Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1121/03.3TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DA IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
REJEIÇÃO
PENA ÚNICA
Data do Acordão: 10/22/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARAS DE COMPETÊNCIA MISTA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 78.º DO CÓDIGO PENAL E N.ºS 3 E 4 DO ARTIGO 412.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I.- O recurso da matéria de facto impõe que o recorrente cumpra o ónus da impugnação especificada contido no n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal e quando as provas haja «m sido gravadas proceder à indicação das concretas passagens em que ancora a impugnação.
II.- A especificação dos “concretos pontos de facto” só se mostra cumprida com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que o recorrente considera incorrectamente julgado, sendo insuficiente a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença.
III. – A exigência legal de especificação das “concretas provas” só queda satisfeita com a indicação do conteúdo específico do meio de prova, pelo que tratando-se de prova gravada, oralmente prestada em audiência de discussão e julgamento, deve o recorrente individualizar as passagens da gravação em que baseia a impugnação.
IV. – O cumprimento das exigências estabelecidas nos nºs 3 e 4 do artigo 412.º não se prefigura como um ónus de natureza puramente secundário ou formal mas antes como requisito essencial para a delimitação da inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
V. - Como reiteradamente o Supremo Tribunal de Justiça tem doutrinado, o não cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto não justifica o convite ao aperfeiçoamento, uma vez que só se pode corrigir o que está deficientemente cumprido e não o que se tem por incumprido.
VI. – Tendo a moldura abstracta da pena do concurso como limite máximo a soma das penas de prisão concretamente aplicadas e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, a pena do concurso é determinada, tendo em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art. 77.º, n.º 1, do CP), sem embargo das exigências gerais da culpa e da prevenção a que manda atender o art. 71.º, n.º 1 do CP, bem como os factores elencados no n.º 2 deste artigo, referidos agora à globalidade dos crimes.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:

1. Nas Varas de Competência Mista de Coimbra, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, os arguidos:

- …, divorciado, empresário, nascido em …, na freguesia de …, concelho de …, filho de … e de …, residente na …, n.º …, …, …, na actualidade preso à ordem de outro processo no E. P. de Caxias; e

- …, casado, nascido em …, em …, filho de … e de …, residente no …, …, …, Viseu ([i]).

sob imputação, na acusação pública de fls. 1174/1196 (vol. IV), da prática, em co-autoria e concurso efectivo, de quatro crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º e 218.º n.ºs 1, 2, al. b), do Código Penal; seis crimes de burla qualificada, p. p. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, al. b), do referido Código; e dez crimes de falsificação e documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, aI. a), b) e n.º 3, ainda do mesmo diploma legal.
2. As empresas …”, “…”, “…Lda.”, “…, S.A.” e “… S.A.”, deduziram pedidos de indemnização civil reclamando dos arguidos o montante dos bens de que ficaram privadas sem pagamento e juros de mora, nos termos que constam de fls. 1227, 1232, 1235, 1244 e 1264 dos presentes autos.
3. Por acórdão de 24 de Abril de 2008, o tribunal decidiu nos seguintes termos:
1 – Julgou a acusação improcedente quanto aos factos provados dos n.º 80 a 86 (ofendido …), por não se ter apurado quem cometeu tais factos, e absolveu os arguidos dos crimes que lhe estão imputados quanto a tais factos.
2 – Julgou a acusação parcialmente procedente e, em consequência, condenou os arguidos nos seguintes termos:
O arguido …:
 a) No que respeita aos factos provados dos n.º 24 a 32, como co-autor de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a ) e b ) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 08 meses de prisão; e como co-autor de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. b ), do Código Penal, na pena de 02 anos de prisão;
b) No que respeita aos factos provados dos n.º 33 a 47, como co-autor de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a ) e b ) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão; e como co-autor de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, als. a) e b ), do Código Penal, na pena de 03 anos de prisão;
c) No que respeita aos factos provados dos n.º 48 a 56, como co-autor de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a ) e b ) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão; e como co-autor de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. a ) e  b ), do Código Penal, na pena de 2 anos e 06 meses de prisão;
d) No que respeita aos factos provados dos n.º 57 a 61, como co-autor de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a ) e b ) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 08 meses de prisão; e como co-autor de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. b ), do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão;
e) No que respeita aos factos provados dos n.º 87 a 96, como co-autor de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a ) e b ) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão; e como co-autor de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. b ), do Código Penal, na pena de 2 anos  e 04 meses de prisão;
f) No que respeita aos factos provados dos n.º 97 a 102, como co-autor de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a ) e b ) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 08 meses de prisão; e como co-autor de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. b ), do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão;
g) No que respeita aos factos provados dos n.º 103 a 109, como co-autor de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a ) e b ) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 08 meses de prisão; e como co-autor de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. b ), do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido … condenado na pena única de seis anos de prisão.
O arguido …:
a) No que respeita aos factos provados dos n.º 24 a 32, como co-autor de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a ) e b ) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 08 meses de prisão; e como co-autor de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. b ), do Código Penal, na pena de 02 anos de prisão;
b) No que respeita aos factos provados dos n.º 48 a 56, como co-autor de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a ) e b ) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 08 meses de prisão; e como co-autor de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, als. a ) e  b ), do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão;
c) No que respeita aos factos provados dos n.º 62 a 71, como co-autor de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a ) e b ) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão; e como co-autor de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.ºs 1 e 218.º, n.º 1 e n.º 2, al. b) do Código Penal, na pena de 2 anos e 06 meses de prisão;
d) No que respeita aos factos provados dos n.º 72 a 79, como co-autor de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a ) e b) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 08 meses de prisão; e como co-autor de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido … condenado na pena única de 03 anos e 06 meses de prisão, declarada suspensa na sua execução pelo período de 03 anos e 06 meses.
3 – Julgou improcedente o pedido de indemnização deduzido pelos …, do qual os arguidos foram absolvidos.
4 – Julgou procedente o pedido de indemnização deduzido pela demandante “…, S. A.” e, em consequência, condenou o arguido … a pagar-lhe € 2.088,31(dois mil e oitenta e oito  euros e trinta e um cêntimos)  e juros de mora desde 17 de Julho de 2003 até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano, sem prejuízo de outra taxa que venha a vigorar, desde o dia da entrega do cheque até pagamento.
5 – Julgou procedente o pedido de indemnização deduzido pelo demandante  … e, em consequência, condenou o arguido … a pagar-lhe a quantia de € 2.284,20 (dois mil, duzentos e oitenta e quatro euros e vinte cêntimos), e juros, à taxa de 4% ao ano, desde 08 de Outubro de 2003 até pagamento, sem prejuízo de outra taxa que venha a ser estabelecida por lei.
Absolveu o arguido … da instância por impossibilidade superveniente da lide.
6 – Julgou procedente o pedido de indemnização deduzido pela demandante “…, Lda.” e, em consequência, condenou, solidariamente, os arguidos … e … a pagarem à demandante a quantia de € 6.645,03 (seis mil seiscentos e quarenta e cinco euros e três cêntimos euros) e juros, à taxa de 4% ao ano, sobre as quantias parcelares relativas à aquisição fraudulenta das mercadorias, no montante de € 863,85 (oitocentos e sessenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos) até à data da dedução do pedido cível, em 24 de Abril de 2007 e juros caídos após esta data até pagamento, à mesma taxa, sem prejuízo de outra taxa que venha a ser estabelecida por lei.
Absolveu a demandada “…, Lda.” deste pedido e o demandado …, este da instância, por impossibilidade superveniente da lide.
7 - Julgou procedente o pedido de indemnização deduzido pela demandante “…, S.A.” e, em consequência, condenou o arguido … a pagar à demandante a quantia de € 5.604,22 (cinco mil seiscentos e quatro euros e vinte e dois cêntimos) e € 819,87 (oitocentos e dezanove euros e oitenta e sete cêntimos) de juros, à taxa de 4% ao ano, vencidos até à data da dedução do pedido cível, em 02 de Maio de 2007 e juros caídos após esta data até pagamento, à mesma taxa, sem prejuízo de outra taxa que venha a ser estabelecida por lei.
Absolveu a demandada “…, Lda.” deste pedido e o demandado …, este da instância, por impossibilidade superveniente da lide.

4. Inconformado, o arguido … interpôs da sentença, formulando na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª – O Tribunal a quo firmou a conclusão de que o ora recorrente seria co-autor da prática dos factos dados nos pontos 24 a 32.

2.ª – Fê-lo indevidamente, porquanto da produção de prova decorreria obrigatoriamente para o tribunal uma opção antagónica.

3.ª – Com efeito, é destituída de qualquer sustentação a conclusão de que “em 17 de Julho de 2003, os três arguidos decidiram adquirir mercadorias sem desembolsarem o correspondente preço, no loja da empresa ……mediante a utilização de cheques da …” “na sequência do combinado entre eles…”.

4.ª – Na verdade, não foi produzida qualquer prova que permita dar como adquirido que os três arguidos tivessem sequer estado em contacto entre si no dia 17 de Julho de 2003, e muito menos que tivessem combinado algo nessa data, e tão pouco que o comportamento do arguido … junto daquela empresa tivesse ocorrido na sequência de uma combinação ou trato anterior.

5.ª – Da audição das declarações do arguido … (CD 1, acta de audiência de 21-02-08) resulta inequívoco que a única pessoa, para além do declarante, que terá tido alguma intervenção naqueles actos, terá sido ….

6.ª – Assim, os pontos da matéria de facto impugnados deveriam constar do elenco dos factos não provados.

7.ª – Os factos dados como provados nos pontos 33 a 47 foram na óptica do recorrente incorrectamente apreciados.

8.ª – O Tribunal ao alicerçar a sua convicção nos depoimentos das testemunhas … e … (CD 2, acta de audiência de 06-03-08), as conclusões a que chegou não poderiam ter sido outras que concluir que o recorrente se limitou a apresentar a primeira das testemunhas ao arguido ….

9.ª – Da conjugação dos depoimentos destas duas testemunhas, torna-se uma evidência o que fica consignado na conclusão anterior.

10.ª – Face ao exposto, importaria que a matéria de facto dada como provada neste item fosse assaz diversa, e que esta situação constasse outrossim do elenco dos factos dados como não provados.

11.ª – No que tange aos factos provados nos pontos 48 a 56, mais uma vez o tribunal parte do nada para chegar a algo que a todos os títulos e a todas as perspectivas se torna incompreensível.

12.ª – Do depoimento da testemunha …, única que se pronunciou sobre estes factos (CD 2, acta de audiência de 06-03-08) não decorre absolutamente nada que permita imputar ao arguido o que quer que seja.

13.ª – O desconhecimento da matéria foi tal que o Sr. Procurador acabou por afirmar que “o senhor acaba por saber relativamente pouco para esclarecer este tribunal”.

14.ª – Assim, os pontos da matéria de facto ora impugnados deveriam constar dos factos não provados.

15.ª – No que concerne aos factos provados entre os pontos 57 a 61, as testemunhas que depuseram a propósito desta situação, … e … (CD 3, acta de audiência de 03-04-2008) não esclareceram o tribunal de absolutamente nada e por via das lacunas destes depoimentos, o Tribunal socorreu-se, para fundamentar esta condenação, da falsa presunção de que só o recorrente tinha acesso aos cheques em 28 de Julho de 2003.

16.ª – Esta presunção entra em evidente contradição com os factos dados como provados nos pontos 25 a 30 da matéria de facto dada como provada, uma vez que desses factos resulta à saciedade que o arguido C… tinha naquela data acesso aos cheques da ….

17.ª – Assim, a matéria constante dos referidos pontos deveria ter sido dada como não provada.

18.ª – Quanto aos factos provados entre o ponto 97 e 102, o Tribunal baseou-se no depoimento da testemunha … (CD 3, acta de audiência de 03-04-08), quando na verdade esta testemunha não reconhece o recorrente e não consegue concretizar se a referência a um Sr. …, que lhe foi feita aquando da sua deslocação à …, seria o recorrente ou, pelo contrário, o arguido ….

19.ª – Por outro lado, o recorrente sempre foi apelidado por funcionários e clientes da …o por “…”, enquanto que o co-arguido … era invariavelmente tratado por “…” ou “…”.

20.ª – Os factos provados entre os pontos 103 e 109 foram ainda e sempre indevidamente dados como tal.

21.ª – Neste caso, a testemunha … (CD 2, acta de audiência de 03-04-2008) que afirmou nunca ter estado com os arguidos, não identifica, por manifesto desconhecimento, quem foi o seu interlocutor no negócio realizado, pelo que se impunha que tal matéria constasse dos factos não provados.

22.ª – Relativamente à matéria de direito, ainda que as considerações pela prática dos diversos crimes fossem um hino à justeza e que irradiasse das mesmas uma clareza tal que as tornasse compreensíveis e aceitáveis, não se justificaria o quantum penal de seis anos encontrado pelo tribunal como pena única.

23.ª – Atentas as regras do art. 77.º, n.º 2 do CP, melhor andaria o Tribunal a quo se cominasse ao arguido, à luz daquelas regras, um pena próxima do limite mínimo aí previsto, ou ligeiramente acima desse limite.

Normas violadas:

Art. 77.º, n.º 2, do CP;

Art. 256.º, n.º 1, als. a) e b) e n.º 3, do CP;

Art. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. b), do CP.
5. O Ministério Público concluiu a resposta que apresentou ao recurso como se passa a transcrever:
1. Tendo o recorrente sido condenado, pela prática de 7 crimes de falsificação de documento e 7 crimes de burla qualificada, somente impugna a matéria de facto relativamente a 6 crimes de falsificação de documento e 6 crimes de burla qualificada;
2. Aceitando integralmente a matéria de facto vertida nos pontos 87 a 96 dos factos dados como provados e, consequentemente, a respectiva condenação pela prática de um crime de falsificação de documento e de burla qualificada;
3. Facto este que é incompreensível, pois que é contraditório com a motivação do presente recurso;
4. Para que haja erro notório na apreciação da prova é necessário que o mesmo seja inequívoco, susceptível de ser apercebido por um leigo, através da leitura do texto da decisão, ou “quanto se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida”, como referem Leal-Henriques e Simas Santos;
5. No caso vertente, o recorrente limita-se a, invocando tal vício, expressar uma diferente interpretação da matéria de facto, baseada numa análise subjectiva da prova carreada para a audiência de julgamento, não tendo tido em consideração a prova documental constante dos autos e que o tribunal igualmente utilizou e valorou;
6. Acresce, por outro lado, que o recorrente não observou devidamente o disposto no art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP, limitando-se a invocar meios de prova, mas, depois, não explícita em que medida e como – rebatendo, assim, o entendimento do tribunal – tal meio de prova impõe decisão diversa da recorrida;
7. Relativamente à medida da pena, também o recorrente, nos 3 sintéticos parágrafos que escreve, nada diz de relevante para que esse Tribunal possa alterar a mesma, sendo certo que o tribunal a quo analisou e sopesou devidamente tal matéria, tendo fundamentado de modo convincente a razão de ser da medida da pena aplicada;
8. Razões pelas quais entendemos que o presente recurso não poderá proceder, devendo ser julgado totalmente improcedente.
6. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, no douto parecer que emitiu, manifestou-se no sentido da improcedência do recurso.
Notificado, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP, os arguidos não exerceram o seu direito de resposta.
Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II. Fundamentação:

1. Delimitação do objecto dos recursos e poderes de cognição do tribunal ad quem:

Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).
No caso sub judice, tendo em conta conclusões da motivação do recurso, o recorrente submete à apreciação deste Tribunal da Relação apenas as seguintes questões:
A) Se ocorreram os invocados erros de julgamento em matéria de facto;
B) Do vício de contradição insanável da fundamentação;
C) Da medida da pena única imposta pelo tribunal a quo.

2. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):

1 - Em 2003, a firma … e …, Ld.ª tinha sede na rua …, …, Sezem, …, …, …, Coimbra.

2 - Vivia a empresa uma situação económica difícil.

3 - Foi então que, em Fevereiro desse ano, o arguido … se apresentou perante os sócios dessa empresa, na qualidade de sócio-gerente da firma …, Ld.ª, fazendo menção de adquirir a …, alegando que pretendia recuperá-la.

4 - Crentes na seriedade da intenção manifestada, aqueles concordaram em ceder as quotas que nela detinham à … e por escritura pública de 9 de Abril de 2003, os sócios … e … cederam as quotas à …, que no acto foi representada pelo seu sócio-gerente, o arguido ….

5 - Todavia, contrariamente ao alegado, nunca o arguido … teve a intenção de recuperar a ….

6 - Na verdade, o seu propósito era adquirir a … para, a coberto desta, levar a cabo múltiplos negócios com terceiros, no sentido de obter para si proveitos económicos indevidos, à custa do correspondente prejuízo patrimonial de quem com ele negociasse.

7 - Para tanto, o plano era passar a deter cheques relativos a conta de que a … fosse titular, para os utilizar na aquisição de bens e pagamento de serviços, sem que chegasse a liquidar os respectivos preços, pois a ideia era que os cheques em causa nunca fossem pagos, designadamente por falta de provisão.

8 - Mais tarde, depois de adquiridas as quotas da … pela …, o arguido … apresentou na ... … e …, dizendo aos funcionários da firma que esses indivíduos iriam adquirir a …, o que não correspondia à verdade.

9 - Tendo em vista dar exequibilidade ao plano traçado e de molde a não ser responsabilizado pela emissão dos futuros cheques sem provisão, o … contratou …, possuidor de bacharelato em Gestão conferido pelo ISAG, alegadamente para desempenhar funções na …, na área contabilística/financeira.

10 - Nessa convicção, o … aceitou o emprego.

11 - No entanto, a ideia do arguido … sempre foi colocá-lo como gerente da …, como o colocou, única e exclusivamente para que assinasse cheques da firma, em branco, cheques esses que seriam utilizados pelo … nas aquisições e pagamentos que se propunha fazer, mas sem lhe dar conhecimento desses negócios.

12 - Nestes termos, tendo em vista esse escopo, da acta 18, a folhas 156, datada de 28 de Fevereiro de 2003, ainda antes da celebração da cessão de quotas, ficou consignado que os sócios, que iriam no futuro ceder as quotas, renunciavam à gerência e que era nomeado, como novo gerente da …, o ….

13 - Não obstante esta nomeação, nunca o … geriu, na verdade, a firma, pois ela era totalmente controlada pelo arguido ….

14 - Com efeito, o … limitava-se a fazer o que o arguido … lhe mandava fazer, designadamente assinar documentos e cheques em branco, sem ser posto ao corrente do fim a que tal se destinava.

15 - Desde 15 de Abril de 2003 que o … era a única pessoa que, em representação da …, tinha poderes para movimentar a conta bancária da empresa, n.º …, domiciliada no Banco Espírito Santo, S.A. (doravante designado apenas por BES), agência da Pedrulha, em Coimbra.

16 - Em 19 de Maio de 2003, por escrito, mediante cartas registadas, de folhas 185 a 188, do processo principal, … comunicou à … e ao BES a sua renúncia à gerência, tendo doravante aí deixado de exercer funções.

17 - Posteriormente, por carta de 17 de Junho de 2003, dirigida ao BES, … solicitou que todos os cheques que viessem a ser sacados sobre essa conta fossem dados como extraviados, já que não tinha conhecimento de qual a utilização que estava a ser dada a esses cheques, nem tinha conhecimento dos montantes neles inscritos.

18 - Por a …, Ld.ª ter sido considerada utilizadora de risco, o BES rescindiu a convenção de uso de cheques, em 24 de Junho de 2003.

19 - Porém, apesar de saber que o … já não exercia funções na firma desde 19 de Maio de 2003, uma vez que ainda tinha na sua posse cheques em branco da conta da …, alguns deles assinados pelo …, o arguido …, de comum acordo e em concertação de esforços com os arguidos … e …, os quais sabiam não ter poderes para movimentar tais cheques, no que respeita aos factos provados dos n.º 24 a 32 e 48 a 56, e com o arguido …, no que respeita aos factos provados dos n.º 33 a 47 e sozinho, no que respeita aos factos provados dos n.º 57 a 61, 87 a 96, 97 a 102 e 103 a 109, bem como os arguidos … e …, de comum acordo e em concertação de esforços, no que respeita aos factos dos n.º 62 a 71 e 72 a 79, passaram a utilizar tais cheques na aquisição de múltiplos bens e pagamento de serviços, sempre na predisposição de não liquidar os correspondentes preços.

20 - Bem sabiam os arguidos, quanto aos factos referidos no anterior n.º 19 destes factos provados que os tomadores nunca receberiam as quantias neles tituladas, quer por saberem inexistirem na conta bancária sacada fundos suficientes para tanto.

21 - Em 20 de Agosto de 2003, da acta 20, a folhas 301, relativa a assembleia-geral da …, foi feito constar que, a partir dessa data, os gerentes da empresa passavam a ser os arguidos … e ….

22 - Da acta constava como tendo participado na assembleia apenas os três arguidos, …, … e …, que a assinaram.

23 - Com isto visaram colmatar a renúncia à gerência apresentada por …, que tinha abandonado a firma, já em 19 de Maio de 2003.

24 - Em 17 de Julho de 2003, os três arguidos decidiram adquirir mercadorias, sem desembolsarem o correspondente preço, na loja da empresa …, S.A., sita na avenida …, em Coimbra, mediante utilização de cheque da ….

25 - Na sequência do combinado entre eles, nessa data, munido do cheque n.º …, relativo à referida conta que a … possuía no BES, que apenas tinha aposto o carimbo comercial em uso na firma, o arguido … dirigiu-se a essa loja, onde fez menção de adquirir os objectos constantes do talão de venda, a folhas 24, do apenso 152/03.8PECBR, no valor global de € 2.888,31.

26 - Perante a operadora de caixa que o atendeu, para pagamento do preço desses produtos, o arguido … exibiu o supracitado cheque, arrogando-se representante legal da firma, com poderes para movimentar a conta.

27 - Assim, na parte respeitante ao saque, sobre o carimbo da firma, apôs a sua assinatura, escrevendo o seu nome completo, ….

28 - De seguida, entregou-o, nestas condições, àquela operadora, que o preencheu informaticamente no montante da aquisição.

29 - Mais exibiu perante a mesma o seu BI …, emitido em 12 de Março de 2002, pelo Arquivo de Identificação de Viseu, cujo número foi anotado por esta e voltou a assinar, tudo no verso do cheque.

30 - Perante tal, a funcionária da … ficou plenamente convencida que o arguido tinha poderes para o acto e que o cheque, uma vez apresentado a pagamento, teria boa cobrança, pelo que o deixou levar as mercadorias adquiridas.

31 - No entanto, apresentado o cheque a pagamento pela ofendida … no BES, veio o mesmo a ser devolvido, com a indicação de cheque revogado-extravio, em 21 de Julho de 2003, na sequência da declaração anteriormente subscrita pelo …, em 17 de Junho de 2003, endereçada ao BES a cancelar todos os cheques.

32 - Todavia, mesmo que o cheque não tivesse sido devolvido por esse motivo, nunca seria pago, dado na conta bancária sacada inexistirem fundos monetários suficientes que o permitisse e o sacador não ter poderes para o emitir.

33 - Em Julho de 2003, os arguidos … e … decidiram adquirir mercadorias sem as pagarem, desta feita material informático à ofendida …, Ld.ª, com sede na rua …, Coimbra.

34 - Para tanto, agindo de comum acordo, o arguido …, que se apresentava como Dr. …, arrogando-se legal representante da …, manifestou perante a … a intenção de adquirir para aquela vários computadores e impressoras.

35- Depois de diversas negociações, ficou acordado entre a representante da ... e o arguido … que aquela venderia à … oito computadores portáteis, marca HP, oito PC´s linha branca e duas impressoras HP, tudo pelo preço global de € 24.100,00.

36 - Ficou combinado que o pagamento do preço seria faseado em três prestações, através de cheques pós-datados, a 30, 60 e 90 dias, nos montantes de € 7.230,00, € 8.435,00 e € 8.857,00, respectivamente, sendo que no último estavam incluídos 5% de juros.

37 - Até se efectivar o primeiro pagamento, seria emitido pela … e entregue à ..um cheque que serviria de caução, no valor de € 7.230,00, o que nunca foi feito, cheque esse que seria devolvido à … mal se concluíssem os pagamentos.

38 - Alegava o … que esse material se destinaria a um supermercado que a … iria abrir na zona do Porto, o que não correspondia à verdade.

39 - Na crença de que era verdade tudo o que havia sido alegado e de que o comprador se tratava de uma pessoa séria, que honraria os seus compromissos e que os cheques a entregar teriam boa cobrança, a … através da sua sócia-gerente …, entregou nas instalações da …, sitas em Eiras, parte dos computadores e impressoras encomendados, constituída por cinco computadores portáteis, respectivos sacos e duas impressoras, no valor de € 10.169,74.

40 - No acto estavam presentes os arguidos …, que se continuava a intitular Dr…. e o …, que aquele apresentava como sendo seu sócio na ….

41 - Na ocasião, para pagamento do fornecimento já feito e dos demais computadores a entregar, a … recebeu das mãos do arguido … os seguintes três cheques pós-datados, sacados sobre a referida conta do BES, de que a … era titular:

- cheque n.º …, datado para 7 de Setembro de 2003, no valor de € 7.230,00;

- cheque n.º …, datado para 7 de Outubro de 2003, no valor de € 8.435,00;

- cheque n.º …, datado para 7 de Novembro de 2003, no valor de € 8.857,00.

42 - Tais cheques, na parte respeitante ao sacador, tinham apostos o carimbo em uso na … e rubricas ilegíveis, apostas de comum acordo e em concertação de esforços, sob a mesma resolução criminosa, pelo arguido … e …, como se tivessem poderes para movimentar a conta que não tinham.

43 - Na altura, por não ter sido entregue o acordado cheque/caução, … interpelou o … acerca do assunto, tendo-lhe este dito que era o outro sócio, …, quem assinava os cheques e que não lho tinha entregue.

44 - Não obstante, comprometeu-se em lhe entregar o cheque/caução quando recebesse o restante material informático.

45 - No entanto, alertada no dia seguinte, por empregado da M...., para as reais intenções dos arguidos, nada mais a … forneceu àquela, não tendo chegado a receber o cheque/caução.

46 - Apresentados os cheques a pagamento pela … no BCP e CPP, foram todos devolvidos nos Serviços de Compensação do Banco de Portugal, com a indicação de cheques revogados-extravio, em 22 de Agosto de 2003, 10 de Outubro de 2003 e dia não apurado de Novembro de 2003, respectivamente, na sequência da declaração anteriormente subscrita por …, em 17 de Junho de 2003, endereçada ao BES, a fls. 353, do processo principal, a cancelar todos os cheques.

47 - Todavia, mesmo que os cheques não tivessem sido devolvidos por esse motivo, nunca seriam pagos, dado na conta bancária sacada inexistirem fundos monetários suficientes que o permitisse e os sacadores não terem poderes para os emitir.

48 - Em Julho de 2003, os três arguidos decidiram que iriam adquirir mercadorias sem as pagar utilizando cheques da M….., à empresa …, Ld.ª.

49 - Para tanto, de acordo com o esquema combinado, no estabelecimento que a … possuía na rua …, Porto, os arguidos, arrogando-se legais representantes da …, adquiriram o seguinte material eléctrico por aquela comercializado, o que fizeram por 5 vezes, sob a mesma resolução criminosa:

- Em 17 de Julho de 2003, um exaustor, marca Syp, no valor de € 354,86;

- Em 25 de Julho de 2003, sete exaustores, marca Syp, no valor de € 3.748,42;

- Em 8 de Agosto de 2003, mais cinco exaustores e uma hélice, tudo marca Syp, no valor de € 1.046,10;

- Em 19 de Agosto de 2003, um desumidificador, marca S&P, no valor de € 854,66;

- Em 29 de Agosto de 2003, outro desumidificador, marca S&P, 110 valor de € 640,99.

50 - Entre os arguidos e a vendedora ficou convencionado que os pagamentos seriam feitos a 30 dias, mediante cheques pós-datados sacados sobre a conta da …, que alegadamente fizeram crer, aos responsáveis da Soler, terem poderes para movimentar.

51 - Com esse fito, por referência a essas facturas, os três arguidos, de comum acordo e em conciliação de esforços, sob a mesma resolução criminosa, procederam ao saque dos seguintes 5 cheques, relativos à conta que a … possuía no BES:

- cheque n.º …, datado para 27 de Agosto de 2003, no valor de € 354,86;

- cheque n.º …, datado para 28 de Agosto de 2003, no valor de € 3.748,42;

- cheque n.º …, datado para 13 de Setembro de 2003, no valor de € 1.046,10;

- cheque n.º …, datado para 20 de Setembro de 2003, no valor de € 854,66;

- cheque n.º …, datado para 1 de Outubro de 2003, no valor de € 640,99.

52 - De harmonia com o combinado entre os três arguidos, os cheques n.ºs …, …, … estavam apenas assinados pelo arguido …, que neles escreveu o seu nome completo e nos restantes dois cheques, n.º …e … apostas rubricas ilegíveis, feitas pelos arguidos … e ….

53 - Mais apuseram nos cheques o carimbo comercial da ….

54 - Nestas condições, foram entregues pelos arguidos à ofendida …. Assim sendo, na posse desses cheques, crentes que os arguidos eram pessoas que tinham poderes para movimentar a conta, que honrariam os compromissos assumidos e que os cheques teriam boa cobrança, os representantes da ofendida forneceram aos arguidos os equipamentos constantes das facturas.

55 - No entanto, apresentados os cinco cheques a pagamento pela … no BTA e BCP, foram todos devolvidos, nos Serviços de Compensação do Banco de Portugal, com a indicação de cheques revogados-extravio, em 29 de Agosto de 2003, 1 de Setembro de 2003, 3 de Outubro de 2003 e 25 de Setembro de 2003, na sequência da declaração anteriormente subscrita pelo …, em 17 de Junho de 2003, endereçada ao BES, a cancelar todos os cheques emitidos e que viessem a ser emitidos sobre a conta da ….

56 - Todavia, mesmo que os cheques não tivessem sido devolvidos por esse motivo, nunca seriam pagos, dado na conta bancária sacada inexistirem fundos monetários suficientes que o permitisse e os sacadores não terem poderes para os emitir.

57 - Para efeitos de pagamento do preço da revisão e reparação que a empresa …, S. A., com sede na rua do …, Porto, concessionária da …, tinha efectuado ao veículo ligeiro de mercadorias, marca Nissan, modelo Terrano II, matrícula …, a pedido do arguido …, viatura esta que estava na disponibilidade e era utilizada pelo próprio …;

58 – O arguido …, em 28 de Julho de 2003, procedeu à assinatura e preenchimento do cheque n.º …, sacado sobre a referida conta do BES, de que a … era titular, no montante de € 144,83.

59 - Na parte relativa ao sacador exarou uma rubrica ilegível e emitiu-o à ordem da ….

Nestes termos, foi entregue nas mencionadas instalações da …, no Porto.

O funcionário do concessionário, crendo na seriedade do sacador, de que teria poderes para tanto e que o cheque, uma vez apresentado a pagamento, seria pago, aceitou-o e deixou-os levar o veículo que tinha sido objecto de revisão e reparação.

60 - Contudo, depositado o cheque pela tomadora no BCP em 31 de Julho de 2003, foi devolvido nos Serviços de Compensação do Banco de Portugal, com a indicação de cheque revogado-extravio, em 5 de Agosto de 2003, na sequência da declaração anteriormente subscrita por …, única pessoa que tinha poderes para movimentar a conta, de 17 de Junho de 2003, endereçada ao BES a cancelar todos os cheques.

61 - Todavia, mesmo que o cheque não tivesse sido devolvido por esse motivo, nunca seria pago, dado na conta bancária sacada inexistirem fundos monetários suficientes que o permitisse e o sacador não ter poderes para o emitir.

62 - Em 1 de Setembro de 2003, o arguido … e … decidiram adquirir mercadorias sem desembolsarem o correspondente preço, desta feita bens que eram comercializados no estabelecimento da empresa …, S. A., sito no Parque Mondego, …, Taveiro, Coimbra, mediante utilização de outro cheque da ….

63 - Na sequência do combinado, no cheque n.º 3022471510, relativo à referida conta que a … possuía no BES, na parte relativa ao saque, os arguidos apuseram duas assinaturas ilegíveis e o carimbo comercial da firma.

64 - De seguida, de harmonia com o estipulado os arguidos … e … dirigiram-se ao mencionado estabelecimento da ….

65 - Aí fizeram menção de adquirir os aparelhos constantes do talão de venda de folhas 10, do apenso n.º 1717/03.3TACBR, no valor global de € 5.604,22.

66 - Perante o operador de caixa que os atendeu, para pagamento do preço desses produtos, os arguidos exibiram o supracitado cheque, arrogando-se representantes legais da firma, com poderes para movimentar a conta.

67 - O arguido … exibiu o seu BI n.º …, cujo número foi anotado no verso do cheque.

68 - Na convicção de que tinham, na verdade, tais poderes de movimentação e que o cheque, uma vez apresentado a pagamento, teria boa cobrança, o funcionário aceitou-o para liquidação do preço, tendo-o preenchido informaticamente no valor da compra.

69 - Ficou combinado que os objectos seriam entregues pela … no armazém da …, sito na Estrada de Eiras, o que foi posteriormente feito.

70 - No entanto, depositado o cheque pela ofendida no BPN, veio o mesmo a ser devolvido, nos Serviços de Compensação do Banco de Portugal, com a indicação de cheque revogado-extravio, em 9 de Setembro de 2003, na sequência da declaração anteriormente subscrita pelo …, em 17 de Junho de 2003, endereçada ao BES, a cancelar todos os cheques.

71 - Todavia, mesmo que não tivesse sido devolvido por esse motivo, nunca seria pago, dado na conta bancária sacada inexistirem fundos monetários suficientes que o permitisse e os sacadores não terem poderes para o emitir.

72 - Em 8 de Outubro de 2003, os arguidos … e … decidiram adquirir bens sem os pagar, desta feita telemóveis, através da utilização de cheque da ….

73 - Para tanto, dirigiram-se ao estabelecimento comercial denominado …, sito na Praça da …, Celorico da Beira, pertença do ofendido …, a fim de adquirirem o pretendido.

74 - O … e o … entraram na loja, intitulando-se gerentes da ….

Perante a funcionária que os atendeu fizeram menção de comprar telemóveis para a empresa.

Na convicção de que seria verdadeira essa intenção, que não o era, a funcionária disponibilizou-se a tal.

Assim, os dois arguidos adquiriram aí oito telemóveis, dois de marca Nokia e seis de marca Siemens, melhor descritos na venda a dinheiro de folhas 5, do apenso n.º 104/03.8TACLB, pelo preço global de € 2.284,20.

75 - Para pagamento do respectivo preço, os arguidos fizeram constar do cheque n.º 3222471693, relativo à supracitada conta do BES, duas rubricas, na parte respeitante ao sacador, como se tivessem poderes para movimentar a conta.

76 - Preencheram-no e entregaram-no àquela, fazendo-a crer que o cheque seria pago, uma vez apresentado a pagamento, o que sabiam não ir suceder.

77 - Assim, nesta convicção, ou seja de que os arguidos tinham poderes para movimentar a conta em representação da empresa sacadora e que o cheque viria a ter boa cobrança, aquela funcionária aceitou-o como meio de pagamento, entregando-lhes os telemóveis.

Já no exterior, os dois arguidos reuniram-se a uma terceira pessoa e em poder dos telemóveis, abandonaram o local.

78 - Apresentado o cheque a pagamento pelo dono da loja, no BPI, em 9 de Outubro de 2003, veio o mesmo a ser devolvido, nos Serviços de Compensação do Banco de Portugal, em 13 de Outubro de 2003, com a indicação de extravio, na sequência da declaração anteriormente subscrita por …, de 17 de Junho de 2003, endereçada ao BES, a cancelar todos os cheques.

79 - Todavia, mesmo que o cheque não tivesse sido devolvido por esse motivo, nunca seria pago, dado na conta bancária sacada inexistirem fundos monetários suficientes que o permitisse e os sacadores não terem poderes para o emitir.

80 - Em 9 de Janeiro de 2004, para efeitos de pagamento da encomenda MS18, endereçada à …, que vinha à cobrança, alguém assinou o cheque n.º …, sacado sobre a referida conta do BES, de que a … era titular, no montante de € 2.500,00, escrevendo «C Lopes» na parte relativa ao sacador.

81 – Alguém apôs o carimbo em uso na firma e entregou-o, assim assinado e carimbado, bem como preenchido dactilograficamente o seu valor, à ordem dos …, S. A., nessa data, na Estação dos Correios da Pedrulha, Coimbra, ao funcionário que o atendeu.

82 - Perante este, tal pessoa, arrogou-se legal representante da …, fazendo crer que teria poderes para movimentar a conta, poderes de movimentação que, na verdade, não tinha;

83 - Aquele funcionário, acreditando na seriedade do sacador, de que teria poderes para tanto e que o cheque, uma vez apresentado a pagamento, seria pago, aceitou-o e entregou-lhe a encomenda.

84 - Contudo, depositado o cheque pelos …, S. A. no BES, em 13 de Janeiro de 2004, foi devolvido, com a indicação de cheque revogado justa causa-extravio, na sequência da declaração anteriormente subscrita pelo …, única pessoa que tinha poderes para movimentar a conta, de 17 de Junho de 2003, endereçada ao BES, a cancelar todos os cheques.

85 - Todavia, mesmo que o cheque não tivesse sido devolvido por esse motivo, nunca seria pago, dado na conta bancária sacada inexistirem fundos monetários suficientes que o permitisse e o sacador não ter poderes para o emitir.

86 - Os Correios pagaram o valor da encomenda a quem a expediu.

87 - Em Abril de 2003, o arguido … servindo-se da …, decidiu contactar a ofendida …, S. A., com sede na …, Carcavelos, no sentido de convencer os seus representantes a fornecer-lhes material eléctrico, mas sem que tivessem intenções de lhe pagar o preço dos fornecimentos que viessem a conseguir.

88 - Assim, dentro desta estratégia, o arguido … começou por contactar telefonicamente a ofendida, na pessoa do vendedor ….

89 - Apresentou-se como sendo gerente da …, que não era.

90 - No desenvolvimento desses contactos, esse vendedor e o seu colega … acabaram por se deslocar às instalações da …, sitas na Estrada de Eiras, onde conversaram com o arguido …, que continuava a arrogar-se gerente da empresa, sobre os termos em que o negócio se viria a desenrolar.

91 - A estes contactos outros se seguiram, tendo sempre como principal interlocutor o arguido ….

92 - Crentes que o arguido … era efectivamente gerente da … e acreditando que ele honraria os compromissos assumidos, de pagamento do preço dos fornecimentos a efectuar, a ofendida … vendeu à …, entregando no referido armazém desta, por 4 vezes, em 4, 7, 23 e 30 de Abril de 2003, o material eléctrico descrito nas facturas de folhas 512 a 519, do processo principal, no montante global de € 4.351,47.

93 - Como o arguido não dispunha de meios económicos para pagar esses fornecimentos, nem essa alguma vez tinha sido a intenção dele, apesar de saber que o … já não trabalhava na M…., sendo este a única pessoa cujo nome constava da ficha de assinaturas e tinha poderes para movimentar a conta que a empresa detinha no BES, datou o cheque n.º …, a folhas 510, do processo principal, de 30 de Junho de 2003 e exarou a quantia de € 4.351,47, correspondente ao preço dos fornecimentos, à ordem da ofendida, cujo nome escreveu.

94 - Deste modo o enviou à ofendida, por correio, para pretensa liquidação das facturas.

95 - Apresentado o cheque a pagamento pela ofendida, no Banque National de France, Sucursal de Lisboa, nos Serviços de Compensação do Banco de Portugal, foi devolvido, em 17 de Julho de 2003, com a indicação de cheque revogado-extravio, na sequência da declaração anteriormente subscrita por …, em 17 de Junho de 2003, endereçada ao BES, em que tinha dado ordens para cancelar todos os cheques emitidos e que viessem a ser emitidos sobre a conta da ….

96 - Todavia, mesmo que o cheque não tivesse sido devolvido por esse motivo, nunca seria pago, dado na conta bancária sacada inexistirem fundos monetários suficientes que o permitisse.

97 - Em 2 de Julho de 2003, o arguido …, servindo-se da …, decidiu contactar a empresa …, S.A., com sede e armazéns na rua da Liberdade, Adémia, Coimbra, no sentido de aí adquirir artigos de papelaria, mas sem que tivesse intenções de efectivamente pagar o respectivo preço.

98 - Assim, dentro desta estratégia, nesses armazéns, adquiriu os artigos de papelaria descritos nas facturas de n.º 558 a 561, no valor global de €1.790,38.

99 - Como o arguido não dispunha de meios económicos para pagar essa aquisição, intenção que nunca teve, apesar do …, na ocasião, já não trabalhar na firma, sendo ele a única pessoa cujo nome constava da ficha de assinaturas e tinha poderes para movimentar a conta que a empresa detinha no BES, no acto, para pagamento do preço, que seria a mais de 30 dias, entregou à ofendida do cheque n.º …, sacado sobre a referida conta que a M…. possuía no BES, nesse montante, datado para 7 de Agosto de 2003.

100 - Na convicção de que o cheque estava assinado por quem tinha poderes para o efeito e que o mesmo seria alvo de boa cobrança, o cheque foi aceite como meio de pagamento e as mercadorias entregues ao arguido.

101 - Depositado pela …, S.A. no BBVA, foi o mesmo devolvido, nos Serviços de Compensação do Banco de Portugal, em 11 de Agosto de 2003, com a indicação de cheque revogado-extraviado, na sequência da declaração anteriormente subscrita por …, em 17 de Junho de 2003, endereçada ao BES, em que tinha dado ordens para cancelar todos os cheques emitidos e que viessem a ser emitidos sobre a conta da ….

102 - Todavia, mesmo que o cheque não tivesse sido devolvido por esse motivo, nunca seria pago, dado na conta bancária sacada inexistirem fundos monetários suficientes que o permitisse.

103 - Em Julho de 2003, o arguido … servindo-se da …, decidiu contactar a empresa …, Ld.ª, com sede no Campo Grande, Lisboa, no sentido de convencer os seus representantes a fornecer-lhes mercadorias, mas sem que tivesse intenções de efectivamente pagar o respectivo preço.

104 - Assim, dentro desta estratégia, providenciou nesse sentido, tendo convencido os representantes da ofendida a vender-lhe mercadorias, no valor de € 577,91.

105 - Os representantes da …, Ld.ª, na crença de que o arguido honraria os compromissos assumidos e que o cheque, a receber, teria boa cobrança, a …, remeteu à … o material pretendido, o qual foi descarregado no armazém da ….

106 - Como o arguido não dispunha de meios económicos para pagar o fornecimento, nem essa alguma vez tinha sido a sua intenção, nessa mesma data de 3 de Julho de 2003, ocasião em que … já não trabalhava na …, única pessoa cujo nome que constava da ficha de assinaturas e que tinha poderes para movimentar a conta que a empresa detinha no BES, o arguido remeteu à …, Ld.ª o cheque n.º …, sacado sobre a referida conta que a …possuía no BES, no montante de € 577,91.

107 – O arguido preencheu o cheque com o montante, por algarismos e por extenso, com a data e nome da tomadora e fê-lo chegar às mãos desta.

108 - A empresa …, Ld.ª. procedeu ao seu depósito no BPI em 14 de Julho de 2003, tendo o mesmo sido devolvido, nos Serviços de Compensação do Banco de Portugal, em 17 de Julho de 2003, com a indicação de cheque extraviado, na sequência da declaração anteriormente subscrita por …, em 17 de Junho de 2003, endereçada ao BES, em que tinha dado ordens para cancelar todos os cheques emitidos e que viessem a ser emitidos sobre a conta da ….

109 - Todavia, mesmo que o cheque não tivesse sido devolvido por esse motivo, nunca seria pago, dado na conta bancária sacada inexistirem fundos monetários suficientes que o permitisse.

110 - Os arguidos procederam como fica descrito através da utilização de cheques da …, sabendo que não tinham poderes de movimentação da conta, para obterem fornecimentos de mercadorias, sem que tivessem alguma vez a intenção de pagar o preço dos mesmos.

111 - Dessa actividade, no período de tempo referido nos anteriores factos provados, o arguido … e … fizeram modo de vida, daí retirando a maioria, se não a totalidade, dos proveitos económicos que auferiam, ao revenderem os objectos desta maneira obtidos a pessoas não apuradas.

112 - Tanto assim que não desempenhavam qualquer actividade profissional lícita regular.

113 - Os arguidos agiram, como fica descrito antes, de forma voluntária, livre e conscientemente, e de comum acordo nos casos referidos nos factos provados do n.º 19 e 20, com o propósito de obterem para eles proveitos económicos indevidos, à custa do correspondente prejuízo patrimonial das firmas ofendidas, através de erros e enganos pelos mesmos astuciosamente provocados sobre os funcionários e seus representantes.

114 - Mais agiram de forma deliberada e consciente, e de comum acordo e em colaboração nos casos referidos nos factos provados do n.º 19 e 20, ao preencherem os cheques utilizados, como se tivessem poderes para movimentarem a conta sacada, que não tinham e sabiam não ter.

115 - Estavam cientes que ao agirem desta forma estavam a causar prejuízo ao interesse que o Estado tem na regular circulação dos títulos de crédito transmissíveis por endosso.

116 - Tinham conhecimento de serem as suas condutas proibidas e punidas pela lei penal.

117 – O arguido … é filho único e passou parte da infância em Moçambique tendo regressado a Portugal em 1976.

Frequentou o ensino até ao 9.º ano de escolaridade e não prosseguiu por não se sentir motivado.

Iniciou a sua actividade laboral aos 18 anos como funcionário da EDP onde permaneceu cerca de ano e meio, ao mesmo tempo que se dedicava à venda de materiais de construção civil em Seia.

Depois dedicou-se a diversas actividades na área comercial e empresarial.

Casou e do casamento resultaram dois filhos. Divorciou-se em 2003.

Na altura em que foi preso, em Junho de 2006, vivia em união de facto com uma mulher.

Mostra-se bem integrado socialmente.

Foi condenado no âmbito do processo comum colectivo n.º 447/99.3TDPRT, da 1.ª secção da 2.ª Vara Criminal do Porto, em cúmulo, na pena de 03 anos e 06 meses de prisão, transitada em 02-12-2005 (folhas 812), como autor de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 20-A/93 de 24/11, de um crime de detenção ilegal de arma previsto e punido pelo artigo 275.º, n.º 3, do Código Penal e um crime de associação criminosa previsto e punido pelo artigo 299.º do Código Penal.

Foi condenado no âmbito do processo comum colectivo n.º 491/03.8TASJM, do 4.º Juízo do Tribunal Judicial de São João da Madeira, em cúmulo, na pena de 03 anos de prisão, transitada em 15-10-2007 (folhas 1557), como autor de dois crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelo artigo 218.º, n.º 1 do Código Penal, um crime de burla simples, previsto e punido pelo artigo 217.º do Código Penal, e três crimes de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, al. a ) e n.º 3 do Código Penal.

118 - O arguido … é o mais velho de quatro irmãos. Nasceu em Angola e veio para Portugal em 1975. Não continuou os estudos e começou a trabalhar, pois casou e tinha de sustentar a família. Tem três filhos.

No início da década de 1980 fez um curso de formação profissional na área da serralharia e trabalhou neste ramo até 1993, altura em que passou a vender azeite de porta em porta, que abandonou por não ser compensatória.

Posteriormente passou a exercer a actividade de segurança em estabelecimentos de diversão nocturna e chegou a abrir em Celorico da Beira, em 2000, um estabelecimento vulgarmente conhecido como «casa de alterne» e porque esta actividade também não se mostrou lucrativa abandonou-a e começou a explorar um restaurante.

Divorciou-se e passou a viver com a actual companheira de quem tem um filho já com 10 anos.

Fixou-se em Coimbra com a nova companheira no ano de 2003 e começou a trabalhar numa empresa de transportes, como motorista, auferindo € 578,00 por mês. A sua companheira é empregada de limpeza e aufere o salário mínimo nacional.

Está integrado socialmente.

Do seu certificado de registo criminal nada consta (folhas 1315).

3. E como não provados os factos infra transcritos:

1 - Não provado que tivesse existido um plano entre os três arguidos no sentido de executarem em conjunto todos os factos que são descritos na acusação, designadamente que tenha sido combinado previamente entre o …, o … e … a aquisição da ….

2 - Não provado que o arguido … tivesse dito aos funcionários da … que o … e … fossem adquirir a ….

3- Não provada a intervenção do arguido …  na aquisição do material informático à ofendida .., Ld.ª.

4 - Não provado «Tão pouco o … era licenciado».

5 - Não provado em relação à firma … que os arguidos … e … tivesse participado nos factos.

6 - Não provado em relação à firma … que o arguido … tivessem participado nos factos.

7 - Não provado em relação à firma … que o arguido … tivesse participado nos factos.

8 - Não provado, em relação aos factos da loja …, «apuseram no cheque n.º … relativo à supracitada conta do BES, as suas rubricas...».

9 - Não provado em relação aos factos ocorridos tendo como lesados os CTT que o arguido … tenha assinado o cheque e se tenha apresentado a levantar a encomenda, quer ele, quer qualquer um dos arguidos.

10 - Não provado que o arguido … tenha participado nos factos relativos à ofendida …, nomeadamente que estivesse nas instalações da … na altura da encomenda quando aí esteve a testemunha ….

11 - Não provado que o arguido … tivesse escrito pela sua mão o nome de «..» no cheque remetido à ofendida ….

12 - Não provado que o arguido … tenha participado nos factos relativos à ofendida ….

13 - Não provado que o arguido … tivesse escrito pela sua mão o nome de «…» no cheque remetido à ofendida ….

14 - Não provado que o arguido … tenha participado nos factos relativos à ofendida …, Ld.ª.

15 - Não provado que o arguido … tivesse escrito pela sua mão o nome de «…» no cheque remetido à ofendida …, Ld.ª.

16 - Não provado que os bens comprados à empresa … Ld.ª tivessem sido posteriormente revendidos pelos arguidos a pessoas não determinadas, com recebimento do correspondente preço.

17 – Não provado que o banco BES tenha comunicado à … a rescisão da convenção de uso de cheques a partir de em 24 de Junho de 2003.

18 – Não provado que os arguidos … e … tenham actuado em comunhão de vontades e concertação de esforços relativamente à emissão do cheque n.º …, sacado sobre a referida conta do BES, de que a … era titular, no montante de € 144,83 euros, entregue à ….

19 – Não provado «Mais acordou que esses bens seriam remetidos para o armazém da …, sito na Estrada de Eiras, Coimbra, através da firma de distribuição denominada .... e que, no acto de recebimento das mercadorias, a essa empresa entregariam o cheque relativo ao preço, que o faria chegar à …».

«No acto, os arguidos entregaram à.... o cheque, empresa essa que, por sua vez, o fez chegar às mãos da empresa …, Ld.ª».

20 - Não provado «…uma vez o … estar inibido do uso de cheques».

21 – Não provado «…quer porque a convenção de uso de cheques tinha sido revogada pelo BES, quer por o … tê-los dado como extraviados, no circunstancialismo supra referido, de tudo isto estando os arguidos ao corrente».

22 – Não provado que o banco BES tenha comunicado à … a revogação da convenção sobre o uso de cheques por parte desta empresa.

4. Relativamente à motivação da decisão de facto ficou consignado:

Introdução:

A convicção geral quanto aos factos dados provados, principalmente no que respeita à razão de ser das condutas descritas na acusação, às intenções e finalidades, baseou-se nas razões probatórias que a seguir se expõem.

A prova testemunhal mereceu credibilidade na medida em que não se viu qualquer razão para as testemunhas inventarem o que não ocorreu, sendo certo que os depoimentos foram coerentes em si mesmos, entre si e quando conjugados com os factos conhecidos dos autos, não se tendo detectado situações ficcionadas.

Vejamos, resumidamente, o que referiram as testemunha que estiveram em contacto pessoal directo com os arguidos, quer como sócios, quer como empregados da ….

A testemunha … referiu que foi funcionário da … durante uns três anos; vendia ao balcão; fazia orçamentos e atendia clientes.

Disse ser filho de um dos sócios da … que vendeu a quota ao arguido …, mas que o seu pai nunca recebeu qualquer parcela do preço.

Declarou que a dada altura foi dito na empresa que o arguido … era uma pessoa que se dedicava a recuperar empresas e que iria comprar a …, tendo a testemunha referido que ainda antes de ter sido realizada a cessão de quotas ele começou logo, por Fevereiro de 2003, a gerir a empresa.

Referiu também que o arguido vinha diariamente do Porto e que ele referiu que o Dr. … é que iria gerir a empresa, mas a testemunha referiu que este último só assinava papéis e que quem geria de facto a empresa era o arguido ….

Disse que o arguido … utilizou o cartão da empresa ainda antes de ter adquirido as quotas.

Referiu também que os arguidos … e … apareceram mais tarde numa altura em que o arguido … dizia aos empregados que ia vender a empresa a um grupo espanhol

Que passado algum tempo os vencimentos começaram a ficar atrasados e a não serem pagas as contribuições para a Segurança Social.

Que quando apareceram os arguidos … e … se intensificaram as compras de material.

Que mais tarde o arguido … alegava ter sido enganado pelos outros dois arguidos, mas ele falava «tua, tu lá» com eles.

Disse que os materiais encomendados desapareciam de um dia para o outro e por vezes nem passavam pelo armazém da … e que o dinheiro não entrava na empresa e não havia dinheiro para salários.

Referiu que o arguido … também assinava cheques e que quem tomava conta da caixa era o arguido ….

Que quando vem o … o arguido … não desaparece, continua a ir à … e continuou a dar ordens aos empregados como sempre.

A testemunha despediu-se face ao que se estava a passar e também porque não tinha ordenado.

A testemunha … referiu ter sido sócio da firma …, mas que não se dedicava à empresa porque geria uma oficina e não tinha tempo para dedicar à ….

Disse que apareceu o arguido … a querer comprar a empresa e fez negócio com ele em finais de 2002, tendo-lhe sido referido que seria a própria … a gerar receitas para pagar a quota à testemunha.

 Declarou que pagou ao banco a dívida da …e que apenas recebeu duas prestações de € 750,00 euros a título de pagamento do preço da quota.

Mais tarde conheceu o arguido … numa altura em que a testemunha já não era sócio da M…..

Disse que o arguido … é que estava na empresa e fazia as encomendas.

Foi lá algumas vezes com o fim de receber o preço da quota.

A testemunha … declarou que foi seleccionado pelo arguido … através de um recrutamento de pessoal que ele promoveu em Dezembro de 2002, como representante da empresa …. Fez-lhe uma proposta de emprego que aceitou e veio trabalhar para Coimbra porque o arguido queria fazer um auditoria financeira à empresa … e saber que clientes esta tinha.

Referiu que foi nomeado gerente da …, em acta, sem lhe ter sido dado conhecimento e que só soube disso mais tarde quando houve uma cessão de quotas, altura em que o arguido … lhe pediu para ficar como gerente.

Disse que no dia 14 de Maio recebeu um telefonema do banco a dizer que a conta da empresa estava sem provisão, que ficou pálido, sem saber o que fazer.

Deixou de trabalhar no dia 15 de Maio e no dia 19 de Maio apresentou a sua renúncia ao Banco.

Referiu que dos arguidos só conheceu o arguido ….

Não conheceu o … nem o ….

O dono da empresa era o …, só lidou com ele.

Referiu que de início sentiu admiração pelo …, mas que, depois, passou a ter medo porque o obrigava a assinar cheques.

Referiu que esteve presente na escritura de cessão de quotas e que o arguido … também esteve presente, mas a testemunha não soube o que se passou.

Disse, referindo-se a si mesmo, que era um recém-licenciado e que quem adquire uma empresa não pede a um recém-licenciado que faça uma auditoria.

A testemunha … disse que foi a uma entrevista e que foi contratado como funcionário da …, tendo trabalhado de Abril a Junho de 2003.

Nunca recebeu qualquer vencimento.

Conheceu o arguido …, o qual lhe foi apresentado. Foi-lhe dito que o … e o … iriam conhecer melhor a empresa e percebeu ao … que eles faziam parte de um grupo espanhol que iria comprar a empresa.

Disse que havia uma aquisição exagerada de material e pareceu-lhe que uma empresa com dificuldades não adquire muito material, até porque as vendas da … não eram elevadas.

O material entrava a e saia sem se saber para onde ia.

Disse que o … lhe referiu que não conhecia os outros dois, mas, depois, verificou que havia intimidade entre os três.

Nunca soube que o … era gerente.

Viu o … na empresa, mas nunca o viu em situação activa, o … é que fazia as coisas.

Depois de ter saído voltou à empresa para ver se recebia algo e viu lá o ….

A testemunha … entrou em Maio e saiu em Junho e saiu por salários em atraso.

Não conheceu o arguido ….

Disse que ajudou o … a fazer a auditoria.

Que o arguido … lhe dava ordens, mesmo antes da celebração da escritura de cessão de quotas.

Que quem passava os cheques eram os senhores … e … e que depois deles nunca viu o arguido … passar cheques porque este arguido mandava o … assinar os cheques e as letras.

Esta testemunha referiu que o arguido … gritava com o … para que este assinasse os cheques e chamava-lhe nomes e nesse cenário o … acabava por assinar.

Começou a chegar muito material.

O … passou a emitir cheques em branco.

Disse que a empresa tinha um cartão de crédito que nunca tinha sido usado e que o arguido … o usou no Porto numa altura em que ainda não tinha ocorrido a cessão de quotas.

Esta alegação é corroborada pelos documentos de folhas 14 e 15 que mostram a utilização desse cartão no Porto numa sapataria e numa loja .....

Referiu que houve dinheiro que entregou ao arguido … e que normalmente seria para ser depositado na conta da empresa, no BES, e depois verificou que não foi depositado; que a caixa ficava praticamente a zero.

Disse ainda que o arguido … chamava «cabeça de burro» e «cabeça de martelo» ao … quando queria que este assinasse cheques e ele não se mostrava com vontade de os assinar.

A testemunha … disse que trabalhou na … desde Abril de 2003 até princípios ou meados de Junho desse ano.

Que foi contratada pelo … como administrativa e telefonista.

Rescindiu e não recebeu o último mês. Foi substituir a … que a ensinou.

Quem dava ordens era o arguido ….

O … assinava cheques em branco porque o arguido … lhe pedia. O … tinha o escritório no piso de cima e mandava-o assinar. Sempre pensei que o … tivesse alguma afinidade familiar com o … porque não era normal assinar cheques em branco.

Quem tinha os cheques era o arguido ….

Referiu lembrar-se que o arguido … chegou a chamar «cabeça de martelo» ao …, à frente dela.

Apercebeu-se que a maior parte dos pagamentos eram a 30 ou 60 dias e que os cheques vinham devolvidos por falta de provisão.

O arguido … nunca lhe foi apresentado.

O …, o … e o … chegavam juntos e iam embora juntos, pelo que a testemunha foi levada a supor que já se conhecessem.

Disse ter ouvido comentar que o … e o … iriam comprar a ….

Os cheques eram anulados por extravio. Ouvi fornecedores ao telefone queixarem-se que os cheques não tinham sido pagos por extravio.

Os empregados antigos saíram.

Disse que depois da testemunha … ter saído apareceram cheques com outras assinaturas.

A testemunha … foi empregado de balcão da ….

Foi empregado de Agosto de 2001 a Agosto de 2003 e saiu por falta de pagamento de salários.

Declarou que o Sr. … é que lhe apresentou o arguido … como novo dono da empresa e este arguido foi ficando por ali uns dois meses.

Mais tarde o arguido … disse que tinha passado a empresa ao … e ao ….

Quer o …, quer depois o …, compraram muito material.

O material entrava e saia de um dia para o outro sem se saber para onde e não entrava dinheiro.

Isto sucedeu no tempo do arguido … e do Sr. ….

O … de vez em quando aparecia e ia ter com o … e com o ….

A testemunha referiu que achava estranho que ele tivesse passado a empresa e continuasse a ir lá.

Os fornecedores começaram a queixar-se que os cheques eram dados como extraviados.

Também referiu que verificaram algumas situações em que o arguido … chamou «cabeça de burro» ao … e que lhe chamava este nome quando queria alguma coisa dele, notando a testemunha que o … estava a ser arrastado para uma situação difícil, tendo referido que chegou a falar com o … a alertá-lo que estava a ser usado.

A testemunha referiu também que o arguido … lhe disse que, a partir de certa altura, o … era o gerente.

A dada altura soube que o arguido … havia cedido a sua quota na empresa, mas a testemunha ficou sem saber quem ficou a assinar pela empresa.

Disse que o arguido … vendia ao balcão.

São estes os depoimentos relevantes das pessoas ligadas à … e que lidaram pessoalmente com os arguidos.

Ora, da conjugação da prova testemunhal com a prova documental relativa a cheques emitidos para pagamento de compras, é possível unificar, sob a mesma razão de ser, isto é, sob a mesma razão explicativa, todas as actividades descritas nos factos provados, que consistiram na aquisição de bens e entrega de cheques da empresa …, que depois foram devolvidos sem serem pagos, por motivo de revogado-extravio.

Ou seja:

1 - As quotas não foram pagas pelo arguido … aos antigos sócios, nem na altura do negócio, nem depois.

O que mostra não ter existido vontade de o fazer, pois as aquisições de material e seu descaminho permitiriam pagar, pelo menos, parte da dívida.

2 - Os empregados, salvo algumas excepções, também não receberam o salário.

O que mostra que não havia interesse em recuperar a empresa, manter os empregados e abrir mão dos seus vencimentos.

3 - Houve contactos junto das empresas …, … Ld.ª; …, Ld.ª; …, S.A.; …; …; …; …, S.A.; …, Ld.ª, todos eles com a mesma finalidade de adquirir bens para a empresa ….

4 - Foi instituído um gerente que não era sócio, que não exercia de facto a gerência e que emitiu cheques em branco, pressionado para o fazer por parte do arguido ….

O que mostra que havia interesse por parte do arguido em permanecer oculto e em imputar responsabilidades a outrem, obtendo também protecção no sentido de dificultar a descoberta da verdade já que ele não aparecia como emitente dos cheques.

5 - Foram utilizados cheques da empresa … sabendo-se já que não havia dinheiro nas contas.

Resulta dos extractos bancários que a partir de 2 de Maio de 2003 a conta ficou com saldo negativo e assim permaneceu (ver infra).

O que mostra a conduta dolosa destinada a adquirir bens com intenção prévia de não os pagar.

6 - Os bens entravam na empresa e desapareciam sem os empregados saberem para onde iam.

O que mostra a mera intenção de apropriação e descaminho de tais bens e não de manter ou recuperar a empresa.

7 - O dinheiro não entrava nas contas da empresa.

O que mostra a mera intenção de apropriação e descaminho de tais bens.

8 – Tudo isto foi realizado num curto espaço de tempo: …, S.A., em Abril de 2003; … em 2 de Julho de 2003; …, Ld.ª, em Julho de 2003; …, Ld.ª, em Julho de 2003; … em 17 de Julho de 2003; …, Ld.ª, em 17 de Julho de 2003; …, S.A., em 28 de Julho de 2003; …, em 1 de Setembro de 2003; …, em 8 de Outubro de 2003 e …, em 9 de Janeiro de 2004;

O que mostra a mera intenção de apropriação e descaminho de tais bens no mais curto espaço de tempo, pois o estado de credibilidade não iria durar e os lesados iriam reagir em breve.

9 - As únicas pessoas que tinham poderes de facto dentro da … para agirem desta forma eram os arguidos, primeiro o arguido … e depois este último e também o arguido … e o ….

O que mostra que os factos descritos na acusação só podem ter tido como autores algum ou algumas destas pessoas e não terceiros.

10 - As únicas pessoas que tiraram proveito destas acções foram os arguidos, não podendo ter sido outras pessoas.

11 - Não tendo havido, como não houve, alteração no Banco Espírito Santo do nome das pessoas que podiam movimentar a conta da …, os arguidos não podiam deixar de saber que não tinham poderes junto desse banco para assinar tais cheques, pois quem tinha poderes era a testemunha …, mas tendo ele renunciado à gerência e comunicado ao referido banco isso mesmo, a testemunha não foi substituída nas relações com o Banco por qualquer um dos arguido.

E quem não teve nenhum contacto com o banco BES e não preencheu aí a ficha de assinaturas também sabia que não tinha poderes para movimentar os cheques da ….

Por conseguinte, quando foram assinados os cheques os três arguidos não podiam deixar de saber que não tinham poderes para movimentar a conta, sabendo perfeitamente que os cheques não seriam pagos, quer por esta razão, quer por não haver dinheiro na conta.

12 - Além disso, vê-se do extracto bancário do BES, de folhas 39 a 41, do apenso 152/03.8PECBR, que a partir de 2 de Maio de 2003 a conta nunca mais voltou a ter saldo positivo.

Qualquer cheque emitido não seria pago.

Sendo entregue um cheque para pagar mercadorias, os arguidos não podiam ignorar que estavam a enganar, por esta forma, as pessoas que lhe vendiam os materiais, e sabiam também que caso essas pessoas soubessem o que os arguidos sabiam não lhes teriam vendido e passado para as mãos as mercadorias.

13 – Os factos provados acima referidos não são fruto do acaso porque o acaso não produz comportamentos que se mostram adequados a atingir as finalidades que efectivamente foram atingidas.

Tais factos, ao invés, só são possíveis na sua existência concreta se tiver existido uma intenção de alguém e uma vontade de executar a respectiva finalidade de apropriação.

Ora, face ao que acaba de ser referido, tem de se concluir que a única explicação que permite compreender os factos ocorridos é a existência de uma intenção prévia por parte do arguido … no sentido de comprar as quotas da … e de se apoderar da gerência desta empresa, de colocar alguém nas funções de gerente, mas sem poderes de facto, passível de ser manipulado, pelo menos durante algum tempo, e de extrair da actividade da empresa o máximo de dinheiro possível, com recurso a compras em nome desta empresa com recurso a cheques da … assinados pelo dito gerente, com apossamento posterior das mercadorias em proveito próprio.

Perante isto, pode-se afirmar que quem fez as compras, assinou os cheques, entregou os cheques e se apodou das mercadorias foram os arguidos, quer tenha sido só um deles, dois ou os três, em conjugação de esforços e intenções.

Isto é, como vem sendo referido, não foi uma quarta pessoa.

Por isso, não é necessário que as testemunhas os tivessem reconhecido em audiência ou se lembrassem, no que respeita a saber qual deles assinou cada cheque ou esteve presente no acto das aquisições.

Ora, a intenção última de apropriação usando a empresa … explica porque permite compreender os factos imputáveis aos arguidos; mostra terem existido razões para eles agirem como ficou descrito nos factos provados.

Passando agora à análise da co-autoria.

O que fica referido permite imputar ao arguido … as condutas descritas na acusação antes de aparecerem os outros dois sócios.

Mas a inversa não logra obter provas suficientes para todos os casos.

Isto é: não há base probatória para afirmar que existiu um plano prévio dos três arguidos que abrangeu a época em que apenas aparecia na empresa o arguido ….

Esta parte dos factos que vai temporalmente até à chegada à empresa de … e de … é compatível com a hipótese de estarem os três acordados desde o início com o …, assim como é compatível com a intervenção destes dois últimos num momento posterior, sem qualquer intervenção anterior.

Por conseguinte, na dúvida, os factos anteriores ao aparecimento na empresa … do arguido … e … não podem ser imputados a estes como tendo decorrido no âmbito de um acordo prévio firmado entre os três.

Quanto à participação do arguido … nas acções que decorreram depois da chegada do … e do …, não há dúvida de que deve ser responsabilizado pelas acções em que se mostre que ele também esteve presente, como sucedeu no caso dos computadores adquiridos à empresa …, pois continuou a estar na empresa e a dar ordens quando estava presente, como foi referido pelas testemunhas acima mencionadas.

Além disso, o arguido … aludiu a uma cessão de quotas da …, para si e para o …, 50% para cada um, mas não se mostra que de facto e de direito isso alguma vez tenha sido um facto real/histórico, tanto mais que o arguido … declarou que tinha uma quota de 50% mas que não tinha que pagar nada a ninguém por tal quota.

No entanto, o tipo de relações entre estes três indivíduos não ficou suficientemente claro no sentido de saber, com apoio em factos, se havia um acordo para todos os actos que foram praticados e aparecem descritos na acusação ou não.

Podem ter agido uns à revelia dos outros nessas acções.

Na dúvida, afigura-se, por conseguinte, não estender a co-autoria aos três indivíduos e a todos os casos que ocorreram após a intervenção do … e do ….

Nesta parte, poderão ser apenas imputadas ao arguido … e … aquelas acções em que não há «rasto» do arguido ….

Relativamente ao arguido … os factos mostram que quando ele passou a estar na empresa e a acompanhar o …, participou com estes nas acções e não podia deixar de saber a intenção, finalidade e destino dos bens que eram adquiridos e depois desapareciam.

Este arguido alegou que foi enganado pelos outros dois e que a prova disso está em que ele assinou um cheque com o seu nome completo o que mostra a sua inocência, pois caso contrário não o teria feito.

Porém, esta alegação não convence porque ele assinou cheques antes de ser indicado como gerente da empresa pelo que não podia deixar de saber que os não podia assinar.

É o caso dos cheques emitidos a favor da empresa ….

Ora, como ele disse, antes de vir para a … deixou o negócio relativo à exploração de um restaurante em Celorico da Beira, o que permite concluir que este arguido não é um analfabeto, nem pessoa ignorante, sabendo bem o que é um cheque.

A convicção quanto aos factos provados dos n.º 1 a 4 baseou-se no teor da escritura de folhas 151 a 155, que documenta este negócio, bem como nos depoimentos das testemunhas …e … confirmaram em audiência que venderam as quotas ao arguido ….

Os elementos constantes do registo comercial confirmam estes factos.

Assim, a certidão do registo comercial relativamente à empresa …, Ld.ª, a folhas 190, mostra que em 26 de Junho de 2003 foi registada a transmissão das quotas para a empresa … , Ld.ª, e que em 05 de Novembro de 2003 foi registado que os antigos gerentes da …, … e … cessaram funções em 28 de Fevereiro de 2003 e nessa mesma data iniciou funções de gerente a testemunha ….

A certidão do registo comercial relativamente à empresa … , Ld.ª, a folhas 277, mostra que foi registada em 4 de Setembro de 2002 e que o arguido … foi nomeado nessa data seu único gerente.

A convicção quanto aos factos provados do n.º 5 baseou-se no que ficou exposto acima na «introdução».

A convicção quanto aos factos provados dos n.º 6 a 14 baseou-se no que ficou exposto acima na «introdução».

O depoimento da testemunha … e a atitude deste ao renunciar  à gerência e ao enviar ao banco BES o não pagamento dos cheques encaixa-se totalmente  nesta versão dos acontecimentos, sendo estes factos ( n.º 6 a 14) os únicos que permitem compreender a atitude tomada pela testemunha.

A convicção quanto aos factos provados dos n.º 15 a 18 baseou-se no depoimento da testemunha …, bem como no teor das cartas registadas de folhas 185 a 188 em que comunicou à … e ao BES a sua renúncia à gerência, tendo doravante aí deixado de exercer funções.

Bem como na carta de 17 de Junho de 2003, dirigida ao BES, cuja fotocópia se encontra a folhas 353, em que a testemunha … solicitou que todos os cheques que viessem a ser sacados sobre essa conta fossem dados como extraviados.

Quanto à rescisão da convenção do uso de cheques baseou-se na documentação remetida pelo banco BES aos autos e que consta em vários apensos destes autos, designadamente a folhas 33 do apenso7974/03.8PDPRT.

A convicção quanto aos factos provados dos n.º 19 e 20 baseou-se nos elementos probatórios expostos acima na «Introdução».

A convicção quanto aos factos provados dos n.º 21, 22 e 23 resultou da análise da certidão do registo comercial relativamente à empresa …, Ld.ª, a folhas 190, de onde se vê que em 26 de Junho de 2003 foi registada a transmissão das quotas para a empresa …, Ld.ª, e que em 05 de Novembro de 2003 foi registado que os antigos gerentes da …, … e …, cessaram funções em 28 de Fevereiro de 2003 e iniciou funções de gerente, nessa data de 28 de Fevereiro de 2003, a testemunha ….

Em 05 de Novembro de 2003 foi registado que em 15 de Agosto de 2003 tinham sido designados como gerentes os arguidos … e ….

Esta nomeação que consta do registo coincide com a acta n.º 20 da sociedade … de onde consta essa nomeação, datada de 15 de Agosto de 2003 e assinada sucessivamente pelos arguidos …, … e …, que serviu de título ao respectivo registo como se vê pela «requisição de registo» de folhas 302 requerida pelo arguido ….

Em 9 de Setembro de 2004 foi registada a renúncia à gerência, ocorrida em 28 de Maio de 2003, por parte da testemunha ….

A razão de ser dos factos dos n.º 21 e 22 é a que consta do n.º 23, pois é esta razão que permite compreender os factos anteriores.

A convicção quanto aos factos provados dos n.º 24 a 32 resultou do que ficou exposto acima na «Introdução» bem como do depoimento do arguido … que admitiu ter assinado dois ou três cheques que lhe deram para assinar e reconheceu ter aposto a sua assinatura no cheque de folhas 27 do apenso n.º 153/03.8PECBR.

A testemunha …, funcionário da empresa …, também referiu que havia instruções rigorosas para os caixas não aceitarem cheques que já viessem assinados, sendo necessário que assinatura fosse feita na presença do operador de caixa e só na presença do original do bilhete de identidade.

Aliás, no talão de compra que consta a folhas 24 do apenso n.º 153/03.8PECBR, aparece o «Nr. de Identificação …» que é o número do bilhete de identidade do arguido C.....

Ora, nesta altura em que o arguido … assinou o cheque em causa, em 17 de Julho de 2003, o arguido ainda não tinha qualquer cargo na empresa que lhe permitisse assinar cheques, nem era sócio nem gerente e ainda não tinha sido elaborada a acta que mais tarde em 20 de Agosto o nomeou gerente.

 Nesta altura era impossível que ele não soubesse que estava a agir ilegalmente, a assinar um cheque sem ter poderes para isso e a enganar os funcionários em causa, pois se soubessem da situação não lhe aceitavam o cheque nem lhe entregavam as mercadorias.

Mas para ele ter assinado o cheque é porque o …, que era quem detinha os cheques e era gerente de facto, lhe deu os cheques para tal finalidade, o que permite concluir que os três arguidos nesta altura agiram em conjugação de esforços.

E tendo agido em comunhão de esforços neste momento havia condições para o continuarem a fazer.

A convicção quanto aos factos provados do n.º 33 a 47 baseou-se no depoimento da testemunha …, gerente da empresa ….

Esta testemunha referiu que forneceu o material informático à ….

Disse que o arguido … falou com ela e convenceu-a a vender-lhe material informático em Agosto. A testemunha foi à …e esteve a falar com o Sr. … e começaram a falar deste negócio.

Referiu que na sequência do negócio entregou parte dos computadores portáteis ao arguido … e recebeu cheques para pagamento que já estavam preenchidos, salvo o cheque caução.

Esta testemunha declarou ainda que, no dia seguinte, um empregado da …, de nome …, referindo que era uma das testemunhas do presente julgamento, lhe disse que tinha sido burlada.

Disse que entregou os computadores portáteis ao arguido … mas que quem lhe entregou os cheques foi o Sr. ….

Não recuperou os computadores e nada recebeu.

Referiu que ainda foi à empresa falar com o Sr. …e este lhe disse que a testemunha estava enganada quanto à causa de não pagamento dos cheques, e que ele lhe teria retorquido algo como «está a duvidar de nós?»

Disse que acabou por fechar a empresa por causa deste negócio.

Viu folhas 319 dos autos, tendo confirmado a veracidade destes documentos.

A testemunha … acompanhou a testemunha … à … e confirmou que «um dos que lá estava disse-lhe que ia resolver o problema».

Este depoimento mereceu credibilidade porque, conjugado com a «cartão de visita» da … que se encontra a folhas 319, onde aparece manuscrito o nome de «Dr. …», e com o cheque de folhas 319, no montante de € 7230,00 da conta da … e emitido a favor da empresa …,  mostra que a factualidade narrada existiu.

Aliás insere-se na mesma linha de acção de outras acções idênticas, com a mesma finalidade e protagonistas.

Quanto aos cheques, seus números e montantes, a convicção baseou-se também na documentação de folhas 120 a 133 da qual constam estes elementos.

Não se detectou a intervenção do arguido … nestes factos, razão porque ficou a dúvida sobre se teve alguma participação neles.

A convicção quanto aos factos provados do n.º 48 a 56 baseou-se no depoimento da testemunha …, representante da ….

Referiu que a sua empresa soube que a … tinha sido vendida. Entregaram a mercadoria que devia ser paga a 30 ou 60 dias, mas os cheques entregues para a pagar foram devolvidos sem pagamento pelo que, por este motivo contactou com o arguido … para saber o que se estava a passar, o qual lhe disse que ia resolver a situação, que enviaria um cheque, tendo também referido que viu nesta altura o arguido … nas instalações da ….

Verifica-se também pelos cinco cheques de folhas 46, 47 e 48 (originais), do apenso n.º 326/04.4TACBR, que três deles estão assinados com o nome completo do arguido …, assinatura em tudo semelhante à que consta do cheque entregue à empresa …, que ele admitiu ser sua.

Por outro lado, o mesmo arguido admitiu ter assinado alguns cheques.

Por seu turno, o arguido … quando recebeu a testemunha … não lhe disse que desconhecia o assunto ou que nada tinha a ver com ele.

As facturas relativas à mercadoria e aos cheques que se encontram a folhas 499/503 mostram que foram passadas em 17 e 25 de Julho 8, 19 e 29 de Agosto de 2003 (pelos montantes, respectivamente de € 354,86, € 3748,42, € 1046,10, € 854,66 e € 640,99).

Ora, para o arguido …ter assinado os cheques é porque o …, que era quem detinha os cheques e era gerente de facto, lhe deu os cheques para tal finalidade, o que permite concluir que este negócio foi feito existindo conjugação de esforços e vontades.

Não havia dinheiro na conta e este negócio seguiu-se aos anteriores, estando na mesma linha de intenção, isto é, adquirir mercadorias sem as pagar.

Vê-se, com efeito, do extracto bancário do BES, de folhas 39 a 41, do apenso 152/03.8PECBR, que a partir de 2 de Maio de 2003 a conta nunca mais voltou a ter saldo positivo.

Nesta altura era impossível que os arguidos …, … e o … não soubessem que estavam a agir ilegalmente, a assinar um cheque sem ter poderes para isso e a enganar os funcionários em causa, pois se soubessem da situação não lhe aceitavam o cheque nem lhe entregavam as mercadorias.

A convicção quanto aos factos provados do n.º 57 a 61 baseou-se no exame do cheque de folhas 9, do apenso n.º 7974/03.8TDPRP, onde consta o valor global de € 1.114,83, a razão porque não foi pago, bem como da factura de folhas 8 do mesmo apenso de onde consta o preço da reparação e a indicação dos serviços prestados e identificação do veículo.

Trata-se de um cheque da … ao qual só o arguido … tinha acesso, pelo que só a este podem ser imputados tais factos.

Trata-se também aqui de um facto que se encaixa na mesma linha de obtenção de vantagens através da entrega de cheques da ….

Do extracto da conta a que pertencia o cheque, que está a folhas 20 do apenso n.º 7974/03.8TDPRP, vê-se que o cheque não seria pago porque não existia dinheiro na conta.

A testemunha … apenas declarou que o serviço referido na factura foi feito e foi passado um cheque para o pagar, o que foi confirmado pela testemunha … que declarou ter feito o serviço num veículo Nissan Terrano II que esteve na oficina e foi reparado, mas não chegou a conhecer o cliente.

Porém, na altura em que o serviço foi prestado só o arguido … tinha acesso aos cheques, pelo que não há dúvida que foi ele quem mandou efectuar a reparação.

Não há, porém, sinais da participação dos outros dois arguidos (… e …).

A convicção quanto aos factos provados do n.º 62 a 71 baseou-se no exame do talão de venda de folhas 10, do apenso n.º 1717/03.3TACBR, onde consta o valor global de € 5.604,22, bem como do respectivo cheque de folhas 10 deste apenso, vendo-se que se trata de um cheque da ….

O arguido … disse ter estado na empresa … na altura desta aquisição, mas que não tinha assinado o cheque (facto que não é no conjunto dos factos relevante, pois agiu conjuntamente com outro arguido).

Porém, não é credível a afirmação de que não tinha assinado o cheque porque o cheque que consta de folhas 10, do apenso n.º 1717/03.3TACBR, está assinado com duas assinaturas e no verso, na segunda linha de escrita a contar do alto, aparecem os seguintes dizeres impressos «…B.I. … Tel….».

Ora, este número de bilhete de identidade, é o número do bilhete de identidade do arguido ….

Veja-se tal número, por exemplo, no respectivo certificado de registo criminal.

Ora, a testemunha … referiu que foi gerente da … e tendo examinado o cheque em causa referiu que dado o valor da compra em causa o cheque tinha de ser autorizado por alguém responsável.

Por outro lado, referiu que não era possível aceitar cheques na caixa já assinados e tinha de ser apresentado o bilhete de identidade original.

Ora, este depoimento mereceu credibilidade por se revelar consentâneo com as regras da experiência, além de que a testemunha nem conhece os arguidos, não havendo razões, por isso, para não ser verdadeiro.

Ora, para ter aparecido o número do Bilhete de identidade do arguido … no verso do cheque é porque ele, que admitiu ter estado na …, passou o cheque para as mãos do empregado.

A testemunha …, funcionário da …, também referiu em audiência que se lembrava do Sr. …, que tinha sido a testemunha a receber o cheque e que estava outra pessoa com ele, mas que não se encontrava na sala, o que indicia que se tratasse do arguido ….

Referiu que o cheque foi preenchido com uma assinatura e já trazia outra.

Disse também que entregaram a mercadoria 3 ou 4 dias depois.

A testemunha …, funcionária da .., referiu que foi às instalações da firma … pedir o pagamento, cerca de um mês depois da venda e que foi atendido por uma pessoa que lhe disse que iria averiguar, tratando-se de um senhor careca, referindo quando lhe foi mostrada a fotografia de folhas 27 do apenso n.º 1717/03.3TACBR, que falou com esta pessoa, isto é, com o …, o que é credível pois nesta data ele era responsável pela …ra, face a estes depoimentos e tendo em conta o que ficou referido na exposição introdutória, à data dos factos as pessoas capazes e interessadas em se apoderarem destes bens sem pagar só poderiam ser as pessoas que tinham poder de mandar na M.... e essas pessoas eram os arguidos …e o Sr. ….

Ora, estes factos inserem-se num mesmo grupo de factos semelhantes que teve como razão de ser o apossamento de bens sem os pagar através da criação da aparência de uma compra normal em que o preço é efectivamente pago, levando os interlocutores a acreditar na boa fé dos arguidos.

Do extracto da conta a que pertencia o cheque, que está a folhas 35 do apenso n.º1717/03.3TACBR, vê-se que o cheque não seria pago porque não existia dinheiro na conta.

Porém, quanto a este facto não há quaisquer indícios de que o arguido … tenha participado.

A convicção quanto aos factos provados do n.º 72 a 79 baseou-se no exame do cheque de folhas 4, do apenso n.º 104/03.8TACLB, onde consta o montante da compra, a data do cheque, e declaração bancária de não pagamento por extravio, bem como da factura de folhas 5 relativa à identificação dos telemóveis vendidos.

Baseou-se ainda no depoimento das testemunhas …, funcionária à data da …, a qual referiu que apareceram lá dois senhores a usaram o nome da …, compraram os telemóveis e entregaram o cheque em causa.

Não conhecia nenhum deles.

A assinatura já vinha no cheque. Havia outro cá fora. Quando saíram juntaram-se ao que estava cá fora.

Face ao que já ficou referido na introdução este facto insere-se no mesmo modelo dos restantes. Tendo sido usado o cheque da … tem de se concluir que quem esteve na loja da … foi quem podia dispor do cheque e quem tinha interesse em se apoderar dos bens sem os pagar.

Ora, tais pessoas eram os arguidos … e … que eram as pessoas com poderes à data dentro da firma e que tinham interesse em se apoderar dos bens pela forma indicada.

Do extracto da conta a que pertencia o cheque, que está a folhas 29 do apenso n.º 104/03.8TACLB, vê-se que o cheque não seria pago porque não existia dinheiro na conta.

Nesta data não há indícios de participação do arguido ….

A convicção quanto aos factos provados do n.º 80 a 86 baseou-se no depoimento da testemunha …, funcionário dos … que examinou o cheque (original) de folhas 53 do apenso 659/04.0TACBR, no montante de € 2500,00, bem como o talão da mercadoria à cobrança que consta de folhas 54 do mesmo apenso.

Não há dúvida de que tal mercadoria foi levantada e que o cheque em causa foi entregue para a pagar e que os … não receberam a quantia em causa, tendo pago essa quantia à empresa remetente, por na altura ser esse o sistema em vigor, como referiu a citada testemunha.

A convicção quanto aos factos provados do n.º 87 a 96 baseou-se no depoimento da testemunha …, director financeiro da … que referiu ter contactado com o Sr. …, pessoa que tinha o cabelo curtinho e se intitulava gerente e quem ali decidia.

Disse que havia sido contactado pela … no sentido de lhe vendermos material e por isso a testemunha veio a Coimbra e achou que o projecto tinha credibilidade. Fez-se a abertura de uma conta e fornecemos material até certo plafond, como não houve pagamento as vendas foram suspensas.

 Viu o cheque de folhas 510 e facturas juntas que confirmou respeitarem aos factos.

Porém, não reconheceu nenhum dos arguidos presentes.

Baseou-se também no depoimento da testemunha …, funcionário da empresa …, o qual referiu que teve contactos com o Sr. … que era gerente da …. Foi feito um pedido de abertura de conta e foi feita. Fez uma encomenda de stock e depois mais duas.

Mais tarde verificou que a empresa … estava fechada.

Face ao que ficou referido na «Introdução» bem como aos depoimentos destas testemunhas a convicção formou-se no sentido de que o arguido praticou estes factos.

A convicção quanto aos factos provados do n.º 96 a 102 baseou-se no que fica referido na «Introdução», bem como no depoimento da testemunha …, funcionário dos …, pessoa que se deslocou à … para receber e foi-lhe dito por alguém que o Sr. … iria resolver o assunto.

O cheque foi devolvido e nunca receberam nada.

Este material foi facturado em 2 de Julho de 2003.

Não há factos que permitam colocar o arguido … e … nesta data a actuarem em conjunto com o arguido ….

Com efeito, só há certeza que o arguido … agiu em conjunto com os dois restantes na compra feita na empresa …, mas esta situação só ocorreu em 17 de Julho de 2003.

Por conseguinte estes factos só podem ser imputados ao arguido …, pois quanto a este não há dúvida que nesta data mandava de facto na empresa e era quem tinha os cheques em seu poder.

A convicção quanto aos factos provados do n.ºs 103 a 109 baseou-se no que fica referido na «Introdução», bem como no depoimento da testemunha …, funcionário da ofendida …, Ld.ª.

Viu a cópia do cheque que consta de folhas 573 e referiu que a … encomendou à empresa … sinalizadores de quadros eléctricos à cobrança.

Foi entregue o cheque de folhas 573, mas a assinatura era falsa. Deslocou-se à … mas não consegui falar com ninguém da gerência.

Face ao que consta da «introdução» a convicção formou-se no sentido de que o arguido … praticou estes factos. Não há prova de que os outros arguidos tenham participado.

Também não há prova de que ele tenha escrito a assinatura que aparece no cheque.

A convicção quanto aos factos provados do n.º 110 baseou-se no que fica referido na «Introdução», bem como no facto de tais actuações serem por sua natureza dolosas, não sendo possível executá-las de forma negligente.

A convicção quanto aos factos provados dos n.ºs 111 e 112 baseou-se no que fica referido na «Introdução», em especial nos depoimentos das testemunhas aí mencionadas, que trabalharam na M…. e lidaram com os arguidos … e … no dia-a-dia que não conheceram outra actividade aos arguidos em causa, sendo certo que o arguido … referiu que deixou a sua actividade em Celorico da Beira para vir trabalhar no novo negócio.

A convicção quanto aos factos provados dos n.ºs 112 e 116 baseou-se no que fica referido na «Introdução», e no facto de tais intenções, motivos e consequências das condutas resultarem, segundo as regras da experiência, indiciados dos facto provados que pressupõe um vontade, uma intenção, uma finalidade que não pode deixar de ser a indicada nestes factos provados.

Nenhum comerciante entrega mercadoras ao comprador se souber que este o está a enganar e que não tem qualquer intenção de lhe pagar.

A convicção quanto aos factos provados do n.º 117 baseou-se no relatório social de folhas 1456 e na certidão de folhas 812 e seguintes e de folhas 1557 e seguintes.

A convicção quanto aos factos provados do n.º 118 baseou-se no relatório social.

(Factos não provados)

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 1 resultou da ausência de prova relativamente a tal plano.

Remete-se para a «introdução» que consta dos «factos provados».

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 2 resultou da ausência de prova relativamente a tal facto.

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 3 resultou da ausência de prova relativamente à participação do arguido … na compra dos computadores.

Nenhuma das testemunhas se referiu a ele e os cheques também não estão assinados por ele, pelo menos com a assinatura que aparece em outros cheques, com o seu nome completo manuscrito e não apenas uma simples rubrica.

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 4 resultou da ausência de prova relativamente às habilitações de ….

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 5 resultou da ausência de prova relativamente à participação destes dois arguidos.

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 6 resultou da ausência de prova relativamente à participação do ….

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 7 resultou da ausência de prova relativamente à participação do ….

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 8 resultou da ausência de prova relativamente a quem fez as rubricas e quando foram feitas.

 Poderiam ter sido feitas apenas por um dos arguidos e podiam já vir exaradas no cheque.

Apenas se sabe que os arguidos as fizeram constar do cheque, pois estão aí exaradas com a finalidade de se tratar das rubricas das pessoas que tinham poderes para movimentar o cheque.

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 9 resultou do seguinte:

Não se apurou quem emitiu e entregou o cheque em causa nos ….

Com efeito, foi referido pela testemunha …, que examinou o cheque (original) de folhas 53 do apenso 659/04.0TACBR, no montante de € 2500,00, bem como o talão da mercadoria à cobrança que consta de folhas 54 do mesmo apenso, que a data de «20.2.2002», o número «8437678» e a localidade «Lisboa» que estão escritas nesse talão se referem à identidade da pessoa que levantou a encomenda aos balcões dos CTT.

Oram, verifica-se que esse número de bilhete de identidade não corresponde ao bilhete de identidade de qualquer um dos arguidos (o BI do arguido … é o n.º …, do … é o n.º … e o do … é o n.º … – ver folhas 720 a 725).

Face a este facto, não se sabendo quem foi levantar a encomenda e tratando-se de facto ocorrido cerca de três meses após o penúltimo (… – 8-10-2003) facto, não há certezas sobre quem terá sido o autor destes factos, se todos os arguidos, algum deles à revelia dos outros, ou mesmo um terceiro.

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 10 resultou do que fica exposto acima na parte final da «Introdução».

O material encomendado à ofendida …, como se vê das facturas de folhas 513 a 519, foi facturado entre 14 de Abril e 12 de Maio.

 Não há prova de que em Abril e Maio de 2003 o arguido … já actuasse em conjunto com o arguido ….

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 11 resultou da ausência de prova sobre quem fez a assinatura.

O cheque foi remetido em 30 de Junho de 2003 (folhas 511) e a testemunha … tinha abandonado a … em Maio.

O cheque em causa pode ter sido um cheque que esta testemunha .. assinou em branco.

É certo que a tinta de todas as palavras e algarismos escritos parece ser a mesma, mas este facto só por si é insuficiente para afirmar que quem escreveu o nome foi quem escreveu o resto, pois há esferográficas que têm tinta com o mesmo aspecto cromático quando se trata da mesma marca.

Na dúvida não se deu o facto como provado.

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 12 resultou do que ficou exposto acima na parte final da «Introdução» e na parte relativa à justificação da convicção quanto aos factos provados relativos à ofendida ….

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 13 resultou da ausência de prova sobre quem fez a assinatura.

O cheque foi datado de 7 de Agosto 2003 (folhas 557) para pagamento de facturas de 2 de Julho desse ano.

A testemunha … tinha abandonado a … em Maio.

O cheque em causa pode ter sido um cheque que esta testemunha … assinou em branco.

É certo que a tinta de todas as palavras e algarismos escritos parece ser a mesma, mas este facto só por si é insuficiente para afirmar que quem escreveu o nome foi quem escreveu o resto, pois há esferográficas que têm tinta com o mesmo aspecto cromático quando se trata da mesma marca.

Na dúvida não se deu o facto como provado.

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 14 resultou do que ficou exposto acima na parte final da «Introdução» e na parte relativa à justificação da convicção quanto aos factos provados relativos à ofendida …, Ld.ª, ou seja, não se apurou se em 3 de Julho o arguido … já se encontrava em actividade na ….

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 15 resultou da ausência de prova sobre quem fez a assinatura.

O cheque foi datado de 3 de Julho 2003 (folhas 573).

A testemunha … tinha abandonado a … em Maio.

O cheque em causa pode ter sido um cheque que esta testemunha … assinou em branco.

É certo que a tinta de todas as palavras e algarismos escritos parece ser a mesma, mas este facto só por si é insuficiente para afirmar que quem escreveu o nome foi quem escreveu o resto, pois há esferográficas que têm tinta com o mesmo aspecto cromático quando se trata da mesma marca.

Na dúvida não se deu o facto como provado.

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 16 resultou do facto de não se saber o que sucedeu a tais bens.

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 17 resultou do facto de não ter sido produzida prova dessa comunicação.

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 18 é a que fica também exposta quanto aos factos provados n.º 57 a 61 (parte final).

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 19 resultou do facto de não ter sido produzida prova sobre a forma como a mercadoria foi transferida da empresa … para as instalações da ….

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 20 resultou do facto de não ter sido produzida prova sobre este facto, não existindo tal informação por parte das autoridades bancárias.

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 21 resultou do facto de não ter sido produzida prova sobre este facto.

A convicção quanto aos factos não provados do n.º 22 resultou do facto de não ter sido produzida prova sobre este facto, não existindo informação documental relativa a tal comunicação.

5. Dos alegados erros de julgamento em sede de matéria de facto:
Pretendendo o recorrente impugnar a matéria de facto, há-de cumprir o ónus de impugnação especificada imposto no art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, de indicação pontual, um por um, dos concretos pontos de factos que reputa incorrectamente provados e de alusão expressa às concretas provas que impelem a uma solução diversificada da recorrida e às provas que devem ser renovadas - als. a), b) e c) do n.º 3 do referido artigo -, sendo certo que, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c) fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação (n.º 4 do citado art. 412.º).
A especificação dos “concretos pontos de facto” só se mostra cumprida com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que o recorrente considera incorrectamente julgado, sendo insuficiente a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença.
Por outro lado, a exigência legal de especificação das “concretas provas” impõe a indicação do conteúdo específico do meio de prova. Tratando-se de prova gravada, oralmente prestada em audiência de discussão e julgamento, deve o recorrente individualizar as passagens da gravação em que baseia a impugnação.
«Acresce que o recorrente deve explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado»[ii].

Cotejando a motivação do recurso interposto pelo arguido … as respectivas conclusões, nelas não estão individualizados os factos que o recorrente tem por indevidamente julgados e/ou das mesmas não constam as passagens da gravação áudio relativas à prova testemunhal em que o recorrente funda a impugnação da matéria de facto.

Vejamos cada caso de per si.

Quanto aos “factos provados nos n.ºs 24 a 32”, “57 a 61”, embora sejam concretizados, na motivação, os factos que o recorrente tem por incorrectamente julgados [ponto de facto n.º 24 e o segmento inicial do ponto n.º 25 (“Na sequência do combinado entre eles”) e pontos de facto n.ºs 58 e 59 “], não indica o recorrente as passagens da gravação das declarações do co-arguido … e das testemunhas … e …, potenciadoras de decisão diversa da recorrida.

No que concerne aos “factos provados n.ºs 33 a 47”, “48 a 56”, “97 a 102” e “103 a 109” o recorrente limita-se a estas indicações genéricas, sem traçar sequer um esboço de referência aos concretos factos que tem por indevidamente julgados, faltando ainda a especificação do conteúdo das declarações das testemunhas …, …, … e ….

As menções exigidas pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP não traduzem um ónus de natureza puramente secundário ou formal que sobre o recorrente impenda, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limita, como no caso sub judice, a generalizações que não permitem alcançar, com a certeza exigível, os concretos pontos de facto questionados e as passagens da prova com que o impugnante alicerça a sua discordância para com a matéria de facto provada.

Como se escreveu no Acórdão do STJ de 24/10/2002[iii] «(...) o labor do Tribunal da 2.ª instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente, a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida [art. 412.º, n.º 3, als. a) e b) do CPP].

Se o recorrente não cumpre aqueles deveres não é exigível ao Tribunal Superior que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique erros de julgamento que lhe sejam devidamente apontados com referência às provas e respectivos suportes».

E como reiteradamente vem acentuando o Supremo Tribunal de Justiça, o não cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto não justifica o convite ao aperfeiçoamento, uma vez que só se pode corrigir o que está deficientemente cumprido e não o que se tem por incumprido. Daí que o artigo 417.º, n.º 3 do Código de Processo Penal imponha o dever de convite tão só quando “a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º”.

Se o recorrente não faz, como no caso dos autos, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos números 3 e 4 do artigo 412.º do CPP, não há lugar ao convite à correcção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do referido convite.

Como adverte o Tribunal Constitucional, em considerações que, se devidamente adaptadas, se mostram actuais, não obstante se reportaram à antiga redacção do artigo 412.º do CPP, «(...) não está aqui em causa apenas uma certa insuficiência ou deficiência formal das conclusões apresentadas pelo (...) recorrente, isto é, relativa à forma de exposição ou condensação de uma impugnação que é, quanto ao mais, apreensível pela motivação do recurso - falta, essa, para a qual a rejeição liminar do recurso, sem oportunidade de correcção dos vícios formais detectados, constitui exigência desproporcionada.

Antes a indicação exigida pela al. b) do n.º 3 e pelo n.º 4 do art. 412.º do CPP - repete-se, das provas que impõem decisão diversa da recorrida, por referência aos suportes técnicos - é imprescindível logo para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto, e não um ónus meramente formal. O cumprimento destas exigências condiciona a própria possibilidade de se entender e delimitar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, exigindo-se, pois, referências específicas, e não apenas uma impugnação genérica da decisão proferida em matéria de facto.

Importa, aliás, recordar, por um lado, que da jurisprudência do T.C. não pode retirar-se (...) uma exigência constitucional de convite ao aperfeiçoamento sempre que o recorrente não tenha, por exemplo, apresentado motivação, ou todos ou parte dos fundamentos possíveis da motivação (e que, portanto, o vício seja substancial, e não apenas formal). E ainda, por outro lado, que o legislador processual pode definir os requisitos adjectivos para o exercício do direito ao recurso, incluindo o cumprimento de certos ónus ou formalidades que não sejam desproporcionados e visem uma finalidade processualmente adequada, sem que tal definição viole o direito ao recurso constitucionalmente consagrado. Ora, é manifestamente este o caso das exigências constantes do artigo 412.º, n.ºs 3, alínea b) e 4, do CPP, cujo cumprimento (incluindo a referência aos suportes técnicos, com indicação da cassete em causa e da localização nesta da gravação das provas em questão) não é desproporcionado e antes serve uma finalidade de ordenamento processual claramente justificada. Aliás, o modo de especificação por referência aos suportes técnicos é deixado em aberto pelo n.º 4 do art. 412.º do CPP (...)» .

O despacho de aperfeiçoamento neste caso «equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso».

Em suma, evidencia-se que o recorrente não cumpriu, na sua plenitude, longe disso, as exigências normativas previstas nos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP e, em consequência, está o Tribunal da Relação impossibilitado de proceder à modificação da decisão proferida sobre matéria de facto, fora do quadro dos vícios elencados no n.º 2 do art. 410.º do mesmo diploma legal.

6. Do vício de contradição insanável da fundamentação:
Preceitua o art. 410.º, n.º 2 do CPP:
«Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
«c) Erro notório na apreciação da prova».
Como decorre expressamente da letra da lei, qualquer um dos elencados vícios tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, salientando-se também que as regras da experiência comum “não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece”.[iv]
Ou seja: qualquer um dos vícios elencados na citada norma tem de existir internamente, dentro da própria sentença ou acórdão.
Relativamente ao invocado vício, apenas se verificará quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões irredutíveis entre si e que não possam ser ultrapassadas, ou seja, quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão.
Nas conclusões da motivação de recurso invoca o recorrente a verificação de contradição na fundamentação da decisão de facto porquanto, a fls. 35 do acórdão consta, por referência aos pontos 57 a 61, “(…) na altura em que o serviço foi prestado só o arguido … tinha acesso aos cheques, pelo que não há dúvida que foi ele quem mandou efectuar a reparação”, quando decorre, contraditoriamente, dos pontos de facto 25 a 30 do acervo factológico provado que “o arguido … tinha naquela data acesso aos cheques da …”.
Porém, sem qualquer razão.
Verdadeiramente, em suma, apenas se extrai dos ditos pontos 25 a 30, na vertente a ter em conta, que o arguido, munido do cheque n.º 0522471308, relativo à (…) conta que a … possui no BES, se dirigiu a uma loja da “…, S.A.”, onde adquiriu diversas mercadorias, utilizando como meio de pagamento o referido título, o qual foi por si previamente assinado.
Ora, daqui não decorre que o arguido … tivesse livre acesso aos cheques da referida conta. De fls. 32 do acórdão recorrido (fls. 1845 v.º dos autos) resulta até conclusão contrária, ou seja, no sentido de o cheque em causa ter sido entregue pelo recorrente … ao arguido ….
Perante o que fica dito, percorrendo a globalidade da decisão recorrida, é apodíctico que o propalado vício não existe, por não se verificar qualquer incompatibilidade ou contradição entre os diversos pontos da fundamentação do acórdão.
7. Do quantum da pena única:
A moldura abstracta da pena do concurso tem como limite máximo a soma das penas de prisão concretamente aplicadas aos vários crimes não, podendo ultrapassar 25 anos de prisão, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (art. 77.º, n.º 2 do CP), o que equivale a dizer que no vertente caso a respectiva moldura varia entre o mínimo de 3 anos de prisão e o máximo de 21 anos e 2 meses de prisão.
Dentro da moldura encontrada, é determinada a pena do concurso, para a qual a lei estabelece que se considere, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art. 77.º, n.º 1, do CP), sem embargo, obviamente, de serem tidas também em conta as exigências gerais da culpa e da prevenção a que manda atender o art. 71.º, n.º 1 do CP, bem como os factores elencados no n.º 2 deste artigo, referidos agora à globalidade dos crimes.

Reproduzindo a palavra autorizada do Prof. Figueiredo Dias[v], tudo deve passar-se, por conseguinte, «como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade; só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».

Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material, é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso.

Analisados os factos, verifica-se que os crimes em concurso, de falsificação de documento e burla revelam profunda conexão. Na verdade, todos eles foram cometidos na sequência de projecto criminoso preestabelecido, visando a obtenção de enriquecimento ilegítimo, constituindo os crimes de falsificação meios de execução dos crimes de burla.

Tendo em conta a incidência criminosa nos crimes falsificação e burla, o espaço temporal da actuação do recorrente e a condenação já imposta ao mesmo pela prática de crimes da mesma natureza dos acima referidos, evidencia-se uma acentuada tendência daquele para a prática dos referidos ilícitos penais, circunstância que aponta para um agravamento da pena única.

No conspecto das penas parcelares a atender, a pena mais elevada foi fixada em 3 anos de prisão e a menos elevada, relativa aos crimes de burla, em 2 anos de prisão, a significar que a gravidade dos crimes praticados, mesmo tendo em conta a sua natureza, não é particularmente intensa.

Entrando em linha de conta com o que se acaba de referir, afigura-se-nos adequada a pena única de 6 anos de prisão fixada pelo tribunal a quo, nada havendo, assim, a censurar à decisão recorrida.
8. Responsabilidade pelas custas:
 Face à improcedência do recurso, impõe-se a condenação do recorrente em custas, ao abrigo do disposto nos arts. 513.º, n.º 1 e 514.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal e arts. 82.º, n.º 1 e 87.º, n.º 1, al. b), e n.º 3, do Código das Custas Judiciais.
Tendo em conta a complexidade do processo e a condição económica do recorrente, fixa-se a taxa de justiça em 4 UC.

III - Decisão:

Posto o que precede, acordam os Juízes que compõem esta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso do arguido …, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.

[i] A acusação foi também deduzida contra F…, casado, empresário, nascido 6 de Setembro de 1965, em Luanda, Angola, filho de A…. e de M…., com residência na avenida ….., Matosinhos.

Porém, em virtude de se encontrar em paradeiro incerto o processo em relação a ele foi separado.
[ii] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, pág. 1134/1135.
[iii] Processo n.º 2124/2002, in www.dgsi.pt.
[iv] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, pág. 338/339.
[v] Direito Penal Português - Parte Geral II - As Consequências Jurídicas do Crime, ed. Aequitas - Editorial Notícias - 1993, § 421, págs. 291 e 292.