Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1278/05.9TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
EMPREITADA
OBRAS NOVAS
Data do Acordão: 04/29/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 303º, 312º, 313Ç, 314º, 317º E 1217º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. A excepção peremptória da prescrição presuntiva do cumprimento carece, para ser eficaz, de ser invocada nos termos do art. 303º do CC, devendo ser deduzida na contestação, sob pena de preclusão.
2. Na prescrição presuntiva de cumprimento, o decurso do prazo legal não extingue a obrigação, apenas libera o devedor do ónus de provar o cumprimento.
3. As obrigações sujeitas a prescrições presuntivas de cumprimento estão também sujeitas a prescrição ordinária, esta com eficácia extintiva, decorrido que seja o prazo legal.
4. O credor não pode contrariar ou ilidir a presunção legal de cumprimento com quaisquer meios de prova, mas só através da confissão, nos termos do art. 313º do CC.
5. Será logicamente incompatível com a invocação da excepção de prescrição presuntiva, ter o devedor negado a existência da dívida, ter impugnado o seu montante, ter pago apenas parte da dívida reclamada ou invocar ou invocar a nulidade ou anulabilidade do negócio, a gratuitidade dos serviços, etc.
6. Devendo invocar a prescrição presuntiva de cumprimento, sobre o devedor recai o ónus de alegar uma causa de extinção da dívida, podendo ser diversa do pagamento, porque todas as causas extintivas da obrigação são conciliáveis com a função da prescrição presuntiva.
7. As obras a mais ou obras novas que tenham autonomia em relação às previstas no contrato de empreitada, não constituem objecto de um novo contrato de empreitada, abrangendo o preço global da empreitada, quer o inicialmente convencionado, quer o posteriormente acordado para as obras a mais.
8. À dívida emergente do contrato de empreitada não é de aplicar o regime da prescrição presuntiva de cumprimento, uma vez que não se enquadra na expressão “execução de trabalhos” referida na alínea b) do art. 317º do CC.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

                                       I)- RELATÓRIO

A....instaurou, no Tribunal Judicial de Leiria, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra B...., pedindo a condenação da Ré a

a)-reparar os defeitos da sua moradia, identificados na petição, no prazo máximo de 60 dias após o trânsito em julgado;

b)-em alternativa, custear a conclusão da obra e reparação dos respectivos defeitos, na quantia  de € 28.000,00, por quem o Autor designar;

c)-pagar uma indemnização no montante de € 2.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Como fundamento dos pedidos, o Autor alegou, em síntese, a seguinte factualidade:
-Contratou verbalmente com a Ré a construção de uma moradia de acordo com um projecto de construção;
-Quando, em Maio de 2003, foi habitar a casa detectou alguns defeitos de construção, sendo acentuada a inclinação da rampa de acesso garagem, impossibilitando entrada do veículo automóvel, existência de fissuras na escada de acesso à casa, nas paredes exteriores da casa, na chaminé e pedras partidas na calçada. A cave não se encontrada feita de acordo com o projecto. De imediato denunciou os defeitos à Ré, que reparou defeituosamente alguns deles. Posteriormente, em Setembro/Outubro de 2004, surgiram outros defeitos (fissuras e rachas nas paredes interiores) que também denunciou. Os custos da reparação dos defeitos ascendem a € 28,000,00, IVA incluído. Toda esta situação tem causado ao Autor incómodos e arrelias.

Regularmente citada, contestou a Ré por excepção alegando ter o Autor aceite a obra sem qualquer reserva, em 25.02.2003, tendo caducado o direito à eliminação dos defeitos. Por impugnação refuta a existência de defeitos. Em reconvenção, pediu a condenação do Autor a pagar-lhe o remanescente do preço da empreitada, ou seja, € 28 569,95, uma vez que apenas pagou € 146.508,10, bem como o preço dos trabalhos a mais que especificou no montante de € 8 598,58.
O Autor respondeu, concluindo pela improcedência da excepção de caducidade. E quanto ao pedido de condenação no pagamento do preço da empreitada e dos trabalhos a mais, alegou que pagou à Ré tudo o que acordou com ela.    

Prosseguindo os autos a sua normal tramitação, com selecção da factualidade relevante, instrução e audiência de julgamento, foi, por fim, proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e provada sendo a Ré condenada a reparar a inclinação da rampa de acesso à garagem, a fissura no último degrau da escada de acesso à casa, as irregularidades, as fissuras e o reboco da chaminé, a cave com a altura superior ao que consta do projecto de construção, as fissuras e brechas nas paredes exteriores e interiores da moradia e as fendas no soalho doe escritório do 1º andar. Foi ainda a Ré condenada a pagar a quantia de € 750 a título de danos não patrimoniais.
A reconvenção foi julgada parcialmente procedente, sendo o Autor condenado a pagar à Ré a quantia de € 16.898,10, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do Autor para contestar até efectivo pagamento. Quanto ao mais peticionado foi o Autor absolvido.

A Ré não se conformou com a sentença, dela apelando, tendo extraído da sua minuta de recurso as seguintes conclusões:
1ª-O Recorrido não invoca a excepção presuntiva do pagamento nos seus articulados;
2ª-O Recorrido até discute as quantias reclamadas pelo Recorrente, o que, por esse facto, confessa a dívida, na medida em que, assim, pratica actos incompatíveis com a presunção de cumprimento;
3ª-Por isso, o Tribunal não podia conhecer a excepção em que se escudou para julgar improcedente o pedido da Recorrente nessa matéria;
4ª-Além de que, mesmo que o pudesse conhecer, teria que julgar o pedido procedente, em questão, na medida em que o Recorrido pratica actos em juízo incompatíveis com a presunção de cumprimento;
5ª-E até mesmo não havia decorrido o prazo prescricional e havido interrupção do mesmo;
6ª-Pelo que deve ser revogada a sentença na parte em que absolve o Recorrido do pagamento da quantia de € 8.598,58 e juros à Recorrente e proferir-se outra em que se determina esse pagamento;
7ª-Foram violados, entre outros, os arts. 314º, 317º e 323º do CC e “a contrario” arts. 495º e 496º do CPC.

O Autor não contra-alegou.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


                                    II)- OS FACTOS

Na sentença da 1ª instância foi dada por assente a seguinte factualidade:

1)-A Ré exerce a actividade de construção civil e obras públicas.

2)-No âmbito da sua actividade e a solicitação do Autor, a Ré obrigou-se a executar os trabalhos de construção de uma moradia sita na Serra de Porto Urso, na rua …….

3)-O Autor e a Ré acordaram verbalmente nos termos da construção da aludida moradia, segundo o projecto de construção existente, conforme documentos juntos a fls. 11 – 13, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

4)-No decorrer da construção, o Autor foi solicitando à Ré aditamentos e alterações à obra.

5)-A Ré efectuou na moradia os seguintes trabalhos a mais:

- aproveitamento da área por baixo do terraço ao lado da rampa para a garagem;

- chaminé para a churrasqueira da placa para cima;

- alteração à janela da cozinha;

- alterações nos alumínios (para aro rústico) e porta dupla para entrada principal;

- alterações na parede da cozinha;

- alterações na escada da entrada da moradia;

- trabalhos de máquina retro-escavadora;

- sanca em pladour no tecto da cozinha;

- assentamento de pedra no salão;

- 32 metros do piso de brita na rampa da garagem.

6)-O preço acordado para tais trabalhos foi de € 8 598,58.

7)-A moradia cujos trabalhos de construção a Ré se obrigou a executar destinava-se a habitação do Autor e da sua futura esposa (1º).

8)-No início de Maio de 2003, o Autor foi habitar essa sua casa (2º).

9)-O Autor apercebeu-se que não podia entrar com o seu carro na garagem (3º).

10)-A inclinação da rampa da garagem era muito acentuada, impossibilitando a entrada do veículo automóvel do Autor e de outros (4º).

11)-A escada de acesso à cave encontrava-se com uma fissura no último degrau (5º).

Existiam fissuras nas paredes exteriores da casa (6º).

12)-A chaminé do prédio encontrava-se com algumas irregularidades, fissuras e mal rebocada (7º).

13)-O Autor comunicou à ré os factos referidos nas respostas aos quesitos 3º a 7º (9º).

14)-A Ré acedeu em proceder à rectificação da inclinação da rampa e à reparação da chaminé (10º). 

15)-A cave tem, de altura, cerca de 45 centímetros a mais do que consta no projecto aprovado (11º).

16)-Em virtude do facto que antecede a rampa encontra-se muito acentuada (12º).

17)-O gerente da Ré comprometeu-se a rectificar a inclinação da rampa e a reparar a chaminé (13º).

18)-Em Junho/Julho de 2003, o gerente da Ré mandou reparar o desnível acentuado na rampa de acesso à garagem e a chaminé (17º).

19)-Apesar dos trabalhos realizados pela Ré, continua a observar-se fissuras, irregularidades e reboco mal executado na chaminé da moradia (18º).

20)-Apareceram ainda mais várias fissuras em várias paredes exteriores e interiores da casa (19º).

21)-O Autor solicitou a opinião de outro profissional para a reparação dos trabalhos discriminados no documento junto a fls. 16 (24º).

22)-O Autor enviou, em 24 de Maio de 2004, um fax à Ré, comunicando-lhe que pretendia resolver definitivamente a questão da correcção da rampa de acesso à cave da moradia (25º).

23)-A Ré dirigiu ao Autor uma carta datada de 14 de Junho de 2004, referindo que não existia viabilidade no pedido de rectificação da rampa (26º).

24)-A Ré terminou os seus trabalhos na moradia na 2ª quinzena de Março de 2003 (27º).

Em Setembro/Outubro de 2004 havia fissuras e rachas nas paredes interiores da casa (28º).

25)-Por carta datada de 10 de Novembro de 2004, o Autor comunicou à Ré o aparecimento de rachas e fissuras nas paredes interiores (29º).

26)-Para corrigir as irregularidades, fissuras e reboco mal executado da chaminé, é necessária a reparação do reboco da chaminé e a eliminação de todas as fissuras existentes (30º).

27)-Para corrigir a acentuada inclinação da rampa, é necessária a sua demolição e posterior reconstituição (31º).

28)-É necessária a reposição da cave de acordo com o que se encontra no projecto (33º).

Para corrigir o facto referido na resposta ao quesito 5º é necessária a eliminação da fissura do último degrau da escada exterior de acesso à casa (34º).

29)-É necessária a reparação das fissuras e brechas existentes nas paredes exteriores da moradia (35º).

30)-É necessária a reparação do soalho no escritório e no 1º andar que se encontra com fendas (36º).

31)-É necessária a reparação de todas as paredes interiores rachadas (37º).

32)-O valor das reparações supra descritas importa em quantia não apurada (38º).

33)-Os factos acima descritos têm causado ao autor incómodos e arrelias (39º).

34)-O Autor contraiu um empréstimo bancário para construir a moradia (40º).

35)-O Autor e o técnico responsável da obra declararam no livro de obra, em 20 de Outubro de 2003, que a execução da obra havia sido concluída em 25 de Fevereiro de 2003 e o responsável pela direcção técnica da obra declarou que a obra estava concluída de acordo com os projectos aprovados e para os fins e usos previstos no alvará de licença de construção (41º).

36)-O Autor contratou com um terceiro a ligação do aquecimento central (43º).

37)-O preço ajustado entre o Autor e a Ré para a construção da moradia, com excepção do fornecimento de pisos de ladrilho, azulejos, loiças e torneiras de casa de banho, móveis de cozinha e casa de banho, foi de 28 000 000$00 acrescidos de IVA à taxa legal em vigor (45º).

38)-Por conta do referido preço o Autor entregou à Ré € 146 508,10 (46º).

39)-A Ré apenas facturou ao Autor a quantia de € 121 580,66 (48º).

                                       III)- O DIREITO

Sendo o objecto do recurso delimitado, em princípio, pelas conclusões da alegação (arts. 690º, n.º1 e 684º, n.º3, ambos do CPC), a única questão submetida a julgamento deste Tribunal consiste em saber se, no caso sub judice, ocorre a prescrição presuntiva do pagamento da obrigação que impende sobre o Autor relativamente ao preço das obras a mais realizadas no âmbito do contrato de empreitada.

Vejamos.

Como acima se relatou, a Ré, na contestação, pediu a condenação do Autor a pagar, além do mais, a quantia de € 8.598,58, alegando ter a acordado com o Autor a realização de trabalhos a mais, trabalhos que especificou no art. 21º, e que se deu como assente sob o n.º 5, 6 e 7.

O Autor respondeu à reconvenção, alegando ter solicitado à Ré, no decorrer da construção, vários aditamentos e alterações à obra, nomeadamente o que foi indicado pela Ré, mas tais obras já foram pagas (cfr. art. 18º).

Não foi invocada pelo Autor a excepção peremptória da prescrição presuntiva, sendo certo que tal prescrição não importa, ipso jure, uma vez decorrido o prazo estabelecido na lei uma presunção de cumprimento, pois, conforme flui do art. 303º do CC, o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.  No regime de tal prescrição previsto para dívidas que é habitual o devedor cumprir em prazos muito curtos (arts. 316º e 317º do CC) e em que é frequente também não se passar documento de quitação,  a lei decorrido o prazo legal de 6 meses ou 2 anos, presume o pagamento efectuado, dispensando o devedor da prova deste, prova que poderia ser-lhe difícil, dada a ausência de quitação. Prova de pagamento ou cumprimento da obrigação que, em principio, compete ao devedor como facto extintivo da obrigação (art. 342º, n.º2 do CC) e só excepcionalmente prevendo a lei presunções de cumprimento, como consta do art. 786º do CC, neste caso cabendo ao credor provar que o devedor não cumpriu. A prescrição presuntiva de cumprimento, criada pelo legislador para valer ao devedor de dívidas que costumam ser pagas rapidamente e de cujo pagamento não é habitual cobrar recibo, configura, pois, um benefício, uma faculdade do devedor, o que explica o seu não conhecimento oficioso pelo Tribunal. O beneficiário usa a prescrição, se quiser. E tal excepção deve deduzida na contestação, sob pena de preclusão, como resulta do n.º 1 do art. 489º do CPC ao consagrar o princípio da concentração da defesa.

Ora, na sentença sob exame, tendo em conta a factualidade assente sob os n.ºs 4, 5 e 6, apurando-se ter Autor e Ré, no decurso da empreitada, acordado na realização de obras a mais, pelo preço de € 8. 598,58, e apesar de o Autor não ter feito pagamento desse preço, conheceu-se oficiosamente da prescrição, considerando-se subsumido tal crédito à previsão do art. 317º, alínea b) do CC. Ou seja, julgou-se oficiosamente verificada a prescrição presuntiva de pagamento do obrigação, na medida em que

a)-“a Ré terminou os trabalhos na morada na 2ª quinzena de Março de 2003 (resposta ao quesito 27º) e o Autor só foi notificado para pagar o preço dos trabalhos em Abril de 2005 (cfr. fls. 59;

b)-prescrevem no prazo de 2 anos os créditos daqueles que exercem profissionalmente uma indústria, pela execução de trabalhos, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor ( art. 317º, alínea b));

c)-A Ré exerce a actividade de construção civil e obras públicas (alínea A);

d)-a moradia construída pela Ré destinou-se a habitação do Autor e da sua futura esposa (resposta ao quesito 1º);

e)-a prescrição estabelecida no art. 317º funda-se na presunção de cumprimento (art. 312º)”.

Mesmo que se queira ver, in casu, uma obrigação sujeita a prescrição presuntiva de cumprimento, ao abrigo da alínea b) do art. 317º do CC, a verdade é que, como se referiu, estava vedado ao Julgador conhecer oficiosamente de tal excepção peremptória, cuja alegação e prova  incumbia ao Autor/Reconvindo, como resulta do art. 303º do CC. Neste aspecto nenhuma diferenciação de regime jurídico existe entre as prescrições presuntivas de pagamento e a prescrição ordinária, em que decorrido o prazo estabelecido por lei, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (n.º 1 do art. 304º do CC). Aliás, as obrigações sujeitas a prescrições presuntivas de cumprimento estão também sujeitas a prescrição ordinária, uma vez que, nos termos do art. 315º do CC, “as obrigações sujeitas a prescrição presuntiva estão subordinadas, nos termos gerais, às regras da prescrição ordinária”. Ou seja, decorrido que seja o prazo legal da prescrição ordinária, nada obsta a que o devedor de obrigação sujeita aos prazos curtos da prescrição presuntiva, invoque a prescrição ordinária com a eficácia prevista no art. 304º do CC. Com efeito, nas prescrições presuntivas, o decurso do prazo legal não extingue a obrigação apenas fazendo presumir o cumprimento.  Assiste, pois, razão à Apelante neste aspecto, ao defender que a dita prescrição liberatória do ónus de prova do cumprimento, não opera ipso jure, carecendo de invocação nos termos do art. 303º do CC. A eficácia da prescrição, quer presuntiva de cumprimento, quer ordinária, depende sempre da vontade daquele a quem aproveita.

Mas mesmo que o Autor tivesse invocado a prescrição presuntiva, com a finalidade de se eximir ao cumprimento do ónus probatório, todavia também não se assiste razão à Apelante ao afirmar, na 2ª conclusão, que o Recorrido discute, na contestação à reconvenção, as quantias reclamadas pelo Apelante, desse jeito confessando a dívida, praticando actos incompatíveis com a presunção de pagamento.

Como vimos, o Autor, ao contestar, aceitou a realização das obras a mais, tal como foram especificadas pela Ré, não impugnou o preço acordado, mais acrescentando que procedeu ao seu pagamento. Prescrevendo o n.º 1 do art. 313º do CC que a presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão.  Ou seja, o credor não pode contrariar ou ilidir a presunção de cumprimento com quaisquer meios de prova, como acontecerá noutras limitadas hipóteses em que a lei prevê a presunção de cumprimento.  E a confissão do devedor tanto pode ser expressa, nas modalidades e pelas formas previstas no art. 356º do CC, como pode ser tácita “se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou a praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento” (art. 314º do CC). Assim, a título de exemplo, será logicamente incompatível com a alegação da presunção de cumprimento ter o devedor negado a existência da dívida, ter impugnado o seu montante, ter pago apenas parte da dívida reclamada ou invocar nulidade ou anulabilidade do negócio, a gratuitidade dos serviços, etc.[1]  Devendo invocar a prescrição presuntiva de cumprimento, sobre o devedor recai também o ónus de alegar uma causa de extinção da dívida, podendo ser diversa do pagamento, porque todas as causas extintivas da obrigação são conciliáveis com a função da prescrição presuntiva[2].  Como é evidente, mesmo que tivesse invocado a prescrição, e já vimos que não, também o Autor, ao contestar, não confessou tacitamente a dívida.

Por fim, impõe-se ainda salientar, e contrariamente à tese sufragada na sentença recorrida, que a dívida do Autor resultante dos mencionados trabalhos a mais, nem sequer cai na previsão da alínea b) do art. 317º do CC. Estão em causa alterações ao plano convencionado ou até obras novas com autonomia em relação às obras previstas no contrato, mas alterações e aditamentos solicitados pelo Autor, como se vê do ns.º 4 e 5 da factualidade assente. Fazem parte essas obras do preço do contrato de empreitada, aumentado em função das alterações e aditamentos acordados. Essas obras não constituem, pois, objecto de um novo contrato de empreitada celebrado entre o Autor e Ré, abrangendo o preço global do contrato de empreitada, quer o inicialmente convencionado (€ 163.406,10), quer o posteriormente acordado (€ 8. 598,58) para realização das obras a mais. E à dívida emergente de contrato de empreitada não é de aplicar o regime do art. 317º, alínea b), do CC[3], não se enquadra na expressão “ execução de trabalhos”, porque não se trata de dívida que costuma ser paga em prazo curto e do pagamento não é costume exigir quitação, motivos que levou o legislador a estabelecer, para os créditos previstos nos arts. 316º e 317º do CC, prazos curtos para a prescrição presuntiva. Créditos que o credor ao fim de um prazo relativamente curto, em regra, exige, pois precisa do seu montante para viver e, por outro lado, o devedor, em regra, também paga essas dívidas que ele contraiu para prover às suas necessidades mais urgentes[4]. Ora, no caso presente, tal como na sentença foi considerado que o Autor devia pagar à Ré a quantia de € 16.898,10, porque por conta do preço inicialmente contratado apenas tinha pago a quantia de € 146.508,10, também se impunha a obrigação de pagar o preço dos trabalhos a mais executados pela Ré. A razão de ser é a mesma, não se justificando tratamento jurídico diverso.

Em suma, a Recorrente tem razão ao argumentar com a falta de invocação da prescrição presuntiva do cumprimento por parte do Autor, não sendo de acolher, porém, os motivos que subsidiariamente invocou no que toca à prova do incumprimento da obrigação com base confissão tácita do Autor ou ainda à falta do decurso do prazo legal de 2 anos, tendo em conta a factualidade apurada no n.º 24 e a notificação do Autor para contestar a reconvenção, ocorrida em Abril de 2005 (cfr. fls. 59).

Consequentemente, visto o disposto no n.º1 do art. 406º do CC, impõe-se a condenação do Autor/Reconvindo a pagar à Ré/Reconvinte a quantia de € 8.598,58 correspondente ao preço acordado para os trabalhos identificados no n.º 4 da factualidade assente, cujo pagamento não provou, como lhe competia (n.º2 do art. 341º do CC), acrescendo àquela quantia a indemnização pela mora a partir da interpelação para cumprir (n.º1 do art. 805º do CC).

                                     IV)- DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em:

1-Conceder total provimento ao recurso.

2-Revogar a sentença na parte impugnada, e, em consequência, julgar ainda procedente e provada a reconvenção relativamente ao pedido de pagamento do preço de trabalhos a mais, indo o Autor condenado a pagar à Ré a quantia de € 8.598,58, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da notificação para contestar a reconvenção até efectivo e integral pagamento. 

3-As custas do recurso serão pagas pelo Autor, ficando as custas da reconvenção a cargo do Autor e Ré na proporção do decaimento.


[1] Cfr., a este respeito, Código de Civil Anotado, vol. 1º, p. 203, de Pires de Lima e Antunes Varela; Prescrições Presuntivas: sua compatibilidade com a não impugnação dos factos articulados pelo autor, de Sousa Ribeiro, in Rev. Dir. Econ., 5º, p. 385; acórdãos do STJ, publicados no BMJ n.º 490º, p. 223, no BMJ n.º 241º, p. 270,  acessíveis na base de dados do ITIJ, P. n.º 96B867, de 10.04.97, P. 07ª4435, de 18.12.07, P. 06ª1764, de 12.09.06, P. 98B1197, de 18.02.99 e acórdão desta Relação, publicado na CJ 1998, 5º, p. 16
[2] Vaz Serra, in Excertos da Exposição de Motivos, no BMJ n.º 106º, p. 54 e segs. e acórdãos do STJ acessíveis na base dados do ITIJ, P. 04B547, de 22.04.04, P. n.º 03B3894, de 18.12.03 e acórdão da Relação do Porto, publicado na CJ 1994, 5º, p. 215 e desta Relação citado na nota anterior.
[3] Neste sentido, veja-se o acórdão do STJ, publicado na CJ 2006, 3º, p. 136; da Relação do Porto, na CJ 1994, 5º, p. 215 e sentença publicada na CJ 1982, 5º, p. 282.
[4] Cfr. Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. 2º, p. 452, de Manuel de Andrade.