Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3650/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: PRESUNÇÕES JUDICIAIS
SEU CONHECIMENTO PELA RELAÇÃO
AVALISTA
MEIOS DE DEFESA DESTE
CONTRATO DE CONTA CORRENTE BANCÁRIA
Data do Acordão: 02/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DO SABUGAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 349º DO C. CIV.; 712º, Nº 1, DO CPC ; 17º DA LULL ; 344º A 350º DO C. COMERCIAL .
Sumário: I – As presunções judiciais, também designadas materiais, de facto ou de experiência (artº 349º C. Civ.) não são, em rigor, verdadeiros meios de prova, mas antes “meios lógicos ou mentais ou operações firmadas nas regras da experiência” ou, noutra formulação, “operação de elaboração das provas alcançadas por outros meios”, reconduzindo-se, assim, a simples prova da primeira aparência, baseada em juízos de probabilidade .
II – Na definição legal, são ilações que o julgador tira de um facto conhecido (facto base da presunção) para afirmar um facto desconhecido (facto presumido), segundo as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos das várias disciplinas científicas, ou da lógica .

III – A Relação não pode modificar a resposta dada pelo Tribunal a quo com fundamento numa presunção, se não ocorrer qualquer das hipóteses do artº 712º do CPC.

IV – O avalista não pode opor, como o fiador, os meios pessoais de defesa do devedor principal contra o portador do título cambiário, isto é, as excepções pessoais, nos termos do artº 17º da LULL, já que de contrário seria negar a natureza do aval, como acto cambiário abstracto .

V – Ao avalista apenas é lícito opor as excepções derivadas da relação causal existente entre si e o portador, nos termos gerais do direito cambiário .

VI – O contrato de conta corrente bancária, não previsto na legislação portuguesa, pode configurar-se como uma das modalidades, embora autónoma, do contrato comercial de conta corrente, regulado nos arts 344º a 350º do Código Comercial, no qual as partes (correntistas) põem em massa comum todos os seus créditos recíprocos, transformando-os em artigos de “deve” e “haver” e remetendo para momento ulterior a respectiva liquidação global por compensação .

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO

1.1. - O exequente – A... – instaurou na Comarca do Sabugal, acção executiva, para pagamento de quantia certa, com forma de processo comum, contra os executados:
1º) - B...;
2º) - C... e mulher D...;
3º) - E... e mulher F...;
4º) - G....
No requerimento executivo indicou como título executivo uma livrança, emitida em 31/10/86, com vencimento em 15/12/03, no valor de 7.042.650$00, subscrita pela primeira executada e avalizada pelos restantes executados.
1.2. – Os executados - C... e mulher D..., E... e mulher F... – deduziram oposição à execução, alegando, em resumo:
O título dado à execução ( livrança ) era um título em branco que foi abusivamente preenchido pela exequente colocando datas, valores e importâncias sem o seu conhecimento, o qual de destinava a garantir o pagamento de cheques emitidos por clientes da subscritora B... para pagamento de mercadorias fornecidas por esta.
O Banco/exequente nunca devolveu aos 2º e 3º oponentes ou à subscritora da livrança, que era por eles gerida à data da emissão da livrança, quaisquer cheques, e para que a quantia exequenda fosse líquida, certa e exigível teria a exequente de juntar os ditos cheques que não tivessem tido provisão.
A principal devedora da livrança é uma sociedade comercial que se encontra activa e a laborar, com património e capital próprios, pelo que deve ser o património desta a ser executado não prescindindo os oponentes do princípio do benefício da excussão prévia.
As assinaturas constantes do verso do título executivo com menção dos nomes dos oponentes, E... e mulher F..., não foram efectuadas pelos seus punhos, sendo falsas as letras e assinaturas.
Pediram que se decrete a inexequibilidade do título ( livrança ), por ser nulo, incerta e inexigível a quantia reclamada, o benefício da excussão dos oponentes, a absolvição da instância e do pedido.
1.3. – Contestou o exequente, defendendo, em síntese:
A livrança foi integralmente preenchida de acordo com o contrato de abertura de crédito em conta corrente, designadamente a cláusula 13ª e documento anexo ao mesmo, ambos subscritos pela oponente, que, em 4 de Dezembro de 2003, remeteu a todos os intervenientes uma carta onde avisava que a livrança havia sido preenchida com o valor de 7.042.650$00, com vencimento para 15 de Dezembro de 2003 e solicitou a regularização do valor em dívida até à referida data de vencimento.
Devolveu à executada B... quinze cheques não pagos; não tendo que juntar quaisquer documentos de sustentação da dívida, pois a livrança vale só por si, atentos os princípios da literalidade e abstracção dos títulos de crédito.
Não sendo os oponentes sujeitos da relação subjacente entre o Banco e sociedade subscritora da livrança a eles está-lhes vedado deduzir qualquer tipo de defesa, carecendo de fundamento o benefício da excussão prévia.
Concluiu pela improcedência da oposição, requerendo a condenação dos oponentes como litigantes de má-fé.

1.4. – No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu:
a) - Julgar procedente a oposição dos oponentes E... e F... e julgar extinta quanto a eles a execução apensa;
b) - Julgar improcedente a oposição dos oponentes C... e D..., devendo quanto a eles a execução seguir os seus trâmites.

1.5. - Inconformados, recorreram de apelação dos oponentes C... e mulher D..., com as seguintes conclusões:
1º) - Em sede de oposição, alegaram os recorrentes que a exequente não devolveu aos oponentes, um dos quais era gerente da executada e subscritora da livrança, quaisquer cheques emitidos por clientes desta que não tivessem provisão.
2º) – Este facto constitui matéria de excepção peremptória, porque impeditivo do efeito jurídico que o exequente pretende fazer valer, incumbindo-lhe demonstrar que entregou os ditos cheques, o que não fez.
3º) – Resultando dos autos que os cheques foram pedidos ao Banco por carta de 8/10/98, recebida em 12/10/98 e que o Banco através de comunicação interna de 10/11/98 remeteu os cheques para o seu balcão da Guarda, de onde não há sinais de terem saído, mesmo após ter sido forçado no decurso do processo a isso, temos de concluir que os cheques ficaram na posse do Banco, devendo alterar-se a resposta ao quesito 5º no sentido de que “ A exequente não devolveu aos oponentes F... e C... ou à subscritora da livrança quaisquer cheques emitidos por clientes desta última que não tivessem provisão.
4º) – A prova competia ao exequente e tendo o tribunal decidido de forma diferente violou o disposto no art.342 nº2 do CC.
5º) – Demonstrado e provado que o Banco ficou com os cheques, não houve incumprimento do contrato de abertura de crédito em conta corrente para adiantamento sobre cheques entregues para gestão de cobrança, decidindo de forma diferente, encontra-se violado o art.762 e segs. do CC.
6º) – Não havendo incumprimento, não assistia ao exequente o direito de preencher a livrança em branco, destinada a garantir o bom cumprimento do contrato, violando-se o art.10 da LULL.
7º) – Permanecendo os cheques na posse do exequente, não pode este vir pedir a quantia que adiantou por conta dos cheques, sob pena de ficar com valores titulados pelos cheques e com o mesmo valor obtido em sede de condenação, havendo enriquecimento sem causa ( art.473 e segs. do CC ).

Contra-alegou o exequente dizendo, em síntese, competir aos oponentes o ónus da prova da excepção de incumprimento, devendo manter-se a resposta negativa ao quesito 5º da base instrutória, preconizando, assim, a improcedência do recurso.

II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Delimitação do objecto do recurso:
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes:
a) - Alteração da resposta ao quesito 5º da base instrutória;
b) – O incumprimento do contrato de abertura de crédito e sua repercussão na obrigação cambiária dos oponentes/avalistas.

2.2. – Os factos provados:
1) - A livrança dada à execução a que os presentes autos correm por apenso é uma “Livrança caução de gestão de cheques” da subscritora B....
2) - Tal livrança era um título em branco.
3) - A livrança referida em 1 foi preenchida pela exequente que nela colocou datas e valores.
4) - Essa livrança destinava-se a garantir o pagamento de cheques emitidos por clientes da subscritora B... para pagamento de mercadorias fornecidas por esta a esses clientes.
5) - À data da emissão da livrança a oponente D... geria a B....
6) - A livrança referida em 1. foi preenchida de acordo com o convencionado no “Contrato de abertura de créditos em conta corrente para adiantamentos sobre cheques entregues para gestão e cobrança”.
7) - Os oponentes C... e D... subscreveram a livrança e o contrato referido em 6.
8) - Com data de 4 de Dezembro de 2004, a exequente enviou aos oponentes uma carta em que referia que a livrança havia sido preenchida com o valor de 7.042.650$00/€ 35.128,59, com vencimento para 15 de Dezembro de 2003.

2.3. - 1ª QUESTÃO:
Ao quesito 5º - ( “ A exequente não devolveu aos oponentes F... e C... ou à subscritora da livrança quaisquer cheques emitidos por clientes desta última que não tivessem provisão? “ – o tribunal respondeu não provado
Na fundamentação ( fls.125 ) justificou-se genericamente com a falta de prova bastante, tanto mais que os documentos juntos aos autos não suficientes para fundamentar os factos em apreciação.
Pretendem os apelantes que a Relação altere a resposta para provado, com base numa presunção judicial, visto que os cheques foram pedidos ao Banco por carta de 8/10/98 ( fls.36 ) recebida em 12/10/98 e que o Banco através de comunicação interna de 10/11/98 remeteu os cheques para o seu balcão da Guarda, sendo legítimo concluir-se que os cheques ficaram na posse do Banco.
A decisão sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nas condições previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do art.712 do CPC.
Apesar da prova testemunhal haver sido gravada, os apelantes não a impugnaram, nos termos do art.690-A do CPC, pelo que a preconizada alteração só pode fundamentar-se na previsão da alínea b) do nº1 do art.712 do CPC ( se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas ).
As presunções judiciais, também designadas materiais, de facto ou de experiência ( art.349 do CC ), não são, em rigor, verdadeiros meios de prova, mas antes “ meios lógicos ou mentais ou operações firmadas nas regras da experiência “ ( VAZ SERRA, RLJ ano 108, pág.352 ), ou, noutra formulação, “ operação de elaboração das provas alcançadas por outros meios “ ( ANTUNES VARELA, RLJ ano 123, pág.58), reconduzindo-se, assim, a simples “ prova da primeira aparência “, baseada em juízos de probabilidade.
Na definição legal, são ilações que o julgador tira de um facto conhecido ( facto base da presunção ) para afirmar um facto desconhecido ( facto presumido ), segundo as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos das várias disciplinas científicas, ou da lógica.
Contudo, a Relação não pode modificar a resposta dada pelo tribunal a quo com fundamento numa presunção, se não ocorrer qualquer das hipóteses do art.712 do CPC ( cf., por ex., ANTUNES VARELA, RLJ ano 123, pág.49, em anotação ao Ac STJ de 13/2/85; TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., pág.416; Ac STJ de 21/9/95, C.J. ano III, tomo III, pág.15 ).
Como se decidiu no Ac do STJ de 19/6/1986 ( BMJ 358, pág.455 ), o tribunal da Relação só pode alterar as respostas aos quesitos pelo tribunal colectivo quando se verifiquem algum dos fundamentos das alíneas a) a c) do nº1 do art.712 do CPC e não ocorre nenhum daqueles fundamentos quando os documentos juntos ao processo ou a confissão não fazem prova plena em relação à questão controvertida.

2.4. - 2ª QUESTÃO:
A segunda questão contende com o alegado incumprimento do contrato de abertura de crédito, na modalidade de conta corrente bancária, como relação subjacente da emissão da livrança de caução, e a sua repercussão na obrigação cambiária dos oponentes/avalistas.
Nos termos do art.45 do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e os limites da acção executiva.
As letras e livranças constituem títulos executivos (art.46 c/ CPC) e segundo a redacção do art.51 nº1 CPC pelo DL 242/85 de 9/7 deixou de ser exigível, como requisito de exequibilidade, o reconhecimento notarial da assinatura do devedor, seja qual for o montante.
Ao pagamento coercivo do montante da livrança dada à execução, opuseram-se os executados/oponentes, através de oposição à execução que funciona como uma contra-acção do devedor contra o credor para impedir a execução ou destruir os efeitos do título executivo.
Na verdade, a oposição à execução, tal como os anteriores embargos de executado, assume a natureza de acção declarativa na dependência do processo executivo, ou seja, uma oposição/acção e não uma oposição/contestação, com uma tramitação correspondente ao processo declaratório ( cf., por ex., ANSELMO DE CASTRO, Acção Executiva, pág.311, LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, vol.3º, pág.307 ).
Dado o disposto no art.816 CPC, se a execução se não baseia em sentença condenatória, além dos fundamentos de oposição especificados no art.814, na parte em que sejam aplicáveis, pode invocar-se quaisquer outros que seria lícito deduzirem-se como defesa no processo de declaração.
Os subscritores ou avalistas de uma livrança são todos solidariamente responsáveis para com o portador, o qual tem o direito de accionar todas as pessoas individual ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que eles se obrigaram ( art.47 e art.77 da LULL.).
Segundo o art.30 LULL, o pagamento de uma livrança pode ser em todo ou em parte garantido por aval, configurando-se a obrigação do avalista como uma obrigação de garantia autónoma, cuja extensão e conteúdo se afere pela obrigação do avalizado ( arts.7 e 32 LULL ).
Com efeito, dada a natureza jurídica do aval, quer o mesmo seja havido como uma “fiança com regime jurídico especial”, quer se lhe atribua o carácter de uma “garantia objectiva”, sempre se trata de uma garantia autónoma, distinta de qualquer outra obrigação cambiária ( cf., por ex., GONSALVES DIAS, Da Letra e da Livrança, vol.VII, pág.329, FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, III, pá.205, PAULO SENDIN e EVARISTO MENDES, A Natureza do Aval, Almedina, 1991, pág.38 e segs.).
E o facto do avalista responder da mesma maneira que o avalizado (art.32 LU), apenas pretende significar que o conteúdo da obrigação do avalista é o mesmo que a da obrigação do avalizado. Daqui resulta que embora a obrigação do avalista seja igual à do avalizado, não assume a mesma figura cambiária deste.
Pelo aval constituem-se dois grupos de relações: as do portador com o avalista e as do avalista com o avalizado e obrigados precedentes.
O avalista não pode opor, como o fiador, os meios pessoais de defesa do devedor principal contra o portador, as excepções pessoais nos termos do art. 17 LULL, já que de contrário seria negar a natureza do aval, como acto cambiário abstracto.
Ao avalista apenas é lícito opor as excepções derivadas da relação causal existente entre si e o portador, nos termos gerais do direito cambiário.
Há que ter presente, contudo, que a inoponibilidade não é absoluta, pois tem-se entendido que o princípio da independência das obrigações cambiárias e das obrigações do avalista e do avalizado não obsta a que o avalista possa opor ao portador a excepção de liberação, por extinção da obrigação do avalizado ( cf. VAZ SERRA, RLJ ano 113, pág.187, Ac STJ de 23/1/86, BMJ 353, pág.482).
Neste caso, o avalista usa de um meio de defesa que longe de ser pessoal do principal obrigado ( atende-se ao regime do art.17 LULL ) se comunica aos que solidariamente estejam adstritos ao pagamento da prestação, ou seja, nas hipóteses em que a doutrina qualifica como “ falta de causa” ou “falta de fundamento jurídico” do possuidor.
Entre o Banco exequente e a executada B... foi celebrado um contrato de abertura de crédito em conta corrente para adiantamento sobre cheques para gestão e cobrança, no qual intervieram como fiadores os demais executados.
O contrato de abertura de crédito, sendo uma operação bancária (art.362 Código Comercial), não aparece tipicamente regulamentado.
Trata-se de um contrato consensual, através do qual um estabelecimento bancário se obriga a ter à disposição do cliente uma soma em dinheiro, tendo este a possibilidade de a utilizar mediante outras operações.
Segundo determinada modalidade, o banco vai fornecendo dinheiro ao cliente através da abertura de uma conta corrente (Ac STJ de 8/6/93, C.J. ano I (1993), tomo III, pág.5).
Concebendo a abertura de crédito como uma operação negocial distinta do contrato de mútuo, ANTUNES VARELA definia-a como um “ contrato pelo qual uma das partes ( o creditante), por via de regra um banco, se obriga a conceder à outra (creditada) o crédito até certo limite, em determinadas condições, cabendo à creditada decidir se, quando e em que termos vai utilizar o benefício posto à sua disposição” ( R.L.J. ano 114, pág.116 ).
A legislação portuguesa, não prevê o contrato de conta corrente bancária, podendo configurar-se como uma das modalidades, embora autónoma, do contrato comercial de conta corrente, regulado nos arts.344 a 350 do Código Comercial, no qual as partes (correntistas) põem em massa comum todos os seus créditos recíprocos, transformando-os em artigos de “deve” e “haver”, e remetem para momento ulterior a respectiva liquidação global por compensação (cf. SIMÕES PATRÍCIO, A Operação Bancária de Depósito, pág.39 e MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, 2ª ed., pág.585 e segs.).
A abertura de crédito pode ser não garantida ( a descoberto ) ou objecto de garantias prestadas pelo próprio beneficiário ou por um terceiro.
A livrança em branco foi emitida para caucionar a conta corrente bancária e, em regra, a emissão de uma letra ou livrança não importa a novação, consubstanciando uma “datio pro solvendo” (art.840 CC), ficando a existir, para além da relação subjacente, uma relação jurídica cambiária, destinada a tornar mais segura a satisfação dos interesses do credor.
Ao Banco ( creditante ) foi entregue a livrança em branco, subscrita pela B... ( creditada) e avalizada pelos demais executados, tendo aquele sido autorizado a proceder ao preenchimento, nos termos constantes da cláusula 13º.
O contrato de preenchimento é o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária. A sua inobservância é inoponível ao portador mediato, o único a quem aproveita a boa fé, conforme resulta do texto do art.10 L.U., a menos que se verifique a “exceptio doli” prevista no art.17 (in fine) L.U..
Os executados/oponentes ao darem ao seu aval, condição de abertura de crédito, prestaram uma garantia à obrigação cambiária do avalizado - a sociedade B..., subscritora da livrança - e não directamente à obrigação causal subjacente (a conta corrente bancária).
Sendo a obrigação do avalista autónoma, não pode defender-se com as excepções do avalizado atinentes à relação subjacente ( por ex., preenchimento abusivo, nulidade ou incumprimento do contrato, etc.), salvo quanto ao pagamento, conforme entendimento jurisprudencial uniforme ( cf., por ex., Ac do STJ de 27/4/99, C.J. ano VII, tomo II, pág.68, de 4/4/02, de 22/4/04, de 27/5/04, disponíveis em www dgsi.pt/jstj).
Pois bem, mesmo que fosse admissível a oponibilidade da excepção, não está sequer demonstrado o alegado incumprimento do contrato de abertura de crédito por parte do Banco exequente, por não haver devolvido os cheques para gestão de cobrança, cujo ónus da prova incumbiria aos oponentes, como facto impeditivo do direito exercitado pelo exequente, mas o certo é que, ainda que se comprovasse, tal excepção seria aqui inoponível pelos oponentes/avalistas, pelas razões já expostas.
III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
2)
Condenar os apelantes nas custas.
+++
Coimbra, 14 de Fevereiro de 2006.