Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
450/11.7TBTNV-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MARINHO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
DIREITO DE VISITA
TERCEIRO
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
AUDIÇÃO DA CRIANÇA
Data do Acordão: 06/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TORRES NOVAS 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 146, 147, 150 OTM, 1887-A E 1901 CC, 1410 CPC, REGULAMENTO (CE) Nº 2201/2003 DO CONSELHO DE 27/11/2003, CONVENÇÃO SOBRE DIREITOS DA CRIANÇA DE 20/11/1998
Sumário: 1.- Se o facto de o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais ter a natureza de processo de jurisdição voluntária viabiliza a busca da melhor solução, alijada de peias normativas e de forma, o conceito de superior interesse de criança orienta o julgador no sentido de sempre curar por encontrar a solução que – não só objectivamente mas também à «luz» dos afectos, do grau de desenvolvimento psíquico, da percepção da distinta dimensão do tempo da infância e dos efeitos dos dias no estádio de desenvolvimento do menor concreto – lhe construa, à medida exacta desses elementos e das suas necessidades, um universo em que possa rever-se, encontrar-se e crescer em plenitude.

2.- Não se extrai do artigo 1887º-A do Código Civil ou de qualquer outro preceito aplicável que distintas relações, outros afectos, ainda que relativos a terceiros, não possam merecer relevo regulatório no momento da decisão incidente sobre o exercício das responsabilidades parentais – nem esta expressão («parentais») nos deve afastar desta conclusão, já que exprime apenas o núcleo e a origem do instituto e não fala da felicidade e dos interesses da criança, que tudo dominam.

3.- Tendo uma criança estabelecido com o seu padrinho, que dela cuidou desde pequena, uma relação idêntica à de filiação e sendo esta a sua figura primária de referência, o seu interesse reclama a fixação ao mesmo de um regime de visitas.

4.- Este direito de visita é legalmente admissível, nos termos da al. d) do art. 146.º e no 150.º, ambos da O.T.M., do art. 1410.º do CPC, e Regulamento ( CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27/11/2003.

5.- Quer o artigo 12 da «Convenção sobre os Direitos da Criança» quer o Direito interno constituído impõem a audição da criança, sendo que, no caso português, tal audição deve ser, por regra, realizada pelo juiz.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
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I. RELATÓRIO                  

O MINISTÉRIO PÚBLICO requereu contra MJ (…) e MA (…) a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à menor MC (…)

Alegou, para o efeito, que a MC (…) é filha dos Requeridos; estes nunca foram casados entre si e encontram-se separados de facto; a MC (…) encontra-se a viver com a mãe; os Requeridos não estão de acordo quanto à regulação do exercício de tais responsabilidades relativamente à menor.

 O Requerido não compareceu à conferência agendada com vista à obtenção de acordo de regulação entre os progenitores, apesar de citado.

Realizou-se inquérito sobre a situação sócio-económica da MC (…) e da Requerida mas não do Requerido.

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer sobre a regulação.
Foi proferida sentença que confiou a MC (…) à guarda e cuidados da Requerida e fixou regime de visitas e de prestação alimentar pelo Requerido.
O MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs recurso do «despacho datado de 14.11.2011» pelo qual foi indeferido «o pedido do Ministério Público para que se solicitasse à Segurança Social a elaboração de Relatório Social sobre a situação familiar de (…), padrinho da menor em questão nos presentes autos, a fim de se aferir da viabilidade de eventual fixação de regime de visitas à menor».
Apresentou, para o efeito, as seguintes conclusões das suas alegações:
«1.º A menor MC (…) estabeleceu uma relação idêntica à filiação com o padrinho, que dela cuidou desde pequena, sendo esta a figura primária de referência da menor.
2.° O interesse da menor reclama a fixação de um regime de visitas ao padrinho a favor da mesma.
3.° Essa fixação é possível nos termos do art. 146.°, aI. d) e 150.° da O.T.M. e 1410.° do C.P.C., por se tratar de um processo de jurisdição voluntária.
4.° A criança tem direito a ser ouvida, nos termos do art. 12.° da Convenção sobre os Direitos da Criança, por estar em causa a decisão de uma questão que a afecta.
5.° Tal audição é essencial para a boa decisão da causa.
6.° O despacho recorrido ao indeferir a realização das diligências probatórias requeridas pelo Ministério Público, tendentes a recolher informação adequada para fixar um regime de visitas ao padrinho, com o fundamento da inadmissibilidade legal desse regime de visitas, violou as normas constantes do art. 146.°, aI. d) e 150.° da O.T.M., do art. 1410.° do C.P.C., do art. 1906.°, n° 7 do C.C., dos art. 3.°, n° 1 e 12.° da e.D.C. e, ainda, do art. 26.° da C.R.P. »

Concluiu pedindo que fosse revogada a decisão impugnada e substituída «por outra que determine que se solicite à Segurança Social a elaboração de Relatório Social à situação familiar do padrinho da menor, a fim de se aferir da viabilidade da fixação do regime de visitas, e que determine a audição da criança».

As alegações do Recorrente não foram objecto de resposta da parte contrária.
 Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
São as seguintes as questões a avaliar:
1. Tendo a menor estabelecido com o seu padrinho, que dela cuidou desde pequena, uma relação idêntica à de filiação e sendo esta a sua figura primária de referência, o seu interesse reclama a fixação ao mesmo de um regime de visitas, sendo que tal fixação é possível nos termos da al. d) do art. 146.º e no 150.º, ambos da O.T.M., e do art. 1410.º do Código de Processo Civil?
2. A criança tem direito a ser ouvida, nos termos do art. 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, por estar em causa a decisão de uma questão que a afecta, sendo tal audição essencial para a boa decisão da causa?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Vêm provados os seguintes factos:
A) A menor MC (…) nasceu em 17 de Novembro de 2002 (cfr. certidão de nascimento junta aos autos a fls. 4).
B) A menor MC (…) é filha dos requeridos MA (…) e MJ (…)
C) A menor encontra-se a viver com a requerida MJ (…) desde há cerca de 2 anos.
D) A requerida declarou que aufere o vencimento mensal de 250 euros da sua actividade de empregada de limpeza. Reside com um companheiro que explora um estabelecimento comercial de café, auferindo um rendimento mensal de cerca de 1.500 euros. Do seu agregado familiar fazem igualmente parte um filho com 13 meses, que também é filho do seu actual companheiro, e ainda outro filho com 17 anos de idade. Para além disso, requerida tem ainda como fonte de rendimentos o abono de família destinado aos menores no valor de 295,57 euros.
E) O agregado familiar da menor MC (…) vive numa habitação situada por cima de um café, que possui condições de habitabilidade, higiene e conforto. É composta por 3 quartos, sendo um destinado à menor MC (…).
F) A menor MC (…) é uma criança afectiva, responsável, educada, sem problemas comportamentais, e encontra-se numa fase de adaptação ao agregado familiar da mãe, na medida em que residiu com um padrinho durante os seus primeiros 7 anos.
G) Os progenitores da menor MC (…) tiveram uma relação esporádica que durou pouco tempo.
H) Os últimos contactos do progenitor com a menor MC (…)ocorreram no ano de 2008, altura em que a mesma esteve hospitalizada. A partir dessa altura o requerido não estabeleceu qualquer contacto com a menor, quer pessoalmente, quer por via telefónica, ou por qualquer outra forma.
I) Nesse ano de 2008, o requerido auxiliou o sustento da menor MC (…), na medida em que entregou algumas quantias durante o período de 6 meses. A partir dessa altura o requerido não contribuiu com qualquer valor para o sustento da menor.
J) O requerido exerceu a actividade profissional de vigilante.
K) Actualmente é desconhecido o paradeiro do requerido Marco Lima.»

Fundamentação de Direito
1. Tendo a menor estabelecido com o seu padrinho, que dela cuidou desde pequena, uma relação idêntica à de filiação e sendo esta a sua figura primária de referência, o seu interesse reclama a fixação ao mesmo de um regime de visitas, sendo que tal fixação é possível nos termos da al. d) do art. 146.º e no 150.º, ambos  da O.T.M., e do art. 1410.º do Código de Processo Civil?
Por referência ao regime do direito de visita regulado no «REGULAMENTO (CE) N.o 2201/2003 DO CONSELHO de 27 de Novembro de 2003 relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000» (Regulamento Bruxelas II bis), afirmou-se em MARINHO, Carlos M G de Melo, Textos de Cooperação Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pág.s 63 e 64 que «As regras fixadas no Regulamento, incidentes sobre esta temática, aplicam-se a qualquer tipo de exercício do direito de visita, com abstracção da pessoa do seu beneficiário (abrangendo, pois, por exemplo, os avós e terceiros). A sua concretização prescinde de qualquer forma de exercitação tarifada (compreendendo todos os tipos de contacto, tais como os telefónicos e os electrónicos).» Encontramos esta abrangência alargada nos n.ºs 7 e 8 do art. 2.º de tal encadeado normativo.
Quis-se, por esta via, deixar aberta a porta a todas as formas de concretização e tutela dos interesses dos menores, sempre com a noção subjacente de que a realidade é mais rica que a norma e que, aqui, se busca a tutela do superior interesse da criança a um nível que é o único susceptível de emprestar sentido e coerência a essa noção e que afasta qualquer legalismo ou predomínio da forma sobre a adequação da decisão ao facto, equidade e justiça.
O superior nível hierárquico do regime de Direito Europeu – aplicável a título directo e imediato em Portugal ainda que apenas em situações de relevo transfronteiriço – bem como o seu tempo de surgimento, inculcam a noção de que deve ser-lhe atribuído o valor de referencial e elemento de aferição da vontade actualizada do legislador – sendo que Portugal participou activamente nas respectivas negociações.
 Este elemento não é o único, porém, a conceder um subsídio para a decisão a proferir já que, por força do disposto no art. 150.º da Organização Tutelar de Menores  (O.T.M.) – aprovada pelo €DL n.º 314/78, de 27 de Outubro – estamos perante um processo de jurisdição voluntária o que nos remete, em sede de esforço interpretativo, para o disposto no Artigo 1410.º do Código de Processo Civil, com o seguinte teor:
«Critério de julgamento
Nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.»
Se este elemento «abre a porta» para a busca da melhor solução, alijada de peias normativas e de forma, o conceito de superior interesse de criança impõe o caminho. É ele que deve orientar o julgador, que sempre curará por encontrar a solução que – não só objectivamente mas também à «luz» dos afectos, do grau de desenvolvimento psíquico, da percepção da distinta dimensão do tempo da infância e dos efeitos dos dias no estádio de desenvolvimento do menor concreto – lhe construa, à medida exacta desses elementos e das suas necessidades, um universo em que possa rever-se, encontrar-se e crescer em plenitude.
Sob tão exigente e difícil comando, não poderá, pois, o juiz, deter-se no primeiro escolho interpretativo. Não o chega a ser, porém, o disposto no artigo 1887.º-A do Código Civil que, a propósito do «Convívio com irmãos e ascendentes» estatui:
«Os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes».
Deste preceito apenas resulta a expressa tutela dos direitos de contacto dos irmãos e avós com o menor, aliás em desenvolvimento de noção actualizada do direito de visita e em superação de concepção inicialmente circunscrita à família nuclear, básica, fechada, assente nas relações pais-filhos – foi, justamente, a clausura do regime regulatório nas relações estritamente emergentes do casamento, assente na aludida família nuclear, que ditou a curta vida e relativo insucesso do  Regulamento (CE) n.º 1347/2000, revogado pelo texto de Direito Europeu acima apontado.
Não se extrai da aludida norma, ou de qualquer outra, que distintas relações, outros afectos, ainda que relativos a terceiros, não possam merecer relevo regulatório no momento da decisão incidente sobre o exercício das responsabilidades parentais – nem esta expressão («parentais») nos deve afastar desta conclusão já que exprime apenas o núcleo e a origem do instituto e não fala da felicidade e dos interesses da criança, que tudo dominam.
Sob um tal contexto, não há razão para se proscrever a possibilidade de os laços concretos da menor com o seu padrinho serem de tal maneira fortes e relevantes na sua existência e formação que justifiquem a atribuição do Direito de visita.
2. A criança tem direito a ser ouvida, nos termos do art. 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, por estar em causa a decisão de uma questão que a afecta, sendo tal audição essencial para a boa decisão da causa?
Impõe-se que se avalie, também, a questão da necessidade de audição da menor.
 A este nível, releva o disposto no Artigo 12 da «Convenção sobre os Direitos da Criança», adoptada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990, com o seguinte teor:
«1. Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.
2. Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja directamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional.»
Por seu turno, encontramos no direito interno português um importante elemento referenciador, neste domínio – o Artigo 1901º, com o seguinte teor:
«Responsabilidades parentais na constância do matrimónio
1 - Na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais.
2 - Os pais exercem as responsabilidades parentais de comum acordo e, se este faltar em questões de particular importância, qualquer deles pode recorrer ao tribunal, que tentará a conciliação.
3 - Se a conciliação referida no número anterior não for possível, o tribunal ouvirá o filho, antes de decidir, salvo quando circunstâncias ponderosas o desaconselhem.»
Esta redacção – emergente da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, vigente a partir de 30 de Novembro de 2008 – corresponde a uma evolução da anterior, já que se prescindiu da idade de referência quatorze anos, o que significa que apenas a falta de capacidade de discernimento do menor ou outras dificuldades cognitivas ou emocionais de aferição casuística poderão obstar à audição da criança.
O artigo 147.º-A da Organização Tutelar de Menores estabeleceu, sob a epígrafe «Princípios orientadores» que:
«São aplicáveis aos processos tutelares cíveis os princípios orientadores da intervenção previstos na lei de protecção de crianças e jovens em perigo, com as devidas adaptações.»
Esta lei – Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro – dispôs, no seu artigo 4.º:
«Princípios orientadores da intervenção
A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios:
(...)
i) Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos actos e na definição da medida de promoção dos direitos e de protecção;
 (...)»
Tão importante se revela a audição da criança que o aludido Regulamento Europeu – destacado entre todos os diplomas do espaço comum de justiça por ter suprimido pela primeira vez na História o «exequatur» – só permitiu a aludida dispensa precursora do processo intermédio de revisão e confirmação de sentença estrangeira que contenha decisão sobre direito de visita ou relativa ao retorno da criança em casos de rapto parental, quando se tenha garantido a audição do menor – cf. art.s 41, n.º 2, al. c) e 42.º, n.º 2, al. a).
Por isso se disse na obra apontada – pág. 70:
«Que se crie a oportunidade de o menor ser ouvido no âmbito dos processos que lhe respeitem é requisito axilar no Regulamento. É, também, exigência pressuponente da abolição do exequátur. Só excepcionalmente, em função da idade ou da maturidade da criança, não se abrirá essa possibilidade.
Não se exige que o menor seja ouvido por um juiz, no quadro de uma audiência formal, pelo que serão os direitos internos a enquadrar formalmente a diligência.
Tal audição deverá pressupor a adequada preparação técnica dos profissionais nela envolvidos, ser realizada com discrição, em termos adaptados ao específico fim processual visado, e ser concretizada em clima de confiança, adaptado às circunstâncias pessoais do menor e, em particular, à sua idade.»
Regressando ao caso português, não se vê razão para que não seja o juiz a proceder à audição directa do menor – antes as indicadas normas e os poderes instrutórios que lhe são atribuídos no processo civil nacional e no procedimento em causa o apontam – em vez de se atribuir essa actividade a entidades ou pessoas com funções de intermediação, como que demitindo-se da colheita directa da prova, quando a intervenção desses terceiros não se revele estritamente necessária com vista às finalidades processuais – necessidade que se verifica, por exemplo, quando se revelem necessários conhecimentos especiais da área da psicologia.
Flui do exposto proceder o recurso, devendo determinar-se a audição da menor, cujo discernimento se presume atenta a sua idade, avaliando-se a possibilidade de concessão de direito de visita ao padrinho referenciado nos autos e que, segundo o Ministério Público indicou e devia ter sido averiguado em sede instrutória, constitui figura de referência da sua vida, já que dela cuidou desde pequena. 
SUMÁRIO:

1. Se o facto de o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais ter a natureza de processo de jurisdição voluntária viabiliza a busca da melhor solução, alijada de peias normativas e de forma, o conceito de superior interesse de criança orienta o julgador no sentido de sempre curar por encontrar a solução que – não só objectivamente mas também à «luz» dos afectos, do grau de desenvolvimento psíquico, da percepção da distinta dimensão do tempo da infância e dos efeitos dos dias no estádio de desenvolvimento do menor concreto – lhe construa, à medida exacta desses elementos e das suas necessidades, um universo em que possa rever-se, encontrar-se e crescer em plenitude;

2. Não se extrai do artigo 1887º-A do Código Civil ou de qualquer outro preceito aplicável que distintas relações, outros afectos, ainda que relativos a terceiros, não possam merecer relevo regulatório no momento da decisão incidente sobre o exercício das responsabilidades parentais – nem esta expressão («parentais») nos deve afastar desta conclusão, já que exprime apenas o núcleo e a origem do instituto e não fala da felicidade e dos interesses da criança, que tudo dominam.

3. Sob um tal contexto, não há razão para se proscrever a possibilidade de os laços concretos da menor com o seu padrinho serem de tal maneira fortes e relevantes ao nível da sua existência e consequências que justifiquem a atribuição do Direito de visita;

4. Quer o artigo 12 da «Convenção sobre os Direitos da Criança» quer o Direito interno constituído impõem a audição da criança, sendo que, no caso português, tal audição deve ser, por regra, realizada pelo juiz.


III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação totalmente procedente e, em consequência, revogamos a sentença impugnada e determinamos que o Tribunal a quo proceda à audição da menor MC (…) e à ponderação, após colheita dos elementos instrutórios tidos por necessários, da possibilidade de fixação de regime de visitas ao aludido padrinho.
Sem custas.

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Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)
Alberto Ruço (1.º Adjunto)
Judite Pires (2.ª Adjunta)