Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3500/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO PIÇARRA
Descritores: CESSÃO DE QUOTA SOCIAL
ENTRE SÓCIOS DA MESMA SOCIEDADE
SUA VALIDADE
Data do Acordão: 01/18/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ÁGUEDA - 2º JUÍZO
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: -
Legislação Nacional: ARTºS 228º, Nº 2 E 229º, Nº 3, DO C.S.C. .
Sumário: I – Actualmente, a regra na transmissão de quotas por acto inter vivos é a da necessidade de consentimento da sociedade – artº 229º, nº 2, do C.S.C. .
II – A falta desse consentimento não interfere, contudo, com a validade da cessão, desde que aquele seja obtido posteriormente, assim se tornando eficaz a cessação relativamente à sociedade – artº 228º, nº 2, do CSC .
Decisão Texto Integral: 16

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Relatório
I – A..., residente na Rua do Outeiro, Aguada de Cima, Águeda, B..., residente no Brejo, Águeda, e C..., residente na Rua da Fonte, Lote 4, 1º esquerdo, Leiria, intentaram acção declarativa, com processo ordinário, contra:
1 - D..., com sede em Borralha, Águeda;
2 - E..., residente em Aguada de Cima, Águeda;
3 - F..., sua mulher, G..., residentes em Arcos, Anadia;
4 - H..., residente em Valongo do Vouga, Águeda;
5 - I..., residente na Rua da Azenha, nº 333 – 1º esquerdo, Valongo do Vouga, Águeda;
6 - J..., residente na Rua Visconde de Setúbal, nº 16 – 4º esquerdo D, Porto;
7 - K..., residente em Aguada de Cima, Águeda; e
8 - L..., igualmente residente Aguada de Cima, Águeda.
Formularam os pedidos seguintes:
a) seja declarada nula e ineficaz em relação à ré sociedade e, pelo menos, também em relação aos autores a cessão da quota do valor nominal de € 134.665,43 com que o sócio F... participa no capital social da ré sociedade, feita pelo dito sócio F... e mulher, G..., ao sócio E... (ora Réu) por preço igual ao valor nominal, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Vagos em 04-04-2002 (lavrada a fls. 3 a 6 do Livro nº 181-B) e registada sob a inscrição nº 5 de 17-04-2002 na Conservatória do Registo Comercial de Águeda, e, consequentemente, ser ordenado o cancelamento deste registo;
b) seja declarado nulo e ineficaz em relação à ré sociedade e pelo menos também em relação aos autores qualquer outro acto posterior a essa cessão de quotas de subsequente transmissão da mesma quota e (ou) a de subsequente divisão da mesma quota e posterior transmissão das quotas resultantes dessa divisão feitas pelo sócio E... a seus filhos (os 7º e 8º réus) ou a qualquer outro sócio ou a terceiros e ordenado também o cancelamento dos registos a estes actos relativos;
c) seja considerada vazia de conteúdo e de sentido e, por isso, inexistente qualquer deliberação tomada na reunião da assembleia geral da ré sociedade realizada no dia 21-11-2002 sobre o ponto número dois da ordem de trabalhos, ou, quando, porventura, assim se não entenda, e se entenda que alguma deliberação foi tomada sobre esse ponto, ser anulada tal deliberação tomada com os votos favoráveis dos sócios nela interessados (os 2º, 3º, 7º e 8º réus) e os votos abusivos dos 4º, 5º e 6º réus;
d) sejam anuladas as deliberações sociais tomadas na mesma reunião da assembleia geral da ré sociedade sobre os pontos 3, 4 e 5 da ordem de trabalhos tomadas com os votos favoráveis dos sócios nela interessados (os 2º, 3º, 7º e 8 réus) e os votos abusivos dos sócios 4º, 5º e 6º réus;
e) sejam os 2º a 8º réus condenados a reconhecer que os votos por eles emitidos naquela reunião da assembleia geral da ré sociedade foram ilegal e abusivamente emitidos e, por isso, são nulos ou, pelo menos, anuláveis, por terem sido emitidos sobre matéria em que alguns deles estavam legalmente impedidos de votar, por contrariarem frontalmente uma disposição do contrato social que condiciona a cessão de quotas entre sócios a prévia autorização da sociedade e, para além disso, visa evitar que um sócio ou grupo de sócios ganhe preponderância em relação aos outros na participação relativa e proporcional de cada um no capital social e na formação das deliberações sociais e serem abusivos por visarem não a satisfação de interesses da sociedade ou de interesses comuns dos sócios mas, tão só, lograr obter vantagens especiais para o grupo de sócios formado pelo 2º, 7º e 8º réus para que em conjunto eles passem a deter o dobro de cada um dos outros no capital social e com tal participação mais facilmente dominem e procurem a satisfação dos seus interesses pessoais nas deliberações sociais a tomar no futuro;
f) sejam todos os réus condenados a reconhecer que, declarada nula e ineficaz em relação à ré sociedade e, pelo menos, também em relação aos autores, a cessão de quotas referida, bem como qualquer outro acto de transmissão ou de divisão e transmissão das quotas resultantes da divisão a ela posteriores, poderão os autores, após autorização a ela prestada pela sociedade, nela participar, se assim o entenderem, procedendo-se nesse caso a rateio da quota entre os sócios que o pretendam.
Fundamentaram essas pretensões essencialmente no seguinte:
Os autores e os réus pessoas singulares são sócios da ré sociedade, cujo pacto social prevê, como forma de evitar que um sócio ou grupo de sócios adquiram participações de outros, que a cessão de quotas entre sócios carece de autorização da sociedade.
Porém, desrespeitando o pacto, o réu Abílio Cardoso adquiriu a quota detida pelos também réus António Pereira e mulher, pelo valor nominal de € 134.675,43, que dividiu e posteriormente cedeu a seus filhos K... e L....
Apesar das diligências feitas para evitar essa cessão, nas deliberações que tiveram lugar na assembleia geral em que tal questão foi discutida e deliberada, votaram os cessionários sendo, por isso, tais deliberações inválidas.
Os réus, regularmente citados, apresentaram contestação conjunta sustentando, em síntese, que tendo o réu Abílio dado conhecimento à sociedade e aos demais sócios da aquisição da quota e da sua pretensão de proceder à divisão da mesma, o que mereceu posterior aprovação em assembleia geral, cessou o vício de ineficácia relativa a tal cessão, tanto mais que todos os sócios tinham pleno direito de voto nessa assembleia, cujas deliberações são válidas e, desse modo, concluindo pela total improcedência da acção.
Após a realização de audiência preliminar, proferiu-se saneador e, conhecendo imediatamente de mérito, decidiu-se o seguinte:
a) declarar ineficaz em relação à ré sociedade e aos sócios ora autores a cessão da quota do valor nominal de € 134.665,43 com que o sócio F... participa no capital social da ré sociedade, feita pelo dito sócio António Pereira e mulher G... ao sócio E... por preço igual ao valor nominal, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Vagos em 04-04-2002 (lavrada a fls. 3 a 6 do Livro nº 181-B) e registada sob a inscrição nº 5 (Ap. 10/20020417) na Conservatória do Registo Comercial de Águeda, ordenando-se o cancelamento deste registo;
b) declarar ineficaz em relação à ré sociedade e aos ora autores qualquer outro acto posterior a essa cessão de quotas de subsequente transmissão e/ou de divisão da mesma quota e posterior transmissão das quotas resultantes dessa divisão feitas pelo sócio E... a seus filhos (os Réus Rui Filipe e Abílio José) ou a qualquer outro sócio ou a terceiros, ordenando-se cancelamento dos registos a estes actos relativos;
c) declarar anuladas as deliberações tomadas na reunião da assembleia geral da ré sociedade realizada no dia 21-11-2002 sobre os pontos números 2 (dois), 3 (três), 4 (quatro) e 5 (cinco) da ordem de trabalhos (acta de fls. 116 a 121);
d) condenar os 2º a 8º réus a reconhecerem que os votos por eles emitidos naquela reunião da assembleia geral da ré sociedade foram ilegalmente emitidos, por terem incidido sobre matéria em que alguns deles estavam impedidos de votar, por contrariarem frontalmente uma disposição do contrato social que condiciona a cessão de quotas entre sócios a prévia autorização da sociedade, e são abusivos por visarem não a satisfação de interesses da sociedade ou de interesses comuns dos sócios mas, tão só, lograr obter vantagens especiais para o grupo de sócios formado pelo 2º, 7º e 8º réus para que em conjunto eles passem a deter o dobro de cada um dos outros no capital social;
e) condenar os réus a reconhecerem que, declarada ineficaz em relação à ré sociedade e aos autores, a cessão de quotas referida, bem como qualquer outro acto de transmissão ou de divisão e transmissão das quotas resultantes da divisão a ela posteriores, poderão os autores, após autorização a ela prestada pela sociedade, nela participar, se assim o entenderem, procedendo-se nesse caso a rateio da quota entre os sócios que pretendam adquiri-la.
Inconformados com tal decisão, apelaram os réus, rematando a sua alegação, com as conclusões seguintes:
1. Decisiva para a apreciação e consequente decisão das questões sub júdice é a interpretação do art.º 5º, n.º 3 do contrato da sociedade EXBANHO – Equipamentos de Banho Ldª, o que deve ser feito com referência às normas previstas no regime legal das cessões de quotas regulado pelos art.ºs 228º e seguintes do CSC.
2. Diz o art.º 5º, n.º 3 que «a cessão de quotas entre sócios só é permitida com autorização da sociedade e se mais de um sócio pretender adquirir a quota ou quotas cedidas, a aquisição será feita por rateio.
3. De acordo com o teor da sentença recorrida, foi entendimento do Mm.º Juiz a quo que a cessão de quotas entre sócios só é permitida com autorização da sociedade, o que constitui uma alteração do disposto no art.º 228º, n.º 2, possível e legal por aplicação do art.º 229º, n.º 3 e prestada, ou não, autorização, a quota será sempre objecto de rateio entre sócios que mostrarem interesse para tal.
4. O art.º 5º, n.º 3 do pacto social, a merecer a interpretação feita pelos autores e acompanhada pelo Mm.º Juiz a quo, é violadora do art.º 229º, n.º 5, que se trata de uma norma imperativa do CSC.
5. Os autores, nos articulados apresentados, e o Mm.º Juiz, na sua decisão, perfilham, a propósito da interpretação do art.º 5º, n.º 3 do pacto social, o entendimento segundo o qual um sócio que pretenda ceder a sua quota a outro sócio deverá solicitar à sociedade a prestação do consentimento para tal e, no caso de ser concedido, terão então “……os demais sócios o direito de participar na cessão de quotas, procedendo-se a rateio da quota entre todos os que nela quiserem participar”.
6. Impõe o art.º 229º, n.º 5 que o contrato de sociedade não pode subordinar os efeitos da cessão a requisito diferente do consentimento da sociedade, embora possa condicionar esse consentimento a requisitos específicos.
7. Confrontada a sociedade e os seus sócios com a pretensão de um dos sócios querer ceder a sua quota a outro sócio, ou presta o consentimento, nos termos do disposto no art.º 230º, ou recusa o consentimento, conforme regulado no art.º 231º.
8. Não pode é proceder o entendimento segundo o qual, prestado o consentimento pelos sócios à cessão da quota, nas condições apresentadas pelo sócio proponente, venham depois aqueles – ou a sociedade – pretender exercer o direito de aquisição da quota.
9. É necessário proceder a uma interpretação daquela norma de molde a que não seja colocada em causa a sua legalidade, podendo-se concluir que a vontade dos sócios da EXBANHO Ldª ao introduzirem no contrato social a norma do art.º 5º, n.º 3 foi a de transporem para o pacto o disposto no art.º 231º, condicionando a eficácia para com a sociedade das cessões de quotas entre sócios à prestação do consentimento, o que é legal ao abrigo do disposto no art.º 229º, n.º 3.
10. Esta interpretação é a única passível de reproduzir a vontade dos sócios com respeito ao quadro legal e influencia, de forma objectiva e necessária, o entendimento a tomar relativamente às demais questões colocadas neste processo, nomeadamente quanto ao momento da prestação do consentimento, do impedimento de exercício do direito de voto pelos sócios e do interesse da sociedade.
11. O art.º 229º, n.º 5 impõe, com carácter imperativo, que o contrato de sociedade não pode subordinar os efeitos da cessão a requisito diferente do consentimento da sociedade. E o consentimento pode ser prestado antes da cessão, no acto desta ou posteriormente a esta, de forma expressa ou tácita.
12. O art.º 228º, n.º 2 está literalmente redigido de modo a pressupor uma cessão já efectuada – “a cessão de quotas não produz efeitos” – e protrai a eficácia desse acto até que o consentimento seja prestado – “enquanto não for consentida por esta” (cfr. Prof. Dr. Raul Ventura, In Sociedade por quotas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Vol. I, 1989, pág. 61.
13. Face ao regime legal aplicável, o pedido de consentimento para as cessões de quotas pode ser pedido antes ou depois daqueles actos serem praticados.
14. A própria decisão judicial admite tal possibilidade ao declarar na alínea e), e referindo-se à cessão de quota já realizada que, e cita-se “…poderão os autores, após autorização a ela prestada pela sociedade, nela participar…”.
15. A douta sentença faz uma errada e ilegal interpretação do art.º 5º, n.º 3 do pacto social ao declarar que, no caso de um dos sócios, os demais sempre teriam direito de rateio, independentemente da prestação, ou não, do consentimento da sociedade.
16. Tal interpretação revela-se ilegal, porque violadora de uma norma imperativa – art.º 229º, n.º 5 – não autorizando que se conclua pela prática pelos requerentes de qualquer violação do contrato de sociedade, ou prática de ilícito relativamente ao interesse da sociedade ou de qualquer um dos sócios.
17. O interesse da sociedade que importa defender não é impedir a transmissão de quotas entre sócios, mas antes conferir a estes o direito de se pronunciarem quanto à prestação, ou não, do consentimento para a cessão, quando solicitado. No caso de não ser autorizada a cessão, deve proceder-se ao rateio da quota proporcionalmente à posição detida pelos sócios que manifestem essa vontade. No caso de os sócios não exercerem esse direito, pertenceria então à sociedade.
18. No caso inverso, isto é, de se verificar a prestação do consentimento para a cessão, não há lugar a rateio, sob pena de, a ser imposto, se verificar a violação da norma imperativa prescrita no art.º 229º, n.º 5.
19. Não se verifica qualquer uma das circunstâncias previstas no art.º 251º que possa servir de fundamento para a declaração de impedimento de votar de qualquer um dos réus, não existindo qualquer conflito de interesses entre aqueles sócios e a sociedade.
20. Ainda que se entendesse que o sócio cedente e o sócio cessionário estivessem impedidos de exercer o direito de voto, ainda assim as deliberações em causa seriam aprovadas, por maioria simples dos votos emitidos.
21. A cessão de quota realizada entre o réu António Manuel e E... foi celebrada na forma legal e é válida e eficaz entre cedente e cessionário.
22. Resultando apenas prejudicada a eficácia de tal cessão perante a sociedade, porque não submetida à apreciação desta, com o consequente pedido de prestação de consentimento (cfr. art.ºs 5º, n.º 3 do pacto social e 228º, n.º 2).
23. Ao ser prestado consentimento, em Assembleia Geral Extraordinária da sociedade recorrente, por maioria de votos, à transmissão de quotas que o réu Abílio Cardoso se propunha realizar aos sócios Rui Filipe e Abílio José, cessou o vício de ineficácia relativa pendente sobre a anterior transmissão celebrada entre o António Manuel Pereira e o Abílio Cardoso, conforme previsto e disposto no art.º 230º, n.º 5 do CSC.
24. Os recorridos, ao participarem nas deliberações sociais que, sob a forma de acta n.º 22, instruíram a celebração em 19 de Janeiro de 2004, no 2º Cartório Notarial de Aveiro, de uma escritura pública de cessões de quotas, em que tiveram intervenção os ora autores B... e C... , ambos na condição de cedentes, representados por Nuno Miguel Filipe Severino, e o autor A..., e o réu E..., ambos como cessionários, estando o primeiro destes representado por José Rafael Marques dos Santos, estando ainda presente como cessionário Manuel Costa, anularam todos os argumentos que serviram de fundamento para formularem na presente acção os pedidos de nulidade e ineficácia.
25. Puseram em causa o alegado interesse da sociedade em manter a estabilidade das participações sociais de cada um dos sócios, já que, e consumadas as cessões ora referidas, a composição do capital social ficou completamente alterado em termos de participações relativas de cada um dos sócios.
26. No que respeita à formação das deliberações sociais, aquilo que os autores entendiam ser fundamento para impedir o exercício do direito de voto dos sócios E..., Rui Filipe e Abílio José Cardoso, deixou agora de o ser, tendo votado todos – quer os cedentes, quer os cessionários – nas deliberações acima referidas.
Os autores ofereceram extensa contra-alegação, pugnando pelo insucesso do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
II - Fundamentação de facto
São os seguintes os factos assentes:
1. Os Autores e os Réus pessoas individuais são sócios da Ré sociedade, que foi constituída por escritura pública de 7 de Julho de 1995, lavrada no Cartório Notarial de Vagos (a folhas 92 verso a 95 verso do Livro nº 183-C), encontrando-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Águeda sob o nº 1946/950928.
2. A sociedade Ré foi constituída com o capital social de trinta milhões de escudos e tem, após o aumento do capital realizado pelos sócios que a constituíram e com a admissão de novos sócios e a sua redenominação para euros, o capital social de € 1.077.403,46, dividido nas seguintes quotas:
- seis de € 134.665,43, pertencentes uma a cada um dos sócios A..., F..., H..., Raquel Tavares Ferreira, I... e J...;
- três de € 67.377,72, pertencendo uma a cada um dos sócios E..., B... e C...;
- duas de € 33.668,86, pertencendo uma a cada um dos sócios L... e K....
3. A divisão das quotas pelo capital social da Ré teve em vista que o grupo formado pelos Autores Paulo e Susana Costa tivesse, em conjunto e através da soma dos valores nominais das suas quotas, uma participação social igual à de cada um dos primeiros seis sócios acima referidos, cada uma das quais representa 12,5% do capital social, e que o mesmo acontecesse com o grupo formado pelo sócio E... e pelos sócios seus filhos L... e K..., cujas quotas em conjunto somam igualmente uma participação no capital social igual à quota de cada um dos primeiros seis sócios, ou seja, a divisão das quotas entre os sócios visou que cada sócio ou grupo de sócios, constituídos por dois irmãos (os Autores Susana e Paulo) ou por pai e filhos (os 2º, 7º e 8º Réus), detivesse um participação equivalente a 12,5 % do capital social.
4. No artigo 5º (quinto) do contrato social, introduzido na escritura de constituição da sociedade Ré, estipulou-se o seguinte:
“NÚMERO UM: Se qualquer um dos sócios, C... e B..., ou ambos, quiserem ceder as suas quotas, não o podem fazer a favor da sociedade, ou outros sócios ou a estranhos, se o gerente Manuel Costa quiser adquiri-las pelo valor que resultar do último balanço aprovado.
NÚMERO DOIS: Na cessão a estranhos de quaisquer outras quotas e das anteriormente referidas, se não forem adquiridas pelo Manuel Costa aludido no número anterior, tem o direito de preferência a sociedade em primeiro lugar e os sócios não cedentes em segundo lugar.
NÚMERO TRÊS: A cessão de quotas entre sócios só é permitida com autorização da sociedade e se mais que um sócio pretender adquirir a quota ou quotas cedidas, a aquisição será feita por rateio.
NÚMERO QUATRO: Fica desde já dispensado o consentimento da sociedade e dos sócios para a cessão de quotas pertencentes aos sócios B... e C... a favor do gerente Manuel Costa”.
5. No dia 04-11-2002, os Autores receberam, por carta registada subscrita pelo gerente da Ré Dr. Rui Cardoso, uma convocatória datada de 30-10-2002, para uma reunião da assembleia geral da sociedade Ré, com a seguinte ordem de trabalhos:
1 - Discutir sobre o assunto MARKAR.
2 - Discutir e deliberar sobre o teor da carta recebida do sócio E... (aqui Réu) a qual integra os seguintes assuntos:
a) Dá conhecimento da aquisição realizada a F... e esposa também aqui Réus da quota por eles detida na sociedade no valor nominal de 134.675,43 Euros, pelo correspondente valor nominal.
b) Declara a vontade de dividir a quota acima referida com posterior cessão a seus filhos K... e L..., cessões a serem realizadas pelo valor nominal e integralmente pagas no acto da escritura a ter lugar até ao final do mês de Dezembro de 2002”.
6. Não fora convocada nem se realizara, até então, qualquer reunião da assembleia geral da sociedade para que esta autorizasse a cessão da quota do sócio F... ao sócio E... nos termos impostos pelo nº 3 do art. 5º do contrato social e para que, se autorizada a cessão os demais pudessem participar, se o pretendessem, na aquisição daquela quota, que seria rateada entre os que quisessem participar na sua aquisição.
7. Em 8 de Novembro de 2002, os Autores dirigiram à gerência e ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral da sociedade Ré, “ao abrigo do disposto no artigo 378º, nº 2, aplicável por força do disposto no artigo 248º, nº 1, ambos do Código das Sociedade Comerciais”, um requerimento solicitando a inclusão na ordem de trabalhos da assembleia geral convocada dos seguintes assuntos:
a) Deliberar não reconhecer tal cessão de quotas e considerá-la nula e ineficaz em relação à sociedade e aos sócios por violação do estipulado no número três do artigo quinto do contrato social e, como consequência, não admitir o sócio E... a representar essa quota e a votar com ela nesta assembleia geral;
b) Deliberar, nos termos da alínea g) do nº 1 do artigo 246º do Código das Sociedades Comerciais, sobre a propositura duma acção judicial pela sociedade, acompanhada ou não dos demais sócios ou daqueles que a pretendam acompanhar, contra o sócio cedente F... e o sócio cessionário E... para declaração da ineficácia e nulidade da cessão de quotas entre ambos efectuada por violação do disposto no número três do artigo quinto do contrato social;
c) Conceder a dois ou mais gerentes da sociedade os poderes necessários para representar a sociedade nessa acção judicial e para constituir advogado que represente a sociedade na mesma acção judicial.
8. Na sequência desse requerimento e “nos termos do disposto no nº 3 do artigo 378º do Código das Sociedades Comerciais”, receberam os Autores nova carta registada com a inclusão daqueles assuntos (aludidos em 7. supra) sob os pontos 3, 4 e 5 na ordem de trabalhos daquela assembleia geral para que haviam sido antes convocados.
9. A cessão de quotas aludida na convocatória entre os sócios F... e Abílio Oliveira Cardoso foi efectuada por escritura outorgada no Cartório Notarial de Vagos em 04-04-2002 (lavrada a fls. 3 a 6 do Livro nº 181-B), e o Réu E... fez inscrever no registo comercial a aquisição daquela quota pela inscrição nº 5 de 17-04-2002, a qual se encontra feita definitivamente.
10. No dia 21 de Novembro de 2002, pelas 18.00 horas, realizou-se a reunião da assembleia geral da Ré sociedade que havia sido convocada nos termos referidos, da qual foi lavrada uma acta que foi apresentada ao Autor Adelino, ao representante dos outros Autores, Manuel Costa e à sócia Raquel Tavares Ferreira para assinar, e na qual, porque entenderam que ela não retratava totalmente o que se passara naquela reunião, os mesmos acrescentaram o que entendiam nela faltar.
11. Nela estiveram presentes os sócios A... (ora Autor), J..., I... e Raquel Tavares Ferreira, cada um titular de uma quota do valor nominal de € 134.675,43; K... e L..., cada uma com uma quota de € 33.668,86; Maria Arlete Cunha de Almeida Gomes, em representação do seu marido, o sócio H..., titular de uma quota de € 134.675,43; Manuel Costa, em representação de seus filhos, os sócios B... e C... (ora Autores), cada um titular de uma quota do valor nominal de € 67.337,72, e E..., titular da quota de € 67.337,72.
12. Este último sócio, E..., referiu intervir a título pessoal e em representação de F..., que fora titular da quota do valor nominal de € 134.675,43 e que, nos termos do número 2 da convocatória, já a cedera ao sócio que invocou representá-lo, E..., apresentando este para tanto uma carta de representação do referido F..., na qual este, invocando ainda a qualidade de sócio, confere ao sócio E... “todos os poderes para, em relação à assembleia geral ordinária de 2002/11/21 pelas 18:00 horas, deliberar nos termos e nas condições que entender, exercendo em meu nome o direito de voto que me assiste”.
13. Durante aquela reunião da assembleia geral foi apresentada uma cópia duma carta datada de 22-10-2002 enviada à sociedade em nome do sócio E..., dando conhecimento de que por escritura celebrada em 04-04-2002, no Cartório Notarial de Vagos, havia feito a aquisição da participação social que F... e mulher G... detinham na sociedade representada por uma quota do valor nominal de 134.675,43 Euros e que era sua intenção proceder à divisão daquela quota em duas novas quotas de valor igual, para posterior cessão aos seus dois filhos Dr. K... e Dr. L....
14. Desde logo os ora Autor Adelino e o representante dos Autores Paulo e Susana Costa, Manuel Costa, manifestaram a sua estranheza e verberaram a atitude do sócio E... de ter ocultado até agora da sociedade e dos sócios aquela cessão de quotas, tendo intervindo depois dela nas reuniões da assembleia geral de 30-04-2002 e de 22-05-2002, conforme actas respectivas n.ºs 15 e 16, sem dar a conhecer a cessão da quota já então efectuada.
15. Mais se insurgiram contra o facto de, apresentando-se já o sócio E... e como cessionário da quota de que era titular o sócio F..., contraditoriamente o mesmo sócio se apresentasse como representante daquele sócio naquela reunião da assembleia geral, bem como se insurgiram contra o facto de o sócio E..., quer por si enquanto cessionário da quota, quer na qualidade por ele invocada de representante do sócio F..., enquanto cedente da quota, poder votar nos assuntos submetidos sob os pontos 2 a 5 àquela reunião da assembleia geral em representação da sua quota e da quota adquirida a F....
16. Todavia, assim não o entenderam os demais sócios, que para todos os efeitos admitiram o dito sócio a intervir na reunião e a votar nas duas qualidades indicadas, por si e enquanto representante do sócio F... sobre todos os pontos da assembleia geral.
17. Ao entrar-se no ponto dois da ordem de trabalhos, foi apresentada uma proposta subscrita pelos sócios Adelino Santos (o ora Autor) e Raquel Tavares Ferreira e pelo representante dos ora Autores, B... e C..., Manuel Costa, com o seguinte teor:
“Considerando que a cessão de quotas agora comunicada à sociedade feita pelo sócio F... ao sócio E... foi feita sem o consentimento da sociedade e com violação frontal do estipulado no número três do artigo quinto do contrato social e que a sociedade e os sócios não devem reconhecer essa cessão de quotas, mas sim impugná-la, propõem os sócios abaixo assinados que a sociedade e os sócios deliberem:
a) Não reconhecer tal cessão de quotas e considerá-la nula e ineficaz em relação à sociedade e aos sócios por violação do estipulado no número três do artigo quinto do contrato social e, como consequência, não admitir o sócio E... a representar essa quota e a votar com ela nesta assembleia geral;
b) Nos termos da alínea g) do nº 1 do artigo 246º do Código das Sociedades Comerciais, que a sociedade, acompanhada ou não dos demais sócios ou daqueles que a pretendam acompanhar, proponha uma acção judicial contra o sócio cedente F... e o sócio cessionário E... para declaração da ineficácia e nulidade de cessão de quotas entre ambos efectuada por violação do disposto no número três do artigo quinto do contrato social, e para posterior exercício ou não pelos sócios que o pretendam fazer dos direitos que lhes são conferidos pelo citado número três do artigo quinto do contrato social;
c) Conceder a quaisquer dois dos gerentes da sociedade, com excepção dos gerentes E... e seus filhos, os poderes necessários para representar a sociedade nessa acção judicial e para constituir advogado que represente a sociedade na mesma acção judicial”.
18. Logo após a apresentação daquela proposta, foi entendido pela maioria dos sócios que aquela proposta estaria já enquadrada nos pontos 3, 4 e 5 da ordem de trabalhos acima referida e que seria apreciada quando se entrasse nesses pontos da ordem de trabalhos, pelo que de imediato foi submetido à votação o ponto dois da mesma ordem de trabalhos, tendo o mesmo sido aprovado com os votos contra dos sócios Adelino (ora Autor), Paulo Bruno e Susana Costa (ora Autores) e Raquel Ferreira, e os votos a favor dos demais.
19. Sobre o ponto 2 da ordem de trabalhos não foi apresentada por qualquer sócio qualquer proposta, designadamente, no sentido de ser prestada pela sociedade, a posteriori, a sua autorização à cessão de quotas feita entre os sócios e de ser prestado o seu consentimento à divisão da quota adquirida e a sua autorização à cessão das duas quotas resultantes da divisão aos sócios Drs. K... e L....
20. Na acta respectiva fez-se constar que aquele ponto foi aprovado.
21. Relativamente aos pontos 3, 4 e 5 da ordem de trabalhos foi submetida à votação a proposta dos sócios Adelino (ora Autor), Raquel Tavares Ferreira e representante dos Autores Paulo e Susana, referida supra (em 17.), a qual mereceu os votos a favor dos sócios e representante dos sócios seus subscritores, representando 37,5 % do capital social, e os votos contra dos demais sócios presentes e representados.
22. Pelos sócios que votaram a favor da proposta foi invocado o impedimento do voto por parte do sócio E..., enquanto votava por si e também em representação do F... (sócios respectivamente cedente e cessionário na cessão de quotas então feita sem autorização da sociedade), porquanto aqueles sócios se encontram numa situação de conflito de interesses com a sociedade quanto às matérias que eram objecto das deliberações.
III – Fundamentação de direito
A apreciação e decisão do presente recurso, delimitado, como se sabe, pelas conclusões da alegação dos apelantes (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil), passam pela análise e resolução das questões jurídicas seguintes:
q Relevância dos factos supervenientes;
q Validade e eficácia da cessão de quota realizada a 4 de Abril de 2002;
q Validade das deliberações tomadas na assembleia geral de 21 de Novembro de 2002.
Debrucemo-nos, então, sobre cada uma dessas questões.
1 – Relevância dos factos supervenientes
Na parte final do corpo alegatório, os apelantes aludem à realização em 11 de Novembro de 2003 da assembleia geral da Ex Banho e à escritura pública de cessão de quotas de 19 de Janeiro de 2004, considerando tais factos relevantes, na medida em que os autores, afinal, vieram a adoptar o procedimento que censuram, nesta acção relativamente à cessão de quotas e intervenção na assembleia em que tal se discutiu e deliberou.
Independentemente da validade dos argumentos expendidos pelos apelantes a propósito desses factos, o certo é que os mesmos não podem ser aqui considerados. Desde logo, respeitam a factos distintos, dado referirem-se a assembleia geral diferente e a outra cessão de quotas. Não configuram, por isso, factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito objecto da presente acção a que se refere o art.º 506º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil.
Acresce que a discussão da causa encerrou-se a 9 de Outubro de 2003, com a realização da audiência preliminar, e esses factos só vieram a ser deduzidos em sede de recurso a 14 de Junho de 2004, ou seja, fora de prazo (art.º 506º, nºs 1 a 4 do Cód. Proc. Civil).
Assim sendo, não se admite a articulação superveniente de tais factos e a junção dos documentos que os suportam.
2 – Validade e eficácia da cessão de quotas de 4 de Abril de 2002
Em causa está a validade e eficácia da cessão da quota detida pelo sócio F... no capital social da ré Ex Banho, no valor nominal de € 134.675,43, ao sócio E..., através de escritura pública outorgada em 04-04-2002, no Cartório Notarial de Vagos.
O art.º 5º, n.º 3 do pacto social da ré Ex Banho dispõe que «a cessão de quotas entre sócios só é permitida com autorização da sociedade e se mais que um sócio pretender adquirir a quota ou quotas cedidas, a aquisição será feita por rateio». Esta norma estatutária, ao erigir a autorização da sociedade a requisito legal de eficácia da cessão, é válida e está em consonância com o disposto nos art.ºs 228º, n.º 2 – parte final – e 229º, n.º 3 do CSC, tanto mais que, actualmente, a regra na transmissão de quotas por acto inter vivos é a da necessidade de consentimento da sociedade (art.º 229º, n.º 2 do CSC) Cfr., neste sentido, Raul Ventura, Sociedade por Quotas, Vol. I, 2ª edição, pág. 584..
A falta desse consentimento não interfere, contudo, com a validade da cessão. Antes dele ser obtido, a cessão de quota, embora plenamente válida e eficaz nas relações entre cedente e cessionário (relações internas) não passaria, relativamente ao corpo social, de "res inter alios acta". Significa isto que o consentimento não tem necessariamente que preceder a cessão de quota, a qual pode ser validamente cedida sem ele, mas a sua eficácia relativamente à sociedade fica dependente da obtenção do mesmo. O consentimento constitui apenas requisito de eficácia da cessão de quota em relação à sociedade Cfr,, neste sentido, Raul Ventura, obra citada, págs. 585/587, 617/618 e 623/624..
Revertendo ao caso em apreço, temos assim que reconhecer, não obstante a falta de consentimento da sociedade, plena validade e eficácia à cessão de 4 de Abril de 2002, nas relações entre cedente e cessionário (relações internas), e a sua ineficácia relativamente à sociedade. O sobredito nº. 2 do artº. 228º do CSC é perfeitamente claro, a este respeito, ao postular que "a cessão de quotas não produz efeitos para com a sociedade enquanto não for consentida por esta", o que vale por dizer que enquanto tal consentimento não for dado o acto de cessão será em relação a si totalmente ineficaz. Enquanto a cessão não for consentida, a sociedade pode ignorá-la, tudo se passando como se nenhuma cessão tivesse existido.
Importa, porém, apreciar se entretanto essa falta ficou suprida ou sanada com as deliberações a tal respeito tomadas na assembleia geral da sociedade levada a cabo em 21-11-2002, no fundo a terceira questão atrás enunciada.
3 - Validade das deliberações tomadas na assembleia geral de 21 de Novembro de 2002
Na decisão recorrida entendeu-se que as deliberações tomadas na referida assembleia geral eram anuláveis, por nelas terem votado o cedente e o cessionário da quota bem como os filhos deste, que estariam impedidos de o fazer, dado ocorrer um conflito de interesses entre eles e a sociedade (art.º 251º do CSC).
Não nos parece inteiramente acertado o entendimento ali vertido.
É certo que até àquele momento não fora ainda obtido o consentimento da sociedade para a cessão de quota já realizada entre os sócios António Pereira e Abílio Cardoso, o que, como se disse, tornava essa cedência apenas ineficaz relativamente à própria sociedade ré. Perante esta, aquele, não obstante a cedência de quota, continuava a ser seu sócio Cfr., neste sentido, Raul Ventura, obra citada, pág. 586. e, de acordo com o art.º 21º, n.º 1 b) do CSC, podia intervir e votar na assembleia Cfr., neste sentido, Raul Ventura, obra citada, pág. 627., quer pessoalmente quer através de quem o representasse (art.º 249º, n.º 4 do CSC). Nada impedia, portanto, que o mesmo confiasse a sua representação ao Abílio Cardoso e este, na dupla qualidade de sócio e de representante daquele, interviesse e votasse nessa assembleia geral.
Também não se vê qualquer óbice a que os mesmos, bem como os filhos de um deles, também sócios, tivessem deliberado sobre o reconhecimento da cessão de quota em causa (art.º 230º, n.º 2 do CSC), ainda que na mesma tenham óbvio interesse. É que o seu interesse não conflitua com o interesse societário e nem é maior ou menor do que o dos restantes sócios, inclusive o dos autores. Todos os sócios são potenciais interessados em exercer a preferência estatutariamente conferida e ao cedente é-lhe indiferente o destino da quota, enquanto que o cessionário e os filhos terão interesse em manter a quota na sua titularidade, ainda que repartida. Logo, todos eles tinham óbvio interesse nas deliberações referentes à cessão da quota. Esse interesse, todavia, não podia implicar qualquer impedimento de participar na votação. De outro modo, todos eles estariam impedidos, o que inviabilizaria que a assembleia tomasse qualquer deliberação sobre essa matéria.
Proibido de votar está apenas o sócio que se encontre numa situação de conflito de interesses com a própria sociedade (art.º 251º, n.º 1 do CSC). E, no caso, não se descortina a existência de qualquer conflito de interesses entre a sociedade ré e qualquer dos seus sócios. O conflito de interesses respeitava tão só aos próprios sócios, não gerando, por isso, impedimento a que cada um deles exercesse o seu voto assembleia geral em que se deliberou sobre o consentimento da sociedade ré à cessão de divisão de quota.
Aliás, a alínea e) do n.º 1 do art.º 251º do CSC apenas proíbe o voto na deliberação sobre o consentimento previsto no art.º 254º, n.º 1 do CSC, ou seja, o relativo ao exercício da actividade concorrente com a da sociedade. Ao impedir o voto só para esse consentimento, o legislador não encontrou motivo para alargar esse impedimento a outros consentimentos, designadamente à cessão de quota (art.º 228º, n.º 2 do CSC) e divisão de quota (art.º 221º, n.º 6 do CSC) Cfr., a este propósito, Raul Ventura, obra citada, Vol. II, págs. 285/286..
Significa isto que, ao invés do que se entendeu na decisão recorrida, não havia qualquer impedimento a que todos os presentes votassem as deliberações tomadas na referida assembleia geral, na medida em que não se verificava o pretenso conflito de interesses a que alude o art.º 251º do CSC. E tendo as mesmas sido tomadas por maioria, sem que algum sócio se propusesse exercer a preferência, o que faria desencadear o processo de rateio estatutariamente previsto, há que reconhecer a validade do consentimento aí prestado, que não está eivado de qualquer vício e acarreta a eficácia das aludidas cessão e divisão de quota.
Não se vê igualmente razão para considerar abusivas e anuláveis as deliberações tomadas na referida assembleia geral da sociedade ré. É certo que, segundo o art.º 58º, n.º 1, al. b) do C.S.C., são anuláveis as deliberações sociais que sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos. Só que, face à materialidade que resultou provada, nenhum destes pressupostos se verifica.
As deliberações da assembleia geral devem ser sempre motivadas pelo interesse da sociedade, confiando a lei à maioria a definição do interesse social. É claro que pode haver abuso do direito de voto se os sócios da maioria procuram, com o voto, servir interesses extra-sociais, seus ou de terceiros, em prejuízo da sociedade ou em detrimento de sócios minoritários.
Todavia, para que uma deliberação seja havida como abusiva é necessário que o seu contexto envolva as proporções de um excesso manifesto. "Sem este ingrediente de flagrante e marcada iniquidade, não poderá haver abuso do direito. Não será, sem mais, abusiva, a deliberação da maioria apenas susceptível de causar um dano à sociedade ou aos outros sócios na prossecução de vantagens especiais, mas aquela que traduza esta ideia na forma ou na dimensão de um excesso manifesto, abrindo margem à situação de clamorosa injustiça de que falam os autores e quanto à qual, só verificada ela, poderá fazer-se disparar a eficácia reparadora do abuso do direito " Cfr. , neste sentido, Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios, 1993, Almedina, pág. 389..
Ora, nada disto se apurou. Como já se disse, o exercício do direito de voto foi formalmente regular e, por seu turno, o consentimento (para a cessão e divisão de quota) foi obtido, sem propósito ilegítimo ou lesivo do interesse social ou de algum dos sócios. Daí que as deliberações, a esse respeito tomadas na referida assembleia, não estejam marcadas por flagrante iniquidade e, atento todo o seu contexto, cremos não poder afirmar-se que envolvem proporções de manifesto excesso. Equivale isto por dizer que, contrariamente ao que decidiu a 1ª instância, as mesmas não devem ser consideradas abusivas.
Procedem, pois, em parte as conclusões dos apelantes, o que implica o sucesso do recurso e a revogação da decisão recorrida.
V - Decisão.
Pelo exposto, decide-se, na procedência da apelação, revogar o saneador-sentença recorrido e julgar a acção improcedente, absolvendo os réus dos pedidos.
Custas pelos apelados.
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Coimbra, 18 de Janeiro de 2005