Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2833/04.0TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: DIVÓRCIO
VIOLAÇÃO CULPOSA DOS DEVERES CONJUGAIS
SEPARAÇÃO DE FACTO POR TRÊS ANOS CONSECUTIVOS
VIOLAÇÃO DO DEVER DE COABITAÇÃO DOS CÔNJUGES
Data do Acordão: 10/17/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1779º, 1781º E 1782º, Nº 1, DO C. CIV.
Sumário: I – Para que proceda um pedido de divórcio, que não tenha como causa de pedir a separação de facto entre os cônjuges, é necessário que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos: a) que haja violação de um ou mais deveres conjugais; b) que essa violação seja culposa; c) que o facto ofensivo seja grave ou reiterado; e) e que o facto violador comprometa a possibilidade de vida em comum.

II – Vem sendo jurisprudencialmente entendido que para configurar a violação do dever conjugal de coabitação não basta que objectivamente se constate que um dos cônjuges abandonou o lar conjugal, sendo ainda necessário que resulte provado que tal abandono foi culposo, em termos de permitir formular um juízo de censura, por tal comportamento, sobre esse mesmo cônjuge.

III – O legislador definiu e precisou o conceito de separação (de facto), ao estipular que se entende haver separação de facto, para efeitos da al. a) do artº 1781º do C. Civ., quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer – artº 1782º, nº 1, do C. Civ..

IV – Resulta de tais normativos que são dois os requisitos exigidos para que o divórcio possa ser decretado com base em tal causa: um elemento objectivo, traduzido na efectiva separação dos cônjuges (deixando de existir entre eles qualquer tipo de comunhão de vida), e um elemento subjectivo, de natureza interior ou psicológica, traduzido na real intenção de ambos os cônjuges, ou de pelo menos um deles, não restabelecer a comunhão de vida matrimonial.

V – Para o decretamento do divórcio com base na separação de facto por 3 anos consecutivos é necessário datar essa separação para se saber desde quando corre o prazo, e nestes casos é difícil fixar uma data. Há que apurar quando se verificou o último sinal visível de vida em comum, a última manifestação de comunhão de vida por parte do cônjuge que acabou por romper essa comunhão.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. O autor, A..., instaurou a presente acção especial de divórcio litigioso contra a ré, sua mulher, B..., pedindo que fosse decretado o divórcio entre ambos, com base na violação culposa por parte da mesma dos deveres conjugais de respeito e de cooperação, e, subsidiariamente, com base na separação de facto em que se encontram há mais de três anos, por culpa daquela.

2. Frustada que foi a tentativa de conciliação que foi designada, a ré aproveitou a sua contestação para repudiar a violação que o autor lhe imputou daqueles, ou quaisquer outros, deveres conjugais e bem assim impugnar o decurso do período de tempo invocado por aquele para fundamentar o pedido de divórcio com base na separação de facto, e ainda para contra-atacar, por via de reconvenção, pedindo ela também que seja decretado o divórcio, e dissolvido o casamento que ambos celebraram, com base na violação culposa por parte do autor dos deveres conjugais de coabitação, assistência e cooperação, e pedindo ainda (incidentalmente) que lhe seja atribuída a casa da morada de família.

3. Replicou o autor, pugnando pela decretamento do divórcio nos termos por si peticionados, e pela improcedência do pedido reconvencional formulado pela ré e bem assim do pedido de atribuição da casa de morada de família.

4. No despacho saneador afirmou-se a validade e a regularidade da instância, tendo-se depois procedido da selecção da matéria de facto, sem que a mesma tivesse sido objecto de qualquer censura das partes.

5. Após a realização do julgamento, seguiu-se a prolação da sentença que, a final, julgou improcedente a acção e bem assim a reconvenção, absolvendo a ré e o autor dos respectivos pedidos, e declarando, consequentemente, ainda extinta, por inutilidade superveniente da lide, a instância no que concerne ao sobredito pedido incidental formulado pela ré de atribuição de casa da morada da família.

6. Não se conformado com tal sentença, dela recorreram, quer a ré, quer o autor.
6.1 Recursos esses que foram admitidos como apelação.

7. Nas suas alegações de recurso que apresentou, a ré concluiu as mesmas nos seguintes termos:
“a)– Ao adequar à lei a matéria de facto provada em sede de audiência de discussão e julgamento e na qual expressamente se dá como provado que o Autor, nos princípios de Novembro de 2004 abandonou o deu domicilio conjugal, a douta decisão recorrida viola o estatuído no art. 1672º do Código Civil, quando este preceito legal, expressamente refere que os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelo dever de coabitação.
b) – E tanto mais assim é, que nada existe nos autos que directamente inculque que a Ré tivesse instigado o A. a abandonar o seu domicilio conjugal ou tivesse criado intencionalmente condições propícias à sua verificação, tal como se refere no art. 1780º nº 1 do Código Civil.
Esse abandono, por parte do Autor, foi um acto livre, sem que ninguém a tal o obrigasse.
c) - Acresce finalmente, que ao dar-se como provado que o Autor não tem prestado assistência afectiva à família, nem assistência económica, quebra essa dos deveres conjugais de cooperação e assistência a que os cônjuges também se encontram vinculados e nos quais a Ré também alicerça, em reconvenção, o seu pedido de divórcio, acaba por violar também, a mesma douta sentença, estatuído nos arts. 1674º e 1675º do Código Civil. ”.

8. Por sua vez, o autor conclui as suas alegações de recurso, nos seguintes termos:
“1ª- Foi matéria dada como provada os factos alegados pelo A/Recorrente de que o casal há mais de cinco anos que deixara de fazer vida social em comum e nunca mais mantivera relações amorosas em comum ou sequer sexuais- – respostas aos quesitos 8º e 10º.
2º- A referida matéria dada como provada teria forçosamente de conduzir à consideração que a aludida separação de facto ocorreu naquela época.
3º- Conforme estatuí a alínea a) do art. 1781º do C.C. a separação de facto por três anos consecutivos, constitui fundamento do divórcio litigioso.
4º- Sendo a separação de facto uma "causa peremptória de divórcio" que se analisa em dois elementos, um objectivo, traduzido na ruptura da vida conjugal, outro subjectivo, consistente na intenção de terminar definitivamente com a vida em comum, ambos os requisitos estavam preenchidos, o objectivo pela ruptura traduzida nos factos provados assinalados em 1º destas conclusões e o subjectivo na interposição da acção e na reconvenção na mesma formulada.
5º- Enquanto que o direito ao divórcio litigioso não deriva apenas dos factos formalmente infractores dos deveres conjugais, designadamente do dever de coabitação, mas também do seu elemento constitutivo culpa, cujo ónus de prova incumbia à Reconvinda, o que não logrou demonstrar, já o nº 2 do art. 1782º impõe a declaração do cônjuge culpado, quando a haja, mas não faz depender o decretamento do divórcio por separação de facto de tal culpa.
6º- Com todo o respeito, que é muito, ao desconsiderar os alegados eventos dados como provados como integradores do fundamento do divórcio com base na separação de facto nos termos sobreditos, a sentença recorrida fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos, violando o estatuído na alínea a) do art. 1781º e 1782º, ambos do C.C.

9. Não foram apresentadas contra-alegações.

10. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II- Fundamentação
A). De facto
Pela 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1- Autor e ré contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial, em 23.5.1984 (al. A) dos factos assentes da selecção da matéria de facto, e a cuja peça pertencerão os factos doravante indicados no final com a letra da alínea correspondente de onde foram retirados).
2- O autor é oficial da Marinha Mercante, embarcando há já longos anos (al. B)).
3- O autor, devido à sua profissão, encontrava-se em viagem por períodos de meses consecutivos. (resposta ao quesito 4º da base instrutória, e a cuja peça pertencerão os factos doravante indicados no final com o nº do quesito correspondente à resposta que lhe foi dada)
4- O autor embarca por dois períodos anuais de 5 meses cada um deles, período em que se encontra ausente do seu domicílio conjugal (RQº 13º).
5- A ré é Técnica Superior na Direcção de Planeamento e Controlo de Gestão numa empresa do concelho, cargo que acumula com o de Professora Universitária, profissão que também exerce no Pólo da Figueira da Foz da Universidade Católica. Profissão que também já exerceu outrora na Universidade de Coimbra (al. C)).
6- Tem sido a ré quem tem gerido a casa e educado os filhos (RQº 14º).
7- A ré sempre tomara almoço no local de trabalho (RQº 2º).
8- Autor e ré apenas se separaram nos primeiros dias de Novembro de 2004, com o abandono do domicílio conjugal por parte do autor (RQº 12º).
9- Autor e ré deixaram de fazer vida social em comum (RQº 8º).
10- Nunca mais mantiveram relações amorosas em comum ou sequer sexuais (RQº 10º).
11- A casa de morada de família é propriedade do filho do casal de nome C..., tendo o autor e a ré o usufruto vitalício de metade indivisa do prédio onde se encontra instalado o primeiro andar, que ambos habitavam até há algum tempo (al D))..
12- Para além da casa de morada de família, o autor não tem qualquer outra casa própria ou arrendada (RQº 23º).
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B) De direito
1. Delimitação do objecto dos recursos
1.1 Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se que se fixa e delimita o objecto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. disposições conjugadas dos artºs 664, 684, nº 3, 690, nº 1 , e 660, nº 2, todos do CPC).
Vem, também, sendo dominantemente entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a derimir (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec. e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.)
1.2 Ora, calcorreando (pela ordem da sua apresentação) as conclusões de ambos os recursos verifica-se que as questões que importa aqui apreciar são, essencialmente, as seguintes:
a) Saber se, face aos factos dados como provados, deverá ser decretado o divórcio entre a ré e o autor com o fundamento na violação culposa, por parte do último, dos deveres conjugais de coabitação, cooperação e assistência, e, em consequência, atribuir-se ainda à ré a casa da morada da família? (questão relativa ao recurso da ré).
b) Saber se, face aos factos dados como provados, se mostram verificados ou preenchidos os pressupostos legais para que possa ser decretado, com base na separação de facto, o divórcio entre o autor e a ré? (questão relativa ao recurso do autor).
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2. Quanto à 1ª questão (relativa ao recurso da ré).
2.1 Como é sabido, o pedido de divórcio pode assentar numa das seguintes causas de pedir ou fundamentos: na violação culposa dos deveres conjugais (basta um deles) por parte de um dos cônjuges, nos termos do disposto no artº 1779 do CC, ou então com base na separação (de facto) dos cônjuges, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1781 e 1782 do Código Civil (diploma esse a que nos referiremos sempre que doravante mencionarmos somente o normativo sem a indicação da sua fonte).
É na 1ª causa que ora nos iremos deter, já que foi nela que a ré-apelante fundamentou o seu pedido de divórcio (sendo que será a 2ª causa, como decorre do atrás expresso, que irá estar em foco aquando da apreciação do recurso do autor).
Nos termos do disposto no artº 1672, os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.
Entende a ré que, no caso, foram violados, pelo autor, aqueles últimos três deveres: de coabitação, cooperação e assistência.
Sendo assim, daremos, antes de mais, umas breves pinceladas sobre cada um desses deveres.
2.1.1 O dever de coabitação começa por compreender a obrigação que os cônjuges têm de viver em comum e sob o mesmo tecto. Grosso modo, dever-se-á, todavia, dizer que esse dever significa não apenas habitar conjuntamente (na residência familiar que ambos os cônjuges escolheram, por comum acordo, nos termos do disposto no artº 1673), na mesma casa, ou viver em economia comum, mas, sobretudo, viver em comunhão de leito, mesa e habitação (tori, mensae e habitationis).
Dever esse que, contudo, pode variar, no seu conteúdo concreto, consoante as circunstâncias casuísticas de cada vivência (vg. a idade, a saúde, a capacidade física e actividade profissional de cada um dos cônjuges). Assim, poderá um dos cônjuges ver-se compelido a não adoptar, durante meses ou mesmo anos, a residência da família, por razões profissionais.
O dever de cooperação está definido no artigo 1674, e importa para os cônjuges a obrigação de socorro e auxílio mútuos e de assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram.
Sendo a família obra dos dois, devem ambos assumir em conjunto as inerentes responsabilidades
Nesta obrigação cabem especialmente os cuidados exigidos pela vida e saúde de cada um dos cônjuges, bem como a colaboração necessária ao exercício da sua profissão, seja qual for o regime dos bens.
Por último, o dever de assistência, que se encontra definido no artº 1675, compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar.
A prestação de alimentos entre os cônjuges, vivendo estes em conjunto, é absorvida nos encargos da vida familiar e só adquire autonomia, em regra, no caso de os cônjuges se encontrarem separados, seja de direito, seja apenas de facto.
Ambos os cônjuges são, assim, obrigados a concorrer, proporcionalmente aos seus rendimentos e proventos e à sua capacidade de trabalho, quer para o sustento de um e outro, quer para o sustento dos filhos, quer para os restantes encargos da vida familiar. (Para mais e melhor desenvolvimento sobre estes deveres conjugais, vidé, entre outros, os profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in “Curso de Direito de Família, vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora 2003, págs. 392/399”; o prof. A. Varela , in “O Direito da Família, Livraria Petrony, 1982, págs. 277/285” e Brandão Ferreira Pinto, in “Causas do Divórcio, Livraria Almedina, Coimbra 1980, págs.71/85”).
2.2 A propósito da causa de divórcio que vimos abordando e que se encontra prevista no já citado artº 1779, e tal como vem sendo dominantemente entendido, refere o prof. Pereira Coelho (in “RLJ, 117-92”) que “deve, pois, o cônjuge autor alegar e provar, não apenas a objectividade da violação do dever conjugal, senão ainda os factos tendentes a demonstrar a culpa do cônjuge ofensor e a gravidade da violação cometida ou a reiteração das faltas, factos de que possa inferir-se a conclusão de que a vida em comum se acha comprometida em consequência da violação ou das violações praticadas”.
Significa tal que, à luz do artº 342, nº 1, o autor da acção de divórcio (litigioso) tem o ónus da prova dos factos que correspondem à previsão legal em que se baseia a sua pretensão, quer sejam positivos, quer sejam negativos, e que, desse modo, são constitutivos do seu alegado direito ao divórcio (vidé, a propósito, entre outros, os profs. A. Varela. M. Bezerra e S. Nora, in “Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 455”, os profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in “Ob. cit. pág. 671” e assento nº 5/94 do STJ de 26/1/94, publicado no DR, Iª série, de 24/3/94, acerca da violação do dever conjugal de coabitação, e Ac. do STJ de 23/4/1998, in “Acs do STJ , CJ, Ano VI, T2-54”).
Ora, face ao exposto e sobretudo face ao estatuído no citado artº 1779, podemos concluir que para que proceda um pedido de divórcio, que não tenha como causa de pedir a separação de facto entre os cônjuges, é necessário que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos: a) que haja violação de um ou mais deveres conjugais que atrás enunciámos; b) que essa violação seja culposa; c) que o facto ofensivo seja grave ou reiterado; e) e que o facto violador comprometa a possibilidade de vida em comum.
2.3 Posto isto, debrucemo-nos, agora, mais de perto, sobre o caso em apreço.
Defende a ré que o divórcio deveria, desde logo, ser decretado por violação, por parte do autor, dos deveres conjugais de cooperação e assistência.
Alicerça tal conclusão por ter ficado provado que tem sido ela que tem gerido a casa e educado os filhos (resposta ao quesito 14º) e ainda por não ter ficado provada a materialidade (alegada pelo A.) do quesito 22º, onde se perguntava se “o autor sempre prestou toda a assistência afectiva à família, bem como económica”.
Mas, todavia, e salvo sempre o devido respeito por opinião em contrário, a ré carece de razão nessa sua conclusão.
Desde logo, porque, ao contrário do que afirma nas suas alegações, é sabido que uma resposta negativa, ou seja, de não provado a um quesito, não significa a prova do facto contrário, mas tão somente que não se logrou fazer prova do facto inserto em tal quesito (tudo se passando, na prática, como se esse facto não tivesse sido alegado, ficando-se, assim, na ignorância quanto à sua eventual existência).
Depois, porque, face ao que acima deixámos expandido sobre o conceito dos deveres de cooperação e de assistência, a materialidade factual que, a tal propósito, foi dada como assente (e que no fundo se cinge ao facto acima descrito) é, a nosso ver, manifestamente insuficiente para objectivar a violação de tais deveres por parte do autor, e mais ainda se se tiver presente o facto de ter sido dado como provado que o autor embarca por dois períodos anuais de 5 meses cada um deles, período em que se encontra ausente do seu domicílio conjugal (RQº 13º, e nº 4 dos factos descritos como assentes).
E, por fim, ainda que mesmo que objectivamente tais factos pudessem integrar a violação de tais deveres, por inexistência de materialidade apurada, a esse respeito, não era possível concluir pela culpa do autor na violação desses deveres, ou seja, a ré também não logrou fazer prova, como lhe competia, da culpa do mesmo na violação desses deveres.
Por outro lado, entende a ré que o divórcio sempre deveria ser decretado com base na violação, por parte do autor, do dever conjugal de coabitação, dado o mesmo ter abandonado o domicílio conjugal.
Na verdade, na sequência da resposta dada ao quesito 12º (nº 8 dos factos assentes), ficou provado que “Autor e ré apenas se separaram nos primeiros dias de Novembro de 2004, com o abandono do domicílio conjugal por parte do autor”. (sublinhado nosso)
Mas também aí, e mais uma vez com o devido respeito, não se nos afigura certeira a conclusão da ré.
É que muito embora o abandono do domicilio conjugal por parte do autor pudesse configurar a objectivação da violação do dever conjugal de coabitação por parte daquele, todavia - e tal como resulta do acima exposto sobre os requisitos da procedência do divórcio e da sua alegação e prova -, isso só por si não chega.
Na verdade, vem sendo dominantemente entendido continuar actualizada a doutrina do assento nº 5/94 do STJ de 26/1/94, acima já citado (hoje com valor de acordão uniformizador de jurisprudência – cfr. artº 17, nº 2, do DL nº 329-A/95 de 12/12), fixada no sentido de queno âmbito e para efeitos do nº 1 do artº 1779º do Código Civil, o autor tem o ónus da prova da culpa do cônjuge infractor do dever conjugal de coabitação”.
Ou seja, vem sendo prevalecentemente entendido que para configurar a violação de tal dever de coabitação não basta que objectivamente se constate que um dos cônjuges abandonou o lar conjugal, sendo ainda necessário que resulte provado que tal abandono foi culposo, em termos de permitir formular um juízo de censura, por tal comportamento, sobre esse mesmo cônjuge. E nessa medida é sobre o requerente do divórcio que incumbe, à semelhança do que acontece com os demais requisitos previstos no 1779, nº 1, o ónus de alegar e provar a culpa do cônjuge que abandonou o lar conjugal, pois que, repete-se, o abandono por um dos cônjuges do lar conjugal não é, por si só, suficiente para formular qualquer juízo conclusivo sobre a sua culpa na ruptura da relação conjugal (vidé ainda, a propósito, entre muitos outros, os profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in “Ob. cit. pág. pág. 671”- onde inclusive afastam a existência de qualquer presunção legal a favor do cônjuge que ficou na residência do casal -; Acs. desta Relação e secção, de que fomos relator, de 2004/07/07, in “Rec. Apelação nº 1849/04, publicado in www.dgsi.pt/jtrc e de 2004/05/18, in “Rec. Apelação nº1065/04”; e Acs. do STJ de 09/11/2004, in “Rec. Revista nº 3098/04, 1ª sec.”, de 27/01/2005 e de 27/05/99”.
Ora, da materialidade dada, a esse propósito, como assente somente se sabe que o autor e ré apenas se separaram nos primeiros dias de Novembro de 2004, com o abandono do domicílio conjugal por parte do autor, ficando assim impedidos, dada a escassez dos factos, de podermos formular qualquer juízo de censura sobre o autor pelo abandono do lar conjugal e concluir pela sua culpa na ruptura da relação matrimonial.
Não logrou, assim, a ré, tal como lhe competia, fazer a prova da culpa do autor pelo abandono do lar conjugal, pressuposto esse, como vimos, também essencial para que pudesse ser decretado o divórcio com base na violação do dever conjugal de coabitação.
Logo, pelo exposto, nenhuma censura nos merece, a tal propósito, a decisão do tribunal a quo, julgando-se, assim, improcedente o recurso da ré.

3. Quanto à 2ª questão (relativa ao recurso do autor).
3.1Como supra deixámos exarado, o pedido de divórcio pode fundamentar-se também na separação (de facto) dos cônjuges.
Dado que essa causa de divórcio se encontra já devidamente tratada na sentença recorrida e dado que a problemática colocada directamente em crise no presente recurso não exige especiais indagações, teceremos somente umas perfunctórias considerações sobre tal causa de divórcio.
Como atrás dissémos, para além dos tradicionais casos previstos no artº 1779 (violação culposa por qualquer dos cônjuges dos deveres conjugais), o artº 1781 (sob a epígrafe “rotura da vida em comum”) do mesmo diploma estabelece uma segunda “vaga” de situações que podem fundamentar o divórcio litigioso.
Normativo esse que é resultado da nova concepção doutrinária assente na ideia de que o divórcio não deve ser concebido apenas como uma sanção contra o cônjuge que culposa e gravemente viola os seus deveres conjugais. O divórcio deve, assim, ser ainda recebido como a solução naturalmente aplicável aos numerosos casos em que (sem culpa de nenhum dos cônjuges, com culpa de ambos, ou por culpa de um deles apenas, seja ele o requerente, seja o requerido) o casamento fracassou definitivamente. E daí que a concepção divórcio-sanção dê cada vez mais lugar à concepção divórcio-remédio – filosofia essa de que convictamente somos adeptos, desde que, claro, para o efeito não tenhamos de contornar a lei vigente (vidé, a propósito, e por todos, Profs Pires de Lima e A. Varela in “Código Civil Anotado, vol. IV, 2ª ed., págs. 539 e 540”).
O próprio legislador não dispensou de ser ele próprio a definir e precisar o conceito de separação, ao estipular que se entende que há separação de facto, para efeitos da al. a) daquele último normativo legal, “quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer” (nº 1 do artº 1782).
Resulta, assim, desde logo, de tais normativos, que são dois os requisitos exigidos para que o divórcio possa ser decretado com base em tal causa: um elemento objectivo, traduzido na efectiva separação dos cônjuges (deixando de existir entre eles qualquer tipo de comunhão de vida), e um elemento subjectivo, de natureza interior ou psicológica, traduzido na real intenção de ambos os cônjuges, ou de pelo menos de um deles, não restabelecerem a comunhão de vida matrimonial (constituindo doutrina cada vez mais prevalecente dos nossos tribunais superiores que o simples acto de instauração de divórcio já preenche tal elemento subjectivo)
No seguimento, aliás, da cada vez maior interiorização do pensamento que vem presidindo à concepção doutrinária a que atrás se aludiu, no que respeita às separações de facto, a Lei nº 47/98 de 10/8, na nova redacção que deu entretanto ao citado artº 1781, veio não só diminuir, consideravelmente, os prazos exigidos para a separação do facto, como, inclusivé, aumentar o leque de opções ou previsões.
Na verdade, o legislador dado o melindre da questão, por razões de segurança (e nomeadamente da convicção dos cônjuges de levarem por diante esse seu propósito), sentiu necessidade de estabelecer prazos mínimos de durabilidade dessa separação.
Prazos esses que foram substancialmente reduzidos com a publicação daquela citada lei.
Na verdade, com tal nova redacção dada por aquela lei, passou também a constituir fundamento de divórcio litigioso “a separação de facto por 3 anos consecutivos” (al. a), sendo que na redacção anterior tal prazo exigido era de 6 anos), ou “a separação de facto por um ano se o divórcio for requerido por um dos cônjuges sem oposição do outro” – modalidade esta que não constava da anterior versão do citado artº 1781 - (al. b)). Sublinhado nosso.
Comentando a necessidade da exigência do tal período de separação dos cônjuges, afigura-se útil terminarmos essa indagação que vimos fazendo com as palavras dos profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira ( in “Ob. cit. pág. 685”): “ (...) Em segundo lugar, a separação de facto dos cônjuges, integrada pelos dois elementos, deve durar em principio há 3 anos consecutivos. Por vezes o corte é brusco, e o início da separação reporta-se inequivocamente a determinada data a partir da qual se conta o prazo. Mas nos casos mais vulgares a separação é um processo, tão obscuro como a própria alma dos homens. Os cônjuges não se separam de uma vez: vão-se separando. São os casos mais complexos. É necessário datar essa separação para se saber desde quando corre o prazo, e nestes casos é difícil fixar uma data. Há que apurar quando se verificou o último sinal visível de vida em comum, a última manifestação de comunhão de vida por parte do cônjuge que acabou por romper essa comunhão”. Sublinhado nosso.
Por fim, diremos ainda que, como resulta do já acima expandido a propósito daquela outra causa de divórcio, é ao cônjuge requerente que, nos termos do disposto no artº 342, nº 1, impende o ónus de prova de todos aqueles requisitos ou elementos, ou seja, dos elementos objectivo e subjectivo e do decurso do prazo de separação.
3.2 Reportando-nos, agora mais de perto, ao caso em apreço diremos:
Muito embora, e como no inicio se deixou expresso, o autor tenha começado por pedir que fosse decretado o divórcio com base na violação culposa por parte da ré dos deveres conjugais de respeito e de cooperação, e, subsidiariamente, com base na separação de facto entre ambos por mais de 3 anos, porém, no presente recurso deixou cair aquela primeira causa (que tal como a 2ª não foi atendida na sentença recorrida) para se cingir somente àquela 2ª causa, censurando o tribunal a quo, por não ter decretado o divórcio com base nela.
E, no fundo, a problemática colocada directamente em crise no presente recurso, tem somente a ver com a questão de saber se já decorreu ou não o prazo legal de 3 anos (aplicável a este caso) de separação entre os cônjuges. O srº juiz a quo entendeu que não e o autor-apelante entende que sim.
Para o efeito, e com interesse, importa considerar os factos que, a propósito, foram dados como provados pelo tribunal a quo e que na sentença recorrida foram descritos pela seguinte forma e ordem:
- Autor e ré apenas se separaram nos primeiros dias de Novembro de 2004, com o abandono do domicílio conjugal por parte do autor (RQº 12º).
- Autor e ré deixaram de fazer vida social em comum (RQº 8º).
- Nunca mais mantiveram relações amorosas em comum ou sequer sexuais (RQº 10º).
Perante tais factos o srº juiz a quo interpretou-os no sentido de que os cônjuges só encontram separados de facto desde os primeiros dias de Novembro de 2004, data essa em que o autor abandonou o domicílio conjugal, não voltando desde então a relacionar-se quer social, quer sexualmente. E nesse sentido, dado que acção apenas foi instaurada pelo autor em 17/12/2004, era evidente que não tinha ainda decorrido nessa altura o prazo de 3 anos de separação de facto exigido por lei.
Entende o apelante, e nesse aspecto bem, que não obstante os cônjuges viverem debaixo do mesmo tecto, isto é, no lar conjugal, pode bem acontecer não existir comunhão de vida entre ambos, estando portanto, nesse caso, separados de facto e em ruptura conjugal.
E nessa medida defende o autor que não obstante ter ficado provado que somente nos primeiros dias de Novembro de 2004 abandonou o domicílio conjugal, todavia, já há mais de cinco anos que não existia comunhão de vida entra ambos, tal como se extrai dos dois últimos factos acima descritos.
Conclusão essa que alicerça na circunstância de tais factos serem uma decorrência do por si alegado na petição inicial, onde começou por alegar que o autor e a ré se encontravam separados de facto (matéria obviamente conclusiva, dizemos nós, e como tal não poder ser levada, como não foi, à selecção da matéria de facto) há mais de 3 anos.
Compulsando a base instrutória, cujos primeiros quesitos contêm em si factos materiais alegados pelo autor tendentes a fundamentar aquelas duas causas de divórcio de que acima démos conta, verificamos que a única referência temporal ali feita consta do quesito 1º (sendo um de entre outros que visava fundamentar a alegada violação por parte da ré dos deveres conjugais de cooperação e respeito e que conduziriam também à alegada separação de facto entre ambos) onde se perguntava se “há cerca de 5 anos que a ré deixou de tomar refeições em casa, nomeadamente ao jantar?”.
Quesito esse que obteve resposta totalmente negativa, ou seja, de não provado.
Como é sabido, os factos insertos num quesito dado como não provado, devem-se considerar apagados e, por tanto, como se não existissem.
Por outro lado, não se extrai, pelo menos claramente, e nomeadamente no que concerne aos quesitos 8º e 10º, de onde resultou a prova daqueles dois últimos factos, que os mesmos tenham sido formulados reportando-se àquele período temporal.
Por outro lado ainda, é sabido que manda a boa técnica que os quesitos devem conter factos autonomizados uns dos outros.
Quesitos aqueles dados totalmente como provados e que tinham a seguinte redacção:
Qtº 8º: “Autor e ré deixaram de fazer vida social em comum?”
Qtº 10º: “Nunca mais mantiveram relações amorosas em comum ou sequer sexuais?”
Ora face ao exposto, afigura-se-nos, por um lado, que objectivamente nada permite extrair a conclusão que tais factos (relacionados com a ausência de relacionamento comum social e sexual entre o autor e a ré) se tenha iniciado desde há cinco anos, reportados à data da instauração da presente acção.
Por outro lado, e tal como resulta das sábias palavras acima transcritas dos profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, haverá, com vista a datar a separação dos cônjuges, que apurar quando se verificou o último sinal visível de vida em comum.
Ora, compulsando os factos dados como assentes, não se consegue localizar temporalmente, com clareza, esse sinal, a não ser que o autor e a ré apenas se separaram nos primeiros dias de Novembro de 2004, com o abandono do domicílio conjugal por parte do primeiro (R Qtº 12º). Facto esse sim que, à falta de outros, poderá ser indiciador da tal separação entre os cônjuges.
Por fim, diremos ainda que era, como vimos, sobre o autor que impedia o ónus de provar, com clareza, de que tal separação entre ambos ocorria há já, pelo menos, três anos consecutivos, aquando da instauração da acção.
Prova essa que, como deixámos exposto, não se pode extrair dos factos dados como assentes.
Para terminar, não resistimos em dizer que não temos claramente qualquer preconceito contra o divórcio e muito menos qualquer “prazer” em manter os cônjuges “presos” a um matrimónio no qual manifestamente já nenhum deles actualmente acredita e se sente bem, só que existem regras legais (a cuja observância estamos vinculados) para juridicamente (pois em termos de facto tudo aponta para que ele já se encontre morto) pôr fim ao mesmo, dissolvendo-o, e elas, no caso em apreço (e face aos factos apurados), não se mostram, por ora, preenchidas.
Termos, pois, em que se decide julgar também improcedente o recurso do autor, confirmando-se a decisão recorrida.
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III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento aos recursos interpostos pelo autor e pela ré, confirmando-se a sentença da 1ª instância.

Custas pelo autor e pela ré, no que concerne aos recursos que cada um deles interpôs.