoais e profissionais sobre esses mesmos aspectos advindos da sua condição de médica de família do autor.

A par disso, convocaram-se os depoimentos de ..., ex-trabalhador do Centro Comercial onde o autor trabalhou para a ré nas condições relatadas nos factos provados e ex-trabalhador da ré, bem assim como, de entre a documental junta aos autos pelas partes: i) as várias “declarações” e “relatórios” médicos e documentos relativos à assistência clínica prestada ao autor e ao seu estado de saúde, incluindo fotografias; ii) a correspondência (electrónica ou postal) trocada por autor e ré; iii) os documentos relativos a uma inspecção da Autoridade para as Condições do Trabalho.

Neste enquadramento, foi suficientemente cumprido o dever de fundamentação enunciado no art. 607º/4 do NCPC, mesmo em relação ao que está descrito no ponto 8º) dos factos descritos como provados, não se verificando, pois, qualquer vício do tipo do enunciado na questão que está em análise e à qual, por isso, deve ser dada resposta negativa.


*

Segunda questão: se padece de lapso de escrita a data de 12/6/2018 constante do ponto 6º) dos factos descritos como provados e se foi incorrectamente julgada, devendo ser alterada no sentido de ser dada como não provada, a matéria de facto enunciada no ponto 8º) dos factos descritos como provados.

Considerando o teor dos arts. 8º) a 10º) da petição inicial e o conteúdo da “Ficha de Aptidão” junta aos autos com esse mesmo articulado e referenciado no seu art. 9º),  a data de 12/6/2018 constante do ponto 6º) dos factos descritos como provados padece de manifesto de lapso de escrita, pois que onde está escrito 2018 deveria constar 2013.

Corrige-se, assim, tal lapso, de tal modo que onde se lê 12/6/2018, passe a ler-se 12/6/2013.

No tocante ao ponto 8º) dos factos descritos como provados, comece por dizer-se que não se descortina nos autos e a apelante não a identifica enquanto tal, nenhuma prova com força probatória vinculada e impeditiva de se dar como provada a matéria fáctica em apreço.

Por outro lado, tanto quanto se percebe da acta da audiência de julgamento e da ferramenta “Citius Media Studio” a que acedemos, a prova oral que foi produzida no decurso da audiência de julgamento não foi objecto de gravação.

Importa recordar, por isso, o decidido por este Tribunal da Relação no seu acórdão de 12/7/2017, proferido o processo 21/14.6TTGRD.C1, retomado, entre outros, pelo acórdão deste mesmo Tribunal de 11/10/2017, proferido na apelação 648/16.1T8CLD.C1: “Como também já referimos, a audiência não foi objecto de gravação, já que em nenhuma das partes o requereu nem a Srª Juíza assim o determinou.
Importa ter sempre presente que um dos princípios basilares, em termos de apreciação de prova, é o da liberdade de julgamento, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e decide apenas com base na sua prudente convicção acerca de cada facto, não se exigindo, portanto, a este Tribunal da Relação que, no âmbito de uma reapreciação da prova produzida na audiência de discussão e julgamento levada a cabo na 1ª instância, procure formar uma nova convicção em termos de matéria de facto, circunstância que, pela própria natureza das coisas, levaria a que se devesse proceder a uma sistemática e global apreciação de toda a prova produzida em audiência, mas apenas a detecção e correcção de eventuais mas concretos erros de julgamento.

Na verdade, o que este Tribunal da Relação é chamado a fazer é verificar se a convicção expressa pelo Tribunal de 1ª instância na prolação de decisão sobre matéria de facto, e em relação aos pontos concretos objecto de impugnação, tem suporte razoável nos elementos de prova apresentados nos autos e produzidos em audiência, e, consequentemente, se uma tal decisão não deriva de erro de julgamento.

O controlo da matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deixar de respeitar a livre apreciação da prova obtida, na 1ª Instância, com base nos princípios da imediação e da oralidade.
A prova testemunhal é apreciada livremente pelo juiz (artºs 396º do C.C. e 607º, nº 5, do CPC) e que, como é sabido, a convicção do julgador forma-se em função da credibilidade que os depoimentos lhe merecem. Quem está em melhores condições para apreciar os depoimentos prestados em audiência é, atento o imediatismo impossível de obter na análise da matéria de facto na Relação,  o julgador de 1ª instância, que, por ser quem presencialmente conduz a audiência de julgamento, se encontra numa posição privilegiada para avaliar o depoimento em concreto, captando pormenores, reacções, hesitações, expressões e gestos, impossíveis de transparecer pela simples audição das gravações dos depoimentos.

(…)

Infere-se, sem qualquer dificuldade, do exposto que, para que este Tribunal de recurso possa exercer tal análise crítica quando são invocados depoimentos, os mesmos têm que ser objecto de gravação.

O controlo da matéria de facto, em sede de recurso, tem, nestes casos, por base a audição da gravação dos depoimentos prestados em audiência.

Só assim se pode dar cumprimento ao disposto no nº 1 do artº 662º do C.P.C., que refere que a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nas situações aí contempladas.

Com o objectivo de assegurar o duplo grau de jurisdição no que concerne à decisão sobre a matéria de facto, torna-se necessário obter o integral registo da audiência, pois que só desse modo é possível que o processo contenha todos os elementos de prova que serviram de base àquela decisão.

Daí que o artº 155º do CPC estipule um conjunto de formalidades, indispensáveis à concretização daquele desiderato.

Uma regra a observar é a de que a gravação deve ser efectuada de modo a que facilmente se apure a autoria dos depoimentos gravados ou das intervenções e o momento em que os mesmos se iniciaram e cessaram - nº 1.

Outra regra é a de que a gravação deve ser integral, de modo que se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição, sempre que for essencial ao apuramento da verdade – nº 4.

O registo das provas produzidas ao longo da audiência de julgamento tem em vista ampliar as garantias das partes no processo, que, deste modo, podem, através do recurso, conseguir a correcção de erro de julgamento relativo à matéria de facto.

Só o registo magnético efectuado permite percepcionar ao  tribunal de recurso tudo o que foi dito pelas testemunhas ou por outros intervenientes processuais, designadamente juiz e advogados.

Na hipótese de não se ter sido procedido à gravação dos depoimentos, é completamente impossível, ao tribunal de recurso, sindicar, com o rigor e precisão que se impõem, a convicção do juiz no que toca à matéria de facto, precisamente porque não tem à sua disposição, com a necessária certeza e clareza, a totalidade dos elementos ou depoimentos relevantes para esse efeito.

E as declarações das testemunhas, incluindo as respostas dadas ao juiz e aos advogados, não podem ser descontextualizadas das perguntas por aqueles feitas, porque só assim se adquire plena percepção da prova testemunhal produzida.

Como tal, a não gravação não pode ser suprida, em termos de alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância, pelo apelo à fundamentação exarada pelo juiz no despacho de fixação da matéria de facto, incluindo a referência expressa ao que terá sido dito pelas testemunhas, e às eventuais incorrecções lógico-dedutivas do raciocínio do mesmo.

Sem entramos na análise desta temática, no caso concreto, porque a tal o impede todas as considerações expendidas, diremos que tal método acarretaria a completa subversão do regime legal de reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação, admitindo-se um claramente não previsto na lei sistema de depoimentos escritos, substituindo-se por este as indispensáveis oralidade e imediação dos depoimentos.

Além de que- e não quer dizer que tenha sido este o caso, na hipótese dos autos – poderá dar-se a situação de, tendo o juiz apreciado correctamente os depoimentos e toda a outra prova, designadamente documental, produzida, tenha, por qualquer motivo, usada de incorrecção na transmissão, para a respetiva fundamentação, da sua convicção. Mas isso, repete-se, só é sindicável com a audição dos depoimentos gravados.

Nestes termos, … sendo certo que os documentos invocados, desacompanhados dos depoimentos das testemunhas, só por si não são decisivos, como, aliás, decorre das alegações de recurso, improcede a impugnação da matéria de facto.”.
Este entendimento foi confirmado pelo STJ, no acórdão de 6/12/2017, proferido no processo 21/14.6TTGRD.C1.S1, que incidiu sobre um acórdão desta Relação em que se abordava tal problemática, e do qual consta que “Ora, fundando-se a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, no segmento não conhecido, em pretensos erros de apreciação da prova testemunhal e em contradições entre depoimentos de testemunhas e entre estes e os documentos clínicos juntos aos autos, bem como em inferências extraídas daqueles depoimentos, supostamente contrárias às regras da lógica e da experiência, não se tendo procedido à gravação dos depoimentos prestados oralmente na audiência final, é «impossível, ao tribunal de recurso, sindicar, com o rigor e precisão que se impõem, a convicção do juiz no que toca à matéria de facto, precisamente porque não tem à sua disposição, com a necessária certeza e clareza, a totalidade dos elementos ou depoimentos relevantes para esse efeito», tal como se asseverou no acórdão recorrido, acrescendo que, conforme é sublinhado no mesmo aresto, a mencionada gravação «não pode ser suprida, em termos de alteração da matéria de facto fixada na 1.ª instância, pelo apelo à fundamentação exarada pelo juiz no despacho de fixação da matéria de facto, incluindo a referência expressa ao que terá sido dito pelas testemunhas, e às eventuais incorreções lógico-dedutivas do raciocínio do mesmo.”.

Coerentemente com o acabado de transcrever e na ausência de prova com força probatória vinculada produzida e que se mostre violada pela decisão fáctica recorrida, mais não resta do que concluir no sentido de que este tribunal está impedido de sindicar a decisão fáctica do tribunal recorrido em termos de alterar o decidido quanto ao ponto de facto impugnado pela apelante e que, consequentemente, tem de permanecer inalterado.


*

Terceira questão: se não ocorre nexo de causalidade adequada entre algum comportamento da ré e o dano para a indemnização do qual o tribunal recorrido arbitrou ao autor uma determinada indemnização.

Se bem percebemos, a resposta positiva a esta questão dependia, mesmo na economia das alegações da apelante, do sucesso da pretensão recursiva fáctica referente ao ponto 8º) dos factos descritos como provados, pelo que tendo soçobrado esta última pretensão prejudicada fica qualquer possibilidade de responder afirmativamente à questão que está em equação.

De resto, a propósito do nexo de causalidade que deve exigir-se entre um dado comportamento ilícito e o dano dele advindo cumpre distinguir a sua dimensão físico-naturalística[1], por um lado, da sua dimensão normativa de adequação causal[2], por outro, sendo que a este último respeito no art. 563º do CC consagrou o legislador a vertente negativa da teoria da causalidade adequada segundo a qual “É necessário, portanto, não só que o facto tenha sido, em concreto, condição "sine qua non" do dano, mas também que constitua, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção.[3]; por outras palavras, “... o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado causa adequada se, dada a natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente (...) para a verificação do dano, tendo­o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.

(...)

Desde que o devedor ou o lesante praticou um facto ilícito, e este actuou como condição de certo dano, compreende­se a inversão do sentido natural dos acontecimentos. Já se justifica que o prejuízo (embora devido a caso fortuito ou, em certos casos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano.

Essa inversão só deixa de ser razoável a partir do momento em que o facto ilícito se pode considerar de todo em todo indiferente, na ordem natural das coisas, para a produção do dano registado." ­ Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª edição, pp. 860, 861 e 864; no sentido de que é a vertente negativa da causalidade adequada aquela que está consagrada no mencionado art. 563º, pode consultar-se, na doutrina, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª edição, pp. 864 e 871, Henrique Mesquita, RLJ, Ano 128º, pp. 91 e 92, Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, I, p. 351, Pereira Coelho, Obrigações, Sumários, p. 165, Ribeiro Faria, Direito das Obrigações, I, p. 505; na jurisprudência, pode consultar-se, apenas a título exemplificativo e ao nível do STJ, os acórdãos de 29/5/2001, proferido no processo 02A041, de 16/4/2002, proferido no processo 02A530, de 12/11/2009, proferido no processo 632/06.3TTTMR.C1.S1, de 4/5/2011, proferido no processo 199/07.5TTVCT.P1.S1, de 8/5/2012, proferido no processo 908/08.5TTBRG.P1.S1, de 25/10/2012, proferido no processo 1059/06.2TBVCD.P1.S1, de 7/5/2014, proferido no processo 1253/07.9TVLSB.L2.S1.

Ora, do ponto 4º) dos factos dados como provados resulta à evidência que a ré sujeitou o autor, durante algum tempo e de modo intencional, a um concreto regime de desempenho funcional completamente desadequado à condição física e de saúde que o autor revelava – o autor passou a efectuar rondas a pé, tendo de, por várias horas, permanecer de pé e circular no Centro Comercial, não obstante o autor ter reclamado da decisão e a ré conhecer perfeitamente o estado de saúde do autor e a sua necessidade de não permanecer de pé por períodos longos de tempo, a significar que a ré adoptou para com o autor, de forma consciente, um comportamento objectivamente lesivo do direito à integridade física do autor.

Por outro lado, do ponto 8º) dos factos descritos como provados resulta que também por causa desse comportamento da apelante, o autor viu a sua condição de saúde degradar-se, culminando numa amputação parcial do pé esquerdo e consequente necessidade de utilização de uma prótese.

A significar que a conduta da ré se constituiu em condição do dano sofrido pelo autor, conhecendo a ré o estado de saúde do autor que desaconselhava a que a mesma sujeitasse aquele ao regime de prestação funcional a que o sujeitou.

Por outro lado, conhecendo a ré as limitações físicas do autor e se apesar disso entendeu sujeitá-lo a um regime de prestação funcional incompatível com aquelas, não pode sustentar-se que esse comportamento ilícito da ré foi de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo­o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto e que radicavam na deficiente condição de saúde do autor.

Donde não pode deixar de considerar-se que a condição do dano radicada no comportamento da ré foi, também, causa adequada desse mesmo dano.

Quarta questão: se a recorrente não preencheu, com a sua conduta, os pressupostos constitutivos da responsabilidade extracontratual enunciados no art. 483º do CC.

Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o le­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­sado pelos danos resultantes da violação.” - art. 483/1º CC.

Da simples leitura desta disposição decorre que o dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos depende da verificação de vários pressupostos, a saber: a existência de um facto voluntário do agente; a ilicitude desse facto; que se verifique um nexo de imputação do facto ao lesante; que da violação do direito subjectivo ou da lei derive um dano; que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima.

O facto ilícito consubstancia-se num qualquer evento decorrente da acção humana (voluntária ou, ao menos, objectivamente controlável) e que seja lesivo de bens jurídicos pessoais e/ou patrimoniais.

Tais lesões arrastam por si só a desaprovação da ordem jurídica, expressa no conceito de ilicitude, que vem assim a ser, conforme é entendimento tradicional da doutrina, uma ilicitude inteiramente objectiva ou mero desvalor de resultado.

No conceito de ilicitude relevante em sede de responsabilidade civil não têm lugar elementos subjectivos.

Ainda do art. 483º do CC constam as duas formas essenciais que a ilicitude pode revestir: a violação de um direito de outrem ou a violação de preceito da lei tendente à protecção de direitos alheios.

Por seu lado, o nexo de imputação subjectiva exprime a ligação psicológica da produção do evento lesivo a um agente e traduz a censurabilidade que a conduta merece do direito; trata-se, no âmbito deste pressuposto, do desvalor da acção (comissiva ou omissiva), cuja dimensão subjectiva tem naturalmente o maior relevo.

A imputação subjectiva de um facto ilícito a um certo agente, ou seja, a afirmação de um juízo de culpa (em sentido amplo) haverá de fazer-se, partindo precisamente da atitude subjectiva daquele, a um de dois títulos: de dolo ou de negligência (mera culpa).

Quanto ao dano, representa ele o concreto desvalor que o facto ilícito inflige na esfera jurídica de outrem. É em função deste que o instituto da responsabilidade civil opera a sua missão reintegradora, a qual há - de abranger tanto os danos passíveis de expressão pecuniária (danos patrimoniais), quanto aqueles que pela sua natureza imaterial, não o sendo embora, mereçam, atenta a sua gravidade, a tutela do direito, mediante adequada compensação (danos não patrimoniais).

Aquela primeira classe de danos engloba os prejuízos sofridos pelo património já existente do lesado (dano emergente) e, ainda, os ganhos que naquele património deixaram de ingressar em consequência da lesão (lucro cessante), conforme resulta do art. 564º do CC .
Por último, o nexo de causalidade traduz-se no juízo de imputação objectiva do dano ao facto que o produz.

 Apurar quais os danos resultantes (em termos jurídicos) do facto ilícito passa por uma operação mental de busca de uma relação de causalidade adequada entre este e aqueles.

Os parâmetros desta operação são - nos dados pelo art. 563º do CC: é necessário verificar-se que certos danos são não apenas consequência natural (em sentido físico - mecânico) da lesão, mas  ainda que esta última, num juízo ex-ante de prognose póstuma informado por regras da experiência normais, pelas circunstâncias cognoscíveis por qualquer indivíduo do mesmo tipo social do agente e por aquelas que este com efeito conhecia, se revele adequada à produção de tais danos.

Esquematizados os pressupostos da responsabilidade extra-negocial por factos ilícitos, importa agora reverter ao caso concreto, articulando-os com a factualidade provada e assim indagar se, como sustentado na sentença recorrida, a ré se constituiu em tal responsabilidade.

Em primeiro lugar, cabe dizer-se que a verificação de um facto ilícito é incontroversa, à luz da noção objectiva que dele se deu.

O facto ilícito consiste, enquanto ocorrência naturalística decorrente de acção humana, na sujeição do autor, por parte da ré, à prestação de trabalho em condições lesivas da integridade física deste.

A ilicitude deste facto manifesta-se na evidente violação que actua sobre direitos subjectivos absolutos de que era titular o aqui autor (v.g., direito à integridade física ...).

 Afirmado o facto ilícito pressuposto e requerido pelo art. 483º/1 CC, importa agora averiguar se entre ele e a ré é possível estabelecer um nexo de imputação subjectiva, isto é, se aquele facto se deveu a culpa da mesma e, em caso afirmativo, qual e a que título.

A este respeito e encurtando razões entende-se que a resposta à questão acabada de suscitar não pode deixar de ser positiva.

Com efeito: i) a ré conhecia o estado de saúde do autor e a sua necessidade de não permanecer de pé por períodos longos de tempo (ponto 4º dos factos provados); ii) apesar disso, por mais de um mês e apesar de reclamação apresentada pelo autor por essa circunstância, a ré impôs ao autor que efectuasse rondas a pé, tendo de, por várias horas, permanecer de pé e circular no Centro Comercial onde o autor trabalhava (ponto 4º dos factos provados); iii) a ré persistiu nesse seu comportamento lesivo da integridade física do autor, mesmo depois de ter recebido documentação médica a desaconselhar aquele regime de prestação de trabalho (ponto 5º dos factos provados).

Foi justamente por causa dessas decisões da ré sujeitar o autor a esse regime de prestação funcional, ainda que em conjugação com outras circunstâncias atinentes à condição de saúde do autor que era conhecia da ré, que se registaram os danos para ressarcimento dos quais a ré foi condenada a indemnizar o autor (ponto 8º dos factos descritos como provados).

De tudo se extrai que a ré assumiu intencionalmente uma conduta com potencialidade lesiva da integridade física do autor, por isso ilícita, conhecendo bem o estado de saúde do autor que desaconselhava manifestamente a adopção da referida conduta, conformando-se a ré, assim, com todos os resultados que daí pudessem advir, em especial daqueles que realmente de produziram na integridade física e psíquica do autor.

Tanto basta, sem necessidade de outras considerações, para concluir no sentido de uma conduta ilícita e intencional da ré, com cujos resultados se conformou, da qual emergiriam para o autor as consequências físicas e psíquicas para ressarcimento das quais a ré foi condenada a pagar ao autor uma determinada indemnização.

Resta dizer que: i) a ocorrência de danos em consequência dessa conduta da ré não deixa margem para dúvidas em face do que se deixou provado no ponto 8º) dos factos descritos nessa qualidade; ii) a verificação de um nexo de causalidade entre esses danos e a conduta da ré foi já evidenciada a respeito da resposta à terceira questão.

Preenchidos estão, assim e em relação à ré, todos os pressupostos constitutivos da responsabilidade extracontratual em que assentou a condenação da mesma a indemnizar o autor.

É negativa, por isso, a resposta a esta questão.

Quinta questão: se a indemnização a atribuir ao autor deveria ser reduzida ou mesma excluída com fundamento no art. 570º do CC.

Nos termos do art. 570.º/1 do CC, “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser concedida, reduzida ou mesmo excluída.”.
A propósito desta norma ensina Almeida Costa que “Importa, antes de tudo, que o facto do prejudicado possa efectivamente considerar-se causa do dano ou do seu aumento, em concorrência com o facto do responsável – isto é que se verifique um nexo de concausalidade. E mostra-se ainda necessário que haja culpa do prejudicado. Portanto, exige-se que o facto do prejudicado apresente as características que o tornariam responsável, caso o dano tivesse atingido terceiro.”.
A este mesmo respeito, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela que “Para que o tribunal goze da faculdade conferida no nº1 é necessário que o acto do lesado tenha sido uma das causas do dano, consoante os mesmos princípios de causalidade aplicáveis ao agente (cfr. art. 563°).
Deve, além disso, o lesado ter contribuído com a sua culpa para o dano
(cfr. nº2 do art. 487º.” - Código Civil Anotado, vol. I, p. 587.
No mesmo sentido, ensina Menezes Leitão que “Para este regime se aplicar é necessário que a actuação do lesado seja subjectivamente censurável em termos de culpa, não bastando assim a mera causalidade da sua conduta em relação aos danos.” - Direito das Obrigações, vol. I, 8ª edição, p. 332.
Ora, face aos factos provados não é possível sustentar[4] que decorreram de comportamento censurável do autor as patologias clínicas de que o mesmo padecia[5] e que, face o enunciado no ponto 8º) dos factos provados, poderão admitir-se como concausa dos danos sofridos pelo autor e que se pretendem ver ressarcidos pela indemnização arbitrada pela sentença recorrida.
É negativa, assim, a resposta à questão em análise.

Sexta questão: se é excessiva a indemnização de 10.000 euros arbitrada ao autor pela sentença recorrida.
A obrigação de indemnizar abrange também os danos não pa­­trimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direi­to - art. 496º/1 CC.
Não estando legalmente definido em que consiste o dano não patrimonial, importa recordar alguns ensinamentos doutrinais sobre os termos com que o mesmo deve recortado.
O dano não patrimonial ocorre quando a situação vantajosa lesada tenha natureza espiritual (António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, AAFDL, 1980, 2º volume, pp. 285 e 286); é insusceptível de avaliação pecuniária e reporta-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral (Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 1998, pp. 514 e 515); ocorre uma ofensa a bens de carácter imaterial – desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro (Galvão Telles, Direito das Obrigações, 1989, p. 370); é o prejuízo que, sendo insusceptível de avaliação pecuniária, porque atinge bens que não integram o património do lesado, apenas pode ser compensado com a obrigação pecuniária (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 1º volume, 2000, p. 601).
Ora, a intervenção cirúrgica e amputação parcial do pé esquerdo, o tempo prolongado de baixa médica, as fortes dores e os sentimentos de tristeza e angústia referidos no ponto 8º) dos factos provados representam, conjugadamente, danos imateriais merecedores da tutela do direito.
O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; …” (at. 496º/3 do CC), ou seja, o grau de culpabilidade do agente[6], a situação económica deste e do lesado[7] e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem.
No caso em apreço, temos uma situação que aponta para um elevado grau de culpa da ré na produção dos danos em questão, pois: i) a ré conhecia o estado de saúde do autor e a sua necessidade de não permanecer de pé por períodos longos de tempo (ponto 4º dos factos provados); ii) apesar disso, por mais de um mês e apesar de reclamação apresentada pelo autor por essa circunstância, a ré impôs ao autor que efectuasse rondas a pé, tendo de, por várias horas, permanecer de pé e circular no Centro Comercial onde o autor trabalhava (ponto 4º dos factos provados); iii) a ré persistiu nesse seu comportamento lesivo da integridade física do autor, mesmo depois de ter recebido documentação médica a desaconselhar aquele regime de prestação de trabalho (ponto 5º dos factos provados).
Por outro lado, importa ponderar no carácter irreversível de alguns danos físicos decorrentes da conduta da ré, no tempo decorrido desde a data da prática dos factos, na depreciação monetária entretanto registada, no nível dos salários, das reformas e do custo de vida em Portugal.
Tudo visto e ponderado, temos por equitativa a indemnização de 10.000 euros arbitrada pelo tribunal recorrido.
IV - Decisão

Acordam os juízes que integram esta sexta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Coimbra, 27/9/2010


(Jorge Manuel Loureiro)

(Paula Maria Roberto)

(Ramalho Pinto)

I)A fundamentação da matéria de facto não tem que ser feita individualizadamente por cada um dos factos decididos, podendo ser feita, designadamente, por conjuntos de factos, contanto que a partir da fundamentação explicitada se compreenda, sem margem para dúvidas, quais as provas que estiveram na origem da decisão.


II) A redução ou exclusão da indemnização prevista no art. 570º do CC exige a demonstração de culpa do lesado relativamente às condutas que são concausa dos danos.


***


[1] Está aqui em causa uma questão de facto – acórdão do STJ de 23/4/2009, proferido no processo 292/04.6TBVNC.S1.
[2] Está aqui em causa uma questão de direito – acórdão do STJ de 23/4/2009, proferido no processo 292/04.6TBVNC.S1.
[3] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, p. 708.
[4] Impendendo sobre a ré, nessa matéria, o respectivo ónus de alegação e prova (art. 342º/2 do CC).

[5] Com efeito, a obesidade, a diabetes, a hipertensão arterial, a dislipidémia e a patologia cardíaca não decorrem necessariamente de comportamentos dolosos ou negligentes do ser que deles padece, podendo esse tipo de patologias ter a sua origem em factores genéticos completamente independentes da vontade do sujeito que deles é portador.

[6] Mais elevado no caso de conduta dolosa e menos elevado no caso de conduta negligente.
[7] A quantificação da indemnização deve ter presente uma exigência de proporcionalidade.