Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2007/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
DENÚNCIA
Data do Acordão: 07/05/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 20º, 18º, N.º1, ALÍNEA B) DO D. L. N.º 385/88, DE 25 DE OUTUBRO
Sumário: I. A inobservância pelo senhorio do prazo de antecedência relativamente ao termo ou à renovação do contrato de arrendamento rural, a que alude a alínea b) do n.º1 do art. 18º do DL n.º 388/85, não conduz à ineficácia da denúncia, que só produzirá os seus efeitos para o termo do prazo ou da sua renovação do contrato, com observância dos prazos de antecedência de 18 meses ou um ano.

II. Não é imprescindível que o senhorio, no momento em que emita a declaração de denúncia esteja em condições de explorar o prédio, por si ou pelos filhos que satisfaçam as condições de jovem agricultor estipuladas na lei.

III. Mas uma vez denunciado o contrato, o senhorio fica obrigado, salvo caso de força maior, à exploração directa por si ou pelos filhos, durante o prazo mínimo de 5 anos a contar do termo do contrato.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I)- RELATÓRIO
A... e esposa B... demandaram, no Tribunal Judicial de Tábua, sob a forma de processo sumário, C..., pedindo se declare a nulidade da denúncia do contrato de arrendamento rural recebida pelos AA., devendo a Ré ser condenada a pagar aos AA., a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 25.000, e, ainda, o quíntuplo da renda anual paga pelos AA., quantias essas acrescidas de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a sentença até integral pagamento.
A titulo subsidiário, pedem se declare abusivo o exercício do direito de denúncia, sendo a Ré condenada a pagar aos AA. a quantia de € 25.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais e €76.000 por danos patrimoniais, acrescidas de juros de mora vincendos desde a data da sentença até integral pagamento.
Como fundamento dos pedidos, os AA. alegaram a seguinte factualidade, em síntese:
-Desde 1992 são arrendatários rurais de um prédio rústico denominado “Vale Verde”, sito em Midões, registado na Conservatória do Registo Predial de Tábua e pertencente à Ré; -No dia 27.11.03, os AA. receberam uma carta registada com aviso de recepção, com a data de 26.11.03, enviada pela Ré, denunciando o contrato com fundamento no disposto no art. 20º, n.º1 do DL n.º 385/88, de 25.10, e concedendo o prazo de 12 meses para a desocupação;
-A denúncia deveria ser indicada para o termo do prazo contrato ou da sua renovação;
-Há impossibilidade legal de a sociedade Ré cumprir a obrigação de exploração directa do prédio arrendado, atento o seu objecto social de construção, gestão, compra e venda de propriedades e revenda dos adquiridos para esse fim;
-A Ré adquiriu o prédio arrendado, em 23.05.2000, apenas com o intuito de aí construir edifícios habitacionais e comerciais, tendo requerido licença para lotear e afixado no prédio anúncios a publicitar a entrada na Câmara Municipal de um pedido de loteamento;
-A Ré não tem qualquer propósito de explorar directamente o prédio, até por impossibilidade legal de o fazer;
-Os AA. vivem com muitas dificuldades económicas, numa casa de caseiro, não dispondo de outro local onde possam morar e exercer a agricultura, sendo flagrante a diferença entre a situação económica dos AA. e Ré;
-A conduta da Ré causou perturbação nervosa e emocional aos AA. ante a possibilidade de terem de deixar o prédio arrendado, sentindo-se tristes e envergonhados;
-A ser julgada válida a denúncia, os AA. terão de suportar despesas com a alimentação e arrendamento de uma casa.

Regularmente citada, a Ré contestou, concluindo pela improcedência da acção, alegando o erro na forma do processo e a impossibilidade legal de os AA. se oporem à denúncia para a exploração directa do prédio rústico arrendado por banda do senhorio. Mais acrescentou que o seu objecto social não obsta à exploração directa do prédio, tendo, entretanto, deliberado alterado o objector social, por forma a incluir a exploração agrícola, e impugnou os factos e quantias atinentes às indemnizações peticionadas.

Os AA. responderam, no essencial, mantendo a posição assumida na petição inicial e refutando a tese da Ré.

No despacho saneador foi julgada correcta a forma sumária do processo, decisão que não mereceu a concordância da Ré, dela agravando.
No regular tramitação do processo, foi, por fim proferida sentença, a julgar a acção improcedente e não provada.

Os AA., irresignados, apelaram da sentença, persistindo na sua tese, e extraindo da sua alegação de recurso, as seguintes conclusões, em resumo:
1ª-A sentença é nula porque apenas baseada apenas em considerações de direito, sem referência a factos;
2ª-Os Recorrentes pretendem a declaração de nulidade da denúncia do contrato levada a efeito pela Recorrida, porque não comunicada para o termo do prazo, impossibilidade originária da Recorrida explorar directamente o prédio, atento o seu objecto social;
3ª-A Recorrida, e desde a aquisição do prédio, apenas é movida por interesses imobiliários, porque pretende lotear o prédio, conforme projecto de construção que esteve pendente na Câmara Municipal até Julho de 2003;
3ª-A Recorrida já anteriormente denunciara o contrato, mas sem êxito conforme reconhecido em Tribunal, por sentença transitada em julgado em Abril de 2003, e logo em Novembro dessa ano, a Recorrida voltou a denunciar o contrato, mas, agora, alegando o intuito de exploração directa;
4ª-Deveria ter sido dado como assente o processo que existiu de licenciamento urbano, com as datas de entrada e pendência do mesmo, como resulta dos autos, bem como o trânsito em julgado da sentença que julgou válida a oposição dos Recorrentes à denúncia do contrato de arrendamento;
5ª-Os 3 primeiros quesitos deveriam ter sido dados como provados, face à prova documental e depoimentos das testemunhas E..., F..., G... e H...;
5ª- A sentença recorrida violou o disposto no art. 668º, n.º1, alínea b) e d) do CPC, arts. 334º e 401º, n.º1 do CC, art. 18º, n.º1, alínea b) do DL n.º 385/88, de 25.10, art. 5º, n.º3, art. 10º, n.º3 e 5 e art. 11º do Código das Sociedades Comerciais.
A Ré contra-alegou no sentido da confirmação da sentença.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II)- os FACTOS
Na sentença da 1ª instância foi dada por assente a seguinte factualidade:
1-Em Fevereiro de 1992, os AA. declararam verbalmente tomar de arrendamento e D... declarou verbalmente dar de arrendamento, pelo prazo de 7 anos, renovável por 1 ano, o prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da Freguesia de Midões, sob o art. 3050 e descrito na conservatória do Registo Predial de Tábua sob o n.º 0726, denominado “Vale Verde”, sito em Midões e composto por terreno de cultura com oliveiras, fruteiras, videiras em cordão, laranjeiras e eira, com 9.880 m2, a confrontar do Norte com estrada; Nascente com Lucília Almeida Torres, Sul com Tito Morais da Costa e Poente com Laurentino Araújo Mendes e outros e rua;
2-Por sentença proferida e já transitada em julgado, no âmbito da acção sumária n.º 291/00,que correu termos entre as mesmas partes que aqui são AA. e Ré, foi julgada improcedente a excepção de nulidade, por falta de redução a escrito, do contrato de arrendamento vigente entre AA. e Ré e respeitante ao prédio referido no anterior número;
3- O direito de propriedade sobre o prédio referido no n.º1, está inscrito no registo predial a favor da Ré, através da ap. 01/00524;
4-Em 20.01.2004, o objecto social da Ré, tal como constava da respectiva matrícula no registo comercial, consistia na construção, gestão, compra e venda de propriedades e revenda das adquiridas para esse fim;
5_Através da ap. 01/040416 foi inscrita no registo comercial a alteração parcial do contrato social respeitante à Ré, passando a constar, como seu objecto social, a construção, gestão, compra e venda de propriedades e revenda das adquiridas para esse fim e exploração agrícola;
6-Em 27.11.2003, os AA. receberam uma carta registada com aviso de recepção, datada de 26.11.2003, expedida pela Ré e com o seguinte teor:
Assunto: denúncia de arrendamento rural para exploração directa
Exmos Senhores:
Considerando que em Maio de 2002 adquirimos por compra o prédio rústico sito ao Vale Verde, freguesia de Midões, descrito na Conservatória do Registo predial de Tábua sob o n.º 726 e inscrito na matriz pelo art. 3050; considerando que pretendemos agora explorar directamente tal propriedade rústica (art. 20º do DL n.º 385/88, de 25.10);
Somos a solicitar a Vexas que procedam à efectiva e definitiva desocupação do prédio no prazo de 12 meses, cessando o contrato de arrendamento rural”.
7- O Autor marido está reformado por invalidez e aufere € 299 mensais;
8-A Autora não tem qualquer rendimento e ambos os AA. são doentes;
9-Os AA. não dispõem de outro local onde possam ir morar e exercer a agricultura e apenas conseguiriam tomar de arrendamento uma casa por uma renda mensal não inferior a € 250,00;
10-As despesas dos AA. com comida, água, luz, medicamentos e vestuário ascendem a € 200,00 mensais e são suportadas com os rendimentos resultantes da actividade agrícola;
11-A carta expedida pela Ré aos AA. causou nestes perturbação emocional e nervosa, pois sentiram que a sua sobrevivência estava posta em causa;
12-No dia da recepção da carta, a Autora mulher caiu à cama com desgosto e preocupação, só se erguendo para prover ao necessário à economia doméstica;
13-Em virtude da recepção da carta referida no anterior número 6, os AA. tiveram de consultar médico, tendo sido medicados com calmantes e vendo agravada a doença de que padeciam;
14-Os AA. sentem-se tristes e envergonhados, evitando contactos sociais.

III)- O DIREITO
Delimitado, em princípio, o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, os AA./Apelantes colocam a julgamento deste Tribunal as seguintes questões:
1ª- Nulidade da sentença por falta de especificação de factos.
2ª–Reapreciação do decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto.
3ª-Nulidade da denúncia do contrato de arrendamento rural levada a efeito pela Recorrida.
4ª- Abuso de direito.

III)- Vejamos a 1ª questão.
Alegam os Recorrentes que a sentença está ferida de nulidade porque não foram especificados factos a justificar a decisão. È por demais evidente que este argumento não colhe, bastando atentar na panóplia de factos assentes, que acima se transcreveu. A subsunção jurídica foi efectuada à luz, designadamente, dos termos da denúncia do contrato de arrendamento rural para exploração directa e objecto social da Recorrida. O apontado vício da sentença só ocorreria, aliás, no caso de total ou absoluta falta de especificação de factos[ Cfr., a este respeito, entre outros, os acórdãos do STJ, no BMJ n.º 473º, p. 427, BMJ n.º 426º, p. 541, BMJ n.º 229º, p. 155 e desta Relação na CJ 2003º, 1º, p. 25].

III)- Examinemos a 2ª questão.
Preconizam os Recorrentes respostas positivas aos pontos de facto 1º, 2º e 3º da base instrutória, prevalecendo-se dos depoimentos das testemunhas E..., F..., G... e H....
Estando gravados os depoimentos, e cumprido o ónus a que alude o art. 690º-A do CPC, é permitido a este Tribunal sindicar ou reapreciar o julgamento de facto (alínea a) do n.º1 do art. 712º do CPC).
Indaga-se nesses pontos de facto se a Ré pretende proceder ao loteamento do prédio rústico arrendado, nele construindo edifícios habitacionais e comerciais (1º), se a Ré fez saber, em Midões, que era sua intenção proceder ao loteamento urbano do prédio rústico arrendado, nele construindo edifícios habitacionais (2º) e se essa intenção é do domínio público em Midões (3º).
Após audição dos mencionados depoimentos, concorda-se com a convicção a que chegou a 1ª instância e pelos motivos aduzidos a fls. 357. Está em causa saber qual a intenção da Recorrida ao denunciar o contrato por carta datada de 26.11.2003, e recebida pelos Recorrentes em 27.11.2003. De significativo, todas as referidas testemunhas, familiares ou amigas dos Recorrentes, disseram que a Ré pretendeu lotear o prédio rústico arrendado tão somente porque no prédio viram placas, há alguns anos atrás, publicitando um pedido de licenciamento de loteamento, mas que já foram retiradas. Placas essas que constam do documento de fls.79 e 80. Desconhecem, porém, a intenção actual da Recorrida ou a intenção da Recorrida ao proceder à denúncia que se impugna com a presente acção, e tal circunstância é que releva. Através do depoimento da testemunha Lima Portela (Presidente da Câmara de Tábua), depreende-se que existiu, na verdade, um processo de loteamento para o prédio arrendado, como se vê de fls. 265 a 275, registado sob o n.º 8/2001, mas que foi arquivado em 09.07.2003, como também se comprova pelo documento de fls. 304. A testemunha Carlos Santos, arquitecto, tem conhecimento da caducidade do pedido de licenciamento de loteamento, esclarecendo a testemunha José Amado, engenheiro agrónomo, ter feito, recentemente, para a Recorrida um projecto, de cerca de 2 hectares de vinha, a instalar no prédio arrendado aos Recorrentes.
Portanto, as testemunhas indicadas pelos Recorrentes não convencem sobre a alegada intenção da Recorrida de lotear o prédio arrendado, em vez de o destinar a exploração directa que está na base da denúncia contratual. Ou seja, não convencem sobre a alegada atitude de reserva mental por parte da Recorrida ao denunciar o contrato, emitindo uma declaração contraria à sua vontade real quanto ao destino a dar ao prédio e com o objectivo de enganar os Recorrentes. Apesar de a Recorrida ter pretendido lotear o prédio, nada obsta a que tenha desistido desse intento, e pretenda explorar directamente o prédio arrendado.
È de manter, pois, a decisão da 1ª instância no que concerne às respostas negativas dadas aos pontos de facto 1º, 2º e 3º da base instrutória.
E no que tange à ampliação da decisão de facto, salvo o devido respeito, não se vê qual o interesse à decisão da causa em dar como provada a existência de processo de licenciamento urbano do prédio, documentado a fls. 265 a 275, bem como a data do trânsito em julgado da sentença proferida no Proc. n.º 291/2000, citado no n.º 2 supra, trânsito esse certificado a fls. 173, com a data de 28.04.2003, onde foi considerada eficaz a oposição dos Recorrentes a uma denúncia do mesmo contrato de arrendamento por banda da Recorrida.

III-3)- Atentemos na 3ª questão.
Na tese dos Recorrentes, a denúncia do contrato de arrendamento rural é nula, porque não foi levada a efeito para o termo do prazo ou da sua renovação.
A este respeito, resulta da factualidade assente (cfr. n.º 6 supra) ter a Recorrida, ao denunciar o contrato, solicitado aos Recorrentes que procedam à efectiva e definitiva desocupação do prédio no prazo de 12 meses.
O art. 18º, n.º 1, alínea b) do DL n.º 385/88, de 25.10 (Regime do Arrendamento Rural)[ Diploma a que pertencerão as normas a indicar sem menção de origem ], acerca da denúncia, determina que o senhorio deve avisar também o arrendatário pela forma requerida na alínea anterior, com a antecedência de dezoito meses, relativamente ao termo do prazo ou da sua renovação, ou de um ano, se se tratar de arrendamento a agricultor autónomo. Ou seja, tendo o contrato o seu início no mês de Fevereiro de 1992 e a denúncia produzido os seus efeitos no dia 26.11.2003, só em Fevereiro de 2005 deveria verificar-se a desocupação ou a extinção do contrato, observada a antecedência de um ano relativamente ao prazo da renovação do contrato. A Recorrida apenas observou o prazo de um ano a contar da denúncia. Mas a inobservância de tal prazo de antecedência relativamente à renovação do contrato não conduz è nulidade ou ineficácia da denúncia, competindo ao Tribunal, oficiosamente, determinar que tal declaração produza eficácia extintiva nos termos legais. No caso, fixando, pois, a cessação do contrato em data diversa da constante da declaração de denúncia e posterior a 26.11.04, com observância do prazo de um ano de antecedência a contar da renovação contratual ocorrida em Fevereiro de 2004. O destinatário da declaração de denúncia contratual apenas pode legitimamente opor-se a que a extinção do contrato ocorra em momento diverso do previsto na lei, sempre referido ao termo do contrato ou da sua renovação e normalmente com certa antecedência sobre esse termo ou renovação. A denúncia em causa só produziu a extinção do contrato no mês de Fevereiro de 2005, já na pendência da acção que foi intentada no dia 23.01.2004.

Argumentam, ainda, os Recorrentes que a denúncia é nula porque existe impossibilidade originária da sociedade Recorrida em cumprir a obrigação de exploração agrícola do prédio arrendado, por não ter cabimento no respectivo objecto social tal actividade. Diga-se, desde já, que à validade da denúncia basta o senhorio expressamente indicar aquela finalidade de exploração directa na comunicação escrita da denúncia (n.º2 do art. 20º e art.18º), produzindo esta os seus efeitos, observada a antecedência de um ano relativamente ao termo do prazo do contrato ou da sua renovação.
Mesmo que não fosse exigível apenas essa declaração expressa, impondo-se a demonstração efectiva desse propósito, até está provado que, em 20.01.2004, o objecto social da Recorrida, tal como constava da respectiva matrícula no registo comercial, consistia na construção, gestão, compra e venda de propriedades e revenda das adquiridas para esse fim (cfr. n.º 4 supra). Mas através da ap. 01/040416 foi inscrita no registo comercial a alteração parcial do contrato social respeitante à Recorrida, passando a constar, como seu objecto social, a construção, gestão, compra e venda de propriedades e revenda das adquiridas para esse fim e exploração agrícola (cfr. n.º5 supra). Isto é, foi aditada ao objecto social a actividade de exploração agrícola.
Como facilmente se enxerga, a exploração directa do prédio arrendado só terá o seu início após a extinção do contrato e desocupação do prédio, não se tornando necessário que, no momento em que é emitida a declaração de denúncia, o senhorio possa exercer a actividade agrícola. E reportado ao momento da cessação do contrato, já a Recorrida tem inscrita no seu objecto social a actividade de exploração agrícola.
Aliás, nem sequer vem a propósito a invocação da impossibilidade originária da prestação conducente à nulidade do negócio jurídico, quer porque a só se considera impossível a prestação que o seja relativamente ao objecto, e não apenas em relação à pessoa (n.º3 do art. 401º do CC), quer porque a denúncia, como simples declaração unilateral e receptícia visando a cessação de um contrato de prestação duradoura, não corresponde a negócio jurídico donde resulte a assunção de uma qualquer prestação perante o destinatário da declaração. Por efeito da denúncia o senhorio não fica obrigado face ao arrendatário rural, apenas assistindo a este o direito a ser indemnizado e a reocupar o prédio, se assim o desejar, caso o senhorio não explore o prédio durante o prazo mínimo de 5 anos (n.ºs 3 e 4 do art. 20º). A obrigação de exploração directa do prédio decorre directamente da lei e apenas surge como efeito da extinção do contrato mediante denúncia.
Falece, pois, qualquer base jurídica ao argumento da impossibilidade de a Recorrida explorar directamente o prédio arrendado, desde logo porque basta à validade da denúncia escrita a indicação expressa daquela finalidade, e não sendo sequer permitido ao arrendatário deduzir oposição à denúncia alegando ser diversa a intenção do senhorio. Só após a extinção do contrato por denúncia do senhorio, permite a lei que se apure da concretização do anunciado propósito de exploração do prédio arrendado, pretendendo o arrendatário ser indemnizado ou reocupar o prédio, porque o senhorio não cumpriu a obrigação de explorar directamente por si ou por intermédio dos filhos, e durante o prazo mínimo de 5 anos[ Cfr., o acórdão desta Relação publicado na CJ 2003, 4º, p. 22,e segs. e arestos aí citados; acórdão do STJ, publicado no BMJ n.º 299º, p. 289 e Arrendamento Rural, 3ª edição, p. 136 e segs., de Aragão Seia. ].

III-4)- Curemos da 4ª questão.
Segundo os Recorrentes, a Recorrida ao denunciar o contrato para exploração directa agiu com abuso de direito.
O abuso de direito está definido no art. 334º do CC, sendo fora de dúvida que a matéria de facto a tal figura não pode ser subsumida. Nada permite concluir que a Recorrida ao denunciar o contrato tenha excedido manifestamente excedido os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico desse direito. A Recorrida denunciou o contrato, como lhe é permitido pelo art. 20º, e sequer ficou provado que agisse com propósito diverso de exploração directa do prédio arrendado, designadamente apenas com a intenção de se ver livre do arrendamento e destinar o prédio a loteamento urbano. Também os factos constantes nos números 7 a 10 supra, sobre a situação económica dos Recorrentes, apenas relevam na oposição à denúncia ao abrigo do art. 19º.

Ao julgar improcedente a acção, porque plenamente válida a denúncia do contrato de arrendamento com vista a exploração directa do prédio pelo senhorio, e legítimo o exercício de tal denúncia, fez a 1ª instância correcta interpretação e aplicação da lei, não se mostrando violadas as normas apontadas pelos Recorrentes.

Diga-se, por fim, que o recurso de agravo interposto, a fls. 260, pela Recorrida contra o despacho saneador na parte em que apreciou o alegado erro na forma do processo, não carece de apreciação, uma vez confirmada a sentença, como prevê a parte final do n.º1 do art. 710º do CPC.

IV)- DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em:
1-Negar provimento ao recurso.
2-Confirmar a sentença impugnada.
3-Condenar os Apelantes nas custas do recurso, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
COIMBRA,