Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1024/10.5GBAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: RECURSO
OBJETO
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS COM A MOTIVAÇÃO
Data do Acordão: 09/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA, ÁGUEDA, JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL, JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: CONFIRMADA
Sumário: 1.- O objeto do recurso é a decisão proferida.
2.- Para apreciar se esta foi justa ou injusta não interessa senão comparar a decisão com os dados que o juiz decidente possuía;
3.- Não é possível juntar nas alegações de recurso ordinário novos elementos de prova que não tiverem sido considerados na decisão recorrida
Decisão Texto Integral: Relatório

Pela Comarca do Baixo Vouga, Águeda, Juízo de Instância Criminal, Juiz 1, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido
A..., solteiro, residente na Rua … , Águeda,
imputando-se-lhe a prática de factos pelos quais teria cometido, em autoria material, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.ºs 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a decidiu julgar a acusação procedente e condenar o arguido A... pela prática, em autoria material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos art.ºs 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 10, o que perfaz a multa global de € 700, e na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos com motor por um período de 4 meses;

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o A..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:
1. O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos que condenou o recorrente pela prática do crime de condução de veículo sob estado de embriaguez, p. e p. pelo art.292.º, do CP.
2. Ora, um dos princípios em que assenta o processo penal e o princípio do acusatório ou da acusação consagrado no art. 32.º, n.º 5, da CRP, nos termos do qual o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.
3. De qualquer forma e sem prescindir sempre se diga que no que concerne ao episodio ocorrido no dia 07 de Agosto de 2010, mais uma vez o tribunal baseou a sua convicção apenas no depoimento da agente da GNR, desconsiderando por completo o depoimento que parece pouco coerente, impreciso e vago, prestado em audiência de julgamento e gravado em CD durante l3 minutos.
4. Tal convicção assentou apenas no depoimento de uma testemunha que não presenciou nem investigou devidamente a autoria dos factos em questão.
5. A testemunha referiu ainda que tomou declarações ao Arguido, se é que este prestou alguns esclarecimentos, dado que os médicos atestam que o mesmo revelava sinais de fraqueza e mesmo de amnésia! (cfr. doc. n.º1, que se junta aos autos e se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
6. Com efeito, tal depoimento demonstrou que não houve qualquer averiguação sumária para identificar o condutor, designadamente as declarações prestadas na passagem ao 2:01 a 2:31, 10:23 a 11:09
7. O tribunal considerou provado que ponto “2. Nessa sequência, e por estar incapaz de ser submetido ao exame de pesquisa no álcool no ar expirado, em virtude dos ferimentos feridos sofridos, foi efectuado uma análise sanguínea, tendo apresentado uma taxa de álcool no sangue de 1,62g/l”, quando a testemunha descreveu uma situação oposta passagem do seu depoimento em 3:33 a 04,10.
8. A testemunha refere que recolheu declarações do Arguido no Hospital, quando a prova documental, designadamente o relatório clínico do Hospital Distrital de Águeda e da carta para transporte do Arguido para Aveiro, pode-se constatar que o Arguido revelou amnésia do acidente, na passagem do seu depoimento a 2:40 a 2:43 e 3:01 a 3:18.
9. Pode ainda constatar que nos relatórios a fls. 7 a 9, o arguido não assinou quaisquer declarações nem estava em condições de prestar quaisquer declarações segundo o relatório médico.
10. O tribunal a quo ao dar como provados os factos por que vem acusado o Arguido, nas versões que constam da fundamentação da sentença, violou, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.127.º, do CPP.
11. Por outro lado, ao dar como provados factos que não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, violou, ainda, o disposto no art. 355.º, n.º l, do CPP.
12. Neste mesmo sentido, HENRIQUES EIRAS in “Processo Penal Elementar”, Quid Iuris, 2003, 4.ª edição, p. 102, refere que este princípio “... não significa que o tribunal possa utilizar essa liberdade à sua vontade, de modo discricionário e arbitrário, decidindo como entender, sem fundamentação.
13. O juiz tem de orientar a produção de prova para a busca da verdade material e, ao decidir, há-de fundamentar as suas decisões: a apreciação da prova que faz reconduz-se a critérios objectivos, controláveis através da motivação. A sua convicção, que o levará a decidir de certa maneira e não de outra, embora pessoal, é objectivável.”.
14. Em suma, não restam dúvidas que o recorrente não praticou o crime em que foi condenado.
15. Nos termos do supra alegado e não tendo o recorrente praticado o crime em que foi condenado deve o mesmo ser absolvido.
Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser o recorrente absolvido do crime de condução de veiculo sob estado de embriaguez em que foi condenado, bem como do da respectiva pena acessória de proibição de conduzir.

O Ministério Público na Comarca do Baixo Vouga respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção integral da sentença recorrida.

O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., tendo o arguido na resposta ao douto parecer se limitado a juntar aos autos um relatório médico.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte:
Factos provados
1. No dia … de Agosto de 2010, pelas … , na variante da … , em Águeda, o arguido conduzia na via pública o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula … , quando se despistou.
2. Nessa sequência, e por estar incapaz de ser submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, em virtude dos ferimentos sofridos, foi efectuada uma análise sanguínea, tendo apresentado uma taxa de álcool no sangue de 1,62 g/l.
3. O arguido sabia que estava sob a influência de bebidas alcoólicas, que voluntariamente ingerira, e que, nessas circunstâncias, não podia conduzir qualquer veículo na via pública, mas, não obstante, procedeu à condução da supra mencionada viatura.
4. Agiu, por isso, livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
5. O arguido não tem antecedentes criminais.
6. O arguido tem carta de condução desde os 19 anos de idade.
7. O arguido é mecânico de automóveis por conta própria, exercendo tal actividade na sua residência, auferindo mensalmente, em média, € 500/600/700.
8. O arguido é solteiro e não tem despesas extraordinárias.
9. Vive com os pais, que estão reformados, auferindo o pai uma pensão de reforma de € 450 e auferindo a mãe uma pensão de reforma de € 400.
10. Como habilitações literárias tem o 9.º ano de escolaridade.
Factos não provados
Não resultou provado que o veículo com a matrícula … é propriedade de “ … .”.
Convicção do Tribunal
A decisão relativamente à determinação da matéria de facto teve por base uma apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto, designadamente do depoimento da testemunha ouvida, que depôs de forma aparentemente séria e isenta, dada a forma clara, segura e coerente como depôs, com razão de ciência devidamente controlada, descrevendo o que constatou e procedimentos encetados, designadamente quanto à identificação do arguido e quanto à circunstância deste ser o condutor do veículo acidentado, esclarecendo ter-se deslocado ao local do acidente, onde viu o arguido, que estava ferido, e ter falado com o mesmo já no hospital, estando o mesmo na altura em que com ele falou consciente, nunca tendo dado indicação de que não era o condutor, antes pelo contrário, sempre assumindo que era ele quem ia a conduzir, sempre se assumindo como o condutor do veículo, tendo o mesmo na sua posse documento certificado do documento único referente ao veículo em causa, não restando qualquer dúvida à testemunha, que tomou conta da ocorrência, enquanto elemento da Guarda Nacional Republicana, e que elaborou o respectivo auto de notícia de fls. 4 a 5 e a respectiva participação de acidente de viação de fls. 7 a 9, que o arguido era o condutor do veículo, mais tendo referido que o arguido efectuou o teste de alcoolemia qualitativo e que lhe foi feita recolha de sangue dado o estado dele não permitir a sua deslocação ao Posto da Guarda Nacional Republicana para efectuar o teste de alcoolemia quantitativo, tudo em conjugação com o relatório de fls. 6 e com os documentos de fls. 10, 17 e 18.
Mais concretamente quanto às circunstâncias de tempo e lugar dos factos, o tribunal atendeu ao depoimento da referida testemunha em conjugação com a participação de acidente de viação e com o documento de fls. 17 juntos aos autos.
Quanto à consciência da ilicitude por parte do arguido, atendeu-se às regras de experiência comum, sendo certo que o arguido não é pessoa iletrada.
Já quanto à propriedade do veículo, não se revelaram só por si suficientes, sem mais, os documentos juntos aos autos.
Relativamente aos antecedentes criminais, o tribunal teve por base o certificado do registo criminal junto aos autos.
Relativamente à situação pessoal do arguido e às suas condições socio-económicas, o tribunal teve em consideração as próprias declarações do arguido, apenas prestadas quanto a tais aspectos.
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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98. e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247. e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente arguido A... a questão a decidir é a seguinte:
- se o Tribunal a quo violou o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.127.º do C.P.P., e o disposto no art.355.º, n.º1 do C.P.P., ao dar como provado o episódio ocorrido no dia 7 de Agosto de 2010, pelo que não tendo praticado o crime pelo qual foi condenado deve ser dele absolvido.
-
Passemos ao conhecimento da questão.
O Tribunal da Relação conhece de facto e de direito ( art.428.º , n.º1 do C.P.P. ) .
No entanto, a modificabilidade da decisão da 1ª instância em matéria de facto só pode ter lugar, sem prejuízo do disposto no art.410.º , do C.P.P. , se se verificarem as condições a que alude o art.431.º do mesmo Código, ou seja :
« a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base ;
b) Se , havendo documentação da prova , esta tiver sido impugnada , nos termos do art.412.º , n.º 3 ; ou
c) Se tiver havido renovação de prova .».
Em conjugação com este preceito legal importa atender ao disposto no art. 412.º, n.º3 do Código de Processo Penal, que impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto o dever de especificar:
« a) Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devam ser renovadas.»
O n.º4 deste preceito legal acrescenta que: « Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação
O recorrente deverá indicar a sessão de julgamento em que as declarações ou depoimentos constam e localizar a passagem na gravação, entre os minutos em que se produziu prova oralmente, de modo a deixar claro qual a parte da declaração ou depoimento que pretende que o Tribunal de recurso ouça ou aprecie.
Nos termos do n.º 6 do art.412.º do C.P.P., o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e, ainda, de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
No presente caso, o arguido A..., pese embora indique que o recurso tem por objecto toda a matéria de facto, especifica nas conclusões da motivação os pontos dessa matéria de facto que considera incorrectamente julgados, e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, indicando por referência ao consignado na acta, as passagens do depoimento da testemunha, agente da GNR, em que funda a impugnação.
O Tribunal da Relação considera assim que o recorrente deu cumprimento mínimo ao disposto no art.412.º, n.ºs 3 e 4 do C.P.P., e consequentemente julga-se apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo.
Importa realçar aqui, porém, que a documentação da prova em 1ª instância tem por fim primeiro garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto, mas o recurso de facto para o Tribunal da Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse.
O recurso é, antes, um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que por isso devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto exige uma articulação entre o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal de recurso relativamente ao principio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal, que estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.
O objecto da prova, que se aprecia segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, pode incidir sobre os factos probandos ( prova directa ), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem , com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este ( prova indirecta ou indiciária).
A prova indirecta “ … reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” . cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “ Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág. 289. Como salienta o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996, “ a inferência na decisão não é mais do que ilação , conclusão ou dedução , assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.” cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6.º, tomo 4.º, pág. 555. No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1.º, pág. 51.
As normas da experiência, a que se deve atender na apreciação da prova, são «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.» cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira , in “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300. .
Quanto à a livre convicção do juiz, nessa apreciação da prova, não pode esta deixar de ser “... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais - , mas em todo o caso , também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros.” cfr. Prof. Figueiredo Dias , “Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205..
O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art.355.º do Código de Processo Penal, que estabelece que «Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.» ( n.º1), delas se ressalvando apenas « as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes.».
È ai, na audiência de julgamento, que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova e se assegura o princípio do contraditório, garantido constitucionalmente no art.32.º, n.º5.
Reportando-se aos princípios da oralidade e imediação diz ainda o Prof. Figueiredo Dias, que « Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) . Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.”. Obra citada, páginas 233 a 234
Na verdade, a convicção do Tribunal a quo é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.
Para respeitarmos os princípios oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções, segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2002, “ quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”. in C.J. , ano XXVII , 2º , página 44.
O recorrente A... defende a existência de erro de julgamento ao dar-se como provado que no dia … de Agosto de 2010, pelas …, conduzia na variante da … , em Águeda, o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula … , quando se despistou e que nessa sequência, e por estar incapaz de ser submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, em virtude dos ferimentos sofridos, foi efectuada uma análise sanguínea, tendo apresentado uma taxa de álcool no sangue de 1,62 g/l.
Alega para este efeito e em síntese, que o Tribunal a quo fundamentou esta matéria de facto apenas no depoimento da Oficial da GNR, … . Ora, conforme resulta das passagens identificadas e transcritas na motivação do recurso, o depoimento da testemunha revelou-se pouco claro, impreciso e incoerente, sendo que a mesma não presenciou os factos, nem procedeu a qualquer averiguação sumária para identificar o condutor, nem no local junto de populares, nem no Hospital. A testemunha referiu que tomou declarações ao arguido no Hospital, mas pode-se constatar que o arguido não assinou os relatórios de folhas 7 a 9, nem quaisquer declarações e no relatório ora junto com o recurso, como doc. n.º1, os médicos atestam que o arguido revelava sinais de fraqueza e mesmo de amnésia.
Vejamos.
O objecto do recurso é a decisão proferida. Assim, para apreciar se esta foi justa ou injusta não interessa senão comparar a decisão com os dados que o juiz decidente possuía.
Deste modo, não é possível juntar nas alegações de recurso ordinário novos elementos de prova que não tiverem sido considerados na decisão recorrida. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal", Vol III. pág. 315.
Se o recorrente A... entendia que o relatório clínico relativo ao episódio de urgência registado em seu nome, em 7-8-2010, no Hospital Distrital de Águeda, era relevante para a decisão da causa, deveria tê-lo juntado ao processo em tempo de poder ser sujeito ao princípio do contraditório, como o exige o art.355.º do Código de Processo Penal. E, como se vê, não o fez até ao final da audiência de julgamento.
Algo contraditoriamente, invoca o recorrente a violação pelo Tribunal a quo do disposto no art.355.º do Código de Processo Penal, quando menciona que a formação da convicção do tribunal resultou apenas do depoimento da testemunha … , que foi inquirida em audiência de julgamento.
Lendo a fundamentação da sentença recorrida não vemos que ali tenha sido indicada qualquer prova, para formar a convicção do Tribunal a quo quanto aos factos dados como provados, designadamente dos impugnados, que não tenha sido examinada em audiência de julgamento. Assim, não se reconhece a violação, pelo mesmo Tribunal, do disposto no art.355.º, n.º1 do Código de Processo Penal.
No que concerne ao depoimento da testemunha … , o Tribunal da Relação procedeu à audição do seu depoimento para localizar os segmentos que se mostram transcritos na motivação do recurso e que, na perspectiva do recorrente, deverão determinar outra decisão sobre a matéria de facto, bem como para localizar os segmentos da mesma prova indicados pelo Ministério Público na resposta ao recurso.
Dessa audição resulta que os segmentos ali transcritos, correspondem, no essencial, ao que pela testemunha foi dito na audiência em julgamento.
Sendo certo que a testemunha … declarou não ter presenciado o acidente de viação, nem consequentemente ter visto o arguido A...a conduzir o veículo acidentado, não deixou de indicar prova indirecta no sentido de que era o arguido o condutor do veículo acidentado.
Tal como se menciona na fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida, a testemunha declarou, designadamente, que ao chegar ao local onde lhe tinham comunicado que tinha ocorrido um acidente de viação viu que havia um veiculo automóvel despistado e havia uma pessoa ferida, que era o arguido. Do que apurou, entre as pessoas presentes no local, o arguido era a única pessoa ferida. No Hospital falou com o arguido, que se mostrava consciente, assumiu ser o condutor do veículo e tinha na sua posse os documentos do veículo que a testemunha fotocopiou e juntou aos autos com a “participação de acidente”. O arguido realizou o teste qualitativo de exame ao álcool no sangue e uma vez que a sua situação clínica não lhe permitia a realização do teste quantitativo no Posto da GNR foi-lhe realizada a recolha de sangue para quantificação da TAS, que veio a revelar-se positiva.
A testemunha afirma que em face do que viu e ouviu não tem dúvidas alguma que o arguido A...era quem ia a conduzir o veículo acidentado.
Quando a testemunha consigna na “Declaração/informação, de acidente de viação” de folhas 15 e no impresso da GNR relativo à recolha de sangue, constante de folhas 18, que os documentos não são assinados porque o declarante “ não tem condições de assinar”, refere-se a condições físicas e não á falta de consciência do arguido para assinar, pois ela é clara no sentido de que ele estava consciente (se o Tribunal da Relação pudesse ter em conta o documento junto com o recurso, não deixaria de ali ler que o arguido, ele próprio, “refere amnésia para o acidente”, mas que quem o examina diz se que ele se mostra “ consciente e colaborante”, e que uma coisa é alegadamente não se recordar do acidente e outra é que, independentemente de como ocorreu o acidente, é não saber que conduzia o veículo acidentado antes da ocorrência do acidente).
A credibilidade da testemunha é um sector especialmente dependente da imediação e no caso presente, e no caso não encontramos elementos objectivos que impunham um diverso juízo do tomado pelo Tribunal a quo. Pelo contrário, o depoimento da testemunha Susana Cristina mostra-se medianamente preciso nos pormenores essenciais e coerente, pese embora o tempo decorrido desde que a mesma como elemento da GNR os vivenciou, não se vislumbrando ainda nele qualquer contradição com os documentos tidos em consideração na fundamentação da matéria de facto da sentença.
Resultando do depoimento da testemunha que verificou que no local do acidente de viação, ocorrido às … , do dia …-8-2010, apenas o arguido se mostrava ferido; que o mesmo foi transportado para o Hospital; que aí, no âmbito das investigações ao mesmo acidente o arguido apresentou documentos relativos ao veículo acidentado e declarou ser ele o condutor do mesmo veículo; que se submeteu, conscientemente, ao teste qualitativo de álcool no sangue e depois à recolha de sangue para efeitos de exame à alcoolemia - que veio a revelar uma TAS de 1,62, g/l -, é racional concluir que o arguido praticou os factos de que vinha acusado e pelos quais foi condenado.
A convicção a que o Tribunal a quo chegou, para dar como provada a factualidade constante da sentença recorrida, baseada no depoimento da testemunha … e na outra prova indicada na fundamentação da matéria de facto, mostra-se objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, onde não se vislumbra qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova, pelo que temos como perfeitamente cumprido o preceituado no art.127.º do Código de Processo Penal.
Não se mostrando violada qualquer das normas ou princípios invocados pelo recorrente, mais não resta que negar provimento ao recurso.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e manter a douta sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando em 6 Ucs a taxa de justiça.

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(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).

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Coimbra,