Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
312/07.2YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
Data do Acordão: 11/06/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: RELAÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Legislação Nacional: ARTIGOS 111º, N.º 2; 115.º, N.º 2; 672.º, N.º 2; 675.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Segundo o n.º 2 do art. 111º, do CPC, a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência relativa, aí se incluindo a competência em razão do território
2. Consequentemente, se um tribunal julga procedente a excepção de incompetência em razão do território e ordena a remessa do processo ao tribunal competente, fica este tribunal vinculado à decisão do tribunal remetente.
3. Porém, caso o segundo tribunal se declare, também, incompetente, suscitando-se um conflito negativo de competência (n.º2 do art. 115º do CPC), ocorrem casos julgados formais contraditórios, importando acatar a decisão que passou em julgado em primeiro lugar (ars. 672º e n.º2 do art. 675º, do CPC).
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


1)-A.. veio requerer a resolução do conflito negativo de competência territorial suscitado entre o Tribunal Judicial de Santa Comba Dão e o Tribunal Judicial da Marinha Grande.
Alegou o Requerente, ao abrigo do art. 117º do CPC, ter instaurado, no Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, execução cambiária, fundada em letra, contra B.. e C..., ambos com domicílio em Carregal do Sal.
Porém, o Tribunal Judicial de Santa Comba Dão julgou-se oficiosamente incompetente, em razão do território, para tramitar a execução, ordenando a remessa dos autos ao Tribunal Judicial da Marinha Grande, por considerar ser este o competente.
O Tribunal Judicial da Marinha Grande, também por despacho transitado, julgou-se incompetente, imputando a competência territorial ao Tribunal Judicial de Santa Comba Dão.

Foram notificados os Tribunais em conflito, nos termos e para efeitos do preceituado no n.º1 do art. 118º do CPC, tendo apenas respondido o Tribunal Judicial da Marinha Grande que reiterou a posição assumida.

Foi facultado o processo para alegação ao Ilustre Advogado constituído pelo Exequente e foi dada vista ao Ex.mo Magistrado do Ministério Público, alvitrando este ser competente o Tribunal Judicial da Marinha Grande.

Tendo sido dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.


2)- Vejamos.
A execução para pagamento de quantia certa, foi instaurada, no dia 26.04.2007, com base numa letra de câmbio em que é sacador o ora Requerente e sacados/aceitantes B.. e C..., residentes Urbanização Cerca, n.º 2 B-2º Esq., Carregal do Sal.
No local próprio do título cambiário exequendo foi indicada a localidade da Marinha Grande como lugar do pagamento.

O Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, apesar de ter presente o estatuído no n.º 1 do art. 94º do CPC, concluiu ser competente para a execução o Tribunal do local onde devia ser paga a letra, visto disposto no n.º4 do art. 75º da LULL, onde se estabelece que a livrança deve conter a indicação do lugar em que deve ser efectuado o pagamento.
É evidente o lapso do Tribunal ao referir uma livrança, porque o título exequendo é uma letra de câmbio que, diga-se, também deve conter esse requisito (n.º 5 do art. 1º da LULL).

Ora, tendo em vista a solução da questão colocada, importa atender ao prescrito no n.º 1 do art. 94º, do CPC, na redacção introduzida pela Lei n.º 14/2006, de 24.04, cuja norma reveste a seguinte redacção:

Salvo casos especiais previstos noutras disposições, é competente para a execução o tribunal do domicílio do executado, podendo o exequente optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida quando o executado seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do exequente na era metropolitana de Lisboa ou do Porto, o executado tenha domicílio na mesma área metropolitana.

Definindo tal n.º1 a regra geral de competência territorial em matéria de execuções, salta à evidência que a execução foi movida no Tribunal competente, porque os executados, pessoas singulares, residem em Carregal do Sal, localidade que fica situada na área de jurisdição do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão. E, salvo o devido respeito, o preceituado na LULL sobre o lugar de pagamento da letra de câmbio, ou da livrança, não consubstancia qualquer regra especial de atribuição de competência territorial para a execução, como foi entendimento daquele Tribunal. Os casos especiais ressalvados no citado n.º1 do art. 94º, remetem obviamente para disposições que definem a competência do tribunal para a execução, como são todas as demais previstas no CPC que exorbitam da regra geral contida no n.º 1, aí não se incluindo, pois, as normas que estabelecem o lugar de cumprimento da obrigação. E se é certo que a obrigação cambiária deve ser cumprida pelos obrigados no lugar indicado no título, já a execução visando o pagamento coercivo deve correr no tribunal do domicílio dos obrigados/executados, sendo estes pessoas singulares.

Como correctamente argumenta o Tribunal Judicial da Marinha Grande, a norma da LUUL que impõe como requisito do título cambiário a indicação do lugar onde deve ser efectuado o pagamento, em nada determina a competência territorial do tribunal para a execução, devendo a competência ser aferida à luz da lei adjectiva.

Todavia, e apesar de assistir razão ao Tribunal Judicial da Marinha Grande, estamos perante um conflito negativo de competência relativa, porque diz respeito à infracção das regras de competência fundadas na divisão judicial do território (art. 108º do CPC).
E como prevê o n.º 2 do art. 111º do CPC, relativo ao regime da incompetência relativa, “a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada”. Ou seja, a decisão do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, a julgar-se incompetente, em razão do território, uma vez transitada em julgado, é vinculativa, apesar de errada, para o Tribunal Judicial da Marinha Grande, estando este impedido de se julgar incompetente. Constituindo a decisão do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão caso julgado formal, por se tratar de decisão sobre a relação jurídica processual, havendo, no caso, duas decisões contraditórias sobre a mesma questão concreta da relação processual, sempre teria de ser cumprida a decisão que passou em julgado em primeiro lugar (n.º2 do art. 675º do CPC). Formando caso julgado formal a decisão sobre a competência em razão do território, tal decisão determina a preclusão de outros possíveis fundamentos de incompetência do tribunal, não podendo tal questão voltar a suscitar-se (ut “Notas Ao Código de Processo Civil”, vol. 1º, p. 177, de Rodrigues Bastos e “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, p. 205, de Lebre de Freitas e outros). E também como escreve Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil”, p. 133, “como a remessa do processo para o tribunal competente não extingue a instância (cfr. arts. 288º, n.º2 e 287º, alínea a)) e, portanto, o processo continua pendente, a decisão de remessa é vinculativa para o tribunal para o qual ele é remetido (art. 111º, n.º2)”.

3)-Face ao exposto, e ex vi do preceituado no n.º2 do art. 111º do CPC, acorda-se em julgar competente, em razão do território, o Tribunal Judicial da Marinha Grande para onde foi remetida a execução cambiária.
Sem custas.
COIMBRA,

(Relator- Ferreira de Barros)

(1º Adj.- Des. Helder Roque)

(3º Adj.- Des. Távora Vítor)