Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1666/04.8TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
Data do Acordão: 04/29/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 1251º, 1260º, Nº 1, 1261º, Nº 1, 1262º, 1287º E 1296º; 1548º, Nº 2 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: A permanência da obra ou sinal reveladores da servidão patenteiam a sua presença, quer para o dono do prédio dominante, quer para o dono do prédio serviente, tornando seguro que se não trata de um acto praticado, a título precário
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


A...., casado, residente na …….., propôs a presente acção, com processo sumário, contra B....e esposa, C...., residentes no lugar do ……, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a reconhecer o autor como legítimo proprietário e possuidor dos prédios infradiscriminados, a reconhecer que sobre o prédio dos réus se encontra constituída uma servidão de passagem, a favor dos prédios do autor e, em consequência, que seja ordenado aos réus que, em prazo a ser fixado pelo Tribunal, procedam à demolição dos marcos que colocaram no espaço que consubstancia o leito da servidão, e se abstenham da prática de qualquer acto que seja susceptível de perturbar o direito do autor a fazer uso livre da referenciada passagem, ou, subsidiariamente, que os réus sejam condenados a expropriar uma parcela de terreno, com vista à constituição de uma passagem, para veículos e tractores, a favor dos prédios, nomeadamente, o rústico, do autor, a qual deverá ser feita, no local e pela forma descrita, mediante indemnização que venha a ser fixada pelo Tribunal, e que o autor se propõe pagar, alegando, para tanto, e, em síntese, que adquiriu, por partilha, os prédios em causa, cuja posse exerce, há mais de trinta anos.
Contígua a estes prédios dos autores, os réus têm uma propriedade que, por haver divergências quanto aos respectivos limites, correu uma acção que definiu a linha divisória correspondente, sendo certo que os réus, depois da demarcação, colocaram marcos, ao longo das estremas, que impedem o acesso aos prédios do autor, que se fazia, há muito tempo, desde a estrada nacional até estes, ficando, assim, sem entrada da via pública para os mesmos.
Na contestação, os réus defendem a improcedência da acção, reconhecendo, porém, a existência de uma servidão de passagem, a pé, para o palheiro do autor, mas que este nunca passou, com animais ou com carros de bois ou tractores, para tal sito, através da propriedade dos réus.
Na resposta à contestação, o autor mantém, nos seus precisos termos, tudo quanto se encontra alegado na petição inicial corrigida.
A sentença julgou a acção, procedente por provada, e, em consequência, condenou os réus a reconhecer o autor como legítimo proprietário e possuidor de um prédio rústico, sito no Cabeçudo, composto por terra de pastagem, com a área de 2096 m2, com um palheiro anexo, com a área de 49m2, confrontando do Norte com J…., do Nascente com JG….., do Sul com a casa do próprio, e do Poente com JD…., não descrito na Conservatória do Registo Predial, e inscrito na matriz predial da freguesia de Vale de Amoreira, sob o artigo 1174º, de um prédio urbano composto de rés-do-chão e primeiro andar amplo, destinado a palheiro, com a superfície coberta de 60 m2, quintal com 70 m2, e curral com 20 m2, confrontando a Norte com …,
Nascente …., Sul com a Estada Nacional e Poente com
….., inscrito na matriz predial da freguesia de
Vale de Amoreira, sob o artigo 205°, e de um prédio urbano constituído por casa de habitação, composta de rés-do-chão e primeiro andar, com três assoalhadas e cozinha, com a superfície coberta de 50 m2, quintal com 60 m2, e galinheiros com 10m2, confrontando a Norte, Nascente, Sul e Poente com o proprietário, inscrito na matriz predial da freguesia de Vale de Amoreira, sob o artigo 354°, condenou os réus a reconhecer que sobre o prédio rústico, denominado Quinta do Cabecinho, com área total de 53.550 m2, composto de terra de pinhal, vinha e pastagem, com oliveiras e casa, a confrontar do Norte e Nascente com …., Sul com …. e do Poente com Estrada, descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda, sob o nº 628/19951020, freguesia de Valhelhas, inscrito na matriz predial, sob o artigo 2490°, da referida freguesia, propriedade dos réus, se encontra constituída uma servidão de passagem, a pé, de carro de bois, tractores e carros, que se desenvolve, a partir da esquina da casa, referida em A), que se encontra mais próxima da EN 332, e virada para o prédio, referido em E), até à esquina posterior do referido palheiro, que se encontra mais distante da EN 332 e mais próxima do prédio, referido em A), a favor dos prédios do autor, supra descritos, e, finalmente, condenou os réus a procederem, no prazo de trinta dias, após trânsito em julgado da sentença, à demolição/remoção dos marcos que colocaram no espaço que consubstancia o leito da servidão.

Desta sentença, os réus interpuseram recurso de apelação, terminando as alegações com o pedido da sua absolvição, formulando as seguintes conclusões:
1ª - A noção de posse está plasmada no artigo 1251° do C. Civil, resultando da mesma, quando correctamente interpretada, distinguirem-se dois elementos: um elemento material, o "corpus", identificado com os actos materiais praticados sobre a coisa; e um elemento psicológico, o "animus”, ou seja, a intenção de se comportar como titular do direito real correspondente.
2ª - Embora o "animus” possa presumir-se, tal presunção é ilidível, invertendo-se embora o ónus da prova.
3ª - Tendo os réus impugnado os factos alegados pelo autor e relativos ao "animus" da sua posse, alegando que o direito que na verdade o autor sempre se vem arrogando é o de propriedade e não o de passagem (direitos entre si estruturalmente diversos, o que inviabiliza o "aproveitamento" do elemento psicológico da posse de um para prova do outro), e
4a - Tendo feito prova do alegado, mediante junção de certidão de acção cível intentada pelo autor e cujo pedido tinha subjacente o reconhecimento do direito de propriedade sobre a faixa de terreno onde agora pretendem ver constituída servidão.
5a - Prova suficiente mas que pode ainda ser conjugada com outros factos constantes dos autos, permitindo concluir de forma segura não reunir, a posse do autor, os elementos necessários para que pudesse funcionar como causa de aquisição do direito invocado, com a consequente absolvição dos réus do pedido.

6ª - O que a douta sentença não faz - sem que existam na sentença elementos concludentes a este respeito -, seja por incorrecta interpretação da norma do artigo 1251° C. Civil, seja por deficiente subsunção dos factos provados na referida norma legal.

7a - Por outro lado, apenas as servidões aparentes, e portando reveladas por sinais visíveis e permanentes, são usucapíveis.

8a - Convidado, o autor a aperfeiçoar, neste particular, o seu articulado, veio invocar a existência de três sinais, dos quais, para fundamentação da verificação deste requisito da servidão, na douta sentença recorrida apenas um se considerou.

9ª - O qual, atenta a norma do artigo 1548° do C. Civil e a interpretação jurisprudencial rigorosa que do mesmo vem sendo feita, não é, de forma alguma, suficiente para a prova que ao respeito se exigia, tendo-se, nessa parte, feito incorrecta subsunção dos factos provados na referida norma,

10a - Porque tal sinal - uma rampa de pedra lascada - está confinado ao terreno do autor, e porque este surge desacompanhado de qualquer outro sinal visível e permanente.

11ª - Acresce que, a quem se arroga o direito de passagem, incumbe caracterizar suficientemente a correspondente servidão, em termos de permitir a exequibilidade da sentença de forma clara e sem dar azo a ulteriores disputas ou abusos.

12ª - O que o autor não fez, uma vez que não alegou, de forma completa, qual a utilização funcional que pretendia dar à servidão – sendo certo que uma das utilizações que o autor lhe pretende dar (o estacionamento) está fora da utilização possível das servidões de passagem -, nem precisando os exactos limites da mesma, existindo, nessa matéria, contradição entre factos provados que fundamentam a sentença, quais sejam os pontos 25 e 26, com o ponto 27.

13ª – Por último, os prazos para funcionamento da usucapião são diversos conforme a posse seja, ou não, de boa-fé, além de que a posse não titulada se presume de má fé.

14ª - A prova do decurso do prazo e da boa-fé, porque factos constitutivos do direito do autor - além de existir, relativamente à boa-fé, presunção desfavorável ao mesmo autor -, incumbem a este.

15a - Sendo a posse não titulada, e não tendo o autor produzido prova da sua boa-fé, o prazo que há-de relevar é o do artigo 1296° do C. Civil: 20 anos completos.

16a - Tal assume relevância pois, na douta sentença recorrida, ao estabelecer a data a partir da qual existiu oposição dos réus, fez-se incorrecta apreciação da prova produzida, dado que foi levado ao conhecimento do Tribunal - nomeadamente por testemunha do autor cujo depoimento mereceu credibilidade, ……, - um facto concreto de oposição em data anterior (1997) e que foi o derrube de um muro pelo réu marido, actuação que deu origem ao processo de inquérito n°284/97.OTAGRD

17a - Concluindo-se, pois, que, a ter-se interpretado correctamente a prova produzida em audiência, o autor apenas logrou provar ter exercido o direito que (agora) se arroga, de forma pacífica e sem oposição, entre data não concretamente apurada de 1977 e o início 1997, o que não perfaz 20 anos completos, elemento essencial para prova do direito do autor, o que importa a absolvição dos réus.

Nas suas contra-alegações, o autor sustenta que deve ser julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença apelada.


                                                               *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:

I – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.

II – A questão do «animus» da posse.

III – A questão da aparência da servidão.

IV – A questão do prazo da usucapião.

             I. DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Entendem os réus que existe contradição entre os factos provados que fundamentam a sentença, quais sejam os pontos 25 e 26, com o ponto 27, isto é, entre os pontos 19, 20 e 21 da base instrutória, respectivamente.

Com efeito, tendo-se demonstrado que o espaço existente entre as casas do autor e dos réus tem uma extensão, de cerca de 20 metros de comprimento [19º], e a largura de cerca de 1,40 metros [20º], sendo o seu limite, relativamente ao prédio do autor, um rego para escoamento das águas das chuvas, que se desenvolve em sentido descendente, em direcção à EN 332, a partir da porta do palheiro daquele [21º], não se alcança, com o devido respeito, nem os réus o justificaram, convenientemente, a razão da alegada contradição entre aquele grupo de respostas aos pontos controvertidos da base instrutória.

Sustentam, igualmente, os réus que o Tribunal «a quo» efectuou uma incorrecta apreciação da prova produzida, dado que foi levado ao seu conhecimento um facto concreto de oposição, em data anterior a 1997, e que consistiu no derrube de um muro, pelo réu marido, o que contenderia, implicitamente, com a alteração das respostas aos pontos nºs 28 e 30, mas cujo sentido de orientação aqueles não explicitam, o que, por si só, num maior apego ao texto legal, poderia determinar a não admissão da apelação, com base nessa insuficiência, tudo conjugado com o prazo alargado de 40 dias de que beneficiaram, por força do preceituado pelo artigo 690º-A, nº 1, b), do CPC.

De todo o modo, da audição das doze cassetes que relatam a prova produzida em audiência, objecto de gravação, no que contende com esses dois pontos da matéria de facto, resulta que a testemunha António Lourenço, irmão do autor, disse que “o irmão e seus antecessores passavam pelo trajecto, desde 1977, data em que o pai comprou o prédio e passavam lá, desde então, sempre, à vontade, até o pai ser vivo, tendo o mesmo morrido, em Julho de 1994”.

A testemunha Eduardo Gregório disse que “houve problemas, por causa da passagem, levantados pelo réu, em 1997, ligados a um muro que foi destruído”.

A testemunha ….., irmã do autor, disse que “até à morte do pai, nunca houve problemas, só depois da morte do pai da testemunha, ou melhor, depois de feitas as partilhas e o prédio ter sido adjudicado ao autor é que surgiram os problemas, tendo sido derrubado o muro. Que o pai morreu, em 1994, e que as obras consequentes às partilhas foram depois de 1997”.

A testemunha …… disse que “o João (autor) fez o muro, na parte do B…. (réu), e este, então, por estar naquilo dele, deitou-o abaixo e, assim, começaram as divergências”.

Finalmente, a testemunha …. disse que “o autor tentou alargar a passagem, em determinada altura, e o ….. opôs-se. O autor andou a alterar os limites da passagem. O alicerce foi colocado pelo autor, em Agosto de 1996, para alargar a passagem, e daí é que começou o problema”.

Ora, perguntando-se, no ponto 28, se “jamais a passagem bem como o estacionamento de carro de bois e automóveis pertencentes ao autor e seus antecessores foi proibida ou limitada por quem quer que fosse?”, e, no ponto 30, “sem oposição de ninguém?”, a prova produzida em audiência não consente que se fixe, em data anterior a 1997, o momento a partir do qual se iniciou a oposição do réu marido, em relação à passagem exercida pelos autores.  

Assim sendo, manter-se-ão as respostas restritivas que foram proferidas, em relação aqueles dois supracitados pontos da base instrutória.

Nestes termos, este Tribunal da Relação entende que se devem considerar como demonstrados os seguintes factos:

Encontra-se inscrito, na matriz predial da freguesia de Vale de Amoreira, sob o artigo 1174º, um prédio rústico, sito no Cabeçudo, composto por terra de pastagem com um palheiro anexo, com a área de 49 rn2, sendo titular do rendimento o autor A.... – A).

Encontra-se inscrito, na matriz predial da freguesia de Vale de Amoreira, sob o artigo 205°, um prédio urbano, composto de rés-do-chão e primeiro andar, amplos, sendo titular do rendimento o autor A.... – B).

Encontra-se inscrito, na matriz predial da freguesia de Vale de Amoreira, sob o artigo 354°, um prédio urbano, casa de habitação, composta de rés-do-chão e primeiro andar, com três assoalhadas e cozinha, sendo titular do rendimento o autor A.... – C).

Por escritura pública, outorgada em 16 de Novembro de 1998, no Cartório Notarial da Guarda, procedeu-se à partilha dos bens que foram do falecido João Lourenço dos Santos, tendo sido adjudicados ao autor, A...., entre outros, os prédios identificados em A), B) e C) – D).

Encontra-se descrito, na Conservatória do Registo Predial da Guarda, sob o nº 628/19951020, freguesia de Valhelhas, um prédio rústico, denominado Quinta do Cabecinho, com área total de 53.550 m2, inscrito na matriz predial, sob o artigo 2.490º, composto de terra de pinhal, vinha e pastagem, com oliveiras e casa, a confrontar do Norte e Nascente com …., Sul com …. e do Poente com Estrada, o qual se encontra inscrito, a favor de António da Fonseca, casado com C...., no regime da comunhão de adquiridos – E).

Os prédios descritos em A) a C) confrontam, pelo Poente, com o prédio descrito em E) – F).

Por sentença proferida, em 20 de Maio de 2001, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 24 de Setembro de 2002, transitado em julgado, em 27 de Setembro de 2002, nos autos de acção declarativa, sob a forma sumária, nº 359/99, que correu termos, no 1o Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, em que é autor A.... e réus B....e mulher, C...., foi decidido que a linha de demarcação entre o prédio do autor, identificado em A) a C), e o prédio do réu, identificado em E), se inicia na Estrada Nacional e se desenvolve equidistante das linhas de demarcação apresentadas pelo autor e pelos réus, para Norte, na direcção do Ponto 2, e deste para o ponto 1 do croquis de folhas 57 – G).

Os prédios descritos em A), B) e C) constituem uma única unidade – 1º.

A qual se situa, junto à Estrada Nacional nº 232, ao Km 75,780 – 2º.

Desde há mais de trinta anos que o autor, por si e legítimos antecessores, plantam árvores, semeiam e recolhem cereais e cortam lenha, na parte rústica dos prédios descritos em A), B) e C) – 3º.

E zelam pela sua conservação e limpeza – 4º.

Dormem e tomam as refeições, na casa de habitação – 5º.

E utilizam as lojas existentes, para aí guardar lenha, alfaias e produtos agrícolas – 6º.

Bem como animais – 7º.

À vista e com o conhecimento de toda a gente – 8º.

Sem oposição de ninguém – 9º.

E, ininterruptamente – 10º.

Na convicção de estarem a exercer um direito próprio – 11º.

O palheiro, referido em A), existe há cerca de trinta anos – 12º.

O palheiro tem uma porta que dá para o prédio dos réus, o qual tem uma largura de 80cm – 13º e 14º.

Em tal palheiro, além de lenha e outros produtos agrícolas, eram guardados animais, designadamente, de raça bovina – 15º.

Ali se encontrando, ainda hoje, vestígios da respectiva manjedoura – 16º.

Desde há mais de trinta anos que o autor, por si e legítimos antecessores, sempre acedeu ao referido palheiro, a pé, conduzindo bovídeos, com carro e de tractor, através de um espaço existente entre as casas, referidas em C) e E) – 17º.

O qual se desenvolve, a partir da esquina da casa, referida em C), que se encontra mais próxima da EN 332, e virada para o prédio, referido em E), até à esquina posterior do referido palheiro, que se encontra mais distante da EN 332 e mais próxima do prédio, referido em C) – 18º.

Tendo uma extensão, de cerca de 20 metros de comprimento – 19º.

E ocupando em largura, cerca de 1,40 metros do prédio, referido em E) – 20º.

Tendo ainda como limite, relativamente ao prédio descrito em A), B) e C), um rego para escoamento das águas das chuvas, que se desenvolvia em sentido descendente, em direcção à EN 332, a partir da porta do referido palheiro – 21º.

E ainda um marco que existia junto a um pessegueiro – 22º.

Ali existindo ainda uma pequena rampa, cujo pavimento e respectivo topo é feito em pedra lascada, igual à existente em frente à casa do autor – 23º.

Pelo menos, desde 1977, o autor e seus antecessores passavam pelo espaço, referido nos nºs 17 a 20, a pé, com carro, de bois, de tractor e de automóvel, para a parte rústica do prédio que constitui a unidade descrita em A), B) e C) – 24º.

Não existindo qualquer outro acesso, a partir da Estrada Nacional n° 232 – 25º.

Nesse espaço, o autor e seus familiares, por vezes, sobretudo no Verão, deixavam estacionado o seu automóvel – 26º.

E os seus antecessores estacionado o carro de bois que utilizavam para tirar e meter coisas no palheiro – 27º.

Pelo menos, a partir de 1999, os réus passaram a deduzir oposição à passagem, bem como ao estacionamento do carro de bois e automóveis pertencentes ao autor e seus antecessores – 28º.

Os actos, referidos nos nºs 17º, 24º, 26º e 27º, têm sido praticados, à vista de toda a gente – 29º.

Apenas com a oposição dos réus, pelo menos, a partir de 1999, à pratica dos actos, referidos nos nºs 17º, 24º, 26º e 27º - 30º.

Tendo o autor, e seus antecessores, actuado pela forma descrita, na convicção de que exerciam um direito próprio – 31º.

Após a decisão, referida em G), os réus colocaram marcos, ao longo das estremas dos prédios descritos em A, B) e C), de tal forma que não permitem que o autor aceda, de carro de bois, de automóvel ou de tractor, seja para o seu palheiro, seja para a parte rústica do seu prédio – 32º.

O autor encontra-se impedido de arrumar e retirar lenha, adubos e alfaias agrícolas do palheiro, utilizando carro de bois, automóvel ou tractor – 33º.

Está, também, impedido de proceder ao amanho da parte rústica do prédio com a utilização de carro de bois, tractor ou outro veículo – 34º.

Não pode o autor fazer transporte de produtos agrícolas de e para a dita parte rústica, utilizando carro de bois, tractor ou outro veículo – 35º.

Também, o autor não pode estacionar a sua viatura, no espaço referido nos pontos nºs 20 a 23 – 36º.

                 II. DO «ANIMUS» DA POSSE DA SERVIDÃO

Sustentam os réus que o autor exerce a posse com o "animus" de proprietário e não de beneficiário de uma passagem sobre o prédio daqueles, o que inviabiliza o aproveitamento do elemento psicológico da posse para a prova do fim tido em vista pelo autor.

Revertendo ao caso em análise, importa reter que, desde há mais de trinta anos, que o autor, por si e legítimos antecessores, sempre acedeu a um palheiro, situado no seu prédio, dotado de uma porta que dá para o prédio dos réus, com a largura de 80 cm, nele sendo guardados, além de lenha e outros produtos agrícolas, animais, designadamente, de raça bovina, a pé, conduzindo bovídeos, com carro e de tractor, através de um espaço existente entre as casas do autor e dos réus.

Este espaço desenvolve-se, a partir da esquina da casa do autor, que se encontra mais próxima da EN 332, e virada para o prédio dos réus, até à esquina posterior do referido palheiro, que se acha mais distante da EN 332 e mais próxima daquele prédio do autor, com a extensão de cerca de 20 metros, e a largura de cerca de 1,40 metros, face ao prédio dos réus, tendo como limite, relativamente ao prédio do autor, um rego para escoamento das águas das chuvas, que se orienta, em sentido descendente, em direcção à EN 332, a partir da porta do referido palheiro, e ainda um marco que existe junto a um pessegueiro, e, igualmente, uma pequena rampa, cujo pavimento e respectivo topo é feito em pedra lascada, igual à existente em frente à casa do autor.

Efectivamente, o autor e seus antecessores, pelo menos, desde 1977, passam pelo aludido espaço, a pé, com carro, de bois, de tractor e de automóvel, para a parte rústica do prédio que constitui a respectiva unidade, sem que existisse qualquer outro acesso, a partir da Estrada Nacional, espaço esse onde o autor e seus familiares, por vezes, sobretudo, no Verão, deixavam estacionado o seu automóvel, e os seus antecessores o carro de bois que utilizavam para tirar e meter coisas no palheiro.

Os actos acabados de referir têm sido praticados, à vista de toda a gente, tendo o autor e seus antecessores actuado com a convicção de que exerciam um direito próprio, apenas com a oposição dos réus à passagem, bem como ao estacionamento de carro de bois e automóveis pertencentes ao autor e seus antecessores, pelo menos, a partir de 1999.

Assim sendo, independentemente dos actos praticados pelo autor e seus antecessores, correspondentes à titularidade do direito de propriedade que se arrogam, em relação aos seus prédios, aqueles circularam, igualmente, pelo menos, desde 1977, pelo trajecto da controvertida passagem, a pé, com carro de bois, de tractor e de automóvel, como única forma de acesso à parte rústica do seu prédio, a partir da Estrada Nacional, à vista de toda a gente, na convicção de que exerciam um direito próprio, apenas com a oposição dos réus, nomeadamente, a partir de 1999.

Como assim, os actos de passagem do autor e seus antecessores, pelo trajecto do espaço do prédio dos réus em discussão, representam a demonstração de um estado psicológico de beneficiários de uma passagem e não de meros proprietários de um prédio, com os quais, inequivocamente, se não confundem.

Pelo exposto, o autor, por si e seus antecessores, vem exercendo os actos de circulação pelo trajecto do prédio dos réus, com o «animus» de titular do direito de servidão de passagem correspondente.

                      III. DA APARÊNCIA DA SERVIDÃO

Dizem os réus, neste particular, que a servidão reclamada pelo autor não reúne as características indispensáveis para poder ser qualificada como aparente.

Dispõe o artigo 1548º, nº 2, do CC, que “consideram-se não aparentes as servidões que não se revelam por sinais visíveis e permanentes”.

Com efeito, não havendo sinais visíveis e permanentes reveladores da servidão, sendo esta exercida, porventura, só, clandestinamente, a atitude passiva do proprietário pode ser apenas devida à ignorância da prática dos actos constitutivos da servidão, mas a permanência da obra ou sinal já torna seguro que se não trata de um acto praticado, a título precário[1].

Por seu turno, para que uma servidão seja aparente é necessária a existência de sinais visíveis e permanentes, de natureza inequívoca, no sentido de patentearem a sua presença, quer para o dono do prédio dominante, quer para o dono do prédio serviente[2].

Ficou provado, neste particular, que o palheiro, situado no prédio do autor, está dotado de uma porta, com a largura de 80 cm, que dá para o prédio dos réus.

Este espaço desenvolve-se numa extensão, de cerca de 20 metros, e com uma largura, de cerca de 1,40 metros, e tem como limite, relativamente ao prédio do autor, um rego para escoamento das águas das chuvas, que se orienta, em sentido descendente, em direcção à EN 332, a partir da porta do referido palheiro, e ainda um marco que existe junto a um pessegueiro, e, igualmente, uma pequena rampa, cujo pavimento e respectivo topo é feito em pedra lascada, igual à existente em frente à casa do autor.

É, assim, manifesta a existência de diversificados e inequívocos sinais, visíveis e permanentes, que atestam a presença de trânsito, por parte do autor e seus antecessores no prédio, deste para o prédio dos réus e, vice-versa, que não permitem questionar, razoavelmente, a aparência do trajecto de passagem em causa.

                          IV. DO PRAZO DA USUCAPIÃO

Finalmente, os réus sustentam que, sendo a posse não titulada, e não tendo o autor produzido prova da sua boa-fé, o prazo que há-de relevar é o de vinte anos completos, atento o disposto pelo artigo 1296°, do CC.

Revertendo ao caso em apreço, importa reter que ficou demonstrado que, confrontando os prédios do autor com o prédio dos réus, aquele, por si e legítimos antecessores, sempre acederam, há mais de trinta anos, pelo menos, desde 1977, a um palheiro existente nos seus aludidos prédios, por uma porta que dá para o prédio dos réus, a pé, conduzindo bovídeos, com carro, de tractor e automóvel, através do espaço existente entre as suas casas e a dos réus, que se desenvolve, a partir da esquina da casa dos autores, mais próxima da EN 332, e virada para o prédio dos réus, até à esquina posterior do referido palheiro, mais distante daquela via e mais próxima do prédio dos autores, com uma extensão de cerca de 20 metros de comprimento e uma largura de cerca de 1,40 metros, tendo ainda como limite, relativamente ao prédio destes, um rego para escoamento das águas das chuvas, que se desenvolve, em sentido descendente, em direcção à EN 332, a partir da porta do referido palheiro, e ainda um marco que existe junto a um pessegueiro, e, igualmente, uma pequena rampa, cujo pavimento e respectivo topo é feito em pedra lascada, igual à existente em frente à casa do autor, não existindo qualquer outro acesso, a partir da EN n°232, e isto, à vista de toda a gente, actuando pela forma descrita e na convicção de que exerciam um direito próprio, apenas com a oposição dos réus, pelo menos, a partir de 1999.

Assim sendo, os actos de retenção e fruição praticados pelo autor e seus antecessores, através do aludido trajecto de passagem, para acesso ao seu palheiro, independentemente da falta de título demonstrado, são de boa-fé, públicos e pacíficos, pelo menos, entre 1977 e 1999, ou seja, durante mais de vinte anos, razão pela qual, nos termos das disposições concertadas dos artigos 1251º, 1260º, nº 1, 1261º, nº 1, 1262º, 1287º e 1296º, todos do CC, conduziram à aquisição, por usucapião, do direito de servidão da passagem correspondente, em benefício dos seus prédios e sobre o mencionado prédio dos réus.

Consequentemente, é, de todo, ilegítima a actuação dos réus, ao colocarem marcos, ao longo das estremas dos prédios do autor, por forma a não permitirem que este aceda de carro de bois, de automóvel ou de tractor, seja para o seu palheiro, seja para a parte rústica do seu prédio.

Improcedem, pois, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações dos réus.

                                                    *

CONCLUSÕES:

A permanência da obra ou sinal reveladores da servidão patenteiam a sua presença, quer para o dono do prédio dominante, quer para o dono do prédio serviente, tornando seguro que se não trata de um acto praticado, a título precário.

                                                               *

DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar, inteiramente, a douta sentença recorrida.

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Custas, a cargo dos réus-apelantes.


[1] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 1987, 629 e 630; Mota Pinto, Direitos Reais, 1971, 321.
[2] RC, de 18-11-86, BMJ nº 361, 620; e RP, de 30-4-92, BMJ nº 416, 715.