Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
169/07.3TBPCV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Data do Acordão: 01/06/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE PENACOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1ºE 2º DO CP; 27º,28º,41º E 58º DO DL 433/82 DE 27/10
Sumário: 1.O artigo 27º do RGCO não estabelece rígidas molduras contra-ordenacionais abstractas a que as várias contra-ordenações terão que corresponder (por “colagem”), mas sim um sistema geral maleável por referência aos mínimos e máximos abstractos dos concretos tipos contra-ordenacionais.E isso por referência à maior gravidade dos ilícitos contra-ordenacionais, a aferir pelos quantitativos das coimas cominadas.

2. No caso, há clara omissão de pronúncia, na medida em que se impunha quer à entidade administrativa quer ao tribunal a quo, numa primeira fase, a precisa delimitação legal da situação de facto apresentada e, numa segunda fase e constatando a sucessão de normas incriminatórias, proceder à aplicação da lex mitior, visto o disposto no artigo 2º, nº 4 do Código Penal, aplicável ex vi do disposto no artigo 32º do RGCO.

3. Verifica-se insuficiência para a decisão da matéria de facto provada relativamente à forma como a recorrente terá usado águas e feito a sua rejeição, o que determinam, nos termos do artigo 426º do Código de Processo Penal, o reenvio dos autos para novo julgamento relativamente à questão.

Decisão Texto Integral:


Tribunal da Relação de Coimbra
4ª Secção (Criminal)
32

A - Relatório:

Por decisão de 09.10.08, no âmbito do Processo Contra-Ordenacional n.º CO/…/05, a Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território condenou a arguida J. … Lda., contribuinte fiscal n.º …, sediada, V., na coima única no valor de € 22.000,00, imputando-lhe a prática das seguintes contra-ordenações:

Uma contra-ordenação p. p. pelas disposições do n.° 1 do art. 8.° e n.° 1 do art. 20.° do Decreto-Lei n.º 239/97, de 9 de Setembro, com coima de € 2.498,99 a € 44.891,81 e com uma das sanções acessórias previstas no mencionado diploma legal – a que fez corresponder a coima de € 5.000,00;

Uma contra-ordenação p. p. pelas disposições conjugadas do n.º 1 do art. 16.º e n.° 2 do art. 20.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 239/97, de 9 de Setembro, com coima de € 500,00 a € 14.964,00 e com uma das sanções acessórias previstas no mencionado diploma legal – a que fez corresponder a coima de € 1.000,00;

Uma contra-ordenação p. p. pelas disposições conjugadas do n.º 1 e 2 do art. 19.°, e alínea m) do n.º 1 do art. 24.° do Decreto-Lei n.º 196/2003, de 23 de Agosto, com coima de € 500,00 a € 44.800,00 e com uma das sanções acessórias previstas no mencionado diploma legal – a que fez corresponder a coima de € 5.000,00;

Uma contra-ordenação p. p. pelas disposições conjugadas do n.º 1 do art. 20.° e alínea m) do n.º 1 do art. 24.° do Decreto-Lei n.º 196/2003, de 23 de Agosto, com coima de € 500,00 a € 44.800,00 e com uma das sanções acessórias previstas no mencionado diploma legal – a que fez corresponder a coima de € 2.500,00;

Uma contra-ordenação p. p. pelas disposições conjugadas do n.º 5 do art. 20.° alínea m) do n.º 1 do art. 24.° do Decreto-Lei n.º 196/2003, de 23 de Agosto, com coima de € 250,00 a € 3.740,00 e com uma das sanções acessórias previstas no mencionado diploma legal – a que fez corresponder a coima de € 2.500,00;

Uma contra-ordenação p. p. pelas disposições conjugadas dos arts. 19.° a 35.º e 86.°, n.º 1 alínea p) e n.º 2 e alínea a) do Decreto-Lei n.° 46/94, de 22 de Fevereiro, com coima de € 250,00 a € 5.000,00 e com uma das sanções acessórias previstas no mencionado diploma legal – a que fez corresponder a coima de € 1.000,00;

Uma contra-ordenação p. p. pelas disposições conjugadas dos arts.36° a 40.º alínea x) do n.º 1 e alínea c) do n.º2 do art. 86.° do Decreto-Lei n.° 46/94, de 22 de Fevereiro, com coima de € 2.493,99 a € 2.493.989,49 e com uma das sanções acessórias previstas no primeiro dos referidos diplomas legais – a que fez corresponder a coima de € 5.000,00;

Uma contra-ordenação p. p. nos termos do n.º 4 do art. 22.° e alínea i) do n.º 1 art. 25.° do Decreto-Lei n.º 153/2003, de 11 de Julho, conjugado com o Despacho n.º 9627/2004 (2.a série), publicado a 15 de Maio de 2004, com coima de € 500,00 a € 44.800,00 e com uma das sanções acessórias previstas no primeiro dos referidos diplomas legais – a que fez corresponder a coima de € 1.000,00;

Uma contra-ordenação p. p. nos termos da alínea b) do art. 5.°, e alínea b) do n.º 1 do art. 25.° do Decreto-Lei n.º 153/2003, de 11 de Julho, a que cabe a coima de € 500,00 a € 44.800,00 e com uma das sanções acessórias previstas no mencionado diploma legal – a que fez corresponder a coima de € 1.000,00.

No recurso de contra-ordenação supra numerado que correu termos na Comarca de Penacova, por sentença de 12 de … de 2009 foi decidido:

Considerar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o recurso de impugnação judicial apresentado pela arguida/recorrente J… Lda., e em consequência:

Condenada a arguida pela prática das seguintes contra-ordenações:

- contra-ordenação p. p. pelas disposições do n.° 1 do art. 8.° e n.° 1 do art. 20.° do Decreto-Lei n.º 239/97, de 9 de Setembro – na coima de € 2.550,00;

- contra-ordenação p. p. pelas disposições conjugadas do n.º 1 do art. 16.º e n.° 2 do art. 20.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 239/97, de 9 de Setembro – na coima de € 550,00;

- contra-ordenação p. p. pelas disposições conjugadas do n.º 1 e 2 do art. 19.°, e alínea m) do n.º 1 do art. 24.° do Decreto-Lei n.º 196/2003, de 23 de Agosto – na coima de € 600,00;

- contra-ordenação p. p. pelas disposições conjugadas do n.ºs 1 e 5 do art. 20.° e alínea m) do n.º 1 do art. 24.° do Decreto-Lei n.º 196/2003, de 23 de Agosto – na coima de € 600,00;

- contra-ordenação p. p. pelas disposições conjugadas dos arts. 19.° a 35.º e 86.°, n.º 1 alínea p) e n.º 2 e alínea a) do Decreto-Lei n.° 46/94, de 22 de Fevereiro – na coima de € 260,00

- contra-ordenação p. p. pelas disposições conjugadas dos arts.36° a 40.º alínea x) do n.º 1 e alínea c) do n.º2 do art. 86.° do Decreto-Lei n.° 46/94, de 22 de Fevereiro – na coima de € 2.650,00;

- contra-ordenação p. p. nos termos do n.º 4 do art. 22.° e alínea i) do n.º 1 art. 25.° do Decreto-Lei n.º 153/2003, de 11 de Julho, conjugado com o Despacho n.º 9627/2004 (2.a série), publicado a 15 de Maio de 2004 – na coima de € 600,00.

Absolvida a arguida/recorrente das demais contra-ordenações que lhe vinham imputadas;

Operando o cúmulo jurídico das coimas acabadas de referir, em conformidade com o disposto no art. 19.º do RGCOC, foi a arguida/recorrente J… Lda., condenada no pagamento da coima única de € 4.000,00.


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Inconformada com uma tal decisão, dela interpôs a arguida o presente recurso, pedindo que seja revogado o despacho recorrido, com as seguintes conclusões:

1- Foi a ora recorrente condenada (contra-ordenações n°s 1 e 2) por ter alegadamente incumprido o disposto nos artigos 8°, n° 1 e 16º, nº 1 do DL 239/97 de 09/09 - ora, o DL 239/97 de 09 de Setembro há muito que foi revogado pelo DL 178/2006 de 05/09, não se encontrando em vigor desde Setembro de 2006.

2- Sendo que o DL 178/2006 de 05/09, não contém qualquer disposição penalizadora da não manutenção de registos actualizados de resíduos.

3- O douto tribunal a quo condenou a ora recorrente por ter violado as regras contidas naquele DL 239/97 de 09/09, sem cuidar de saber se estas eram, ou não, em concreto, mais favoráveis ao agente, violando, assim, o disposto no artigo 30, nº 2 do DL 433/87 de 27/10, na redacção que lhe foi dada pelo DL 244/95 de 14/09, bem como o n° 4 do artigo 20 do Código Penal.

4- Deixou assim, o douto tribunal a quo de se pronunciar sobre questão que se lhe impunha que apreciasse, o que determina a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379°, n° 1 ai. c), nulidade essa que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

5- Nos termos do artigo 50 do DL 433/82 de 27/10, na redacção que lhe é dada pelo DL 244/95 de 14/09, o facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou, ou seja, no caso concreto, em 22 de Janeiro de 2005, pelo que não pode já ser a ora recorrente responsabilizada pela prática das infracções supra descritas sob os n°s 2, 3, 4, 5 e 7 pois que prescreveram os respectivos procedimentos contra­ordenacionais, prescrição essa que ora se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

6- A entender-se que para efeitos de aferição da prescrição de uma contra-ordenação cuja coima tenha um montante máximo inferior a 49.879,79€ deve ter-se em conta o limite máximo aplicável e não a moldura contra-ordenacional da mesma, ou seja, a aplicar-se a alínea b) do artigo 27º, interpretada no sentido de que a expressão legal dela expressamente constante "coima de montante igual a € 2 493,99 e inferior a € 49 879,79" quer referir-se ao montante máximo da coima aplicável, far-se-á uma aplicação e interpretação anticonstitucional da referida alínea b) do artigo 27° do DL 433/82 de 27/10, na redacção que lhe é dada pelos DL 244/95, de 14/09 e Lei 109/2001 de 24/12 e do princípio, penal e constitucionalmente consagrado, da legalidade.

7 - Vinha a ora recorrente acusada e foi condenada, relativamente à contra-ordenação n° 5, por ter infringido, dezassete artigos do DL 46/94, mais exactamente, toda a sua "Secção II",com a epígrafe "captação de água", e relativamente à contra-ordenação n° 6, por ter infringido cinco artigos do referido DL 46/94, mais exactamente, toda a sua "Secção III",com a epígrafe "rejeição de águas residuais".

8- Ora, não pode de forma alguma considerar-se a alusão a uma infinidade de normas, a maioria das quais, ou não se aplicam à ora recorrente, ou são insusceptíveis de ser por ela violadas, o cumprimento de imposição legal de informar o arguido sobre que legislação violou e, consequentemente, que tipo de defesa deve apresentar, impedindo-o, nomeadamente, de saber que requisitos do tipo legal de crime (ou contra-ordenação) tem de elidir para que o mesmo não possa ser considerado preenchido.

9- O mesmo é dizer que não pôde a ora recorrente cabalmente defender-se, uma vez que não lhe foi dado a conhecer o "ilícito-tipo" por que foi acusada e condenada, pelo que estava a decisão administrativa condenatória ferida de nulidade, nulidade essa que se estende à douta decisão de que se recorre e que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

10- Não tendo o douto tribunal a quo rejeitado, nesta parte, a acusação deduzida contra a ora recorrente e/ou declarado a sua nulidade por falta de cumprimento dos requisitos do artigo 283° do Código de Processo Penal, deixou de se pronunciar sobre questão de que podia e devia pronunciar-se, o que importa, também por este motivo, a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379° nº 1, alínea c), nulidade essa que ora também expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

11- Os factos dados como provados na Factualidade Assente da douta sentença proferida, sob os pontos 10°), 11 0), 12°) e 41°), únicos relevantes para a boa decisão da causa relativamente às contra-ordenações n°s 5 e 6, não permitem a condenação da ora recorrente pela prática das mesmas, sendo manifestamente insuficientes para fundamentar a decisão de condenação tomada pelo douto Tribunal a quo.

12- Com efeito, relativamente à contra-ordenação n° 5, punida pela alínea p) do artigo 86° do DL 46/94 de 22/02 ("captação, retenção ou derivação de águas, sem a respectiva licença") não está dado como provado que a ora recorrente, à data da inspecção, captava, retinha ou derivava águas de onde quer que fosse e apenas esse facto poderia levar a perguntar se tal actividade - que, repete-se, teria que estar dada como provada - estaria, ou não, a ser exercida com a respectiva licença.

13- O mesmo é dizer que errou o douto Tribunal a quo na apreciação que fez da prova, erro esse que é notório, no sentido em que salta à vista, bastando uma leitura até superficial, que aqueles factos dados como provados não integram nenhuma infracção ou comportamento ilícito (pelo contrário), designadamente, não integram o "ilícito tipo" da contra-ordenação por que foi a ora recorrente condenada, sendo que tais vícios resultam claramente do próprio texto da decisão de que se recorre, que, por si só, basta para fazer o leitor perceber que, para que pudesse ser formulada aquela decisão final, faltam elementos integradores do tipo.

14- O mesmo se diga, ipsis verbis, relativamente à contra-ordenação n° 6 por que foi condenada a ora recorrente, "rejeição de águas degradadas directamente para o sistema de esgotos, ou para cursos de água, sem qualquer tipo de mecanismos que assegurem a depuração destas", pois não está dado como provado que a ora recorrente rejeitava águas degradadas para o sistema de esgotos, ou para qualquer curso de água e apenas estes dois comportamentos, desde que efectuados sem quaisquer mecanismos que assegurem a depuração daquelas águas, são punidos pela alínea x) do artigo 86° do DL 46/94 de 22/02, por que foi condenada a ora recorrente.

15- A ora recorrente não é entidade gestora, nem produz quaisquer óleos novos, pelo que, nos termos do artigo 22° do DL 153/2003 de 11/07, sobre a ora recorrente não impendia, nem impende, qualquer dever de comunicação de dados a quem quer que seja, o que significa que não praticou a ora recorrente, nem podia ter praticado, a infracção punida pela alínea i) do artigo 25° do DL 153/2003 de 11/07 (contra-ordenação n° 7).

16- O "facto", dado como provado sob o ponto 13°) da Factualidade Assente da douta sentença proferida, único com relevância para a boa decisão sobre a prática da contra-ordenação n° 7, não corresponde à verdade, o que pode ser verificado através da consulta do processo e dos documentos juntos pela ora recorrente a fls. 119, 1120, 1121 e 1122 dos autos, o que se consubstancia em erro na apreciação da prova, erro este claramente notório, pois resulta da análise dos documentos juntos aos autos.

17 - Certo é que não está dado como provado que a entidade fiscalizadora, a entidade administrativa que aplicou a coima, ou sequer o douto Tribunal a quo solicitaram à ora recorrente a disponibilização dos mapas trimestrais em causa, e apenas essa obrigação, e nenhuma outra, impendia sobre a mesma, pelo que os factos dados como provados não permitem a condenação da ora recorrente.

18- Por outro lado, mesmo que se entendesse - o que não se aceita de todo em todo e apenas por mera hipótese de trabalho se aflora - que a ora recorrente praticou todas as contra-ordenações por que foi condenada, ainda assim foram demasiado gravosas as coimas parcelares aplicadas, bem como a coima única encontrada em cúmulo jurídico.

19- A ora recorrente praticou todos os actos necessários por forma a colocar-se na posição de estar a laborar em perfeito e completo cumprimento de todas as exigências e obrigações legais e obtendo, como obteve, todas as autorizações necessárias, não se encontrando nessa posição à data da inspecção porque de tal foi impedida pela administração local, concretamente, pela Câmara Municipal de ….

20- Tal actuação por omissão por parte da Câmara Municipal de …, vem constituindo, desde há sete anos a esta parte, um perigo diariamente actual para a ora recorrente, pois constitui um diário entrave à sua normal laboração e ao prosseguimento da sua actividade e objecto social, podendo determinar a sua "morte" como empresa geradora de riqueza e impedi-la de satisfazer todos os seus compromissos, designadamente e em especial, os seus compromissos sociais para com os seus trabalhadores, que de si dependem, bem como os seus agregados familiares.

21- Não pode, nestas circunstâncias, ser considerada ilícita a conduta da ora recorrente, uma vez que a mesma é absolutamente necessária à sua sobrevivência e à dos seus 17 trabalhadores.

22- A douta sentença proferida não contém qualquer fundamentação que permita ao leitor apreender os motivos e factos que presidiram à decisão de afastar as causas de exclusão da ilicitude e da culpa invocadas pela ora recorrente na sua impugnação judicial e, face aos mesmos, aferir da bondade e justeza da decisão proferida, não estando a mesma minimamente fundamentada, nem sequer de forma "concisa", sendo certo que a que Factualidade Assente descrita nos pontos 16° a 40° desde logo imporia decisão diferente da tomada.

23- Tal omissão de fundamentação consubstancia-se na nulidade da sentença, nos termos do artigo 379°, n° 1, alínea a), nulidade essa que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

24- Com efeito e ao contrário do afirmado na douta sentença proferida, face aos factos dados como provados, podia e devia o douto Tribunal a quo ter concluído pela existência de um direito de necessidade, que exclui a ilicitude.

25- O argumento usado na douta sentença proferida contém, em si mesmo, uma contradição intrínseca e insanável, pois que se por um lado considera "diminuta" a culpa da ora recorrente, por outro entende que existem "consideráveis necessidades de prevenção especial", sem especificar, no entanto, quais são e em que factos se traduzem.

26- Por outro lado, porque se a Audiência de Discussão e Julgamento tivesse tido lugar a 29/05/2007, 1ª data designada para a mesma, como teria tido se a Câmara Municipal … tivesse junto aos autos, como foi notificada para fazer e podia e devia ter feito, os documentos que lhe foram solicitados, não caberiam na douta sentença considerações acerca da "crise" - que não existia ainda - e da situação económica da ora recorrente "por referência aos parâmetros médios".

27 - O mesmo é dizer que não seria, como se verifica que foi, o árduo trabalho da ora recorrente, traduzido no empenho, sacrifícios e provações que teve de fazer para conseguir, apenas, manter-se em laboração sem despedir trabalhadores, e que, afortunadamente, deu frutos, valorado contra si.

28- A tudo acresce que foi agora, quase oito anos depois, finalmente deferida, pela Câmara … a construção do tão desejado e há muito projectado armazém de reciclagem, indo a ora recorrente iniciar as obras imediatamente após a efectiva emissão da respectiva licença, assim tornando nulas as já "diminutas" necessidades de prevenção especial.

29- Ao decidir da forma expendida na douta sentença proferida, violou o douto tribunal a quo, entre outros, os artigos 80°, nº 1, alínea a) do DL 178/2006 de 05/09, 22°, nº 4 e 25°, nº 1, alínea i) do DL 153/2003 de 01/07,1°, 2°, 3°, 8°, 18°, 27°, 27°-A e 28° do DL 433/82 de 27/10, na redacção que lhe foi dada pelos DL 244/95 de 14/09 e Lei 109/2001 de 24/12,2°, nº 4, 13°, 15°,34° e 35° do Código Penal, 283°, nº 3, 374°, nº 2, 379°, n° 1, alíneas a) e c) e 410° do Código de Processo Penal e 32°, n° 10 da Constituição da República Portuguesa e os princípios contra­ordenacional, penal e constitucionalmente consagrados da legalidade, da tipicidade, do tratamento mais favorável, da nulla poena sine culpa, da proporcionalidade e adequação e do nullum crimen sine culpa.

Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser declarada nula a douta sentença proferida, ou a ora recorrente absolvida das contra-ordenações por que foi condenada.


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A Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Penacova apresentou resposta, defendendo a manutenção do decidido.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Foi observado o disposto no nº 2 do artigo 417° do Código de Processo Penal.

A arguida apresentou resposta defendendo a manutenção do despacho recorrido e apresentou novas conclusões após convite.

Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.


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B - Fundamentação:

B.1.a) - Face aos elementos constantes dos autos, são estes os elementos de facto relevantes para a apreciação do recurso:

1) A sociedade J. Lda. encontrando-se em funcionamento, foi, no dia 22 Setembro de 2005, objecto de uma acção de fiscalização.
2) O estabelecimento recebe sucatas de metais ferrosos e não ferrosos, veículos em fim de vida (VFV), resíduos de construção e demolição e resíduos de equipamentos eléctricos e electrónicos.
3) Dos mencionados VFV a recorrente retira os acumuladores de chumbo, também designados por baterias, os óleos usados e os respectivos pneus.
4) A recorrente não possui autorização prévia, cuja emissão compete ao Instituto dos Resíduos, que a habilite a efectuara s operações de recepção, triagem, armazenamento e expedição de VFV.
5) Possui apenas uma Autorização prévia destinada ao projecto elaborado pela recorrente, passada pela então DRAOT - Centro (actual CCDR-Centro), cuja validade está à obtenção da aprovação do projecto das instalações industriais e está condicionada à autorização de laboração, emitida pela entidade licenciadora da actividade, na sequência da vistoria regulamentarmente prevista.
6) A recorrente procede à alteração da forma física dos veículos em fim de vida recebidos, sem que os mesmos tenham sido devidamente desmantelados, nem que existam quaisquer certificados de desmantelamento.
7) Apesar da empresa recorrente possuir um mapa dos resíduos geridos, para o ano de 2004, o mesmo não se encontra devidamente preenchido, não sendo referido, por exemplo qualquer movimento (entradas ou saídas) referentes a pneus, baterias, óleos usados ou veículos em fim de vida - no referido mapa apresenta apenas existe referência ao resíduo 17.04.05 - Ferro e Aço.
8) A recorrente não possui um registo actualizado referente aos resíduos geridos.
9) Em 7 de Janeiro de 2004, a recorrente procedeu ao envio de 22.670 kg de acumuladores de chumbo (baterias) para a Sonalur, através da guia de acompanhamento de resíduos n.° 3703088.
10) Apesar de possuir licença de pesquisa de águas subterrâneas, para utilização em casas banho e lavagens (alvará de licença n.° 516-9), à data da inspecção não possuía licença de exploração de águas subterrâneas.
11) Alertada para esse facto, a recorrente a 26.09.2005 solicitou e obteve licença de exploração de águas subterrâneas.
12) Grande parte dos resíduos referidos em 2º) encontrava-se, à data da inspecção, depositada em terreno não impermeabilizado, o que permitia que as águas das chuvas que pelos mesmos perpassavam, se infiltrassem directamente no solo ou corressem por uma valeta, como acontecia, igualmente, com as águas residuais existentes junto ao depósito de combustível existente no local, sem que lhes fosse assegurado qualquer tratamento prévio.
13) Da sua actividade, designadamente da manutenção dos equipamentos existentes no local e dos VFV recebidos, a recorrente retira óleos usados, inexistindo mapas trimestrais desses óleos usados referentes ao ano de 2004 e a dois trimestres de 2005.
14) Laboravam na sociedade arguida, à data da fiscalização, 17 trabalhadores na data da inspecção.
15) O horário de funcionamento do estabelecimento da recorrente era o seguinte: das 7:30 às 12:30 e das 13:30 às 17:30, 2.ª a 6.ª -feira.
16) A recorrente é uma sociedade comercial por quotas, que desde o ano de 1993 que tem como objecto social o comércio (importação e exportação) de sucata, viaturas e máquinas.
17) Em Agosto de 2000, a recorrente alterou o seu objecto social para a actividade de reciclagem de resíduos industriais metálicos e não metálicos, prestação e aluguer de máquinas e equipamentos e comércio de sucatas e viaturas, e sua importação e exportação.
18) No ano de 2005, o seu objecto social foi alterado para actividade de reciclagem de resíduos industriais metálicos e não metálicos, prestação e aluguer de máquinas e equipamentos e comércio de sucatas e viaturas, e sua importação e exportação, e transporte rodoviários de mercadorias por conta de outrem.
19) A recorrente exerce a sua actividade na sua sede e estabelecimento sito em R… Silva, constituído por um pavilhão/armazém com a área de cerca de 900 m2, um parque de estacionamento e de acesso ao armazém, com cerca de 300 m2 e por um logradouro afecto à actividade com a área de cerca de 35.000 m2, afastado de todas e quaisquer construções, afastado da Estrada Municipal que liga R.. a P., cerca de 150 m2.
20) Tal actividade é exercida neste local há mais de trinta e cinco anos, na medida em que foi iniciada no ano de 1969, pelo sócio e gerente J em nome individual e, em 1993, com a constituição da sociedade, ora recorrente, entre o mesmo, sua esposa M e os seus dois filhos D T e Jl, continuou a ser exercida pela sociedade, no mesmo estabelecimento, no mesmo local e com o mesmo “aviamento” da altura, tudo, estabelecimento e elementos que o compunham, tendo sido transferidos para a sociedade.
21) Actualmente, a recorrente tem ao seu serviço 17 trabalhadores, 13 dos quais por contrato individual de trabalho e é administrada por quatro gerentes, todos eles também a trabalharem para e por conta da sociedade e tendo ainda ao seu serviço um outro gerente, estranho à sociedade, que é um técnico por esta contratado por imposição legal, para que a sociedade possa também dedicar-se à actividade de transportes.
22) Para o exercício da sua actividade e para além de outros equipamentos, possui ainda, pelo menos, dez veículos de transporte e outras máquinas, quatro destes veículos e uma máquina adquiridos através de contratos de leasing.
23) A sociedade recorrente tem custos mensais, com salários e contribuições sociais de trabalhadores e gerentes e rendas de leasing, que se elevam à quantia de, pelo menos, € 50.000,00, nesta estando incluído os custos emergentes de crédito bancário a que recorre e suportado por contas caucionadas e livranças garantia em branco no valor de, pelo menos, € 300.000,00.
24) Estava licenciada para o exercício de depósito/parque de sucata, ferro velho e comércio de veículos destinados a sucata.
25) No ano de 2001, pretendendo a recorrente alargar a sua actividade à reciclagem, tratamento e eliminação de outros resíduos industriais, nomeadamente para as operações de reciclagem/recuperação de metais e ligas R4 – armazenagem, fragmentação e prensagem de materiais ferrosos e não ferrosos, incluindo a descabelagem de cabos eléctricos e o desmantelamento de máquinas industriais, em cumprimento da legislação aplicável:
a) Apresentou à Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território do Centro, pedido de autorização prévia relativo à actividade que queria iniciar, instalar e desenvolver;
b) E em 27.06.2001, à Direcção Regional do Centro do Ministério da Economia, pedido de aprovação do projecto de instalação de um estabelecimento de classe B – LE – Decreto – Regulamentar n.º 25/93 e Portaria n.º 744-B/93, também relativa à referida actividade;
c) Consultou, igualmente, a Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território Centro do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território (DRAOT) que emitiu, em 19.04.2000 a certidão n.º 476/2000, em 17.09.2001 o parecer n.º 410/2001 (substituiu o parecer n.º 272/2001, de 22/06) e em 21.11.2001, a autorização prévia n.º 20/2001, tudo sobre o projecto de instalação referente ao referido estabelecimento e licença do domínio hídrico; e
d) Os Serviços da Delegação de Coimbra do Ministério do Trabalho emitiram, em 2001.07.17, parecer favorável;
e) A Sub-região de Saúde, da Administração Regional de Saúde emitiu, em 2001.07.18, parecer higiéno-sanitário favorável sobre o estabelecimento;
f) A Direcção Regional da Agricultura da Beira Litoral, certificou que o terreno onde se pretende instalar a unidade industrial não está incluído na Reserva Agrícola Nacional;
g) De onde resulta que em 21.11.2001, já todas as entidades reguladoras e que superintendem a instalação do estabelecimento, se tinham pronunciado favoravelmente ao seu licenciamento.
26) A 11.12.2001 foi emitida, por despacho do Director Regional da Direcção Regional do Centro do Ministério da Economia a aprovação do projecto de instalação do estabelecimento da Classe B-LE: actividade de reciclagem, tratamento e eliminação de outros resíduos industriais, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º do Regulamento do Exercício da Actividade Industrial, aprovado pelo Decreto Regulamentar 25/93, de 17 de Agosto.
27) A aprovação da localização pela CCRC foi precedida de consulta desta à Câmara Municipal de Vila Nova de Poiares, que a aprovou também.
28) Em 15 de Fevereiro de 2002, a recorrente apresentou junto da Câmara Municipal de.., pedido de licença administrativa para a construção do armazém e parque de desmantelamento de sucatas para instalação da unidade industrial de reciclagem de materiais ferrosos e não ferrosos (o que deu origem ao processo de obras n.º 16/2002), tendo apresentado os projectos de arquitectura, especialidades e demais peças escritas e desenhadas exigidas.
29) Os projectos de construção do armazém e parque de desmantelamento cujo licenciamento de construção foi submetido à aprovação da Câmara Municipal são os mesmos que haviam sido aprovados por despacho de 10.12.2001, pela Direcção Regional do Centro do Ministério da Economia e cuja localização foi também aprovada pela Comissão Coordenadora da Região Centro e DRAOT.
30) Em 26 de Fevereiro de 2002, a recorrente foi notificada do indeferimento do pedido de licenciamento municipal.
31) A recorrente interpôs recurso contencioso de anulação do referido acto administrativo de 26.02.2002, nos termos e com os fundamentos constantes da petição de recurso junta aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, recurso que, com o n.º 287/2002, correu termos no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra.
32) Por decisão proferida no processo supra identificado e confirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo (Recurso n.º …/03 – 1ª Secção – 1ª Subsecção), já transitada em julgado em 2004…. foi concedido provimento ao recurso, anulando-se o acto recorrido, conforme tudo melhor consta das decisões juntas aos autos e que se dão por integralmente reproduzidas.
33) Apesar de ter sido anulado o acto administrativo de indeferimento da pretensão da recorrente, de 6 de Janeiro de 2005 a 29 de Junho de 2006, nada foi feito pelo referido Município para a execução espontânea da decisão de anulação do acto recorrido e, por isso, a recorrente veio a requerer a execução da sentença de anulação (processo n.º …/2002 – 1.º Juízo liquidatário do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra),
34) Por decisão proferida nos autos de execução de sentença supra mencionados, foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade passiva e improcedente a causa legítima de inexecução invocadas pelo Município e condenado este a “executar a sentença” nos seus exactos termos.
35) A 29 de Junho de 2006, o Município de… notificou a recorrente, “para seu conhecimento”, do parecer técnico emitido em 26 de Junho de 2006, pelos serviços técnicos do Município de …..
36) Inconformada com o teor do referido parecer técnico emitido pelos Serviços do Município de…, a recorrente apresentou a resposta e, por ofício expedido em 19 de Setembro de 2006, recebido pela recorrente em 20 de Setembro de 2006, foi a mesma notificada da decisão final proferida em 15 de Setembro de 2006, nos autos do processo de licenciamento que, uma vez mais indeferiu a construção.
37) Acto cuja suspensão, intimação e impugnação a recorrente requereu (nos processos n.º …./06.2BECBR e…/06.0BECBR, a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra).
38) O Supremo Tribunal Central Administrativo Norte decidiu que a recorrente podia continuar a exercer a sua actividade, nos termos e com os fundamentos constantes do Acórdão junto aos autos e que aqui se dá e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
39) Em face do exposto, por falta de licenciamento camarário, até ao momento presente, não pôde a recorrente construir, as instalações aprovadas pelas referidas entidades.
40) A recorrente apenas tem pneus no seu estaleiro, porque lhe tem sido impossível encontrar unidades que os recebam, pois estas estão sobrelotadas, não recebendo, nem no tempo, nem nas quantidades que a recorrente pretende.
41) Uma análise feita pelo Ministério da Saúde/Sub-região de Saúde de Coimbra em 17 de Outubro de 2006 à água proveniente de um furo de captação de águas subterrâneas, executado pela recorrente no local e licenciado pelo Ministério competente, demonstrou que a mesma é própria para consumo doméstico.
42) O armazém onde a recorrente exerce a sua actividade é uma construção em alvenaria, com a área de 900 m2, possui alicerces sobre os quais estão implantadas as suas paredes-mestras, providas de janelas e portas, e possui um pavimento impermeabilizado e estanque que não permite que qualquer produto que nele se encontre depositado ou armazenado “passe” ou escorra, por qualquer modo, para o solo.
43) A primeira operação levada a efeito pela recorrente, quando recebe VFV, é retirar-lhes os óleos, as baterias e os filtros de óleo para recipientes próprios e estanques e transportá-los para o interior do armazém, onde os acondicionada.
44) Os equipamentos eléctricos ou electrónicos que existiam no estabelecimento da recorrente à data da inspecção são os que adquiriu à EDP e à TELECOM, os quais, após a inspecção, foram encaminhados e transportados para a empresa INTERECYCLING.
45) Ao agir conforme descrito supra, a arguida não agiu com a diligência necessária para conhecer e cumprir com as obrigações legais inerentes ao exercício da actividade por si prosseguida, e de que era capaz.
46) A recorrente declarou para efeitos de IRC, para o ano de 2004, um resultado líquido de exercício no valor de € 17.381.03.

B.1.b) - E como não provados os seguintes:

Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa constantes da decisão administrativa, articulados nas alegações de recurso ou alegados em audiência que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes, designadamente, não se provou que:

I. A recorrente, no respectivo estabelecimento recebe, para além do descrito no ponto 2º) da matéria de facto assente, pneus.
II. Eram visíveis nas instalações, vários derrames de óleos usados em terreno não impermeabilizado.
III. Os VFV são vendidos pela recorrente a outras empresas no estado em que os recebeu, ou seja inteiros.
IV. As mudanças de óleos resultantes dos veículos da recorrente são efectuadas no interior do armazém e atingem em cada ano uma quantidade não superior a 250 litros.
V. Os óleos provenientes dos veículos em fim de vida detidos pela recorrente atingem em cada ano, entre 1.500 a 2.000 litros.
VI. Os resíduos de construção e demolição a que se reporta o auto de notícia e a fotografia n.º 3, constituídos por postes eléctricos em betão, destinam-se à futura construção da unidade industrial, para compactação do solo.

*

B.1.c) - O tribunal recorrido fundamentou a matéria de facto, do seguinte modo:

«O Tribunal formou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada como provada, na análise crítica e conjugada da totalidade da prova produzida, designadamente na análise do teor da (vasta) documentação junta aos autos, designadamente das fotografias que acompanham o auto de notícia - que foram analisadas em audiência e que o legal representante da recorrente reconheceu como constituindo várias imagens das respectivas instalações, ainda que algumas representem a mesma imagem sobre diversa perspectiva, à data da realização da acção inspectiva que veio a culminar na decisão recorrida - e da demais documentação junta aos autos pela recorrente, a que se foi fazendo referência aquando da descrição da factualidade assente, quer a atinente às licenças/autorizações/pareceres prévios obtidos pela recorrente, quer a atinente ao projecto de arquitectura (e respectivas vicissitudes, onde se incluem os recursos e decisões judiciais aos mesmos relativas) submetido, para aprovação, à apreciação da Câmara Municipal de.., quer às decisões tomadas por esta Câmara, quer a atinente à actividade da recorrente, etc..

O tribunal fundou a sua convicção, também, no teor do depoimento prestado pela testemunha M., inspector ao serviço da autoridade administrativa, que procedeu à inspecção a que foi sujeita a recorrente e elaborou o auto de notícia respectivo, cujo teor confirmou. Esta testemunha, para além de ter confirmado os factos que aquando da inspecção lhe foi possível percepcionar, quer mediante simples observação (tendo, inclusivamente procedido à captação de imagens, mediante fotografia), quer mediante pedido de apresentação de documentos, depôs de modo isento, desinteressado e circunstanciado, tendo, nessa medida, com a ressalva que infra se verá (a propósito da análise da factualidade que resultou não provada), sido merecedora de credibilidade.

O tribunal valorou, ainda, o teor das declarações prestadas por Jl, um dos representantes legais da recorrente, que, no essencial, confirmou os factos que resultaram provados, tendo demonstrado ser conhecedor da normas que regulamentam a respectiva actividade, designadamente atentas das diligências encetadas para obtenção das autorizações, licenças e pareceres prévios à submissão do projecto de construção à Câmara Municipal de ., e de que a respectiva actuação as contrariava, o que justificou com o atraso no licenciamento das obras por parte daquela Câmara.

No que concerne às declarações do representante legal da recorrente, cumpre, ainda, dizer que, apesar de o mesmo ter defendido deter na parte exterior das suas instalações apenas carcaças dos veículos, a verdade é que das fotografias juntas aos autos (cujas imagens o mesmo confirmou), do teor do depoimento da testemunha M, que procedeu à fiscalização, e ainda do teor da própria defesa apresentada, resulta que os mencionados veículos eram recebidos pela recorrente contendo não só a respectiva chaparia, como, ainda, vidros, borrachas, filtros de óleo, óleo, acumuladores de chumbo, etc., e que a recorrente procedia à remoção, pelo menos, dos filtros de óleo, do óleo e dos acumuladores de chumbo, empilhando-os, depois, na parte exterior das respectivas instalações, onde também se encontravam, pelo menos à data da inspecção, uns bidões destinados à recolha do óleo.

O representante legal da recorrente esclareceu, também, as vicissitudes por que tem passado o processo para obtenção de licença de construção das (novas) instalações de modo a adaptá-las ao objecto social em conformidade com a legislação em vigor, designadamente em matéria de ambiente; que o que o agente autuante refere ser óleo derramado no chão não impermeabilizado da parte exterior das instalações era, na verdade, alcatrão moído em pó; que logo após a inspecção procedeu ao encaminhamento para uma empresa autorizada dos equipamentos eléctricos e electrónicos (computadores) que se encontravam acumulados no exterior das suas instalações; que também pouco depois da inspecção requereu e obteve a competente licença para captação de água. Por fim, aludiu à situação económico financeira da empresa, tendo demonstrado vontade e necessidade de prosseguir com o investimento projectado, mas ainda não licenciado pela Câmara Municipal respectiva, no que concerne à construção.

O Tribunal valorou, ainda, em conjugação com o teor das referidas declarações, o depoimento das testemunhas:

- P. engenheiro técnico de arquitectura e engenharia, H., engenheiro na área do ambiente; e C. , técnico oficial de contas que presta serviços para a recorrente há cerca de 25 anos – todos, na medida das respectivas competências e aptidões, envolvidos no projecto que a recorrente pretende implementar, os quais confirmaram todas as diligências pela mesma encetadas junto dos organismos competentes para aprovação do referido projecto e os entraves com que a recorrente se foi deparando ao nível do licenciamento da competência da Câmara .., traduzido, também, nos recursos interpostos das decisões do Município, nos quais este foi saindo sempre vencido. A última das referidas testemunhas, atentos os serviços que presta para a recorrente, aludiu, ainda, à situação económico-financeira da mesma.

- J., administrativo ao serviço da firma C…, S.A. pelas funções que exerce ao serviço desta firma, que se dedica à reciclagem de sucata, esclareceu as dificuldades com que se debatia quem pretendesse, em face da nova legislação, encaminhar resíduos de sucata, designadamente pneus, para a reciclagem, por não haver capacidade, por parte destas firmas para dar resposta a anos de acumulação de resíduos daquele tipo, como era o caso da recorrente que, em virtude das respectivas funções, conhece há cerca de seis anos.

- J. gestor de uma empresa de Vila…s e comerciante e residente em Vila…, os quais demonstraram conhecer a recorrente e a actividade por esta desenvolvida; a necessidade de esta ver licenciado o projecto de construção, para proceder às obras necessárias à adequação das respectivas instalações; e as dificuldades com que se tem deparado ao nível do licenciamento camarário, sendo ambos unânimes em defender a imprescindibilidade da actividade a que a recorrente se pretende dedicar para a melhoria da qualidade ambiental do concelho de Vila… onde, segundo afirmou o segundo, são visíveis diversos veículos e ferro velho espalhados em locais que para o efeito não estão, seguramente, licenciados.

As referidas testemunhas demonstraram possuir conhecimento directo dos factos sobre que depuseram, tendo deposto de forma isenta, objectiva e absolutamente desinteressada, bem como de modo coincidente entre si e com a factualidade descrita nos factos provados, razões pelas quais foram merecedoras de credibilidade.

O Tribunal formou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada como não provada, no seguinte:

Quanto aos factos vertidos nas alíneas d), e) e f), na total ausência de produção de prova quanto aos mesmos.

Quanto aos factos vertidos nas alíneas a), b) e c), na ausência de produção de prova segura, consistente e suficientemente convincente da sua realidade.

Com efeito, sendo embora certo que a recorrente tenha vindo defender que os veículos que se encontravam nas respectivas instalações eram por si vendidos a outras empresas no estado em que os havia recebido, ou seja inteiros, a verdade é que a mesma, na defesa apresentada e, depois, através do respectivos representante legal, ouvidos em declarações em sede de audiência, admitiu proceder a operações de (parcial) desmantelamento, designadamente ao nível dos pneus (relativamente aos quais, por seu turno, defende não os comprar nem os comercializar, e que os existentes nas suas instalações eram provenientes dos VFV que havia adquirido aos longo dos anos), bem como ao nível dos acumuladores de chumbo, também designados por baterias, dos filtros de óleo e do próprio óleo de que os veículos são portadores.

No que especificamente diz respeito à alínea a), cumpre dizer que, apesar de o agente autuante ter defendido que a recorrente recebe pneus, a verdade é que a recorrente negou proceder à recepção de pneus (avulsos), para além dos que integram os veículos que recebe. Para além do mais, nenhuma outra prova se produziu acerca da veracidade de tal afirmação na medida em que não se nos afigura possível comprovar, através do depoimento prestado pelo agente autuante, uma prática que este não presenciou – a compra de pneus, razão pela qual ao Tribunal mais não restou do que dar tais factos como não provados.

Quanto à existência, na parte exterior das instalações da recorrente, de vários derrames de óleos usados em terreno não impermeabilizado, importa dizer que a recorrente alega não se tratar de óleo, mas de alcatrão moído em pó, que adquiriu e que para ali transportou (do que juntou prova documental), para compactar o terreno e, enquanto não lhe é permitida a realização de obras de impermeabilização, lhe permitir trabalhar na parte exterior das respectivas instalações. Por seu turno, o agente autuante apesar de ter afirmado que se tratava de derrames de óleos, confirmou não ter procedido à realização de qualquer tipo de análise às manchas que identificou como óleo derramado. Assim, muito embora se não tenha provado que se tratava, efectivamente, de alcatrão moído em pó, o Tribunal resolveu a dúvida em favor da arguida/recorrente, em nome do princípio da presunção de inocência constitucionalmente consagrado e do respectivo corolário, o princípio “in dubio pro reo”».


*****

Cumpre conhecer.

B.2 - Cumpre apreciar e decidir:

Nos termos do art. 75º nº1 do DL nº 433/82, de 27/10, nos processos de contra-ordenação, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões. Isto é, este Tribunal funcionará, no caso, como tribunal de revista.

Por outro lado, o objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 403, nº1, e 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Mas não está o tribunal de recurso impedido de conhecer dos vícios referidos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – nº 3 do referido preceito.

São, assim, questões a decidir, referindo-as o tribunal pela ordem indicada pela recorrente:

Nulidade de sentença por omissão de pronúncia – conclusões 1ª a 6ª;

Da prescrição – conclusões 5º e 6ª;

Indeterminação das normas aplicáveis – conclusões 7ª a 10ª;

A insuficiência dos factos provados – conclusões 11ª a 15ª;

O erro na apreciação da prova – conclusão 16ª;

Da existência da obrigação de comunicação disponibilização dos mapas trimestrais – conclusão 17ª;

Da moldura das coimas – conclusão 18ª;

Da omissão de pronúncia sobre a exclusão da ilicitude – conclusões 19ª a 29ª.

Naturalmente que haverá que iniciar o labor cognitivo deste tribunal pela invocada excepção de prescrição do procedimento criminal.


*

B.3 - Da prescrição – conclusões 5º e 6ª.

A primeira questão a abordar no recurso reconduz-se a apurar se ocorre extinção do presente procedimento contra-ordenacional, pelo decurso do prazo prescricional.

As contra-ordenações em que a arguida foi condenada, na visão da entidade administrativa e do tribunal recorrido – na estrita medida da aplicação da lei por eles operada - são puníveis com as seguintes coimas:

- contra-ordenação p. p. pelas disposições do n.° 1 do art. 8.° e n.° 1 do art. 20.° do Decreto-Lei n.º 239/97, de 9 de Setembro – coima mínima de € 2.498,99 a máxima de € 44.891,81;

- contra-ordenação p. p. pelas disposições conjugadas do n.º 1 do art. 16.º e n.° 2 do art. 20.° do Decreto-Lei n.° 239/97, de 9 de Setembro – coima mínima de € 500 a máxima de € 14.964;

- contra-ordenação p. p. pelas disposições conjugadas do n.º 1 e 2 do art. 19.°, e alínea m) do n.º 1 do art. 24.° do Decreto-Lei n.º 196/2003, de 23 de Agosto – coima mínima de € 500 a máxima de € 44.800;

- contra-ordenação p. p. pelas disposições conjugadas do n.ºs 1 e 5 do art. 20.° e alínea m) do n.º 1 do art. 24.° do Decreto-Lei n.º 196/2003, de 23 de Agosto – coima mínima de € 500 a máxima de € 44.800;

- contra-ordenação p. p. pelas disposições conjugadas dos arts. 19.° a 35.º e 86.°, n.º 1 alínea p) e n.º 2 e alínea a) do Decreto-Lei n.° 46/94, de 22 de Fevereiro – coima mínima de € 250 a máxima de € 5.000;

- contra-ordenação p. p. pelas disposições conjugadas dos arts.36° a 40.º alínea x) do n.º 1 e alínea c) do n.º2 do art. 86.° do Decreto-Lei n.° 46/94, de 22 de Fevereiro – coima mínima de € 2.493,99 a máxima de € 2.989,49;

- contra-ordenação p. p. nos termos do n.º 4 do art. 22.° e alínea i) do n.º 1 art. 25.° do Decreto-Lei n.º 153/2003, de 11 de Julho – coima mínima de € 500 a máxima de € 44.800;

Ora, o artigo 27º do RGCO (na redacção de 2001) afirma:

O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos:

a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49 879,79;

b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2.493,99 e inferior a (euro) 49.879,79;

c) Um ano, nos restantes casos”.

Assim, o procedimento contra-ordenacional quanto a qualquer das contra-ordenações em que a arguida foi condenada extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da mesma tiver decorrido o prazo de três anos (cfr. art.º 27, al. b), do D.L. n.º 433/82, de 27 de Outubro na redacção dada pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro).

Temos, pois, que o facto contra-ordenacional se reporta a 22 de Setembro de 2005 [facto provado sob 1º)] e não 22 de Janeiro de 2005 como a recorrente refere.

Verifica-se causa de suspensão do prazo prescricional visto ocorrer o facto subsumível ao disposto no artigo 27-A, al. c) do RGCO, designadamente a notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso, desde 15-03-2007 - despacho preliminar a 08-03-2007 (fls. 566-567), com notificação expedida a 12-03-2007 (fls. 568) e presunção legal de notificação no terceiro dia útil posterior.

Tal suspensão durou seis meses, pois que a decisão final do recurso só ocorreu a 12-06-2009 – v.g. nº 2 do artigo 27-A do RGCO.

Ocorreram várias causas de interrupção do prazo prescricional face ao disposto nas alíneas do nº 1 do artigo 28º do RGCO, reiniciando-se a contagem do prazo.

Temos assim que haverá que operar o disposto no artigo 28º, nº 3 do RGCO, ocorrendo a prescrição, ressalvados os seis meses de suspensão, quando tiver decorrido o prazo de suspensão acrescido de metade. Isto significa que, tendo os factos acontecido em 22 de Setembro de 2005, a prescrição do procedimento contra-ordenacional só acontecerá em 23 de Setembro de 2010 (3 anos, mais ano e meio, mais seis meses da suspensão).

É, pois, de concluir não estar prescrito o procedimento contra-ordenacional por referência a qualquer dos ilícitos.

Qual o motivo de discordância do recorrente?

Este afirma na sua conclusão 6ª:

“6- A entender-se que para efeitos de aferição da prescrição de uma contra-ordenação cuja coima tenha um montante máximo inferior a 49.879,79€ deve ter-se em conta o limite máximo aplicável e não a moldura contra-ordenacional da mesma, ou seja, a aplicar-se a alínea b) do artigo 27º, interpretada no sentido de que a expressão legal dela expressamente constante "coima de montante igual a € 2 493,99 e inferior a € 49 879,79" quer referir-se ao montante máximo da coima aplicável, far-se-á uma aplicação e interpretação anticonstitucional da referida alínea b) do artigo 27° do DL 433/82 de 27/10, na redacção que lhe é dada pelos DL 244/95, de 14/09 e Lei 109/2001 de 24/12 e do princípio, penal e constitucionalmente consagrado, da legalidade”.

Para além de não discorrer sobre o fundamento da alegada inconstitucionalidade – que se não descortina - é pouco perceptível o raciocínio da recorrente nesta conclusão, pelo que devemos recuar às motivações para tentar surpreender o raciocínio que suporta a inconformidade da recorrente.

Diz esta nas suas motivações:

«Na verdade, o legislador quis que as contra-ordenações cujo montante máximo seja superior a 49.879,79€, prescrevam em cinco anos.

Também quis que as contra-ordenações cujos montantes sejam iguais ou superiores 2.493,99€ e (note-se: 'e' e não 'mas') inferiores a 49.879,79€, isto é, cujas molduras contra-ordenacionais sejam de 2.493,99€ a 49.879,78€, prescrevam em três anos

Quis ainda que todas as restantes contra-ordenações prescrevam em um ano.

E foi isso que deixou, clara e expressamente, consagrado no artigo 27° do DL 433/82 de 27/10, dando-lhe a redacção que, consciente e voluntariamente, quis dar.

………………………..

Ou seja, no caso dos crimes, o legislador quis expressamente consagrar que o factor a ter em conta para a contagem dos prazos de prescrição fosse o limite máximo da pena de prisão aplicável.

Já no que toca às contra-ordenações, optou por uma solução diferente, mas, obviamente, igualmente válida.

A assim se não entender, isto é, a entender-se que para efeitos de aferição da prescrição de uma contra-ordenação cuja coima tenha um montante máximo inferior a 49.879,79 € deve ter-se em conta o limite máximo aplicável e não a moldura contra-ordenacional da mesma …. »

Surpreende-se, desta forma, a pretensão da recorrente: esta faz corresponder cada uma das previsões das alíneas do artigo 27º RGCO a uma sucessão de rígidas molduras contra-ordenacionais abstractas. Se a “concreta” moldura penal abstracta de uma contra-ordenação não coincidir exactamente com uma daquelas, cairá na previsão da alínea c) daquele artigo 27º.

Exemplificando: nas contra-ordenações cuja moldura abstracta seja igual ou superior a 2.505 € (poucos euros de diferença relativamente àquela previsão legal) “e” inferiores a 49.879,79€, o prazo de prescrição não será de 3 anos, sim de um ano, já que não corresponde, aquela moldura, ao tipo de moldura previsto no artigo 27º do RGCO.

É patente a sem razão da recorrente. O artigo 27º do RGCO não estabelece rígidas molduras contra-ordenacionais abstractas a que as várias contra-ordenações terão que corresponder (por “colagem”), sim um sistema geral maleável por referência aos mínimos e máximos abstractos dos concretos tipos contra-ordenacionais. E isso por referência à maior gravidade dos ilícitos contra-ordenacionais, a aferir pelos quantitativos das coimas cominadas.

É, portanto, improcedente a invocação da prescrição relativamente a todos os ilícitos contra-ordenacionais.


*

B.4 - Nulidade de sentença por omissão de pronúncia – conclusões 1ª a 6ª;

A arguida foi condenada pela prática de contra-ordenações por violação de vários dispositivos do Decreto-Lei n.º 239/97, de 9 de Setembro.

A sentença do tribunal recorrido tem a data de 12 de Junho de 2009 e a decisão da entidade administrativa tem a data de 9 de Outubro de 2006.

Ora, tal Decreto-Lei foi expressamente revogado pelo Dec-Lei nº 178/2006, de 5 de Setembro – artigo 80º, nº 1, al. a) do diploma – que entrou em vigor antes de ser lavrada a decisão da autoridade administrativa.

Também os ilícitos contidos no Dec-Lei nº 239/97 estão agora previstos naquele diploma, com diversas molduras contra-ordenacionais.

Mas mais! A recorrente foi condenada pela violação do n.º 4 do art. 22.° do Decreto-Lei n.º 153/2003, de 11 de Julho. Ora, este preceito foi expressamente revogado pela al. f) do nº 1 do artigo 80º do Dec-Lei nº 178/2006.

Há, pois, sucessão de normas contra-ordenacionais que não foram atendidas nem pela entidade administrativa nem pelo tribunal recorrido.

Há, portanto, clara omissão de pronúncia, na medida em que se impunha a ambas as entidades, numa primeira fase, a precisa delimitação legal da situação de facto apresentada e, numa segunda fase e constatando a sucessão de normas incriminatórias, proceder à aplicação da lex mitior, visto o disposto no artigo 2º, nº 4 do Código Penal, aplicável ex vi do disposto no artigo 32º do RGCO.


*

B.5 - Indeterminação das normas aplicáveis (conclusões 7ª a 10ª) e insuficiência dos factos provados (conclusões 11ª a 15ª).

Dispõe o artigo 58º do Dec-Lei nº 433/82, de 27-10, na redacção dado pelo Dec-Lei nº 244/95, de 14-05 (Regime Geral das Contra-ordenações):


Artigo 58.°
Decisão condenatória
1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
2 - ………..
3 - ………..

Estatui, por seu turno, o artigo 41º do mesmo diploma legal sob a epígrafe “Direito subsidiário” que “sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal”.

E, como o contrário não resulta daquele diploma, ao caso é aplicável, por mera remissão literal, o regime contido nos artigos 374º e 379º do Código de Processo Penal.

Do regime destes normativos resulta evidente que a não indicação das normas segundo as quais se pune redunda em nulidade arguível em sede de recurso.

E já o STJ, em decisão de 21-09-2006 (http://www.dgsi.pt/ - Proc. 06P3200, nº convencional JSTJ000 – Rel. Cons. Santos Carvalho), veio a reconhecer a aplicabilidade daqueles preceitos do Código de Processo Penal.

A tal interpretação literal e sistemática se não opõe a análise dos princípios inerentes ao próprio regime das contra-ordenações.

É sabido, porque insistentemente referido, que o regime contra-ordenacional apresenta diferenças relativamente aos direitos penais primário e secundário.

E, não obstante a proclamada neutralidade ético-social do direito contra-ordenacional, certo é que a própria doutrina antevê nas alterações introduzidas no regime originário das contra-ordenações uma “contra-revolução contra-ordenacional”. - Fig. Dias – in Direito Penal – Parte Geral – Tomo I, pag. 148. Coimbra Editora, 2004.

O que quer significar que, apesar das diferenças dogmáticas entre o direito penal e o direito contra-ordenacional, se esbatem os contornos de ambos os ramos do direito, designadamente do lado sancionatório, impondo-se, pois, um maior rigor em certos aspectos basilares, nestes avultando os direitos de defesa.

E, mesmo aceitando uma nítida dualidade de regimes, já se afirmava no acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/2006 que:

“Estas diferenças, determinando uma autonomização de categorias dogmáticas nos dois ramos do direito, principalmente no que tange à culpa, que nas contra-ordenações se não traduz em censura dirigida à personalidade e à atitude interna do agente, mas à sua responsabilidade social, à sanção, que nas contra-ordenações escapa ao fundamento, e às finalidades próprias das penas características do direito penal, e à forma de procedimento, que nas contra-ordenações é da responsabilidade da entidade administrativa, embora com possibilidade de recurso para o tribunal judicial, estas diferenças assim assinaladas não apagam os numerosos pontos de contacto entre um e outro dos sistemas de regulação social, principalmente no que se refere à característica que ambos têm de direito sancionador de carácter punitivo.

Por força dessas homologias, o direito das contra--ordenações tende a ser integrado subsidiariamente pelo direito penal, ao menos naqueles aspectos que não oferecem especificidades de relevo e que não são objecto de disciplina própria.

Assim é que o artigo 32.º da lei-quadro das contra-ordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 356/89, de 17 de Outubro, e 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro) define como direito subsidiário, no âmbito substantivo, o Código Penal. E a Constituição, no artigo 32.º, n.º 10, estendeu às contra-ordenações o asseguramento ao arguido, a título de direito fundamental, do direito de defesa e de audiência.”

Essencial é, portanto, saber se a entidade administrativa e o tribunal recorrido fizeram a “indicação das normas segundo as quais se pune” para os efeitos do preceito.

Relativamente às contra-ordenações por violação do Dec-Lei nº 46/94, afirmam aquelas entidades:

- contra-ordenação p. p. pelas disposições conjugadas dos arts. 19.° a 35.º e 86.°, n.º 1 alínea p) e n.º 2 e alínea a) do Decreto-Lei n.° 46/94, de 22 de Fevereiro…;

- contra-ordenação p. p. pelas disposições conjugadas dos arts. 36° a 40.º alínea x) do n.º 1 e alínea c) do n.º2 do art. 86.° do Decreto-Lei n.° 46/94, de 22 de Fevereiro…. .

A previsão de tais normas (19º a 35º e 36º a 40º) é de tal forma ampla que até nelas se prevêem obrigações de entidades públicas, deveres de autarquias e entidades centrais, várias formas de violação de deveres impostos a particulares e a sua referência genérica não permite, à recorrente, saber qual a norma cuja violação lhe é imputada.

Tal insuficiência não é colmatada pela referência mais explícita do artigo 86º do mesmo diploma, que mais não é que a concretização punitiva da violação de deveres que devem ser adequadamente precisados e transmitidos à arguida.

E não foram, existindo clara violação dos princípios da legalidade e da tipicidade.

É patente a nulidade.

Mas mais. A recorrente tem também razão quando afirma que há insuficiência dos factos provados no que respeita ao seu uso das águas.

Não se explana nos factos provados, de forma compreensível, de que forma a recorrente terá usado águas e feito a sua rejeição. Por mais que se leiam os factos 10º, 11º, 12º e 41º, não se percebe qual o facto que permite a imputação.

Há, portanto, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de que se deve conhecer oficiosamente, visto o disposto no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal.


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B.6 - O erro notório na apreciação da prova – conclusão 16ª.

Quanto ao erro na apreciação da prova, a recorrente insurge-se contra o ter sido dado como provado que “Da sua actividade, designadamente da manutenção dos equipamentos existentes no local e dos VFV recebidos, a recorrente retira óleos usados, inexistindo mapas trimestrais desses óleos usados referentes ao ano de 2004 e a dois trimestres de 2005”.

É certo que o erro notório na apreciação da prova se há-de aferir pelo texto da decisão recorrida e das regras da lógica e da experiência comum.

Destas e daquele não resulta existir erro notório na apreciação da prova.

Mas indo um pouco mais além atentemos no argumento da recorrente.

Para sustentar a existência de erro “notório” na apreciação da prova a recorrente indica – e apenas – a existência dos documentos de fls. 1119, 1120, 1121 e 1122.

Estes mais não são do que registos trimestrais para produtores de óleos usados (um para cada trimestre, do 1º ao 4º do ano de 2005), que a recorrente preencheu e entregou em 14-02-2006 (todos eles) com indicação de inexistência de produção de óleos usados.

Têm o valor que têm: uma mera declaração posterior da recorrente que não invalida a apreciação da prova feita pelo tribunal recorrido, tendo em conta todos os meios de prova produzidos e não apenas uma declaração interessada feita pela recorrente já posteriormente à fiscalização realizada.

Não há, pois, erro notório na apreciação da prova.


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Entende-se que as matérias conhecidas até agora permitem duas conclusões.

A primeira, que os autos não permitem a decisão e que haverá que retornar não só à fase decisória (a que nos conduziriam as conclusões obtidas quanto à existência de nulidades de sentença por omissão de pronúncia e por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade), mas que se torna necessário reconduzir os autos à fase de julgamento para apuramento de factos essenciais à decisão.

A segunda, que outras questões há cujo conhecimento se mostra inviabilizado ou inconveniente em função da decisão a tomar.

São elas a existência da obrigação de comunicação (disponibilização dos mapas trimestrais) conclusão 17ª – em função das normas a aplicar, da moldura das coimas – conclusão 18ª – e da omissão de pronúncia sobre a exclusão da ilicitude – conclusões 19ª a 29ª – por se revelar necessário um juízo claro sobre a ilicitude das condutas imputadas.


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C - Dispositivo:

Face ao que precede, os Juízes da 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra concedem parcial provimento ao recurso interposto e, em consequência decidem:

A. Declaram que se não encontra prescrito o procedimento contra-ordenacional por referência a qualquer dos ilícitos imputados;
B. Declaram nula a sentença por omissão de pronúncia e por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade;
C. Declaram a existência de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de que se conhece oficiosamente, visto o disposto no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, quanto ao uso das águas e a sua rejeição;
D. Não tomam conhecimento – porque prejudicadas - da existência da obrigação de comunicação (disponibilização dos mapas trimestrais), da omissão de pronúncia sobre a exclusão da ilicitude e das medidas das coimas.
E. Em função do que determinam, nos termos do artigo 426º do Código de Processo Penal, o reenvio dos autos para novo julgamento relativamente à questão decida em C., com a subsequente prolação de nova decisão expurgada dos vícios referidos em A. e B.
Notifique.

Não são devidas custas.

Coimbra, 06 de Janeiro de 2010

(Processado e revisto pelo relator)

João Gomes de Sousa

Calvário Antunes