Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2337/04.0YXLSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
OCUPAÇÃO DE PRÉDIO
RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 02/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ARGANIL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 29.º DO DEC. LEI N.º 40/95, DE 15/12; ARTIGO 3.º , 1, F) DO DEC. LEI N.º 445/91, DE 20/11; ARTIGOS 483.º; 1349.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. É ilícita a actuação de uma empresa concessionária de serviço público que, no exercício do objecto da concessão, acede a um terreno e aí coloca dois postes telefónicos, que sustentam um traçado aéreo telefónico, sem autorização do proprietário do prédio e contra a vontade deste, quando essa ocupação não é feita a coberto de acto expropriativo, nem servidão administrativa.
2. Verificados os demais pressupostos da obrigação de indemnizar (artigo 483º do Código Civil), a empresa ré é responsável pela reparação dos danos patrimoniais que causou, devendo relegar-se o seu cômputo para liquidação posterior, por via incidental, se ocorre uma situação de ausência absoluta de elementos para essa fixação, não sendo então viável o recurso à equidade.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO
A....., casado, residente na Rua ……, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com forma de processo sumário, contra ”P.T. Comunicações, S.A.”, pessoa colectiva nº. 504615947, com sede (…) em Lisboa pedindo a condenação da ré:
a) a pagar ao autor a quantia de € 3.000,00 euros, sendo €2.0000 correspondente ao valor das árvores abatidas ou danificadas e €1.000,00 à impossibilidade de rentabilização e utilização das árvores junto às linhas instaladas no terreno da sua propriedade;
b) a pagar ao autor a quantia de € 1.000,00 euros, a título de indemnização, com base na utilização do espaço pela colocação abusiva de dois postes e linhas de comunicação telefónica, sendo € 500,00 euros por cada ano dessa utilização sem autorização e, assim, por enriquecimento sem causa da Ré
c) a mandar retirar os postes e linhas de comunicação telefónica abusivamente colocadas no terreno propriedade do autor, restituindo-lhe o espaço ocupado no terreno sua propriedade;
d) a pagar, a título de danos não patrimoniais, em montante a avaliar pelo tribunal, de acordo com a equidade, mas nunca em valor inferior a € 3.500,00 euros.
Para fundamentar a sua pretensão invoca, em síntese, que:

O autor é dono de um terreno de pinhal e mato, localizado na freguesia do ….., tendo sido surpreendido, durante o ano de 2002, com a colocação de postes de comunicações telefónicas no seu terreno, sem que para isso tivesse sido contactado.
Para além disso, a ré ainda derrubou e cortou pinheiros e sobreiros, num total de oito.
Desde essa altura, o Autor viu a sua saúde afectada, já que se enervou e ficou chocado com toda a situação, vindo inclusive a ter aí um primeiro enfarte cardíaco e posterior AVC.
Na contestação, a ré alega que colocou no terreno do autor dois postes telefónicos que sustentam um traçado aéreo telefónico, tendo-o feito por razões exclusivamente técnicas e que enquanto concessionária da exploração do serviço público de telecomunicações, não tem necessidade de qualquer permissão do autor para o exercício daquele seu direito; Em virtude dessa actividade apenas cortou um pinheiro com 20 cm de diâmetro, o que originou o derrube de uma ramada de um sobreiro. No mais, impugna a factualidade invocada na petição inicial
Foi proferido despacho saneador, com elaboração de base instrutória, sem reclamações.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento e respondeu-se aos quesitos, sem reclamações.
Proferiu-se sentença que concluiu da seguinte forma:
“Pelo exposto, decidimos:
a) julgar parcialmente procedente, por provado, o primeiro pedido formulado pelo A., na alínea a), de fls. 7, condenando a Ré no pagamento ao A. de uma indemnização, a título de dano patrimonial, na quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, cujo montante máximo se fixa em € 3.000,00 (três mil euros), no mais se absolvendo a Ré.
**
Custas a cargo do A. e R., na parte única e ilíquida, a cargo da A. e R. provisoriamente em parte iguais, procedendo-se a rateio após a liquidação”.
Não se conformando, o autor recorreu, peticionando a revogação da decisão “na parte em que improcedeu o pedido”.
Formula, em síntese, as seguintes conclusões: [ Que não se reproduzem na íntegra, por falta de concisão.
]
“ (…) 3. Ficou provado em sede de matéria de facto de que o Recorrente não foi contactado, não deu autorização à colocação dos postes de comunicações, não sendo notificado da sua instalação, nem mesmo da fundamentação para tal proceder por parte da Recorrida (ver resposta à matéria de facto dos artigos 1°, 20 e 14° da Base Instrutória).
4. Pelo que entende o Recorrente não assistir razão ao Tribunal a quo quando conclui pela improcedência da parte do pedido que se prende com o mandar retirar os postes de comunicações indevidamente instalados no terreno propriedade daquele, bem como quanto à Recorrida ser condenada a pagar um valor correspondente a 500,00 euros por ano, devido à utilização indevida do espaço.
5. Entende o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, erradamente, que a falta de notificação, aliás claramente provada na resposta à matéria de facto (ver resposta ao artigo 14 da Base Instrutória), seria apenas e só uma mera irregularidade procedimental, não cominada por isso em qualquer espécie de invalidade.
6. Sendo que tal entendimento não pode colher, pois essa douta conclusão contraria o disposto no artigo 66° do Código do Procedimento Administrativo, onde se estabelece, na sua alínea c), de que devem ser notificados aos interessados os actos administrativos que criem, extingam, aumentem ou diminuam direitos, ou interesses legalmente protegidos, ou ainda que afectem as condições do seu exercício.
7. Existe significativa doutrina que assim o defende (C.P.A., Comentado, de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim; Marcelo Rebelo de Sousa, Direito Administrativo, Tomo 1, pag 148).
8. Essa douta doutrina conclui, aqui a contrário do Tribunal a quo, de que o acto de notificar não é um mero acto procedimental, antes a sua falta, bem como a falta da devida fundamentação, implicam as consequentes ilegalidade e invalidade (artigo 132° do C.P.A.).
9. Assim não se pode aceitar que um acto que afinal não foi praticado pela Recorrida, quando esta actua à sombra de uma concessão de exploração de serviço público, a saber a notificação do Recorrente, com a devida fundamentação, não pode ser tido como acto de efeito meramente procedimental, e como tal sem relevo para efeitos de invalidade.
10. Tanto mais que essa douta conclusão, de que se recorre, ofende os mais elementares princípios constitucionais de direitos, liberdades e garantias.
11. Tampouco se vislumbra como se pode aplicar, como o Tribunal a quo aplica, o artigo 29° alínea d) do DL.. 40/95 de 15 de Fevereiro, ou o artigo 14° alínea c) do D.L. 31/2003 de 17 de Fevereiro à situação descrita nos autos, como se de um mero direito de acesso aos prédios particulares se tratasse.
12. Desde logo o conceito de aceder não pode abranger, nem abrange o desrespeito pela legislação em vigor, onde se enquadra o direito de propriedade, o arrendamento de espaço, a constituição de servidões, o requerer expropriação.
13. Logo não se vislumbra como a Recorrida, enquanto concessionária do serviço público de comunicações, Pode ocupar um espaço num terreno privado, com os fundamentos apresentados na douta sentença de que se recorre, fundamentos que não colhem face à legislação em vigor.
14. Há que também ter presente, o que o Tribunal a quo parece esquecer, de que qualquer acto da concessionária, aqui Recorrida, porque está investida desse direito, está obrigado ao principio da proporcionalidade.
15. Sendo que não ficou provado nos presentes autos de que a actuação da Recorrida, no caso concreto, era a necessária e a proporcional, bastando para tal verificar a resposta dada ao artigo 13 da Base Instrutória, que questionando se a colocação de dois postes telefónicos no terreno propriedade do Recorrente ocorreu por razões exclusivamente técnicas, obteve como resposta de que se considerava provado que ocorreu por razões determinadas pela Ré.
16. Ora tal é uma arbitrariedade intolerável num Estado de Direito, onde afinal a Recorrida, não provando que o fez por razões técnicas, deixa de ter qualquer fundamento para essa actuação (ainda que nunca o tenha fundamentado), deixou de respeitar a propriedade privada, e bem assim a legislação administrativa a que estava obrigada, como sejam a obrigação de notificação e fundamentação (ver sábio Acórdão STJ de 15/03/2005).
17. Face ao agora concluído pelo Recorrente só poderia o Tribunal a quo mandar retirar os postes de comunicações colocados no terreno daquele, face ao que se considera a actuação abusiva da Recorrida.
18. Pelas mesmas razões só poderia o Tribunal a quo, concluindo pela ocupação indevida do espaço propriedade do Recorrente, condenar a Recorrida em pagar àquele a quantia pedia de 500,00 euros por cada ano dessa ocupação.
19. O Recorrente não pode entender por boa a douta decisão do Tribunal a quo, que concluiu na resposta à matéria de facto dos artigos 10º e 11º da Base Instrutória, que apenas ficou demonstrado que o Autor enervou-se e ficou chocado com a situação e, decorridos cerca de dois anos sobre os acontecimentos o Autor teve um enfarte cardíaco e, posteriormente, acidente vascular cerebral.
20. A verdade é que, salvo o devido respeito, não se vislumbra de onde o Tribunal a quo tirou tal conclusão face à prova produzida, quer por depoimento das testemunhas, quer por documentação nos autos. (…)
24. O Recorrente tem que ver reflectido numa decisão judicial a perda da sua qualidade de vida, face ao significativo agravamento do seu estado de saúde, que culminaram em problemas de foro cardíaco e AVO, não podendo, como afinal conclui o Tribunal a quo, sem fundamento, que o Recorrente se enervou no momento, e passados que foram dois anos ficou então doente, já que a realidade demonstrada documentalmente, e em sede de audiência de julgamento, foi claramente outra. (…)
26. E assim sendo só pode ter-se como provado o nexo de causalidade entre o proceder da Recorrida nos factos descritos e dados como provados nos autos, e os efeitos nefastos na saúde do Recorrente, merecendo a devida protecção jurídica.
27. Pelo que só pode ver-se corrigida a douta decisão do Tribunal a quo quanto à atribuição de um valor, segundo o princípio da equidade, a título de indemnização por danos não patrimoniais, conforme o pedido”.
A ré não apresentou contra alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO
A 1ª instância deu por provada a seguinte factualidade:
1) O autor é dono do seguinte imóvel: terreno de pinhal e mato, localizado no sítio das Covas Furadas, freguesia do Sarzedo, concelho de Arganil, inscrito na respectiva matriz predial sob o artº. 3856 (v. Doc. nº. 1, dos autos) – al. A), da matéria assente.
2) A ré colocou dois postes telefónicos, que sustentam um traçado aéreo telefónico, no referido terreno descrito no ponto 1) – al. B), da matéria assente.
3) Devido ao facto mencionado na al. B), foi cortado um pinheiro com 20 cm de diâmetro e, na sua queda, foi derrubada uma ramada de um sobreiro – al. C), da matéria assente.
4) Durante o ano de 2002, o autor foi surpreendido com a colocação dos postes de comunicações telefónicas, aludida na al. B), da matéria assente, sem que para isso tivesse sido contactado – resposta dada ao nº. 1 da Base Instrutória.
5) Nem deu o autor qualquer autorização para a colocação desses postes – resposta dada ao nº. 2 da Base Instrutória.
6) O autor é pessoa idosa que sempre manifestou muito carinho pela sua propriedade, assim como por cada árvore existente no prédio identificado em 1) – resposta dada ao nº. 3 da Base Instrutória.
7) Através dos factos mencionados no ponto 2), a ré cortou, derrubou e, em consequência, inutilizou 4 (quatro) pinheiros e 4 (quatro) sobreiros da propriedade do autor., descrita no ponto 1) – resposta dada ao nº. 4 da Base Instrutória.
8) Por carta datada de 15 de Junho de 2002, o autor comunicou com a ré, no sentido de mostrar o seu desagrado pelo que foi feito e referido em 4º., informando ainda a ré dos danos físicos e emocionais por si sentidos – resposta dada ao nº 5 da Base Instrutória.
9) A ré respondeu nos exactos termos da carta junta a fls. 21, dos autos, afirmando que apenas cortou um pinheiro – resposta dada ao nº 6 da Base Instrutória.
10) Acresce ainda a situação de o autor se ver impossibilitado de utilizar outras árvores que se situem junto às linhas instaladas, no que ao abate, corte ou tratamento diz respeito – resposta dada ao nº 7 da Base Instrutória.
11) Por fax de 18 de Março de 2003, o autor informou a ré, na pessoa do seu Director Operacional, quanto à sua posição sobre o assunto – resposta dada ao nº 8 da Base Instrutória.
12) Já antes havia conversado com representante da ré em Coimbra, mas sem qualquer resultado – resposta dada ao nº 9 da Base Instrutória.
13) Por causa do descrito em 7), o autor enervou-se e ficou chocado com a situação e, decorridos cerca de dois anos sobre os acontecimentos em cima relatados, o autor teve um enfarte cardíaco e, posteriormente, acidente vascular cerebral – resposta dada aos nºs 10 e 11 da Base Instrutória.
14) O que obrigou os seus familiares mais próximos a deslocarem-se de Lisboa para cuidarem dele – resposta dada ao nº. 12 da Base Instrutória.
15) O facto aludido em 2) ocorreu por razões determinadas pela aqui ré – resposta dada ao nº. 13, da Base Instrutória.

FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C. – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 664 do mesmo diploma.
Considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, conclui-se que importa conhecer das seguintes questões:
- do julgamento da matéria de facto;
- da ilicitude da actuação da ré;
- dos pressupostos do direito à indemnização.
*
3. Está em causa apreciar a resposta do tribunal de 1ª instância aos quesitos 10º e 11º da base instrutória, sustentando o apelante que os depoimentos de algumas testemunhas, apreciados na sua globalidade e em conjunto com a restante prova (documento junto a fls. 28), justificaria decisão diferente, sendo que se procedeu à gravação da prova produzida em audiência de julgamento. [ Atente-se na redacção dos quesitos:
10º: Desde essa altura que o autor viu a sua saúde afectada, já que se enervou e ficou chocado com a situação, vindo inclusive a ter aí um primeiro enfarte cardíaco e posterior AVC?
11º: Ao proceder do modo antes descrito, a Ré provocou o agravamento do estado de saúde do Autor e mesmo as situações de enfarte e AVC a que esteve sujeito?
]
A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos especificados no art. 712º do C.P.C., a saber:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Por outro lado, dispõe o art. 690º-A do C.P.C.:
“1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.
Vejamos, então, em que termos se deve processar a reapreciação da prova produzida.
Na sequência do alargamento dos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto, por parte da Relação, tem a jurisprudência convergido em determinados parâmetros de intervenção.
Desde logo, e fazendo apelo ao preâmbulo do Dec. Lei 39/95 de 15 de Fevereiro, [ Refere-se no preâmbulo: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.
Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.
A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”.
] o recurso não pode visar a obtenção de um segundo julgamento sobre a matéria de facto, mas tão só obviar a erros ou incorrecções eventualmente cometidas pelo julgador.
Depois, não pode o tribunal da Relação pôr em causa regras basilares do nosso sistema jurídico, o princípio da livre apreciação da prova – arts. 396º do C.C. e 655º, nº1 do C.P.C. – e o princípio da imediação, sendo inequívoco que o tribunal de 1ª instância encontra-se em melhores condições para apreciar os depoimentos prestados em audiência. O registo da prova, pelo menos nos moldes em que é processado actualmente nos nossos tribunais – mero registo fonográfico –, “não garante a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e dos quais é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”. [ Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 1997, pág. 258. Cfr. ainda, o Ac. desta Relação de Coimbra de 11/03/2003, C.J., Ano XXVIII, T.V., pág. 63 e o Ac. do STJ de 20/09/2005, proferido no processo 05A2007, acessível in www.dgsi.pt, podendo ler-se, neste:«De salientar a este propósito, como se faz no acórdão recorrido, que o controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Na verdade, a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, "olhares de súplica" para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos (sobre a comunicação interpessoal, RICCI BOTTI/BRUNA ZANI, A Comunicação como Processo Social, Editorial Estampa, Lisboa, 1997)».
]
O que não obsta, necessariamente, à apreciação crítica da fundamentação da decisão de 1.ª instância, não bastando uma argumentação alicerçada em mero poder de autoridade.
Vejamos, então, o que se passa no caso em apreço. ………………………..
…………………………………………………

2. O autor sustenta que a actuação da ré é ilícita pretendendo, portanto, ver-se restituído à situação anterior à ocorrência da lesão.
Vejamos a dinâmica dos acontecimentos.
A ré, empresa concessionária de serviços públicos (telefónicos), colocou dois postes telefónicos, que sustentam um traçado aéreo telefónico, em terreno pertencente ao autor, no ano de 2002, fazendo-o sem que, para isso, tivesse previamente contactado o autor, que não deu autorização para a colocação dos postes. Mais se provou que a ré, quando assim procedeu, cortou, derrubou e, em consequência, inutilizou quatro pinheiros e quatro sobreiros da propriedade do autor.
O tribunal recorrido julgou improcedente a pretensão formulada, no sentido de condenação da ré a retirar os aludidos postes, restituindo o espaço assim ocupado no terreno propriedade do autor, com base no disposto no art. 29º, alínea d) do Dec. Lei, referindo que “deste modo, com a legislação citada se constituiu um direito da concessionária, aqui Ré, de entrada nos terrenos privados para colocação de postes telefónicos. Através de acto administrativo surgiu, assim, um direito concedido à aqui P.T., como concessionária da exploração do serviço público de telecomunicações”.
Por outro lado, a sentença recorrida desvaloriza a falta do comunicação prévia ao autor, podendo aí ler-se:
“Ademais, a falta de notificação do particular (avisando a “P.T.” que o traçado da linha telefónica implica a passagem de linhas telefónicas em terrenos privados, com direito a aceder aos mesmos) poderá configurar-se como uma mera irregularidade procedimental, não cominada com sanção de nulidade/anulabilidade ou qualquer outra espécie de invalidade.
Assim sendo, essa irregularidade não anula/contraria/infirma o direito consagrado da “P.T.” no acesso a propriedades privadas, no âmbito da exploração do serviço público de telecomunicações – o que nunca foi posto em causa pelo Autor, demandante da presente acção, que tais postes fossem destinados à conclusão do serviço público de telecomunicações – o que também se revela um facto notório, face à matéria inserida nos artºs. 2) e 15), da matéria assente”.
Não pode aceitar-se esta argumentação, pelos motivos que se passam a expor.
À data da prática dos factos estava em vigor o regime da Concessão de Exploração do Serviço Público de Telecomunicações aprovado pelo Dec. Lei nº40/95 de 15/12 e publicado em anexo a esse diploma. [ Refira-se que, no que ao caso interessa, não se registam significativas alterações com o regime actualmente em vigor e que decorre do Dec. Lei 31/2003 de 17/02.
]
Considerando as bases da concessão, estamos perante um autêntico contrato administrativo, [ Nesse sentido, Ac. STA de 19/12/2001, proferido no processo 022768 (Relator: Mendes Pimental), acessível in www.dgsi.pt.
] celebrado entre o Estado e a empresa ré, sendo o objecto da concessão definido no art. 2º [ Com a seguinte redacção:
“Objecto da concessão
1 - A concessão tem por objecto:
a) O estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas que constituem a rede básica de telecomunicações;
b) O estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas de transporte e difusão de sinal de telecomunicações de difusão;
c) A prestação dos seguintes serviços fundamentais de telecomunicações:
1) Serviço fixo de telefone;
2) Serviço fixo de telex;
3) Serviço fixo comutado de transmissão de dados;
d) A prestação do serviço de difusão e de distribuição de sinal de telecomunicações de difusão;
e) A prestação do serviço de circuitos alugados;
f) A prestação do serviço telegráfico
2- (…)”.
] e o seu âmbito no art. 3º. [ Com a seguinte redacção:
“Âmbito da concessão
Para efeitos do objecto da concessão, são conferidos à concessionária todos os direitos e obrigações compreendidos no estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas de telecomunicações e na prestação de serviços de telecomunicações constantes do n.º 1 do artigo 2.º, no território nacional, assegurando as ligações internacionais”.
]
Por seu turno, sob a epígrafe “direitos da concessionária”, dispõe o art. 29º do referido diploma que:
Pelo contrato de concessão é a concessionária expressamente investida nos seguintes direitos:
a) Explorar a concessão nos termos das presentes bases;
b) Cobrar os preços dos serviços que presta;
c) Proceder, de acordo com a lei e nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1 do Artigo 3.º do Decreto-Lei 445/91, de 20 de Novembro, com dispensa de licenciamento municipal, a obras e trabalhos necessários à implantação, conservação e manutenção das infra-estruturas de telecomunicações afectas à concessão ou à construção, remodelação e conservação dos edifícios a elas afectos;
d) Requerer expropriações por utilidade pública, requerer a constituição de servidões administrativas, estabelecer zonas de protecção e aceder a terrenos e edifícios públicos e privados, sempre que tal se mostre necessário à exploração dos serviços concessionados e com observância da legislação em vigor;
e) Ocupar e utilizar, nos termos fixados na lei, as ruas, praças, estradas, caminhos e cursos de água, bem como terrenos ao longo dos caminhos de ferro e de quaisquer vias de comunicação do domínio público, com isenção total de taxas e de quaisquer outros encargos, sempre que tal se mostre necessário à implantação das infra-estruturas de telecomunicações ou para a passagem de diferentes partes da instalação ou equipamentos necessários à exploração do objecto da concessão;
f) Utilizar frequências radioeléctricas necessárias à prestação dos serviços objecto da presente concessão e que lhe sejam consignadas pelo ICP”.
A 1ª instância retira do disposto na referida alínea d) que a ré tinha o direito de entrar livremente em terreno privado para colocação de postes telefónicos.
Com o devido respeito, a questão não é essa.
Não se nega à ré o direito de aceder a terrenos que não lhe pertencem, sempre que isso se mostre necessário ao cabal cumprimento das suas funções e no âmbito da concessão. É um direito que assiste à ré e que, na sua substância, não é muito diferente do direito que o proprietário tem quando, para reparar edifício ou construção, precisa de “levantar andaime, colocar objectos sobre prédio alheio, fazer passar por ele os materiais para a obra ou praticar outros actos análogos”, vendo-se o dono do outro prédio obrigado a consentir nesses actos – art. 1349º do Cód. Civil, sob a epígrafe “passagem forçada momentânea”.
No entanto, no caso em apreço, a ré não se limitou a aceder a um terreno que não lhe pertencia. A ré, para além de aceder ao prédio do autor, ocupou espaço desse prédio, nele implantando dois postes telefónicos, que sustentam traçado aéreo, e fê-lo à revelia do autor, com quem não comunicou previamente e do qual não obteve qualquer autorização.
Em suma, a ré agiu como se estivesse em coisa sua, utilizando e fruindo parcialmente o prédio, como se este lhe pertencesse – arts. 1305º e 1344º do Cód. Civil – sendo certo que, pelo menos desde Junho de 2002, com a recepção da carta referida sob o nº 8 dos factos assentes, a ré até tomou conhecimento da oposição do autor.
Trata-se de actuação ilegal porquanto não se mostra coberta por acto expropriativo, nem pela constituição de uma servidão administrativa, únicas vias pelas quais a ré podia agir, na falta de acordo com o proprietário do prédio, o autor. É isso, aliás, que resulta da referida alínea d) do art. 29º, quando aí se alude ao direito da concessionária de “requerer expropriações por utilidade pública, requerer a constituição de servidões administrativas”, o que remete, nomeadamente, para o disposto nos arts. 1º e 8º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, com as alterações resultantes da Lei 13/2002 de 19/02 e nº4-A/2003 de 19/02 (sublinhado nosso).
No caso, a ré nunca alegou sequer na contestação ter encetado procedimento tendente à constituição de servidão administrativa – ou, mais singelamente, nunca a ré sequer alegou qualquer facto do qual resulte ter-se formado o acto administrativo –, sendo que não se vislumbra que a servidão resulte directa e imediatamente da lei, [ No preâmbulo do Dec. Lei n.º 181/70 de 28 de Abril pode ler-se: “Contrariamente ao que se dá no domínio do direito civil, as servidões administrativas são sempre legais, isto é, resultam sempre da lei. Contudo, ao lado de servidões administrativas, cujo constituição resulta directa e imediatamente da lei, pela submissão automática a regimes uniforme e genericamente predeterminados de todos os prédios que se encontrem em determinadas condições, objectivamente fixadas na lei, outras servidões há cuja constituição exige a prática de um acto da Administração, quer apenas pelo reconhecimento da utilidade pública justificativa da servidão, quer ainda pela definição de certos aspectos do respectivo regime, designadamente no que se refere à área sujeita à servidão e aos encargos por ela impostos.
São exemplos das primeiras a servidão de margem, estabelecida no artigo 14.° do Decreto n.° 12 445, de 29 de Setembro de 1926, a servidão non aedificandi, prevista no artigo 104.° do Estatuto das Estradas Nacionais; diversas outras servidões estabelecidas neste diploma como as previstas nos artigos 87.º a 89.° e 93.º a 95.º e as servidões das linhas férreas, estabelecidas nos artigos 30.° e seguintes do Regulamento para a Exploração e Polícia dos Caminhos de Ferro.
E são exemplos das segundas as servidões militares e aeronáuticas, reguladas na Lei n.° 2078, de 11 de Julho de 1955, no Decreto-Lei n.° 45 986, de 22 de Outubro de 1954, e no Decreto-Lei n.° 45 987, da mesma data, as servidões ou zonas de protecção dos edifícios públicos de reconhecido valor arquitectónico, previstas no Decreto n.° 21 875, de 18 de Novembro de 1932, e as servidões ou zonas de protecção dos monumentos nacionais e dos imóveis de interesse público, previstas no Decreto n.° 20 985, de 7 de Março de 1932.
Todas as servidões administrativas, porém, impõem encargos sobre certos prédios em proveito da utilidade pública de uma coisa. (…)”.
] no sentido que estão sujeitos à restrição (de interesse público) uniforme e predeterminada, todos os prédios que se encontrem nas condições legais – aliás, a utilização do vocábulo “requerer”, no referido preceito, inculca essa ideia. [ A este propósito vide Oliveira Ascensão, in Direitos Reais, Almedina, 1978, p. 204 e 205, referindo este autor que “a servidão coactiva é justamente isto: uma servidão que é em abstracto autorizada por lei, mediante a outorga de um direito potestativo ao beneficiário eventual e a imposição de uma sujeição ao futuro onerado; mas só se constitui mediante a actuação do poder potestativo”.
Carvalho Fernandes, in Lições de Direitos Reais, 3ª edição (2ª reimpressão), Quid Juris, p.438, distinguindo entre servidões legais e servidões voluntárias, com referência ao art. 1547º nº2 do Cód. Civil, refere que “se as servidões voluntárias são as constituídas por negócio jurídico ou acto voluntário, já não é correcto ver as servidões legais como as constituídas por lei” e “servidão legal, hoc sensu, é, pois, a que pode ser constituída coercivamente”.
]
Neste contexto, é juridicamente irrelevante a apreciação feita na sentença recorrida e alusiva à falta de comunicação prévia ao autor, proprietário do prédio, porquanto o problema se coloca a jusante: a servidão exige a “prática de um acto definidor da administração” e, no caso, não há elementos que permitam concluir que o mesmo sequer ocorreu. [ Ac. desta TR de 30/09/2003, proferido no processo 1256/03 (Relator: Des. Nunes Ribeiro), acessível in www.dgsi.pt; Abordou-se nesse aresto uma caso de constituição de servidão administrativa em que se verificou a falta de audiência prévia dos interessados mas, na hipótese aí apreciada, ao contrário do que acontece nos autos, era inequívoca a formação do acto administrativo.
]
Consequentemente, impõe-se revogar a decisão recorrida e condenar a ré no pedido supra referido sob a alínea c).

3. O Autor deduz ainda pedido de indemnização contra a ré, por prejuízos de ordem patrimonial alegadamente decorrentes da actuação desta, pedido que a decisão recorrida julgou improcedente desde logo porque se considerou que a ré não carecia de autorização do autor para proceder nos moldes descritos.
Abre-se aqui um parêntesis para referir que a decisão julgou procedente o pedido na parte em que o autor pedia a condenação da ré no pagamento da quantia de €2.0000 correspondente ao valor das árvores abatidas ou danificadas, embora relegando a sua liquidação para momento posterior, pedido esse a que supra se aludiu sob a alínea a) do relatório. Da fundamentação exposta na decisão resulta claro que a 1ª instância apenas abordou essa parte do pedido, alusivo ao “dano material do derrube e danificação das árvores”.
Julgando-se agora que a ré agiu violando, ilicitamente, o direito de propriedade do autor, alterou-se, necessariamente, o ponto de partida em que assentou a decisão recorrida, decorrendo da factualidade assente que se verificam os pressupostos consignados no art. 483º do Cód. Civil, a saber: a existência de um facto voluntário do agente; a ilicitude desse facto; o nexo de imputação do facto ao lesante; que dessa violação resulte um dano; e que haja um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Quanto ao dano, trata-se de elemento que representa o concreto desvalor que o facto ilícito inflige na esfera jurídica de outrem e é em função deste que o instituto da responsabilidade civil opera a sua missão reintegradora, abrangendo, no que agora interessa, os danos patrimoniais, quer na vertente dos danos emergentes quer dos lucros cessantes (art. 564º do Cód. Civil) .
A este propósito, o autor invoca na petição inicial:
- prejuízos que avalia em €1.000 “a título de impossibilidade de rentabilização e utilização das árvores juntos às linhas instaladas, valores estes avaliados no local”;
- que se considera “lesado pela invasão abusiva da sua propriedade, sem que daí lhe advenha qualquer vantagem, e por isso só pode entender-se como legítima a indemnização por tal facto, no montante mínimo de €1.000,00 (mil euros), valor calculado com base na cedência do espaço para postes e linhas de comunicação telefónicas, no tempo entretanto decorrido, a saber, de dois anos, sendo de €500,00 (quinhentos euros) por cada ano de utilização, até á data, já que se espera que tais sejam mandados retirar, já que daí a Ré tirou benefício à custa do património do Autor, enriquecendo sem justa causa”.
Para além da factualidade alusiva à ocupação de parte do terreno do autor com a colocação dos postes telefónicos, a sustentar um traçado aéreo telefónico, provou-se que o autor se vê impossibilitado de utilizar outras árvores que se situem junto às linhas instaladas, no que ao abate, corte ou tratamento diz respeito.
Estamos perante danos de ordem patrimonial que são merecedores de tutela indemnizatória, e a única questão que se coloca é a de saber se o tribunal deve proceder à fixação do respectivo valor neste momento, com recurso a critério de equidade ou se, ao invés, se deve remeter o cômputo da indemnização para liquidação posterior. Trata-se, afinal, de ajuizar da conjugação dos arts. 661º, nº2 do C.P.C. e 566º, nº3 do C.C.
Como se referiu no Ac.R.L. de 20/06/2006 “da conjugação destes dois preceitos, temos que se deve lançar mão do disposto no normativo adjectivo (relegando-se para execução de sentença a fixação do quantum da indemnização) apenas nos casos em que, nem mesmo com recurso à equidade, for possível a condenação em quantia certa.
Daí, no que em relação à obrigação de indemnização respeita, o impositivo do citado e transcrito nº 3 do art. 566º do CC, que encontra a sua razão de ser no facto de muitas vezes não ser fácil ao credor provar com a precisão o valor dos danos sofridos, constituindo uma violência sujeitá-lo à contingência de um novo julgamento para apurar a exactidão do montante dos danos sofridos, não podendo sequer ter-se, com tal, como adquirida a definição da quantificação pretendida, com o benefício que daí, nesse caso, imerecidamente, advém para o devedor, que mais não seja porque só mais tarde, na acção executiva, acaba por ver fixado, também pelo recurso à equidade, o valor da indemnização a que está obrigado.
Por isso, como observa no Ac. do STJ de 10-07-97, só se deve relegar para execução de sentença a fixação do montante da indemnização para reparação de um dano, nos termos do art. 562º e sgs. do Código Civil, quando não puder deixar de ser, por total carência de elementos para a sua fixação por equidade.
O preceito do art. 661º, nº 2 do Código de Processo Civil funciona depois do disposto no art. 566º, nº 3 do Código Civil e com respeito por este. A função do direito adjectivo é a de permitir a aplicação do direito substantivo e não a de a afastar”.[ BMJ, 469 – 524.
]
Pensamos que é esse, exactamente, o caso dos autos: ausência absoluta de elementos para fixar a indemnização. Assim, e à semelhança do que a 1ª instância já decidiu a propósito de outros prejuízos de natureza patrimonial causados pela ré, que não estão em causa em sede de recurso – prejuízos decorrentes do facto de a ré ter cortado, derrubado e inutilizado quatro pinheiros e quatro sobreiros que se encontravam no terreno –, deve relegar-se o cômputo da indemnização para liquidação posterior, por via do incidente previsto no art.378º e seguintes do C.P.C, sendo legítimo antecipar que, ponderando o tipo de circunstancialismo em causa, aí se obterá prova mais precisa, ou melhor concretização dos factos em causa. [ No Ac. RE de 13/12/2005, proferido no processo nº 1834/05-3 (Relator: Bernardo Domingos), acessível in www.dgsi.pt, num caso de constituição duma servidão administrativa para transporte de energia eléctrica, implicando uma redução do rendimento da propriedade, pelas limitações impostas à sua fruição, decidiu-se que “na impossibilidade de apurar o valor exacto dos danos, que se sabe existirem, impõe-se a sua fixação por recurso à equidade, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 566º do CC”. No entanto, no caso aí em análise, apurou-se um conjunto de factos relevantes para aferição do dano, nomeadamente, o valor por metro quadrado do prédio e valores indemnizatórios propostos pela empresa ao dono do prédio, em fase anterior.
]
Por último, regista-se que a liquidação tem como limite cada um dos valores peticionados e supra referidos, uma vez que o pedido foi formulado nesses termos e são as partes que conformam a instância – art. 661º, nº1 do C.P.C.
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Quanto aos prejuízos de ordem não patrimonial, pode ler-se na decisão:
Quanto à peticionada indemnização a título de danos não patrimoniais, desde logo, face à matéria apurada, facilmente se verifica a sua total improcedência.
Apenas ficou demonstrado que por causa do descrito em 7), dos factos assentes, o A. enervou-se e ficou chocado com a situação e, decorridos cerca de dois anos sobre os acontecimentos em cima relatados, o A. teve um enfarte cardíaco e, posteriormente, acidente vascular cerebral.
Nestes termos, também nesta parte, o A. vê soçobrada a sua pretensão.
Concordamos com essa argumentação.
Em sede de danos de natureza não patrimonial, considerando que a gravidade destes se deve aferir por um padrão objectivo, embora perspectivado tendo em conta as circunstâncias do caso, impõe-se considerar que não ocorreram prejuízos susceptíveis de tutela indemnizatória e que o estado de alma do autor, que ficou chocado com a situação, enervando-se, se reconduz a situação similar àquela em que o lesado tem incómodos, aborrecimentos e preocupações, que não são de molde a justificar indemnização.
No mais, não pode deixar de salientar-se que o autor invocou um circunstancialismo muito variado para fundamentar a indemnização peticionada a esse nível, e não logrou provar os factos pertinentes, inexistindo, desde logo, elementos que permitam julgar verificado o nexo de causalidade entre o facto e o dano, isto é, que a actuação da ré foi causa adequada do enfarte cardíaco e acidente vascular cerebral sofrido pelo autor.
Neste ponto improcedem, pois, as alegações de recurso.
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Conclusão:
1. É ilícita a actuação de uma empresa concessionária de serviço público que, no exercício do objecto da concessão, acede a um terreno e aí coloca dois postes telefónicos, que sustentam um traçado aéreo telefónico, sem autorização do proprietário do prédio e contra a vontade deste, quando essa ocupação não é feita a coberto de acto expropriativo, nem servidão administrativa.
2. Verificados os demais pressupostos da obrigação de indemnizar (art. 483º do Cód. Civil), a empresa ré é responsável pela reparação dos danos patrimoniais que causou, devendo relegar-se o seu cômputo para liquidação posterior, por via incidental, se ocorre uma situação de ausência absoluta de elementos para essa fixação, não sendo então viável o recurso à equidade.
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, alterando-se a decisão recorrida, decide-se:
1. Condenar a ré/apelada a retirar os postes e linhas de comunicação telefónica colocadas no terreno propriedade do autor, restituindo-lhe o espaço ocupado no terreno sua propriedade;
2. Condenar a ré/apelada a pagar ao autor uma indemnização a título de danos patrimoniais, a liquidar em fase posterior, por via incidental, nos moldes fixados supra em 3.
Custas por ambas as partes, quer na 1ª instância quer nesta Relação, fixando-se, provisoriamente, em 80% para a ré e 20% para o autor, procedendo-se a rateio após a liquidação.