Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: PRESIDENTE - DR. CARLOS LEITÃO
Descritores: PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL
Data do Acordão: 01/05/2004
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Legislação Nacional: ART.º 73.º N.º 2 E 74º DO REGIME GERAL DAS CONTRA-ORDENAÇÕES
Sumário:

I – Em processo contra-ordenacional só há recurso para a Relação nos casos ou situações taxativamente enumeradas no art. 73.º n.º 1 do Regime Geral da Contra-ordenações e Coimas.
II – Tal recurso é limitado ao reexame da matéria de direito.
III – Se for interposto em caso não previsto no referido preceito, o juiz deve limitar-se a não o receber, não lhe sendo lícito convidar o recorrente a apresentar o requerimento previsto nos artigos 73.º, n.º 2 e 74.º, n.º 2.
IV – Tal convite iria dar lugar à alteração da forma de impugnação, de recurso ordinário para extraordinário, recurso este que o recorrente não utilizou, com quebra do dever de imparcialidade.
V – Perante requerimento a que alude os artigos 73.º, n.º 2 e 74.º n.º 2 com excepção do aspecto da legitimidade e oportunidade temporal , o juiz não pode pronunciar-se sobre a admissibilidade substancial do recurso, devendo limitar-se, para esse efeito, a remeter o processo à Relação.
Decisão Texto Integral: No processo de recurso de contra-ordenação nº. 186/02 do 3º. Juízo de A, foi proferida sentença que declarou extinto. por prescrição, o procedimento contra-ordenacional contra o arguido B.
A autoridade administrativa havia imposto ao arguido uma coima no montante de 37,41 euros e aplicado a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias.
O Digno Agente do Ministério Público pretendeu interpor recurso ordinário daquela sentença, mas ele não foi recebido com fundamento na irrecorribilidade da decisão.
Daí a presente reclamação daquele Magistrado pretendendo ob-ter o recebimento do recurso, alegando que, visando o recurso matéria de direito ele é necessário à melhoria da aplicação do direito; e alegando que, se se interpretar o art. 74, nº. 2, do R.G.C.C no sentido de que a ausência do prévio requerimento, em separado da motivação do recurso, implica imediata inadmissibilidade, sem previamente se fazer convite para suprir tal deficiência, tal interpretação é inconstitucional.
O despacho foi sustentado.
Cumpre decidir:
Para desfazer algumas dúvidas que parecem subjacentes nos au-tos, há que, desde já, estabelecer, em brevíssimo esquema, as diferenças entre o processo penal e o processo contra-ordenacional.
No processo penal, a matéria é decidida, em primeira instância, no Tribunal de Comarca; daí, regra geral, pode recorrer-se ordinariamente, quer de facto quer de direito, para o Tribunal da Relação e, nos casos pre-vistos na Lei, visando exclusivamente a matéria de direito, para o Supremo Tribunal de Justiça.
Em casos excepcionais, sendo irrecorrível a decisão da Relação, pode recorrer-se para o Supremo através do recurso extraordinário previsto nos art.s 437 e seguintes do C. P. Penal. O requerimento de interposição de recurso tem o formalismo previsto no art. 438, nº. 2.
Obviamente que, se um sujeito processual, designadamente o Ministério Público, interpuser recurso ordinário de uma decisão irrecorrí-vel, não pode o Relator, na Relação, convidá-lo a usar outro meio de impug-nação da decisão, passando para o recurso extraordinário, pois, nessa hipó-tese, estaria até a violar o dever de imparcialidade, ensinando a uma das partes o caminho a seguir.
No processo contra-ordenacional, que não é um processo criminal ao contrário do que o reclamante parece sustentar, a matéria é decidida, em primeira instância, pela autoridade administrativa; daí, pode recorrer--se, quer de facto quer de direito, para o Tribunal de Comarca, que funciona como Tribunal de 2ª. instância.
Nos casos taxativamente previstos na Lei, visando exclusiva-mente a matéria de direito, pode ainda recorrer-se para o Tribunal da Re-lação, que funciona em última instância.
Diga-se, desde já e em parentesis, que o artigo 75, nº. 1, do RGCC não tem o alcance ampliativo que o reclamante lhe pretende dar; bem ao contrário, é restritivo.
Se houvesse hipótese de recurso em matéria de facto para a Re-lação, chegaríamos à aberrante conclusão de que, em matéria contra-orde-nacional, haveria mais garantias do que em matéria penal.
Nesta só haveria uma instância de recurso em matéria de facto; naquela, haveria duas.
Portanto, o alcance do preceito não é outro do que estabelecer que, nos casos em que o recurso é admissível nos termos do art. 73, nº. 1, esse recurso é limitado à matéria de direito.
A tese do reclamante levaria a que todos os recursos em matéria contra-ordenacional, limitados à matéria de direito (e outros não existem), seriam admissíveis para a 3ª. instância, pois todos os recorrentes estão convencidos que a sua tese redunda em melhor aplicação do direito.
Voltando ao esquema atrás iniciado, também aqui, em casos ex-cepcionais, mesmo quando a decisão do Tribunal de Comarca seja, por re-gra, irrecorrível, pode a Relação, a requerimento do Mº. Pº. ou do arguido, aceitar o recurso, “quando tal se afigure manifestamente necessário à me-lhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurispru-dência” art. 73, nº. 2.
Para isso, o sujeito processual deve fazer anteceder o recurso de um requerimento – art. 74, nº. 2 – em que invoque as razões excepcionais (que não se confundem com a simples procedência do concreto recurso pelo prisma do recorrente) que justificam que se conheça desse recurso.
Excepto no aspecto da legitimidade e oportunidade temporal, o Juiz de Comarca não se pronuncia sobre a admissibilidade substancial deste recurso, por para tal não ter jurisdição, limitando-se a remeter o pro-cesso, com o requerimento, à Relação para este efeito.
Depois, a Secção, numa conferência com algum paralelismo com a que ocorre no STJ para verificar a oposição de acórdãos no recurso extra-ordinário – artigo 441, nº. 1, do C. P. Penal – dizia, a Secção decide se ocorre ou não motivo extraordinário que lhe permita conhecer do recurso. Só se verificar a existência de razões excepcionais, o que, até hoje, segundo creio, nunca ocorreu, conhece do recurso. Se não, rejeita-o.
Daqui se vê que o uso deste meio de impugnação nada tem a ver com o recurso ordinário.
Logo, não pode o Juiz, interposto um recurso normal, convidar a parte a apresentar o requerimento previsto nos artigos 74, nº. 2, e 73, nº. 2.
Não estaríamos perante o aperfeiçoamento de um meio de im-pugnação já utilizado pelo sujeito processual, a suprir uma deficiência do recurso aplicável ao caso, hipótese contemplada nos Acórdãos do Tribunal Constitucional citados pelo reclamante.
Estaríamos a orientar a parte aconselhando-lhe um meio de im-pugnação de que esta se não socorreu, estaríamos não a aperfeiçoar o re-curso interposto, mas a ensinar um dos sujeitos processuais a socorrer-se de outro meio, totalmente distinto do que usou e que ignorou; estaríamos a violar o dever de imparcialidade.
Assim sendo, bem se decidiu ao não se receber o recurso ordiná-rio interposto pelo Mº. Pº., pois a decisão é irrecorrível por não configurar nenhuma das taxativamente enumeradas nas diversas alíneas do nº. 1 do art. 73 do Regime Geral das Conta-ordenações e Coimas (R.G.C.C).
Nestes termos, indefiro a reclamação.
Não são devidas custas, por delas estar isento o reclamante.
Coimbra, 5 de Janeiro de 2004
(Carlos Manuel Gaspar Leitão)