Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
789/22.6GCVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ROSA PINTO
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
PENA ÚNICA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CONFISSÃO INTEGRAL E SEM RESERVAS
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO
ACTA
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE VISEU – JUIZ 1.
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGO 77.º DO CÓDIGO PENAL
ARTIGOS 99.º, 386.º, N.º 2, 389.º-A, N.º 1, ALÍNEA C), E 410.º, N.º 2, ALÍNEA B), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I – Em processo sumário não é obrigatória uma fundamentação exaustiva da pena aplicada.

II – A confissão, para além de meio de prova, é um facto percepcionado pelo tribunal revelador da postura do arguido em audiência, relevante para a boa decisão da causa, mormente ao nível da medida da pena, pelo que, quando se verifique, deve constar da factualidade provada.

III – Quando da matéria de facto provada não consta que o arguido confessou os factos e na motivação da decisão consta que o julgador formou a sua convicção também com base na confissão integral e sem reservas do arguido, ocorre o vício da contradição insanável da fundamentação, mais precisamente contradição entre a factualidade provada e a motivação da decisão de facto, do artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

A – Relatório

2. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, a 24.11.2022, decidindo-se:

a) Condenar o arguido AA pela prática, nos dias 5/11/2022 e 19/11/2022, de dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez p.p nos termos dos arts. 292º nº 1 e 69º nº 1 al. a), ambos do C.P., nas penas de 80 (oitenta) dias de multa e de 90 (noventa) dias, no quantitativo diário de € 6,00 (seis euros) - em cúmulo jurídico na pena única de 120 (cento e vinte) dias, no quantitativo diário de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia de € 720,00 (setecentos e vinte euros), bem como, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, nas penas acessórias de 5 (cinco) meses de proibição de conduzir veículos com motor e 6 (seis) meses de proibição de conduzir veículos com motor - em cúmulo jurídico na pena acessória única de 8 (oito) meses de proibição de conduzir veículos com motor;

b) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, que se fixam em 1,5 UC, já reduzida a metade atenta a confissão - artº 8º, nº 5, da Tabela III do Regulamento das Custas Processuais”.

3. Inconformado com a douta sentença, veio o arguido interpor recurso da mesma, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

II. A sentença recorrida violou entre outros os art.40 n.º 2, 69º, 71º, 77º, nº1, e 292º, todos do Código Penal e art.374º, nº2, do Código Processo Penal.

IX. No caso concreto, as exigências de prevenção especial são reduzidas, pois, como provado, o arguido confessou integralmente e sem reservas todos os factos, revelou consciência critica em relação aos mesmos, desde o primeiro momento colaborou com as autoridades e a descoberta da verdade, mostrando arrependimento.

X. Tanto mais que o arguido não tem antecedentes criminais e encontra-se social, familiar e profissionalmente inserido.

XI. Por essa exata razão, o Tribunal a quo considerou que a pena não detentiva prevista na lei, é a mais adequada à situação em apreço, satisfazendo as necessidades de prevenção especial, aqui mínimas, tendo em consideração, na escolha da pena principal, precisamente aquelas circunstâncias atenuantes.

XII. Também a culpa do arguido revelada nos factos se mostra reduzida em qualquer dos crimes, pois não sendo elevada a taxa de álcool apresentada em qualquer das situações, certo é que nenhum acidente, risco concreto acrescido, perigo concreto ou resultado danoso emergiu da sua conduta.

XIII. O arguido não pode ser duplamente penalizado por força da mesma circunstância geral agravante traduzidas nas exigências de prevenção geral e perigosidade abstrata da conduta refletida na moldura legal da punição.

XVI. As penas concretamente aplicadas ao arguido situam-se bem acima de metade da moldura prevista.

XVII. O que poderia indiciar um elevado grau de culpa e necessidade de prevenção especial, que, salvo o devido respeito, não se comprovou, não bastando atentar apenas na taxa de álcool apresentada.

XVIII. Não foram provados factos que elevem as necessidades de prevenção especial ou reforcem a culpabilidade do arguido, de forma a justificar a punição dos factos com 80 dias e 90 dias de multa.

XIX. No caso concreto as exigências de prevenção especial e culpa do arguido são diminutas, pelo que deveria o arguido ter sido condenado numa multa próxima do seu limite mínimo, entendendo-se como justa e adequada a pena de 40 dias de multa para ambos os crimes, atenta a gravidade similar das condutas.

XXII. Ao arguido foram impostas as penas de proibição de conduzir de 5 (cinco) meses e 6 (seis) meses, sendo que o mínimo previsto na lei é de três meses – cfr. artigo 69º, nº1, al. a) do Código Penal.

XXIII. É um facto que as exigências de prevenção geral são prementes, mas também aqui a moldura abstrata da pena acessória, com o limite mínimo de três meses, cumpre com o desiderato de dar satisfação a essa premência, não podendo o arguido ser duplamente sancionado por essa circunstância.

XXIV. Valendo aqui as considerações supra sobre as concretas circunstâncias atenuantes que relevam na determinação da pena concreta de multa, as quais se dão como reproduzidas, as exigências de prevenção especial e a culpa do arguido são reduzidas.

XXV. Atento o grau de ilicitude dos factos e as referidas exigências de prevenção, sem descurar a culpa do arguido neles revelada, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses, é adequada e suficiente para fazer interiorizar a necessidade de conformação da conduta posterior do arguido à vigência da norma e servirá, certamente, como efeito redentor da conduta assumida, capacitando o arguido da necessidade de refrear qualquer impulso de ingestão de bebidas alcoólicas sempre que tenha que conduzir.

XXVII. As penas acessórias aplicadas não são congruentes com os critérios previstos nos arts. 40º e 71º do Código Penal, não exigindo a situação concreta uma pena superior ao limite mínimo da moldura correspondente, dada a concreta repercussão que no caso representa no comportamento pessoal e profissional do arguido.

XXVIII. Em cúmulo jurídico de qualquer das referidas penas parcelares o arguido foi condenado na pena única de 120 (cento e vinte) dias de multa e na pena acessória única de 8 (oito) meses de proibição de conduzir veículos com motor.

XXIX. Contudo, quanto à determinação das penas únicas de multa e acessória de proibição de conduzir, a sentença encontra-se ferida de nulidade, por falta de fundamentação, nos termos do art.374º, nº2, ex vi art. 379º, nº1, al. a), ambos do Código Processo Penal, nulidade que se invoca.

XXXIII. Ora, a sentença recorrida, na determinação da pena única de multa e da pena única acessória, não espelha essa visão de conjunto, a totalidade dos factos como se de um facto global se tratasse, para assim avaliar a gravidade do ilícito global, por referência à personalidade do agente.

XXXIV. Nenhuma referência é feita ao circunstanciado conjunto dos factos com vista a percecionar a ligação ou tipo de conexão que intercede entre eles, encarados numa perspetiva global, e a sua relação com a personalidade do arguido, cujas características, nomeadamente ao tempo da prática dos mesmos, a motivação da sua actuação delituosa e bem assim a inserção familiar, social e profissional que deverá emergir dos factos provados.

XXXVIII. Sendo assim, não é necessário, adequado nem proporcional atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta, tanto mais que no caso o arguido, delinquente primário, cometeu apenas dois crimes, com a mesma natureza, em datas temporalmente muito próximas.

4. O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência e manutenção integral da sentença recorrida …

5. … a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido do não provimento do mesmo e da manutenção da sentença recorrida, aderindo à resposta do Ministério Público junto da 1ª instância …

6. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo o arguido respondido ao douto parecer.

7. Respeitando as formalidades aplicáveis, após o exame preliminar e depois de colhidos os vistos, o processo foi à conferência.

8. Dos trabalhos desta resultou a presente apreciação e decisão.

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B - Fundamentação

 

1. O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, face ao disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal …

2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo arguido, as questões a decidir são as seguintes:

- se, no que respeita à determinação das penas únicas de multa e inibição de conduzir, a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação;

- se as penas parcelares de 80 dias de multa e de 90 dias de multa, bem como as penas acessórias de 5 e 6 meses de proibição de conduzir veículos com motor, são excessivas, desnecessárias e desadequadas;

- se a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 40º, nº 2, 69º, 71º, 77º, nº1, e 292º, todos do Código Penal e artigo 374º, nº2, do Código Processo Penal.

3. Para decidir das questões supra enunciadas, esta Relação ouviu a sentença proferida oralmente em sede de audiência de julgamento.

Vejamos então a factualidade da sentença recorrida.

 

O tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:

1. No dia 5.11.2022, pelas 4h20m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca ...”, com a matrícula ..-..-KD, na via pública, concretamente na Rotunda ..., em ..., após ter ingerido bebidas alcoólicas, apresentando uma taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 1,568g/l, correspondente a uma TAS registada de 1,65 g/l, deduzido o valor do erro máximo admissível.

2. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que conduzia o veículo automóvel na via pública com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l devido à ingestão de bebidas alcoólicas.

3. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei e que incorria em responsabilidade criminal.

4. No dia 19 de novembro de 2022, pelas 02h10m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca ...”, com a matrícula ..-..-KD, na via pública, concretamente na Avenida ..., em ..., após ter ingerido bebidas alcoólicas, apresentando uma taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 1,711 g/l, correspondente a uma TAS registada de 1,86 g/l, deduzido o valor do erro máximo admissível.

5. O arguido sabia que havia ingerido bebidas alcoólicas em momento anterior ao ato de condução, em quantidade que o impedia de conduzir veículos na via pública e, não obstante, quis conduzir o referido veículo, o que efetivamente fez.

6. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

7. O arguido não tem antecedentes criminais.

8. O arguido beneficiou anteriormente de duas suspensões provisórias do processo. Uma relativamente a um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas, por 6 meses, com início em 27.7.2022 e termo em 27.1.2013 (ainda em curso), tendo-lhe sido aplicada a injunção de prestar 120 horas de trabalho a favor da comunidade, nos termos a indicar pela DGRSP. Outra em relação a um crime de condução sem habilitação legal, por um período de 6 meses, com início em 1.2.2022 e termo em 1.8.2022, com injunção do pagamento de um valor ao Estado e inscrição em escola de condução, frequência da escola, com vista a obter a carta de condução. Esta suspensão encontra-se extinta pelo cumprimento.

9. O arguido trabalha como empregado de armazém, encontra-se actualmente de baixa médica devido a um acidente e, uma vez que ainda não tinha 6 meses de descontos, não se encontra a auferir subsídio de doença. Perspectiva no verão deste ano regressar ao trabalho, sendo que o seu salário corresponde ao ordenado mínimo nacional.

10. Vive com a mãe, que é professora e que lhe garante a habitação e a alimentação.

11. Tirou a carta de condução em 3 de Outubro deste ano.

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Não ficaram por provar quaisquer factos com relevo para a boa decisão da causa.

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4. Cumpre agora apreciar e decidir.

Alega o arguido que a sentença não fundamenta, com argumentos de facto concretos inerentes à personalidade do arguido e às circunstâncias da sua atuação, a ponderação efetuada na determinação de qualquer daquelas penas únicas. A sentença limitou-se a tecer considerações genéricas, normativas e abstratas, pouco mais tendo feito que enumerar os crimes por si praticados e as penas parcelares aplicadas, procedendo de imediato à operação do cúmulo jurídico, assim violando o dever de fundamentação previsto no art. 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal. A sentença recorrida, na determinação da pena única de multa e da pena única acessória, não espelha a visão de conjunto, a totalidade dos factos como se de um facto global se tratasse, para assim avaliar a gravidade do ilícito global, por referência à personalidade do agente. Nenhuma referência é feita ao circunstanciado conjunto dos factos com vista a percecionar a ligação ou tipo de conexão que intercede entre eles, encarados numa perspetiva global, e a sua relação com a personalidade do arguido, cujas características, nomeadamente ao tempo da prática dos mesmos, a motivação da sua actuação delituosa e bem assim a inserção familiar, social e profissional que deverá emergir dos factos provados.

Pois bem.

Nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal, “é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F”.

Por sua vez, estipula o artigo 374º, nº 2, do mesmo diploma legal, que “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

Como refere Sérgio Poças, “se o que está em causa é uma sentença condenatória, não devem restar quaisquer dúvidas sobre as razões de facto e de direito por que se condena e em que se condena.  Da leitura da sentença não devem restar quaisquer dúvidas aos sujeitos processuais e à comunidade sobre o que se decidiu e por que desse modo se decidiu. … Como é evidente, do que estamos a falar é da fundamentação, palavra ainda não dita, da sentença — fundamentação que é uma exigência constitucional.

De facto, dispõe o artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa:

«As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei». Com naturalidade, a importância da fundamentação das decisões judiciais no Estado de Direito Democrático é reconhecida pela generalidade da doutrina e jurisprudência. …

No mesmo sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira: «… o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado direito democrático, ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso…» (Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, págs. 798 e 799).

Germano Marques da Silva, sublinhando de igual modo a importância da fundamentação, na análise das suas finalidades, escreve: «A fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos com finalidades várias.

Permite o controlo da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decisora a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando como meio de auto controlo» (Curso de Processo Penal, III, 1994, pág. 290).

Finalmente, a fundamentação enquanto factor de legitimação do poder judicial, é igualmente afirmada pela Juíza Fátima Mata-Mouros na Comunicação que apresentou no VI Congresso dos Juízes Portugueses, publicada na Edição Especial do Boletim da Associação Sindical dos Juízes Portugueses.

Escreve na pág. 177: «É a motivação que confere um fundamento e uma justificação específica à legitimidade do poder judicial e à validade das suas decisões, a qual não reside nem no valor político do órgão judicial nem no valor intrínseco da justiça das suas decisões, mas na verdade que se contém na decisão» - “Da sentença Penal — Fundamentação de facto”, in Julgar nº 3, consultável em Julgar.pt.

Acresce que, nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

O nº 2 da mesma norma dispõe que “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

Face às referidas normas legais, é necessário a verificação de dois requisitos para a elaboração do cúmulo jurídico: a prática de vários crimes pelo arguido e que estes tenham sido praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles.

Requisitos que se verificam no presente caso.

Para encontrar a pena única, o tribunal tem que considerar, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

“Na concretização da regra estabelecida no nº 1, in fine, do artigo 77º do Código Penal, de acordo com o qual na medida da pena - no que à punição do concurso concerne - são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tem sido pacífico, designadamente ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que essencial «na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse bocado de vida criminosa com a personalidade, de tal forma que a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares» - (cf. Ac. STJ de 05.07.2012, Proc. n.º 145/06.SPBBRG.S1), o que, contudo, não dispensa o recurso às exigências de prevenção geral e especial, encontrando, também, a pena conjunta o seu limite na medida da culpa” – cfr. Ac. da RC de 13.12.2017, in www.dgsi.pt.

Também segundo o Ac. do STJ de 27.06.2012, proferido no Proc. n.º 95/08.9EACBR.C1.S1 – in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/criminal2012.pdf:

“Com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e da gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto a lei mandar considerar, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente. Na determinação concreta da pena conjunta importa averiguar se ocorre ou não conexão entre os factos em concurso, se existe ou não qualquer relação entre uns e outros, indagar da natureza ou do tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e a gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente, com vista à obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos. Isto de modo a aferir se o ilícito global é ou não produto de uma tendência criminosa do agente e a fixar a medida concreta da pena dentro da moldura do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre ele”.

Revertendo ao caso concreto, neste particular, consta da sentença recorrida, o seguinte:

“Há que fazer o cúmulo jurídico das penas de multa, numa moldura que vai de 90 dias até 170 dias, ponderando a globalidade da situação em termos da sua concreta gravidade, nomeadamente tendo em conta as TAS detectadas e ponderando ainda todos os factores atrás enunciados a propósito das exigências de prevenção especial, o tribunal fixa uma pena única de 120 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, o que perfaz a quantia global de 720 euros.

Há que fazer o cúmulo jurídico destas duas penas acessórias e ponderando a gravidade global da situação e a globalidade deste juízo de prognose futuro, entende fixar a pena acessória única em 8 meses de proibição de conduzir”.

Ora, do que fica dito, não se pode concluir que o julgador não tenha ponderado a situação na sua globalidade, remetendo para os factores mencionados aquando da fixação das penas parcelares.

É certo que não é uma fundamentação exaustiva, mas a isso não obriga a natureza do processo sumário.

Como dispõe o artigo 386º, nº2, do Código de Processo Penal, “os actos e termos do julgamento são reduzidos ao mínimo indispensável ao conhecimento e boa decisão da causa”.

Também o artigo 389º-A, nº A, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, dispõe que “a sentença é logo proferida oralmente e contém, em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada”.

Como referem Simas Santos, Leal-Henriques e João Simas Santos, in Noções de Processo Penal, 3ª ed., pág. 539, relativamente ao processo sumário, a sentença é verbal e ditada para a acta, contendo a indicação sumária dos factos provados e não provados, com indicação e exame crítico sucintos das provas. Deve conter uma exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão e, em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram
à escolha e medida da sanção aplicada
. Deve conter, ainda, o dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do nº 3 do artigo 374º, que é ditada para a acta.

Apenas no caso de ser aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura.

Do que fica dito, resulta que foram cumpridas as exigências mínimas de fundamentação, tendo em consideração a natureza do processo sumário, razão pela qual não padece a sentença recorrida da invocada nulidade.

Assim sendo, improcede esta questão suscitada pelo arguido.

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Passa-se agora a conhecer se as penas parcelares de 80 dias de multa e de 90 dias de multa, bem como as penas acessórias de 5 e 6 meses de proibição de conduzir veículos com motor, são excessivas, desnecessárias e desadequadas.

Alega o arguido que as referidas penas parcelares de multa e acessória de proibição de conduzir são excessivas e desproporcionadas à gravidade dos factos que o arguido praticou e insuscetíveis de assegurar as finalidades que estão na base da punição.

No caso concreto, as exigências de prevenção especial são reduzidas, pois, como provado, o arguido confessou integralmente e sem reservas todos os factos, revelou consciência critica em relação aos mesmos, desde o primeiro momento colaborou com as autoridades e a descoberta da verdade, mostrando arrependimento.

Tanto mais que o arguido não tem antecedentes criminais e encontra-se social, familiar e profissionalmente inserido. Também a culpa do arguido revelada nos factos se mostra reduzida em qualquer dos crimes, pois não sendo elevada a taxa de álcool apresentada em qualquer das situações, certo é que nenhum acidente, risco concreto acrescido, perigo concreto ou resultado danoso emergiu da sua conduta.

Pois bem.

No que respeita à confissão integral e sem reservas cumpre tecer algumas considerações.

Relembra-se o tribunal recorrido que a confissão, para além de ser um meio de prova, é igualmente um facto percepcionado pelo tribunal, revelador da postura do arguido em audiência de julgamento, relevante para a boa decisão da causa, mormente ao nível da medida da pena. Razão pela qual, quando se verifica, deve constar da factualidade provada.

Como se refere no Ac. da RE de 4.4.2013, in www.dgsi.pt, “importa sempre conhecer e tratar na sentença o modo como o agente pessoalmente se posiciona em relação aos crimes que cometeu, fazendo-o factualmente, quando, pela positiva, os confessa e demonstra reconhecimento e interiorização do mal do crime. … A confissão, a verificar-se (por opção sempre livre do arguido), deverá constar então dos factos provados, de modo a poder ser positivamente valorada na pena. Pode reverter num juízo atenuante das exigências de prevenção, particularmente (mas não exclusivamente) a especial”.

Ora, a factualidade provada da sentença recorrida é omissa quanto à confissão do arguido.

Tal factualidade, só por si, levaria a supor que o arguido não teria confessado os factos. Não se devendo incluir na factualidade a ausência de confissão, mas apenas a confissão quando ela se verifica, nos casos em que nada se diz, leva a supor que o arguido não confessou.

Como se refere no aresto acabado de mencionar “não devendo incluir a matéria de facto a ausência de confissão, a omissão nos factos do acórdão de que “o arguido confessou os factos” ou se mostrou “arrependido” não pode deixar de revelar um juízo negativo, por parte do tribunal, relativamente à prova da confissão e do arrependimento. Ou seja, a não inclusão da confissão nos factos provados demonstra inequivocamente que o tribunal não considerou provado que o arguido tenha confessado, sem necessidade de o fazer constar expressamente da matéria de facto não provada”.

Acontece que, na motivação da decisão de facto da sentença recorrida, consta que o julgador formou a sua convicção com base na confissão integral e sem reservas do arguido, conjugada com o teor dos autos de notícia e com os talões dos alcoolímetros juntos aos autos.

Estamos, assim, perante uma contradição da fundamentação; em concreto, perante o vício de contradição insanável da fundamentação, previsto no artigo 410º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal; mais precisamente perante uma contradição entre a factualidade provada e a motivação da decisão de facto. Vício este de conhecimento oficioso e que resulta do próprio texto da decisão recorrida.

Como consta no Ac. do STJ de Fixação de Jurisprudência, de 19.10.1995, in www.dgsi.pt, “é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”.

De acordo com o nº1 do artigo 426º do mesmo diploma legal, o tribunal de recurso apenas determina o reenvio do processo tendo em vista a sanação do vício se não for possível decidir da causa.

Ora, da acta da audiência de julgamento de 24.11.2022, consta expressamente que “após a leitura das acusações, o arguido declarou pretender confessar de forma livre, integral e sem reservas, os factos que lhe são imputados. Perguntado pela Mm(ª) Juiz de Direito, disse que tal confissão é de livre vontade, fora de qualquer coação, integral e sem reservas.

Dada a palavra à Digna Procuradora da República e à ilustre advogada presente, pelos mesmos foi dito nada terem a opor à confissão do arguido.

Seguidamente, pela Mm(ª) Juiz de Direito foi decidido, nos termos do disposto no art.º 344º, n.º 2, do C. P. Penal, não dever ter lugar a produção de prova quanto aos factos confessados, tomando-se apenas declarações ao arguido relativamente à sua situação sócio-económica e contextualização dos factos”.

Segundo a acta, o arguido confessou os factos integralmente e sem reservas e, consequentemente, não teve lugar a produção de prova.

Sendo a acta o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais a cuja documentação a lei obrigar e aos quais tiver assistido quem o redige, bem como a recolher as declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais que tiverem ocorrido perante aquele (artigo 99º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal), trata-se de um documento  autêntico que faz prova dos factos materiais que lhe cumpre certificar (cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 10.3.2010, in www.dgsi.pt.

Pelo exposto, sanando o aludido vício, decide-se aditar à factualidade provada o seguinte ponto:

             

12. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados.

No que respeita ao alegado arrependimento, o mesmo não resultou provado, nem se pode afirmar que resulte de qualquer outra parte da sentença recorrida, nomeadamente da motivação da decisão de facto ou das circunstâncias atendíveis na medida da pena.

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Vejamos agora se as penas de 80 e 90 dias de multa aplicadas ao arguido são excessivas, desnecessárias e desadequadas.

O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no artigo 292º, nº 1, do Código Penal, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

No que respeita à determinação da medida concreta da pena, há que ter em conta, desde logo, o que dispõe o artigo 40º, nºs 1 e 2, do Código Penal.

Nos termos do nº 1 deste artigo, a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Por um lado, visa-se a confirmação da validade e actualidade da norma incriminadora, e da consequente tutela da confiança da comunidade na sua vigência, restabelecendo-se a paz jurídica que fora abalada pelo crime. Fala-se a este respeito de prevenção geral positiva ou prevenção geral de integração.

Por outro lado, visa-se a socialização do condenado, que se cumpre, naturalmente, na fase de execução da pena. Fala-se então de prevenção especial positiva.

Assim, a escolha da pena e a determinação da respectiva medida concreta são questões que devem ser resolvidas à luz das referidas finalidades.

               No entanto, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, nos termos do nº 2 do artigo 40º do mesmo diploma legal.

A culpa surge, assim, como um limite inultrapassável da actuação punitiva do Estado, em nome da dignidade do indivíduo.

Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.

Como ensina Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121) e é citado no Ac. do STJ de 14.10.2015, in www.dgsi.pt:

“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais”.

Como se refere no mesmo aresto, “o ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal. As penas como instrumentos de prevenção geral são instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar”.

Por outro lado, como ensina igualmente Figueiredo Dias, “a pena também tem uma função de prevenção geral negativa ou de intimidação, como forma estadualmente acolhida de intimidação das outras pessoas pelo mal que com ela se faz sofrer ao delinquente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem factos criminais” – cfr. obra supra citada, 118.

Mas, em termos jurídico-constitucionais, é a ideia de prevenção geral positiva ou de integração que dá corpo ao princípio da necessidade de pena.

“A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (cfr. obra e aresto supra citados).

“O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança.

Ensina o mesmo Ilustre Professor, in As Consequências Jurídicas do Crime, §55, que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’” – cfr. aresto supra citado.

Porém, “em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização” – cfr. Ac. do STJ de 14.10.2015, in www.dgsi.pt.

Também o artigo 71º, nº 1, do Código Penal estabelece que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Por sua vez, dispõe o nº 2 do mesmo artigo …

“As circunstâncias e critérios do artigo 71º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente” – cfr. aresto supra citado.

              *

Voltando ao caso concreto, na apreciação dos critérios do artigo 71º, nº 2, do Código Penal, consta da sentença recorrida que:

- as exigências de prevenção geral são ponderosas tendo em conta o elevadíssimo número de cometimento deste crime, associado à sinistralidade rodoviária;

- no que respeita à prevenção especial, apesar da ausência de antecedentes criminais, integração profissional e familiar do arguido e a confissão integral e sem reservas, sempre se verifica uma desconfiança do seu comportamento futuro, uma vez que:

▪ estamos perante duas situações ocorridas em datas tão próximas, a segunda depois do arguido ter sido autuado perante o órgão de polícia criminal competente,

▪ o arguido já beneficiou anteriormente de duas spps, uma de crime relativo à segurança rodoviária, mais precisamente crime de condução sem habilitação legal e outra de crime de diferente natureza.

O que revela que existe alguma dificuldade do arguido de agir de acordo com as normas, porventura devido a imaturidade derivada da idade e até da sua actual desocupação profissional.

Concorda-se inteiramente com esta apreciação dos critérios do artigo 71º, nº 2, do Código Penal, tendo o julgador procedido a uma correcta individualização e ponderação dos factores que relevam para a determinação da medida concreta da pena.

Acrescentando-se um grau de culpa elevado, face ao dolo directo e, por isso, intenso, bem como um grau de ilicitude mediano face às TAS que resultaram provadas.

No que respeita à confissão, é ainda de referir que o arguido foi detido em flagrante delito. Por isso e também porque a prova da TAS resulta de meios técnicos, perante a iminência da condenação, mormente em inibição de conduzir, a confissão integral e sem reservas, só por si, apresenta um valor relativo. Nessas circunstâncias seria difícil para o arguido negar os factos.

No entanto, a sua atitude processual não deixa de demonstrar alguma capacidade de assumir o desvalor dos actos por si praticados e, por isso, a sua culpa.

As exigências de prevenção geral são, de facto, muito elevadas face à excessiva frequência da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, senão mesmo a sua banalização, sendo a causa de muitos sinistros rodoviários com a perda de inúmeras vidas.

Na verdade, a condução em estado de embriaguez é consensualmente tida como um factor de agravamento dos riscos inerentes à atividade da condução e como um dos mais determinantes agentes de produção de acidentes de trânsito, na medida em que a ingestão excessiva de álcool determina o entorpecimento dos sentidos, a perda dos reflexos indispensáveis para uma adequada condução automóvel e a diminuição da acuidade visual e da capacidade de concentração – cfr. Ac. RE de 21.3.2017, in dgsi.pt.

Por sua vez, as exigências de prevenção especial atingem um patamar considerável, uma vez que, como frisou o julgador, estamos perante duas situações ocorridas em datas bem próximas, a segunda depois do arguido ter sido autuado perante o órgão de polícia criminal competente. Para além disso, o arguido já beneficiou anteriormente de duas SPPs, uma de crime relativo à segurança rodoviária, mais precisamente crime de condução sem habilitação legal, e outra de crime de diferente natureza.

Os factos sub judice foram praticados quando ainda decorria o prazo da segunda suspensão provisória do processo, tendo sido o arguido completamente indiferente a essa situação.

Face à violação da norma jurídica, impõe-se o reforço da consciência jurídica comunitária, a necessidade de restabelecer a confiança na validade da norma violada; isto é, a estabilização das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida. Há que criar nos cidadãos a convicção que comportamentos desta natureza, para além de serem punidos, visam diminuir o índice de sinistralidade rodoviária, que é elevadíssimo e preocupante.

Ponderando todos estes factores, conclui-se que as penas principais aplicadas de 80 e 90 dias de multa não ultrapassam o limite da culpa do arguido, revelando-se justas, adequadas e necessárias. Penas inferiores às aplicadas, como pretendido pelo arguido, revelar-se-iam manifestamente insuficientes face às necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.

Valendo o mesmo raciocínio para a pena única de 120 dias de multa.

               *

Cumpre agora apreciar se as penas acessórias de 5 e 6 meses de proibição de conduzir veículos com motor, são excessivas, desnecessárias e desadequadas.

Entende o arguido que, atento o grau de ilicitude dos factos e as referidas exigências de prevenção, sem descurar a sua culpa neles revelada, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses, é adequada e suficiente para fazer interiorizar a necessidade de conformação da conduta posterior do arguido à vigência da norma e servirá, certamente, como efeito redentor da conduta assumida, capacitando o arguido da necessidade de refrear qualquer impulso de ingestão de bebidas alcoólicas sempre que tenha que conduzir.

Vejamos, então.

              Nos termos do artigo 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido, entre outros, por crime previsto no artigo 292º do Código Penal.

                Acresce que os critérios legais previstos para as penas principais, acima mencionados, são integralmente aplicáveis às penas acessórias, apesar da lei ser especificamente omissa. E não há razão para assim não ser, pois as penas acessórias, embora pressuponham a condenação do arguido numa pena principal (prisão ou multa), são verdadeiras penas criminais, também elas ligadas à culpa do agente e justificadas pelas exigências de prevenção (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1ª edição, 2013, pág. 34).

A pena acessória “corresponde a uma necessidade de política criminal por motivos óbvios e consabidos que se prendem também com a elevada sinistralidade rodoviária. … Porque se trata de uma pena, a determinação da medida concreta da sanção inibitória, há-de efectuar-se segundo os critérios orientadores gerais contidos no artigo 71.º do Código Penal, não olvidando que a sua finalidade (diferentemente da pena principal que tem em vista a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade) reside na censura da perigosidade, embora a ela não seja estranha a finalidade de prevenção geral (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág.165). Trata-se de uma censura adicional pelo facto que ele praticou (cfr. acta n.º 8 da Comissão de Revisão do Código Penal). Na determinação da pena acessória é necessário observar os critérios estabelecidos no artigo 71° do Código Penal (vide Ac. Relação de Évora de 14.05.1996, CJ, ano de 1996, pág., 286), dando especial importância à prevenção especial, que visa a consciencialização e a socialização do arguido, de molde a que futuramente paute as condutas de acordo com o prescrito pela lei. Por outro lado, a aplicação da pena acessória não tem de ser proporcional à pena principal, uma vez que os objectivos de política criminal são, também eles, distintos. O fim da pena acessória dirige-se especificamente à recuperação do comportamento estradal do condutor transviado, pelo que não tem de existir uma correspondência matemática e proporcional entre as penas, consideradas as respectivas molduras abstractas (vide Ac Relação do Porto de 20.05.1995, CJ, T4, pág. 229)” – cfr. Ac. da RG de 2.11.2015, in www.dgsi.pt.

Também no Ac. da RC de 20.2.2019, in www.dgsi.pt., se defende que “a pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, sendo a sua finalidade a intimidação da generalidade dirigindo-se, ainda, à perigosidade do agente, razão pela qual dentro da moldura penal abstrata de três meses a três anos, há que atender à culpa do arguido e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depuserem a favor ou contra ele. Muito embora distintas nos seus pressupostos, quer a pena principal, quer a acessória, assentam num juízo de censura global pelo crime praticado e daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no artigo 71.º do Código Penal” – cfr. Ac. da RC de 20.2.2019, in www.dgsi.pt.

O mesmo se defendendo no Ac. da RP de 17.1.2018, in www.dgsi.pt, segundo o qual “a determinação da medida concreta de pena acessória de inibição de condução é realizada de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, enunciados no artigo 71º do Código Penal, com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita, na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente (função preventiva adjuvante da pena principal)”.

Jurisprudência que se acompanha.

Revertendo ao caso concreto e ponderando os factores supra referidos a propósito da fixação das penas principais, que o julgador reiterou neste particular, entende-se que as penas acessórias de 5 e 6 meses de inibição de conduzir não ultrapassam os limites da culpa do arguido e revelam-se necessárias e adequadas, face às exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.

Na sua fixação não se verifica qualquer desproporção, relembrando que o limite mínimo é de 3 meses e, no caso sub judice, a concretização punitiva não pode aproximar-se mais desse limite mínimo, atendendo desde logo às TAS apresentadas pelo arguido e ainda ao facto de estar a beneficiar da referida SPP.

O mesmo raciocínio vale para a pena única de 8 meses de inibição de conduzir.

Penas inferiores revelar-se-iam insuficientes face a todos os parâmetros supra aludidos e às necessidades de prevenção geral e especial.

Acresce que “o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta, apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados” – cfr. Ac. da RC de 18.3.2015, in www.dgsi.pt.

Como se pode ler também no Ac. da RG de 5.3.2018, in www.dgsi.pt, “quanto aos limites de controlabilidade da determinação da pena em sede de recurso - entendemos ser de seguir o entendimento da doutrina e da jurisprudência no sentido de que é suscetível de revista a correção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de fatores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas a determinação do quantum exato de pena só pode ser objeto de alteração perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efetuada”.

                Posição jurisprudencial que se acompanha.

                Pelo que fica dito e em jeito de conclusão, as penas acessórias de inibição de conduzir fixadas em 5 e 6 meses, bem como a pena única de 8 meses, são penas que não ultrapassam os limites da culpa do arguido, como se disse, revelando-se necessárias face às referidas exigências de prevenção geral e especial. Na sua fixação não se verifica qualquer desproporção.

                A ser assim, não devem ser alteradas.

                 *

                Aqui chegados e pelo que fica dito, facilmente se conclui que não foram violadas as normas dos artigos 40º (Finalidades das penas e das medidas de segurança), 69º (Proibição de conduzir veículo com motor), 71º (Determinação da medida da pena), 77º (Regras da Punição do concurso), e 292º (Condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas), todos do Código Penal e 374º, nº 2, (Requisitos da sentença) do Código de Processo Penal.

              *

Improcedendo, assim, todas as questões suscitadas pelo arguido, deve ser negado provimento ao recurso.

                              *

           

                         C – Decisão

 Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, decidem manter a sentença recorrida, aditando-se, contudo, um ponto à factualidade provada com o seguinte teor:

12. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados

               *

            Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça devida – artigos 513º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

                               *

                    Notifique.

                               *

                           Coimbra, 12 de Abril de 2023.

(Elaborado pela relatora, revisto e assinado electronicamente por todos os signatários – artigo 94º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal).

                 Rosa Pinto – Relatora

                 Luís Teixeira – 1º Adjunto

                 Vasques Osório – 2º adjunto