Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1592/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. GARCIA CALEJO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
DEFEITOS NA OBRA
EXCEPÇÃO DO NÃO CUMPRIMENTO CONTRATUAL
Data do Acordão: 10/28/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PENACOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA EM PARTE
Área Temática: DIREITO CIVIL, OBRIGAÇÕES, CONTRATO DE EMPREITADA
Legislação Nacional: ART.º S 428º, N.1, 847º, N.1 AL. B), E 1207º TODOS DO C. CIVIL.
Sumário: I - Nos contratos de empreitada, a excepção do não cumprimento pode funcionar entre e relativamente a cada uma das parcelas do preço acordado e as diversas fases de realização da obra.
II - Em caso de incumprimento ou de cumprimento defeituoso no contrato de empreitada, por parte do empreiteiro, não pode ter aplicação o instituto da " compensação ", pois para tal suceder seria necessário que as duas obrigações recíprocas tivessem por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade (art.º 847.°, n.° 1, al. b), do C. Civ.), o que não se verifica nos contratos referidos.
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I- Relatório:
1-1- Construções Mont..., com sede em Laborins, S. Pedro de Alva, Penacova, propõe contra Paulo ... e mulher Elisabete..., residentes em Paredes, Oliveira do Mondego, Penacova, a presente acção com processo ordinário, pedindo que os RR. sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 2.500.000$00 acrescida de juros de 216.986$00 e dos juros de mora vincendos à taxa de 12% até efectivo e integral pagamento.
Fundamentam este seu pedido, em síntese, no facto de ter celebrado com os RR. um contrato de empreitada com vista a construir-lhes uma moradia. Sucede que os RR. não lhe pagaram, do custo global da construção, a importância de 2.500.000$00, quantia que quer que os RR. lhe paguem, acrescida de juros de mora.
1-2- Os RR. contestaram sustentando, também em síntese, que a obra tem vícios e alterações em relação ao acordado, razão por que decidiram não liquidar mais nenhuma quantia enquanto os vícios da obra não fossem reparados.
Deduziram reconvenção pedindo a condenação dos RR. a reparar os defeitos e vícios da construção e a indemnizá-los e a ver deduzido o preço do negócio, bem como a pagar-lhes uma indemnização a liquidar em execução de sentença, caso os vícios da construção não sejam eliminados.
1-3- A A. respondeu à contestação e reconvenção sustentando que a obra não tem os vícios que os RR. indicam. Quanto às alterações os RR. deram a elas a sua anuência.
1-4- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, fixado os factos assentes e a base instrutória, após o que se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu ao questionário e se proferiu a sentença.
1-5- Nesta considerou-se parcialmente procedente por provada a acção e, em consequência, condenou-se os RR. no pagamento da quantia de 2.500.000$00 acrescida de juros desde a citação.
Mais se considerou a reconvenção parcialmente procedente por provada, condenando a A. a proceder à reparação dos vícios mencionados.
1-6- Não se conformando com esta sentença, dela vieram recorrer os RR., recurso que foi admitido como apelação e com efeito suspensivo.
1-7- Os recorrentes alegaram, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões úteis:
1ª- Ao condenar-se os RR. no pagamento da quantia de 2.500.000$00, sendo que se provou que em 22-2-00 os RR. pagaram à A. a quantia de 500.000$00, o tribunal recorrido fez uma incorrecta interpretação dos factos provados, dado que os fundamentos estão em clara oposição com a decisão, o que constitui nulidade, nos termos do art. 668º nº 1 al. c) do C.P.Civil.
2ª- A excepção de incumprimento invocada pelos RR., não foi apreciada e decidida, o que constitui nulidade da sentença, nos termos do art. 668º nº 1 al. d) do C.P.Civil.
3ª- O mesmo se diga em relação à excepção da compensação.
4ª- Na fundamentação à respostas aos quesitos, o tribunal baseou-se no relatório dos peritos como elemento que teve em conta para apreciar e fundamentar as respostas, ignorando as respostas dadas aos quesitos 7º, 8º e 9º que se traduzem numa desvalorização e diminuição do custo da obra e ainda num lucro acrescido para a A., que perfazem o total de 5.114,52 Euros.
5ª- Estes factos constam dos elementos disponíveis no processo, nomeadamente, dos relatórios dos Srs. peritos e nunca foram postos em causa quer pelo tribunal quer pela A.
6ª- O mesmo se diga em relação ao facto constante do quesito 5º cuja prova consta do documento junto pelos RR. e que não foi posto em causa pela A., quer quanto à sua autoria quer quanto à assinatura.
7ª- Ao julgar desta forma os referidos quesitos, o tribunal fez uma incorrecta interpretação da prova, tanto mais que quanto ao referido documento este faz prova plena das declarações nele constantes, nos termos do art. 376º do C.Civil, motivo por que as respectivas respostas devem ser alteradas, nos termos do art. 712º do C.P.Civil.
8ª- O facto constante da al. d) do art. 113º da contestação, deveria ter sido dado como provado, atento o documento 6 junto com a contestação.
9ª- Ao condenar a A. a reparar os defeitos mencionados nos pontos dados como provados sob os nºs 20 a 25, 31 a 35, 39, 41 e 42, o tribunal desconsiderou outros factos que deu como provados, o que constitui nulidade da sentença, nos termos do nº 1 al. c) do art. 668º do C.P.Civil.
10ª- A sentença é omissa quanto ao pedido final dos RR. de se oficiar à comissão de Alvarás de Empresas de Obras Públicas e Particulares da sentença que venha a ser proferida, o que constitui nulidade nos termos do nº 1 al. d) do art. 668º do C.P.Civil.
11ª- O Tribunal deu como provados os quesitos 12º e 13º, que são contraditórios, face aos factos provados nos pontos 6, 7, 15 e 49 da sentença.
12ª- O Tribunal deveria ter dado como provado o quesito 10º, face ao depoimento claro, fundamentado e objectivo da testemunha Alcino Ferreira Gomes.
13ª- O mesmo se diga em relação ao aditado quesito 16º, em que a mesma testemunha depôs e fundamentou que o prazo de 90 dias era mais do que razoável para a realização das indicadas obras.
14ª- Nunca qualquer testemunha ou documento que conste do processo referiu ou refere que o marido da R. tomou conhecimento ou posição sobre o que quer que fosse, pelo que nunca o tribunal poderia decidir que a ambos os RR. foi dado conhecimento de todas as alterações, que delas ficaram cientes e deram a sua anuência (pontos 47 a 54 da sentença ).
15ª- O Tribunal fez incorrecta apreciação na análise que fez aos depoimentos das testemunhas Arsénio e Miguel Santos.
16ª- O Tribunal fez incorrecta apreciação dos factos ao não concluir que se tivesse havido comunicação atempada e anuência dos RR. às alterações efectuadas na obra, o requerimento que acompanhava o projecto de alterações ( assinado pela R. mulher ) deveria ser posterior à elaboração desse mesmo projecto, já que nunca ninguém poderia tomar conhecimento de uma coisa ( dada a assinatura do requerimento ) que ainda não existia.
17ª- Destes factos e destas contradições, o Tribunal deveria ter dado como provado que, só após a colocação da 2ª placa, quando a obra se encontrava em avançado estado de construção, é que os RR. se aperceberam do que realmente se estava a passar.
Tendo julgado a acção procedente, a sentença recorrida violou os arts. 376º, 428, 847º, 1208º, 1216º nº 3, 1221º a 1223º do C.Civil e art. 668º als. b) a d) do nº 1 e 669º als. a) e b) nº 2 do C.P.Civil
Termos em que deve a sentença ser revogada e se profira acórdão em que
a) Se absolva os RR. do pagamento da quantia de 500.000$00, em face dos factos provados nos pontos 4 e 5 da sentença
b) Se altere as respostas aos quesitos 5º e 7º a 15º , atento o disposto no art. 712º nos termos mencionados.
c) Se condene a A. a reparar e eliminar todos os defeitos enumerados no art. 113º da contestação/reconvenção.
d) Se julgue procedente a excepção do incumprimento contratual, em consequência, se suspenda a exigibilidade do pagamento do montante da dívida à A. até que esta cumpra o respectivo contrato.
e) Se julgue procedente, em parte, a excepção da compensação, condenado a A. no pagamento aos RR., pelo menos, na quantia de 5.114,52 Euros.
1-8- A parte contrária não respondeu a estas alegações.
1-9- A Mº Juíza supriu uma nulidade da sentença ( fls. 260 ).
Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivos dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas ( arts. 690º nº1 e 684º nº 3 do C.P.Civil ).
2-2- Após a resposta à base instrutória, ficou assente a seguinte matéria de facto:
1- A A. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à actividade de construção civil e obras públicas.
2- No dia 2-3-99 a A. e os RR., celebraram o acordo escrito e assinado pelos RR. e por João Martins Lopes, na qualidade de sócio gerente da A., o qual constitui o documento de fls. 8 a 10, através do qual a A. se obrigou a construir uma vivenda propriedade dos RR., sita em Paredes, Oliveira de Mondego, Penacova.
3- Da cláusula 5ª do acordo consta que “o preço acordado, ou seja 15.000.000$00, serão pagos pelos segundos outorgantes à primeira, em sete tranches assim discriminadas:
a) Ao assinar o presente contrato, 1.000.000$00;
b) À primeira placa, 2.000.000$00;
c) À segunda placa Esc. 2.500.000$00;
d) ao cobrir o telhado Esc. 3.000.000$00;
e) ao finalizar os rebocos Esc. 3.500.000$00;
f) ao fechar a casa Esc. 2.500.000$00;
g) findos todos os trabalhos Esc. 500.000$00.”
4- Em 12 de Janeiro de 2000, dos 15 milhões de escudos do custo global da construção, os RR. tinham ainda a pagar à A. a quantia de 2.500.000$00;
5- Em 22/2/2000 os RR. pagaram à A. a quantia de 500.000$00;
6- Em conformidade com o projecto inicial a obra deveria ficar implantada a 5.50 metros da rua, contados a partir das escadas de acesso à varanda do Alçado Principal;
7- A., contrariamente ao que constava desse projecto, implantou a obra a 3.50 metros da rua (contados igualmente, a partir das escadas de acesso à varanda do alçado principal);
8- Os cabos eléctricos da rede geral da EDP, após a construção da varanda do alçado principal ficaram encostados ao telhado e a esta varanda;
9- Situação essa que nunca se verificaria se a moradia fosse implantada como havia sido projectada inicialmente;
10- A A. assentou os pilares de sustentação da moradia, do alçado posterior, em cima do aterro aí existente, alargando-os e rodeando-os com blocos de cimento;
11- A A. encurtou o alçado principal e posterior em aproximadamente 0,50 metros;
12- E, ao invés de adaptar todo o rés-do-chão à nova situação, encurtou apenas parte da moradia;
13- Retirando à sala e à cozinha os referidos 0,50 metros de largura em todo o seu cumprimento;
14- Contrariamente ao projectado inicialmente a A. alterou em ambos os pisos ( rés-do-chão e cave ) a orientação das vigas centrais que funcionavam no sentido alçado principal/alçado poente, executando-as no sentido alçado lateral esquerdo/alçado lateral direito;
15- Como a garagem se localiza no alçado posterior, o acesso à mesma desde a rua, devido à referida implantação, deixou de poder fazer-se;
16- A A. encurtou o pé direito da cave de 2,80 metros para 2,60 metros;
17- Alterou a escada de acesso da cave ao rés-do-chão que, estando projectada inicialmente como sendo uma escada parcialmente em leque, foi executada pela A. de forma direita e directa;
18- A A. executou 10 degraus com 1,10 m de largura e 3 degraus com 0,93 m de largura;
19 - Face a essa alteração da execução da escada a porta que dava acesso à sala, a partir dessas escadas, deixou de existir;
20- Foi projectado inicialmente para a obra, no alçado principal e para a cave, um muro de suporte em betão armado devidamente drenado por forma a evitar infiltrações de água;
21- A A. substituiu esse muro de suporte em betão armado por um outro de alvenaria de blocos;
22- A A. não efectuou em tal muro uma cortina de drenagem, nem procedeu ao seu correcto isolamento;
23- De forma que actualmente as águas infiltram-se na estrutura, podo-a em risco e degradando-a progressivamente;
24- Infiltrando-se a água e a humidade nas paredes adjacentes e transmitindo-se a toda a casa;
25- E com o pavimento de corticite a levantar em vários locais;
26- A lage LM ( lage maciça ) que deveria ser executada de acordo com os regulamentos e projecto inicial ao nível do tecto do rés-do-chão na zona da escada de acesso ao 1º andar, nunca foi executada;
27- Tendo a A. procedido à sua substituição por uma lage aligeirada;
28- A lage de cobertura que se situa ao cimo da escada que dá acesso à cozinha, do alçado posterior, foi emendada;
29- A escada de acesso ao 1º. Andar foi encurtada pela A. ( em relação ao projectado inicialmente ) em 10 cm;
30- As portas de acesso à varanda do 1º Andar que deveriam ter, em conformidade com o projecto inicial, uma altura de 2,00m foram encurtadas pela A. com 1,80 metros;
31- O pavimento da varanda do primeiro andar não escoa devidamente as águas;
32- Criando um lençol de água ao longo de grande parte do pavimento;
33- Situação idêntica ocorre com a varanda do rés-do-chão do alçado principal;
34- A porta principal não fecha correctamente ;
35- A da cozinha arrasta no chão;
36- O piso da varanda de entrada, no alçado principal, não está ao nível da escada;
37- Os forros dos tectos da sala foram executados em mogno;
38- A A. colocou um cabo/tubo de electricidade a sair num corrimão de uma escada;
39- A grade da escada do alçado posterior não se encontra devidamente fixada;
40- A instalação eléctrica não se encontra concluída, recusando-se a EDP a efectuar a ligação definitiva enquanto a situação do cabo eléctrico referida se mantiver;
41- No sótão encontra-se um amontoado de fios à vista e ao alcance de qualquer pessoa;
42- Não foi ainda executado o forro da varanda do alçado posterior;
43- A implantação da casa dos RR. por parte da A. originou uma diminuição do espaço de jardim à frente da sua casa ( alçado principal ) em cerca de 30 m2 relativamente ao que constava do projecto inicial;
44- O que os impede de aí construir ou instalar uma pequena piscina;
45- E a redução do pé direito da casa na parte da cave ( de 2,80 m para 2,60 m );
46- Em 29/11/99 foi entregue nos serviços respectivos da Câmara Municipal o requerimento, assinado pela ré mulher, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls.50 cujo teor se dá por reproduzido, bem como cópia do novo projecto aprovado que constitui o documento junto aos autos de fls. 51 a 56 que se dá por reproduzido;
47- A partir do momento em que a A. finalizou os rebocos, os RR. começaram a deixar de pagar integralmente as prestações a que contratualmente se haviam obrigado;
48- Tendo ficado prometido que os montantes que tivessem em falta seriam total e integralmente pagos logo que a citada moradia estivesse concluída;
49- Actualmente os RR. não conseguem aceder à garagem em segurança;
50- Alguns dos trabalhos feitos não correspondem ao que estava no projecto inicial e no acordo a que alude fls.8 a 10, por solicitação dos RR. à A. para os fazer de forma diferente da prevista;
51- Quando a A. começou a fazer a implantação da moradia chegou-se imediatamente à conclusão de que não iria sobrar espaço para haver uma entrada para a garagem, dada a exiguidade, em largura, do mesmo;
52- Confrontados os RR. com este facto, ouvido o desenhador e engenheira responsável pela obra, chegou-se à conclusão e entendimento que a melhor e única solução -passagem pela lateral de viaturas- seria chegar a casa um pouco à frente, retirando-lhe largura e dando-lhe correspectivamente mais comprimento;
53- As alterações a nível estrutural a que se refere o projecto referido no ponto inicial da matéria provada, repercutiram-se nas áreas das dependências da moradia, portas, escadas e outras;
54- De todas essas alterações os RR. ficaram cientes e a todas elas deram a sua anuência.------------------------------------------------------
2-3- Porque, logicamente, precedem todas aos outras conclusões, começaremos por apreciar os pontos de inconformismo dos apelantes em razão à matéria de facto dada como assente na 1ª instância. Passaremos depois, consequentemente, a conhecer das diversas questões de direito levantadas pelo recurso.
Os apelantes, quanto à matéria de facto, começam por sustentar ter sido incorrecta resposta dada aos quesitos 5º, 7º, 8º e 9º. Na fundamentação às respostas aos quesitos, o tribunal baseou-se no relatório dos peritos como elemento que teve em conta para apreciar e fundamentar as respostas, ignorando as respostas dadas aos quesitos 7º, 8º e 9º que se traduzem numa desvalorização e diminuição do custo da obra e ainda num lucro acrescido para a A., que perfazem o total de 5.114,52 Euros. Estes factos constam dos elementos disponíveis no processo, nomeadamente, dos relatórios dos Srs. peritos e nunca foram postos em causa quer pelo tribunal quer pela A.. O mesmo se diga em relação ao facto constante do quesito 5º cuja prova consta do documento junto pelos RR. e que não foi posto em causa pela A., quer quanto à sua autoria quer quanto à assinatura. Ao julgar desta forma os referidos quesitos, o tribunal fez uma incorrecta interpretação da prova, tanto mais que quanto ao referido documento este faz prova plena das declarações nele constantes, nos termos do art. 376º do C.Civil, motivo por que as respectivas respostas devem ser alteradas, nos termos do art. 712º do C.P.Civil
Nos quesitos 5º, 7º, 8º e 9º perguntava-se, respectivamente, se “os forros dos tectos da sala deveriam ter sido executados em carvalho francês”, se “os factos a que aludem as alíneas UU), VV) e XX) e o quesito anterior representam uma desvalorização da moradia em 15% do valor acordado para a sua construção” se “o A. ao substituir o muro de betão armado da cave do alçado principal, diminuiu o custo da obra em 600.000$00” e se “ao alterar a disposição das vigas centrais da moradia, com o seu consequente encurtamento, diminuiu o custa da obra em 150.000$00”. A todos estes quesitos foi dada a resposta “não provado”.
No entender dos apelantes, através dos elementos que indica, as respostas devem ser alteradas no sentido de serem os respectivos factos dados como provados.
Como se sabe as respostas aos quesitos por banda desta Relação podem ser alteradas nos restritos casos a que alude o art. 712º nº 1 do C.P.Civil. Para aqui, segundo os apelantes, importa atender ao relatório dos senhores peritos ( relatório confirmado na audiência de julgamento, ao serem inquiridos, pelos mesmos peritos ) e quanto ao quesito 5º o documento junto por eles com a contestação. Isto é, segundo os apelantes os elementos dos autos que indicaram, permitem uma resposta diversa a tais quesitos.
Na fundamentação da resposta aos quesitos e no que respeita aos peritos, o Mº Juiz exarou que “as respostas positivas e a consequente convicção do tribunal tiveram por fundamento as provas produzidas em audiência ... nomeadamente os esclarecimentos e o próprio relatório dos peritos, que se deslocaram à obra e dados os seus conhecimentos técnicos puderam esclarecer sobre a implantação da obra, o terreno onde foi implantada, a situação da garagem e o espaço para o acesso”. Quer isto dizer que, em relação à materialidade perguntada nos quesitos 7º, 8º e 9º, o Mº Juiz, na apreciação crítica das provas nada diz, o que constitui uma deficiente fundamentação das respostas em relação a esses factos, violando assim, o que dispõe, sobre o assunto, o art. 653º nº 2 do C.P.Civil. Pese embora esta omissão, dada que a parte não requereu que a 1ª instância fundamentasse tais respostas, este tribunal está impedido de ordenar a pertinente justificação ( art. 712º nº 5 do mesmo diploma ).
Porém fica-nos a questão. Deverão as respostas a tais quesitos ser ou não alteradas ?
Como ponto prévio, diremos que existiu gravação dos depoimentos dos peritos prestados em audiência. Porém os apelantes e em contrário ao que estabelece o art. 690º A al. b) do C.P.Civil, não indicaram, por referência ao indicado na acta e em relação a esses factos, os depoimentos em que fundam o seu entendimento. Daí que, nos termos da mesma disposição, a rejeição das alterações, com base nos depoimentos prestados pelos peritos em audiência, impõe-se.
E perante o relatório pericial constante dos autos, será possível alterar as respostas a tais quesitos ?
A nosso ver não, já que tendo sido ouvidos os peritos oralmente em audiência, nunca se poderá afirmar que o que disseram ( que aqui não poderemos sindicar, pelas razões já ditas ) não contraria o que no relatório se menciona. Note-se que este é apenas um dos elementos probatórios constantes do processo. Além disso, em relação aos quesitos em causa existiram testemunhas que a eles depuseram, designadamente as testemunhas José Miguel Santos e António da Fonseca Arsénio, pelo que também aqui nunca se poderá dizer que a convicção resultante desses depoimentos não contraria a materialidade constante em tal relatório ( art. 712º nº 1 al. b)). Por isso, a pretendida alteração quanto a tal quesitos não é legalmente possível.
E quanto à resposta ao quesito 5º ?
Aqui o fundamento da alteração é diverso, isto é, segundo os apelantes, o documento que juntaram ( nos autos a fls. 35 ) faz prova plena das declarações nele constantes, nos termos do art. 376º do C.Civil, motivo por que a resposta a tal quesito deverá ser alterada, devendo passar a ser considerado provado.
Como já vimos no quesito demandava-se se “os forros dos tectos da sala deveriam ter sido executados em carvalho francês”. Na contestação os RR. juntaram um documento subscrito por João Martins Lopes ( sócio gerente da A. ) onde para além do mais se diz que “ material a utilizar na sua obra ... o tecto da sala em madeira de carvalho francês com luzes embutidas”. Quer isto dizer que, por documento assinado pelo próprio gerente da A., se refere a materialidade perguntada no quesito.
Será que essa factualidade se deve ter como assente ?
E a nosso ver a resposta à questão não poderá deixar de ser positiva. Com efeito, para além de a A., na sua resposta, não impugnar o que os RR. dizem sobre o assunto no seu artigo 83º da sua contestação, segundo o disposto no art. 376º do C.Civil está provada plenamente a declaração nele constante ( e já mencionada ) atribuída ao sócio gerente da empresa, já que ele não impugnou a autoria da letra e da assinatura insertas no documento.
Significa isto que a resposta ao quesito 5º deve ser alterada, passando a ser “provado”.
Sustentam também os apelantes de que o facto constante da al. d) do art. 113º da contestação, deveria ter sido dado como provado, atento o documento 6 junto com a contestação.
Esta questão é repetida já que o que se pretende com esta objecção, é que se dê resposta positiva ao mencionado art. 5º, ao que já se acedeu.
Defendem depois os apelantes que o Tribunal deveria ter dado como provado o quesito 10º, face ao depoimento claro, fundamentado e objectivo da testemunha Alcino Ferreira Gomes. O mesmo se diga em relação ao aditado quesito 16º, em que a mesma testemunha depôs e fundamentou que o prazo de 90 dias era mais do que razoável para a realização das indicadas obras.
Aqui os apelantes, dado que indicaram o depoimento em que fundam a alteração com referência ao assinalado na acta, a modificação pretendida é teoricamente possível, nos termos das disposições legais, 712º nº 1 al. a) e 690º A. nº 1 als. a) e b) do C.P.Civil.
Mas será que se justificará no caso presente ?
Diremos desde logo que, como temos vindo a entender, só quando os elementos dos autos levem inequivocamente a uma resposta diversa da dada na 1ª instância, é que entendemos dever alterar as respostas. É que só nestas circunstâncias estamos perante um erro de julgamento. O mesmo não sucederá quando existam elementos de prova contraditórios, pois neste caso deve valer a resposta dada pelo tribunal recorrido, já que se entra então no âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, que não cabe a este tribunal controlar ( art. 655º do mesmo Código ). Isto porque estando o juiz de 1ª instância perante a pessoa que depõe, melhor que ninguém se apercebe da forma como realiza o seu depoimento, da convicção com que o presta, da espontaneidade que revela, das imprecisões que deixa escapar, de tudo enfim, o que serve para fundar a impressão que o depoimento deixa no espírito do julgador e contribui, em menor ou maior grau, para formar a sua convicção.
Na mesma linha deste entendimento, referiu-se no Acórdão de 13-1-01 (in Col. Jur. 2001, tomo 5, 85 ) que “apesar da maior amplitude conferida pela reforma do processo a um segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, a verdade é que não se trata de um segundo julgamento, devendo o tribunal reapreciar apenas os aspectos sob controvérsia. Por outro lado, mau grado a gravação magnética dos depoimentos oralmente prestados perante o tribunal a quo, as circunstância que a este tribunal se colocam não são inteiramente coincidentes. Isto para concluir, afinal, que mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante ou quando também eles sejam contrariados por outros meios de prova de igual ou superior valor ou credibilidade”.
Aos quesitos em causa ( 10º e 16º ), além do mencionado Alcino Ferreira Gomes, para responder à respectiva matéria, foram indicadas as testemunhas José Manuel Conceição Santos e António Fonseca. Porém, estas testemunhas, por a respectiva matéria factual não lhe ter sido perguntada, não se lhe referiram. Fica-nos pois o depoimento da testemunha Alcino Ferreira Gomes. E é verdade que esta testemunha disse, em relação ao quesito 10º, que sendo certo que a obra se implantou em terreno de muito declive, quanto mais ela se afastasse do caminho, a maior profundidade teria que ir a estrutura e maiores aterros haveria que fazer e isso obrigaria a uma maior despesa. Acrescentou que com o muro de suporte se pouparia cerca de mil contos e com o restante se economizaria 500/1000 contos. Porém a perguntas do mandatário da A. parece-nos não ter sido tão peremptório nas suas anteriores afirmações. Por outro lado, os peritos nomeados foram categóricos em afirmar que da alteração do local de implantação da moradia em relação ao projecto, não resultaram lucros para o empreiteiro e em esclarecimentos ( pedidos pelos RR. ), reafirmaram que a implantação da moradia mais afastada da estrada ( como estava no projecto ) não correspondia a aumento de custos, uma vez que o volume de escavação seria menor.
Serve isto para dizer que existem, em relação à factulidade em causa, elementos de prova contraditórios, pelo que, pelas razões que já dissemos, neste caso, deve valer a resposta dada pelo tribunal recorrido.
Quanto ao quesito 16º, a nosso ver, o depoimento da dita testemunha não foi muito convincente no sentido de poder fundamentar a resposta positiva pretendida pelos apelantes. É que, em relação à questão, começou por dizer que todos os trabalhos são condicionados pelo tempo, acrescentando que, no seu entender, todos os perguntados trabalhos poderiam ser realizados em 90 dias, excepto os aterros que dependem do estado do tempo. A instâncias da Mª Juíza Julgadora, acabou por aceitar que a duração dos trabalhos estariam dependentes dos meios que lá se colocarem para a sua realização.
Perante esta certa indefinição, não se nos afigura dever alterar a convicção que a Mª Julgadora formou sobre a questão.
As respostas aos quesitos 10º e 16º permanecerão pois imutáveis.
Sustentam depois os apelantes que nunca qualquer testemunha ou documento que conste do processo referiu ou refere que o marido da R. tomou conhecimento ou posição sobre o que quer que fosse, pelo que nunca o tribunal poderia decidir que a ambos os RR. foi dado conhecimento de todas as alterações, que delas ficaram cientes e deram a sua anuência ( pontos 47 a 54 da sentença ).
Defendem aqui os apelantes que estes pontos deveriam ter sido objecto de uma diferente resposta. A sua argumentação vai no sentido de se dar uma resposta diversa ao facto mencionado na sentença recorrida sob o nº 54 e proveniente do quesito 15º a que se respondeu provado. Perante esta resposta, ficou assente que de todas as alterações ficaram os RR. cientes e a todas elas deram a sua anuência.
Portanto a questão que nos é posta para apreciação é a de saber se, como referem os apelantes, não existe qualquer testemunha ou documento que permita dar resposta positiva ao quesito, ou se pelo contrário, esses elementos existem.
Compulsando os autos verifica-se que existe um documento constante nos autos de fls.50 a 55 assinado pela R. mulher no qual se remete, para juntar ao processo inicial de obra, ao Presidente da Câmara de Penacova, um projecto de alterações. Daqui se poderá inferir que a R. mulher ao assinar tal documento ( que tem a data de 4-9-99 ) ficou ciente das alterações. Mas os apelantes impugnam tal documento e principalmente o alcance que a ele se quer dar ( vide fls. 64 e 65 ).
Verificando porém o que testemunhas referem sobre o assunto, concretamente o que dizem José Miguel Conceição Santos e António Fonseca Arsénio, concluiu-se que a R. Elisabete teve conhecimento e deu o seu consentimento às alterações ao projecto. Aliás os próprios apelantes aceitam este facto. Porém entendem que a convicção resultante de tais depoimentos deve ser nulo já que José Miguel Santos é trabalhador da A. e o António Arsénio tinha todo o interesse em demonstrar que não existiu qualquer erro no projecto, pois havia sido o seu autor. Como se disse acima, não cabe a este tribunal controlar a convicção que cada uma das testemunhas deixa ao Mº Julgador, pelo que entendemos não alterar a resposta a tal quesito.
No que toca ao facto de se ter dado como assente que ambos os RR. ( e não só a R. Elisabete ) ficaram cientes das alterações e a todas elas deram a sua anuência, é uma conclusão a retirar do facto que tem que se dar como assente (que a R. Elisabete teve conhecimento e deu o seu consentimento às alterações ao projecto ) e da presunção natural de, como cônjuge, a Elisabete ter dado conhecimento ao seu marido das modificações ( necessariamente ) introduzidas na moradia que ambos haviam mandado erigir.
No que toca ao facto 47 ( segundo o qual ficou demonstrado que, partir do momento em que a A. finalizou os rebocos, os RR. começaram a deixar de pagar integralmente as prestações a que contratualmente se haviam obrigado ) diremos que existem depoimentos que o confirmam, designadamente os prestados por José Miguel Conceição Santos e António Fonseca Arsénio, pelo que, também aqui não vemos qualquer razão para alterar a resposta ao respectivo quesito.
Defendem depois os apelantes que a resposta dada pelo tribunal recorrido aos quesitos 12º e 13º, é contraditória, face aos factos provados nos pontos 6, 7, 15 e 49 da sentença.
Aos quesitos 12º e 13º deu-se a resposta de “provado”, ficando assim assente que, quando a A. começou a fazer a implantação da moradia chegou-se imediatamente à conclusão de que não iria sobrar espaço para haver uma entrada para a garagem, dada a exiguidade, em largura do mesmo e que confrontados os RR. com este facto, ouvido o desenhador e a engenheira responsável pela obra, chegou-se à conclusão e entendimento que a melhor e única solução - passagem lateral de viaturas - seria chegar a casa um pouco à frente, retirando-lhe largura e dando-lhe correspectivamente mais comprimento.
Os factos assentes, sob o nº 6 diz respeito à implantação da obra segundo o projecto inicial, sob o nº 7 refere-se que contrariamente ao que constava do projecto inicial, a casa ficou com a implantação aí indicada, sob o nº 15 menciona-se que o acesso à garagem, nas circunstâncias aí ditas, deixou de poder fazer-se desde a rua, sob o nº 49 exarou-se que os RR. não conseguem aceder à garagem em segurança.
Não vemos qualquer contradição entre aqueles factos e estes. Com efeito, aquela materialidade não é negada ou está em oposição com esta. São realidades diversas as que resultam daqueles factos e destes, como nos parece evidente. Pelo contrário aquela e esta factulidade engrenam adequadamente uma na outra. Existiu um projecto inicial que teve que ser alterado pelas razões indicadas. Havendo alterações e constando estas precisamente na forma de implantação da casa, é evidente que após as alterações a implantação da casa deveria ser diversa. Pelo facto de existir dificuldade em os RR. acederem à garagem em segurança, o máximo que se poderá dizer é que o objectivo que levou a modificar a implantação da casa não foi atingido plenamente. mas isto, evidentemente, que não contraria a factualidade atinente às motivações de alteração do projecto inicial.
Também aqui carecem os apelantes de razão.
Em síntese:
Mantém-se as respostas dadas ao diversos quesitos em causa, excepto a respeitante ao quesito 5º que deverá a ser considerado “provado”.
2-4- Quanto à questão de direito, os apelantes começam por sustentar que a sentença padece de nulidade nos termos do art. 668º nº 1 al. c) do C.P.Civil, dado que condenou os RR. no pagamento da quantia de 2.500.000$00, sendo que se provou que em 22-2-00 os RR. pagaram à A. a quantia de 500.000$00, o que evidencia que tribunal recorrido fez uma incorrecta interpretação dos factos provados, uma vez que os fundamentos estão em clara oposição com a decisão.
Nos termos do art. 668º nº 1 al. c) a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Está aqui em causa um vício lógico. Os fundamentos invocados deveriam logicamente conduzir a um resultado oposto ou, pelo menos diverso, ao exposto na decisão. As premissas não estão conformes com a decisão.
Ora somos em crer que os apelantes têm aqui razão. É que a matéria de facto dada como assente deveria levar a uma condenação diversa, donde se conclui que, na realidade, os fundamentos factuais não estão em conformidade com a decisão. Com efeito, tendo-se provado que, em 22 de Janeiro, dos 15.000.000$00 do custo global da obra, os RR. tinham ainda que pagar à A. a quantia de 2.500.000$00, mas que em 22-2-2000 os RR. pagaram à A. a quantia de 500.000$00, a conclusão lógica que se impõe é que a dívida dos RR. em relação à A. ficou reduzida a 2.000.000$00. Daí que, pelas razões invocadas na sentença, a condenação dos RR. deveria ser nestes 2.000.000$00 e já não naquela importância de 2.500.000$00. Ao condenar os RR. a pagar esta quantia à A. a sentença recorrida padece do vício lógico a que nos vimos referindo. Sucede porém que esse vício foi suprido pela Mº Juíza Julgadora, ao conhecer das nulidades invocadas pelos apelantes ( fls. 260 ), tendo decidido, em conformidade, condenar os RR. no pagamento à A. da quantia de 2.000.000$00 ( 9.975,96 Euros ), ao invés da condenação antes proferida ( condenação dos RR. no pagamento aos AA. de 2.500.000$00 ).
Portanto já não ocorre esta nulidade.
2-5- Sustentam depois os apelantes que a excepção de incumprimento invocada pelos RR., não foi apreciada e decidida, o que constitui nulidade da sentença, nos termos do art. 668º nº 1 al. d) do C.P.Civil.
Na sua contestação os RR. ( ora apelantes ) referiram que, “em face do incumprimento da A., relativamente ao que havia sido contratado, têm os RR. direito de recusar o pagamento do preço, invocando-se expressamente a excepção do não cumprimento -art. 428º do C.C.” ( art- 103º ).
Quer isto dizer que os RR., pelas razões que aduziram, invocaram a exceptio non adimpli contractus a que aduz o art. 428º nº 1 do C. Civil.
No despacho saneador, entendendo-se que o estado dos autos não admitiam o conhecimento da excepção, relegou-se para a decisão final essa apreciação.
Sucede que na decisão final a excepção não foi conhecida.
Nos termos do art. 660º nº 2 do C.P.Civil, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicadas pela solução dada a outras.
No caso vertente, dado que não existiu qualquer decisão conexa que obste ou prejudique o conhecimento da excepção em causa e porque, na realidade, se trata de questão que foi submetida pelos RR. para sua apreciação, o Mº Juiz não poderia deixar de a apreciar. Ao o não fazer, cometeu o Mº Juiz a nulidade a que alude o art. 668º nº 1 al. d) do C.P.Civil ( quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ).
Pese embora a nulidade da sentença, não poderemos deixar de conhecer do objecto da apelação, de harmonia com o disposto no art. 715º nº 1 do mesmo diploma legal.
Segundo os apelantes, ocorre a excepção já que, face aos vícios provados e constantes dos pontos 6 a 45 da sentença, torna-se manifesto concluir que, não só a obra se encontra por acabar, como ainda existe cumprimento manifestamente defeituoso. A excepção de não cumprimento tem como função obstar temporariamente ao exercício da pretensão do contraente que reclama a execução da obrigação de que é credor, até que cumpra a obrigação correspectiva a seu cargo. Face aos factos provados, deveria o tribunal recorrido ter julgado procedente a invocada excepção, suspendendo a exigibilidade do pagamento do montante da dívida à A., até que esta cumpra o respectivo contrato.
Vejamos:
Estabelece o art. 428º nº 1 do C.Civil:
“Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.
Pretende-se aqui assegurar, mediante o cumprimento simultâneo das obrigações, o equilíbrio em que assenta o carácter do contrato bilateral. O contraente obrigado a cumprir em primeiro lugar tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não cumprir ou não der garantias de cumprimento.
No caso dos autos, como se salienta na sentença recorrida, as partes celebraram um contrato de empreitada, de harmonia com o disposto no art. 1207º do C.Civil. Mediante este contrato, a A. comprometeu-se a realizar a moradia dos RR. mediante o pagamento de um preço, por banda destes. Isto é, com a celebração do contrato, resultou para a A. a obrigação de erigir a moradia na forma convencionada e para os RR. a obrigação de pagar o preço da forma combinada.
No contrato celebrado convencionou-se a forma de pagamento, relacionando-a com o momento da assinatura do contrato e com o andamento dos trabalhos de construção. Ou seja, o preço começaria a ser pago na altura da assinatura do contrato e prosseguia à medida do desenrolar dos trabalhos. Assim, com a assinatura do contrato deveriam ser pagos pelos RR., 1.000.000$00, à primeira placa 2.000.000$00, à segunda placa 2.500.000$00, ao cobrir o telhado 3.000.000$00, ao finalizar os rebocos 3.500.000$00, ao fechar a casa Esc. 2.500.000$00, findos todos os trabalhos Esc. 500.000$00. Quer isto dizer que o pagamento do preço autonomizou-se nas diversas parcelas em que ele foi estipulado. Por sua vez cada uma dessas parcelas seria devida em relação a cada uma das etapas da obra.
A excepção do não cumprimento do contrato, deveria funcionar entre cada uma das parcelas do preço e as diversas fases da realização da obra. Por exemplo, os RR. poderiam recusar o pagamento da quantia de 2.000 contos, enquanto a primeira placa não fosse colocada. É que este preço e a realização da primeira placa são prestações interdependentes. Igualmente poderiam os RR. recusar os restantes pagamentos enquanto as prestações correspondentes da A. não fossem realizadas. Ora compulsando o contrato e os factos dados como assentes, verifica-se que, não se colocando em dúvida a realização das placas, o cobrimento do telhado, a finalização dos rebocos e o fechamento da casa, os RR. não poderão recusar o pagamento das prestações correspondentes, isto é, os montantes monetários correspondentes. Mas podem recusar, a nosso ver, o pagamento dos últimos 500 contos, já que ficou estipulado o pagamento desta importância ( apenas ) quando findassem todos os trabalhos. Ora sabendo-se que os mesmos não terminaram, não só porque existem serviços a efectuar mas também porque existem ( inúmeros ) defeitos a corrigir, os RR. não terão que efectuar o pagamento da correspondente prestação.
Quer isto dizer que a excepção, será, nesta medida, procedente.
2-6- Sustentam depois os apelantes que invocada excepção da compensação invocada pelos RR., não foi apreciada e decidida, o que constitui nulidade da sentença, nos termos do art. 668º nº 1 al. d) do C.P.Civil.
É certo que os RR. no art. 104º da sua contestação invocaram a compensação, dizendo expressamente que “para o caso de se entender que a A. tem direito à quantia peticionada ... os RR. declaram pretender operar a compensação entre a quantia peticionada e o crédito que vão reclamar em sede de reconvenção”.
A excepção não foi conhecida no despacho saneador ( por se ter entendido que o estado dos autos o não admitiam ), tendo-se relegado o sua apreciação para a decisão final. Na decisão final, porém, a excepção também não foi conhecida, pelo que se cometeu a nulidade da sentença acima mencionada, pelas razões ditas quando nos pronunciámos sobre a excepção do não cumprimento do contrato. Como então dissemos, pese embora a nulidade da sentença, não poderemos deixar de conhecer do objecto da apelação, de harmonia com o disposto no art. 715º nº 1 do mesmo diploma.
No recurso, os apelantes sustentam que face aos factos que, no seu prisma, deveriam ser dados como julgados, deveria ser dada como parcialmente provada a excepção da compensação, condenando-se a A. a pagar aos RR., pelo menos, a quantia de 5.114,52 Euros.
Dos factos que os apelantes queriam ver provados, apenas se deferiu a sua pretensão em relação à resposta ao quesito 5º, que passou a ser de “provado”. Nesta conformidade, passou a ficar assente que os forros dos tectos da sala deveriam ter sido executados em carvalho francês.
Na douta sentença recorrida ( que se irá parcialmente confirmar ) e quanto ao pedido reconvencional, condenou-se a A. a proceder à reparação dos vícios mencionados. Evidentemente que a resposta positiva ao quesito 5º não irá desencadear uma condenação diversa sob o ponto de vista qualitativo. Apenas nos defeitos ou deficiências a corrigir, será englobada a aplicação nos forros dos tectos da sala o carvalho francês.
Para que a compensação pudesse ter lugar, seria necessário, para além do mais, que as duas obrigações tivessem por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade ( art. 847º nº 1 al. b) do C.Civil ), o que se não verifica no caso vertente, já que a prestação dos RR. tem a expressão monetária e a da A. tem o carácter de prestação de facto.
Não se verifica pois a excepção da compensação invocada pelos RR..
2-7- Sustentam depois os apelantes que, ao condenar a A. a reparar os defeitos mencionados nos pontos dados como provados sob os nºs 20 a 25, 31 a 35, 39, 41 e 42, o tribunal desconsiderou outros factos que deu como provados, o que constitui nulidade da sentença, nos termos do nº 1 al. c) do art. 668º do C.P.Civil.
Na sentença recorrida, como se viu, deu-se a reconvenção parcialmente procedente, condenando a A. a proceder à reparação dos vícios supra mencionados. Estes vícios, nos termos do aresto, consistiram em deficiências da construção, anomalias que se relacionam com as infiltrações de humidades e com a utilização de materiais diferentes dos constantes do contratado ( conforme matéria do relatório supra, sob os nºs. 20 a 25, 31 a 35, 39, 41 e 42 ). Já não aqueles que os RR. consideraram como vícios, mas que resultaram apenas das adaptações/alterações derivadas do erro inicial do projecto, quanto à implantação da casa no terreno existente. Isto é, nos termos da sentença os RR. terão que eliminar os defeitos que se mencionam nos nºs 20 a 25, 31 a 35, 39, 41 e 42 dos factos provados. Com a resposta positiva ao quesito 5º, terão ainda os RR. que executar os forros dos tectos da sala em carvalho francês.
Segundo os apelantes outros defeitos que foram dados como provados deveriam ter dado azo a que a A. fosse condenada na sua eliminação. Designadamente deveria ter sido condenada a reparar as deficiências, referidas nos pontos 8, 10, 30, 38, 49, 17, 18, 19, 26 e 27 ( os outros pontos salientados na minuta de recurso, foram aceites como deficiências a reparar pela apelada e o resultante da resposta ao quesito 5º é adoptado neste acórdão, pelo que é absolutamente inútil e inconveniente qualquer observação sobre eles ).
Observando os pontos da controvérsia, diremos que os pontos 8, não indicia, a nosso ver, deficiências imputáveis à A. ( será a responsabilidade da EDP ? ), o 10 e 18, não denunciam qualquer defeito, o 17, 19, 26, 27, e 30 não se referem propriamente a defeitos da construção, sendo antes consequência das alterações ao projecto inicial que foram necessárias efectuar em virtude da dimensão ( exígua ) do terreno para o tamanho da casa como foi projectada, alterações com que os RR. concordaram, o 38 não denuncia, igualmente, a nosso ver qualquer defeito que possa ser imputado à A. e o 49º não constitui, também uma deficiência, denunciando antes ser resultado da dimensão exígua do terreno para implantação da moradia projectada, mesmo depois das alterações realizadas, circunstância absolutamente alheia à A..
Quer isto dizer que as falhas que os apelantes queriam incluir nas tarefas a efectuar pela A. ( e a que se refere o seu pedido reconvencional ) não podem ser aí englobadas.
Os trabalhos a realizar pela A. serão pois os indicados na douta sentença recorrida, a que acrescerá o resultante da resposta positiva dada ao quesito 5º ( execução dos forros dos tectos da sala em carvalho francês ), reafirmando-se que aquelas alterações que os RR. consideram como vícios, por não serem deficiências imputáveis à A. ou por serem derivadas ( somente ) do erro inicial do projecto ( quanto à implantação da casa no terreno existente ), não poderão ser aceites.
Não ocorre pois o vício da sentença invocado pelos apelantes e a que se refere a conclusão 9ª acima mencionada.
2-8- Por fim defendem os apelantes que a sentença é omissa quanto ao pedido final dos RR. de se oficiar à Comissão de Alvarás de Empresas de Obras Públicas e Particulares, o que constitui nulidade nos termos do nº 1 al. d) do art. 668º do C.P.Civil.
Evidentemente que aqui os apelantes carecem em absoluto de razão.
É que o art. 51º do diploma que mencionam ( Dec-Lei 100/88 de 23/3 ), apenas estabelece, genericamente, as condições de cancelamento das autorizações às empresas de construção civil, não se vendo, no caso vertente, que ocorra qualquer razão de cancelamento, pelo que sempre seria escusada a pretendida comunicação requerida.
Aliás não sendo essa questão, pela sua própria natureza, um assunto que cumprisse conhecer no âmbito da sentença, nunca se poderia defender que existiu aí omissão de pronúncia e consequentemente, que ocorreu a nulidade arguida.
2-9- Pelos motivos ditos acima, a sentença recorrida é nula.
Porém, expurgada dos vícios apontados por omissão de pronúncia, o seu teor é correcto. Assim, renovam-se aqui os fundamentos, de condenação dos RR. no pagamento de quantia que se irá indicar, à A. e de condenação da A. na eliminação dos defeitos da obra. Ou seja, como se menciona na douta sentença recorrida para onde se remete, os RR. têm que pagar o preço convencionado ( com as modificações que se vão indicar ) e a A. tem que proceder à eliminação dos defeitos deixados na obra.
Atendendo ao suprimento de nulidade feita na 1ª instância, ficam os RR. condenados a pagar à A. a quantia de 2.000.000$00 ( e já não a importância de 2.500.000$00 ). Reconhece-lhes, todavia, a faculdade de recusar o pagamento de 500.000$00, até que a A. elimine os defeitos da obra que se irão mencionar.
Por sua vez fica a A. condenada a reparar os defeitos mencionados nos pontos dados como provados sob os nºs 20 a 25, 31 a 35, 39, 41 e 42 e ainda a proceder à execução dos forros dos tectos da sala em carvalho francês ( isto resultante da resposta positiva dada ao quesito 5º ).
III- Decisão:
Por tudo o exposto, dá-se parcial provimento à apelação e em consequência, julga-se a acção e reconvenção parcialmente procedentes e em consequência:
a) Altera-se a resposta ao quesito 5º que passará a ser “provado”.
b) Declara-se suprida a nulidade resultante de se ter declarado na sentença recorrida de que os RR tinham ainda que pagar à A. a quantia de 2.500.000$00, ficando condenados a pagar à A. a quantia de 2.000.000$00 ( 9.975,96 Euros ), a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
c) Considera-se parcialmente procedente a excepção invocada pelos RR., do não cumprimento do contrato, podendo os RR. recusar o pagamento dos ( últimos ) 500.000$00 ( 2.493,99 Euros ), até que a A. elimine os defeitos da obra que se irão mencionar.
d) Caso os RR. usem desta recusa, os juros moratórios referidos em b) devem insidir ( obviamente ) somente sobre os restantes 1.500.000$00 ( 7.481,97 Euros).
e) Considera-se improcedente a excepção da compensação invocada pelos RR..
f) Considera-se improcedente a invocação de nulidade de sentença em relação à omissão de se oficiar à Comissão de Alvarás de Empresas de Obras Públicas e Particulares.
f) Condena-se a A. a reparar os defeitos na obra mencionados nos pontos dados como provados sob os nºs 20 a 25, 31 a 35, 39, 41 e 42 e ainda a proceder à execução dos forros dos tectos da sala em carvalho francês ( isto resultante da resposta positiva dada ao quesito 5º ).
g) Consideram-se improcedentes os restantes pedidos deduzidos pelos RR. na sua reconvenção.
Custas na acção, pelos A. e RR., na proporção dos respectivos vencimentos e na apelação pelos apelantes e apelada, na proporção de 2/3 para aqueles e 1/3 para este.